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El País: Ministério da Saúde encurralado amplia tensão nos bastidores, e técnicos criticam falta de planejamento
Ministro tenta provar que não demorou a agir na crise de Manaus, enquanto investigação avança com anuência do STF e senadores cobram explicações. Funcionários reclamam que estão sendo enviados à cidade sem missão definida
Quase um ano depois da confirmação de seu primeiro caso de covid-19, o Brasil se vê diante de um Ministério da Saúde imerso em uma longa lista de desgastes. O cerco contra as ações do ministro Eduardo Pazuello se fechou ainda mais nesta segunda-feira, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski autorizou que a Polícia Federal realize diligências para apurar as ações do mandatário durante o colapso da saúde do Amazonas, quando faltou oxigênio para os doentes graves.
Entre as medidas autorizadas estão o acesso à troca de emails institucionais envolvendo o ministério e as secretarias estadual e de Manaus sobre os problemas, novos depoimentos da fornecedora dos cilindros, a White Martins, e o levantamento de gastos de aquisição e distribuição de cloroquina, hidroxicloroquina e de testes para detectar o coronavírus. Lewandowski determinou ainda a identificação e o depoimento dos desenvolvedores do aplicativo TrateCOV, que, conforme relatou reportagem do EL PAÍS, indicava o uso da cloroquina para qualquer tipo de paciente que acessava a planaforma.
O grave colapso do sistema de saúde de Manaus ―onde pacientes com covid-19 morreram asfixiados― e a abertura do inquérito de investigação na Polícia Federal para apurar se houve omissão de Pazuello elevaram a pressão sobre uma pasta já marcada por controvérsias no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus. Enquanto o ministro da pasta mergulha em um malabarismo retórico para agora negar medidas como, por exemplo o estímulo ao tratamento precoce a partir do uso de medicações sem eficácia contra a doença e tenta convencer que não demorou a negociar vacinas, um novo elemento tem injetado mais pressão ao cenário: a possibilidade de abertura de uma CPI no Senado.
O clima de tensão vem repercutindo internamente no trabalho de técnicos da pasta, que criticam “missões atabalhoadas” para Estados do Norte, vistas por eles como uma estratégia de defesa para mostrar ações proativas diante das investigações. Nos bastidores políticos de Brasília, a sensação é a de que, por enquanto, as explicações dadas por Pazuello na semana passada ao Senado não foram convincentes o suficiente. O Planalto ainda trabalha para impedir a CPI.
Na última quinta-feira (12), Pazuello foi participou de uma sessão organizada por senadores governistas para dar a ele a chance de ser ouvido antes da decisão sobre a instalação da possível CPI. O ministro abraçou a missão. Chegou a comparar as derrotas da Alemanha nas duas grandes guerras mundiais para pedir aos senadores que não abrissem uma nova frente de combate à pandemia ―a política― e se ativessem a uma guerra técnica conjunta para enfrentar o vírus. Argumentou que um embate político neste momento poderia desarticular a estratégia do Governo. “Queria fazer o meu alerta: a Alemanha perdeu a guerra duas vezes porque ela abriu a frente russa. Todo mundo avisou ao ditador que não devia abrir a frente russa, e ele abriu. Não há como manter duas frentes”, afirmou o ministro. “Se nós entrarmos em uma nova frente nesta guerra, que é a frente política, nós vamos ficar fixados. Se fixarmos a tropa que está no combate, vai ser mais difícil ganhar a guerra.”
Para se defender de uma suposta demora nas ações para socorrer Manaus, Pazuello disse que após ouvir relatos de “gente se contagiando mais que o normal” feitos por amigos e familiares da cidade, reuniu sua equipe ainda em dezembro. Determinou a transferência de recursos ao Estado e decidiu enviar uma equipe técnica para analisar a situação no local. Mas o grupo, chefiado pela Secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Pinheiro, chegou em Manaus apenas dias depois, em 3 de janeiro. A missão produziu um documento da pasta que reconhecia a “possibilidade iminente de colapso do sistema de saúde, em 10 dias”. Mas, segundo Pazuello, não houve nenhum alerta específico sobre um colapso de oxigênio. No dia 14 de janeiro, hospitais da cidade colapsaram e faltou até este insumo básico. Pessoas morreram asfixiadas.
Conforme contou Pazuello aos senadores, o problema de oxigênio começou a ser apresentado apenas em 7 de janeiro, quando recebeu uma ligação da Secretaria da Saúde pedindo ajuda para o transporte de oxigênio de Belém a Manaus. Um relatório de sua equipe dois dias depois apontou, conforme o ministro, que o foco de uma reunião no Estado havia mudado pelo relato de colapso dos hospitais e problemas técnicos na rede de oxigênio. Segundo Pazuello, técnicos afirmaram que o desabastecimento resultava de “problema na rede de gás do município” e de “deficiência na gestão dos hospitais”. “Rede de gases são os tubos de gases e não o oxigênio que vai dentro. Pressurização entre o município e o Estado é regulação entre um e outro.” E argumentou que só teria responsabilidade no colapso de Manaus se houvesse faltado recursos para a compra, mas não pelo desabastecimento.
“Os fatos relatados puros e secos indicam deficiência na gestão dos hospitais por colapso e dificuldades técnicas em redes de gases. Em momento algum fala sobre falta de oxigênio, colapso de oxigênio ou previsão de falta de oxigênio”, afirmou o ministro. Ele defendeu que, a partir do momento em que ficou clara a dificuldade de abastecimento do insumo hospitalar, agiu com apoio logístico para o envio de cilindros, requisitou usinas de produção e organizou a transferência de pacientes para hospitais federais de outros Estados, bem como abriu mais leitos. Segundo ele, a estratégia agora é fabricar oxigênio no Amazonas e em outros Estados do Norte que enfrentam problemas de abastecimento do insumo. A tentativa de explicar o colapso, no entanto, não parece ter arrefecido o clima no Senado, embora o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, esteja “protelando” a abertura da CPI, segundo um senador ouvido pelo EL PAÍS. Em entrevista à imprensa, ele disse que agora conversará com lideranças sobre a pertinência de instalá-la neste momento.
Pressão interna na atuação do Ministério
As críticas que já vinham sendo feitas às ações do Ministério da Saúde no combate à pandemia ganharam mais força a partir do colapso de Manaus e impactaram internamente nos trabalhos da pasta. Contribuiu para esta pressão a publicação de um documento assinado por Mayra Pinheiro, secretária que liderou a primeira missão de visita ao Estado, que contradiz o próprio ministro quando ele diz que não recomenda medicamentos sem eficácia comprovada para a covid-19. Em ofício enviado à Secretaria da Saúde de Manaus, ela dizia ser “inadmissível” a não-utilização de medicações como o antimalárico cloroquina e o antiparasitário ivermectina para controlar a pandemia em Manaus. A exposição do documento pela imprensa e a investigação sobre a atuação da pasta elevaram a pressão sobre outros secretários e diretores, responsáveis por assinar os documentos que oficializam ações e orientações da pasta.
Segundo funcionários do ministério ouvidos pelo EL PAÍS na condição de anonimato por medo de represálias, o nível de cobrança às equipes técnicas aumentou desde a investigação pedida pela PGR, especialmente aos que trabalham com o Centro de Operações de Emergência (COE). “Relatórios que tragam informações comprometedoras do dia a dia geram polêmica. Há um óbvio tensionamento no ar para que o ministro consiga justificar no inquérito que ele tomou as decisões que deveria. Está usando a estrutura do ministério de forma atabalhoada para dar conta de construir alguma justificativa plausível”, diz um funcionário que atua há mais de 10 anos na pasta.
Pazuello intensificou as viagens a Manaus desde a crise sanitária e a abertura das investigações. Um dia após a sabatina no Congresso ―onde alguns senadores avaliam que ele não conseguiu sanar dúvidas e convencê-los de sua atuação proativa―, ele anunciou que embarcaria outra vez para a capital do Amazonas para tratar da crise. Nas últimas semanas, o ministério também tem ampliado o envio de técnicos do Ministério da Saúde para apoiar gestores locais. Mas funcionários da pasta contam que estas viagens têm sido determinadas sem missões claras e coordenadas, como normalmente ocorria.
Um deles contou que técnicos estão sendo convocados para viajarem e só então verem com os gestores locais como poderiam ajudar no enfrentamento à crise. “Não tem um planejamento prévio do que se vai fazer lá. Uma colega enfermeira que trabalha com gestão contou que foi perguntada no Amazonas se ela poderia ajudar no hospital”, diz. Outro funcionário, que foi convocado para viajar, disse que o clima internamente já era tenso, mas piorou a partir da investigação. “A polêmica em relação a estas viagens é que foram decorrentes do inquérito. As viagens não têm plano. Servidores e até bolsistas são escalados de um dia pro outro. Há uma exigência equivocada de uma participação de pessoas de cada secretaria independentemente se têm relação com o problema a ser resolvido”, critica. Ele argumenta ainda que técnicos não estão preparados para resolver o problema de uma hora para outra e que as decisões estratégicas partem dos dirigentes. “É desproporcional para a responsabilidade de um técnico”, acrescenta.
Em meio à crise, as coletivas técnicas da pasta, que já vinham sendo espaçadas no ano passado, passaram a ser marcadas por um amplo hiato. A última aconteceu em 13 de janeiro, mesmo com uma nova variante do vírus potencialmente mais transmissível se espalhando pelo país. É neste momento que a pasta apresenta suas análises epidemiológicas de como a pandemia avança pelo Brasil. Geralmente, os encontros eram conduzidos pelos secretários, já que a frequência de Pazuello sempre foi pequena.
O Globo: Nova cepa do coronavírus se espalha pelo país e cientistas temem terceira onda
Tire as principais dúvidas sobre a variante de Manaus, que pode aumentar velocidade da pandemia no Brasil
Giuliana de Toledo e Johanns Eller, O Globo
RIO e SÃO PAULO — Já somam, de acordo com a Secretaria estadual de Saúde, 25 os casos de Covid-19 no estado de São Paulo provocados pela variante do coronavírus inicialmente identificada em Manaus. Desses, 16 são de pessoas que não estiveram no Amazonas nem em contato com quem tenha viajado pela região. Ou seja, a linhagem P1 está produzindo em número significativo infecções autóctones, que ocorrem sem “importação”.
Faça o teste: Qual é o seu lugar na fila da vacina?
O Ministério da Saúde informa que, além de Amazonas e São Paulo, essa mutação do vírus já atinge pelo menos Ceará, Espírito Santo, Pará, Paraíba, Piauí, Rio de Janeiro, Roraima e Santa Catarina. E, segundo autoridades de saúde locais, há registros na Bahia e houve um episódio autóctone registrado no Rio Grande do Sul.
O avanço da P1 pelo país é preocupante, pois, segundo cientistas, ela demonstra ser mais transmissível. O principal freio seria a vacinação em massa. Mas a campanha nacional de imunização sofre com a escassez de vacinas.
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A própria eficácia dos imunizantes é outra incógnita. Não há estudos que indiquem o grau de proteção da CoronaVac e da vacina de Oxford/AstraZeneca contra essa cepa. O Instituto Butantan informa que testes já estão em curso e devem ser concluídos nas próximas semanas sobre a vacina chinesa. A AstraZeneca, parceira de Oxford e da Fiocruz, também iniciou estudos.
Para tentar conter a propagação, Araraquara, que concentra 12 dos 25 casos de São Paulo — os demais estão na capital (9), em Jaú (3) e em Águas de Lindoia (1) —, entrou ontem em lockdown por 15 dias.
Também para barrar as variantes (incluindo a britânica e a sul-africana), o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC) emitiu um alerta recomendando medidas de contenção como toques de recolher e lockdown.
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A reportagem procurou o Ministério da Saúde para entender a estratégia federal de contenção da nova cepa, sem retorno. E a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não respondeu se adotaria medida similar à da reguladora da União Europeia, que agilizará a liberação de vacinas eficazes contra novas mutações.
Como o Brasil pode evitar uma onda da nova cepa?
País corre risco de enfrentar terceira onda, afirma virologista
Para Fernando Spilki, virologista que coordena a Rede Corona-ômica (iniciativa do Ministério da Ciência para observar a evolução do coronavírus), diante do número elevado de casos, do ritmo lento da vacinação e da nova linhagem circulando, o país deveria considerar, “se não um lockdown completo”, medidas que restrinjam a circulação. A situação atual, ele alerta, nos encaminha para uma terceira onda, ainda mais preocupante, pois, agora, com variantes do vírus. Ele diz que vivencia-se hoje o efeito da falta de controle da movimentação de cidadãos no país.
Justiça: STF determina que Polícia Federal investigue gastos do Ministério da Saúde com compra de cloroquina
A variante é mais transmissível? É mais letal?
Estudos epidemiológicos podem demonstrar potencial de contágio
As mutações afetam a proteína S, que é determinante na propagação do vírus. Por isso, e pelo pico de doentes observados em Manaus, cientistas acreditam que a variante seja sim mais transmissível. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmou, em audiência no Senado, que “análises indicam que ela seja três vezes mais contagiosa", mas não informou a estratégia da pasta para evitar a disseminação da cepa. Ainda não se sabe se ela é mais letal. “Precisamos de estudos epidemiológicos e clínicos melhores”, explica Ester Sabino, da USP, que lidera sequenciamentos genéticos do vírus.
É possível a reinfecção pela nova linhagem?
Brasil deve considerar restrição de circulação, diz especialista
Sim. Quem já foi contaminado pode ser novamente infectado por essa variante do Sars-CoV-2. “Sabemos que a reinfecção está sim ocorrendo, mas ainda não sabemos com que frequência”, conta Sabino. Os pesquisadores se preocupam pela capacidade que essa linhagem do coronavírus parece ter em “driblar” o sistema imunológico de quem já superou a doença e deveria, em tese, ser resistente. Uma outra questão que não está respondida é a da intensidade da infecção em quem já adoeceu anteriormente: ela é mais, igualmente, ou menos forte?
Devo fazer teste para saber se estou com essa cepa?
Identificação só pode ser feita por exame ainda indisponível
É impossível descobrir por iniciativa própria se você está infectado com alguma variante, incluindo a de Manaus. A identificação das cepas só pode ser feita por sequenciamento genético, ainda indisponível nos laboratórios brasileiros. A Fiocruz do Amazonas anunciou que está criando um teste de PCR capaz de diferenciar a P1. “Hoje o sequenciamento só é feito em laboratórios de vigilância e pesquisa. Não há indicação para fazer o teste com o objetivo de saber que variante as pessoas têm”, diz Sabino. O tratamento contra a Covid-19 é o mesmo.
As vacinas usadas no Brasil são eficazes contra a cepa?
Imunizantes não divulgaram estudos que respondam sua ação diante da linhagem de Manaus
As duas vacinas em uso no Brasil, a da AstraZeneca/Oxford, produzida em parceria com a Fiocruz, e a do Butantan, em acordo com a Sinovac, não divulgaram estudos que respondam sua ação diante da linhagem de Manaus. O instituto paulista informa que testes para checar a eficácia nesses casos estão em curso e serão apresentados “nas próximas semanas”. O imunizante da AstraZeneca também está em avaliação contra a cepa brasileira. Procurada pela reportagem, a Fiocruz não respondeu sobre o estágio da investigação.
Detectamos com precisão mutações do vírus no Brasil?
Pesquisadores buscam concluir levantamentos sobre vigilância genômica
Não. Para Sabino, faltam recursos para o país conduzir um sequenciamento genético mais amplo de amostras de vírus que circulam aqui. Há vários grupos nacionais com esse enfoque, mas os esforços não estão bem distribuídos “no tempo nem no espaço", de modo que o retrato da epidemia acaba ficando incompleto. Spilki, por sua vez, destaca que, para além da vigilância genômica, o país não se vale de dados para criar estratégias, o que seria indicado “inclusive para questões de cicatrização do tecido econômico e de retorno à normalidade”.
William Waack: Tudo dando certo
Cenário internacional ajuda o Brasil e tira senso de urgência para questão fiscal
A julgar pelo noticiário da imprensa especializada internacional (Financial Times, por exemplo), começou um novo ciclo de forte valorização de commodities. A subida de preços abrange 27 tipos que vão do café ao níquel, e incluem produtos agrícolas nos quais o Brasil é campeão mundial. Os investidores ainda indagam se é mais do que uma recuperação em “V” das profundezas da crise da pandemia, mas consolida-se a percepção de que estamos indo para um superciclo, comparável ao do início de 2000.
O Brasil é muito mais dependente das grandes conjunturas externas do que nos é confortável admitir. Por exemplo, é impossível entender o que foi o período do PT sem levar em conta o superciclo das commodities de 20 anos atrás. Ele criou uma bonança que alterou os cálculos políticos. E explicava o surgimento da tal “nova classe média”: não era o “projeto petista”, mas, sim, o crescimento da China, a expansão do comércio exterior (globalização) e a demanda por nossas exportações – sendo que o mesmo volume do nosso minério de ferro passara a comprar muito mais TVs de tela plana.
Junte-se a descoberta do pré-sal, na metade daquela década, quando o barril do petróleo foi para as alturas, e temos a mistura de fatores, sobre os quais não tínhamos qualquer controle, criando uma atmosfera política do “tudo é possível”. Lula nunca entendeu o que aconteceu no grande quadro internacional e talvez pense até hoje ter sido o criador do superciclo – o fato é que a bonança acabou desperdiçada por falta de visão política (abandonaram-se as reformas), irresponsabilidade, corrupção (que não foi inventada pelo PT) e intervencionismo estatal desastroso.
A lição que essa (admita-se) ultrasimplificação da nossa recente história oferece é a de que o surgimento de uma “zona de conforto”, criada por fatores sobre os quais pouco influímos, tem um impacto direto na conduta dos agentes políticos e do setor privado. Em outras palavras, nada fica parecendo tão urgente que não possa ser deixado para amanhã. Aplicado às circunstâncias atuais, o vigoroso movimento de alta das commodities – sim, com jeito de superciclo – talvez ajude a entender a calma com que os mercados reagem especialmente ao que o governo brasileiro deixa de fazer.
A situação fiscal está no limite e a probabilidade de que reformas estruturantes sejam aprovadas este ano é muito reduzida. Porém, a combinação de dois fatores amplos proporciona essa agradável situação, tão ao gosto do Centrão, de que as coisas podem ir sendo empurradas com a barriga, especialmente cortes em despesas. Um fator é a extraordinária injeção de liquidez mundial com juros baixos e a recuperação da China e dos Estados Unidos sob um inédito pacote de incentivos. O outro é a noção de que a vacinação em massa (mesmo com os percalços brasileiros) induz a uma retomada da economia mais acelerada do que se calculava ainda há dois meses.
Com isso, diminui também não só a “pressa” de resolver nossos intratáveis problemas estruturais. Ressurge com ênfase entre agentes políticos a discussão se o reaquecimento da economia e a consequente recuperação da arrecadação não seriam, por si, suficientes para criar o tal “robusto marco fiscal” que permita prosseguir no pagamento do auxílio emergencial – algo vital para a pretensão de reeleição de Bolsonaro. Basta declarar a tal “excepcionalidade temporária” com que as forças políticas no Congresso que capturaram o Planalto pretendem promover a quadratura do círculo (gastar mais e cortar menos).
É possível que esse sopro favorável internacional ajude a consolidar na cabeça de Jair Bolsonaro, sempre inclinado a acreditar no absurdo e no fácil, a percepção de que tudo está dando certo
Folha de S. Paulo: Veja como chefes no Congresso lidaram com presidentes da República
Histórico é marcado por impeachments e reformas aprovadas pelos parlamentares
Desde a redemocratização, a relação entre os chefes do Congresso e o presidente da República tem sido marcada por tensão, fossem os comandantes do Legislativo governistas ou oposicionistas.
Prestes a deixar o posto, Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, subiu o tom contra Jair Bolsonaro (sem partido), chamando o chefe do Executivo de covarde e irresponsável por atitudes tomadas na gestão da pandemia.
Ainda na Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ) foi um dos principais responsáveis pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT).
Veja, abaixo, como foi a relação entre os Poderes nos últimos 30 anos.
CÂMARA
Ulysses Guimarães (SP) MDB
1985-1987/1987-1989
O “senhor Diretas” tinha sua imagem vinculada à de José Sarney. Com a posse do presidente, em 1985, Ulysses participou ativamente da composição do governo, até mais do que o chefe do Executivo. Em discurso em 2012 em homenagem a Ulysses, Sarney, então presidente do Senado, afirmou: “Era um exímio costurador e alinhavava com extrema perfeição a conspiração da boa causa”. A proximidade com Sarney, cujo governo foi marcado pela hiperinflação, acabou prejudicando a campanha de Ulysses à Presidência em 1989. Ele terminou em sétimo lugar, com apenas 4,4% dos votos.
Paes de Andrade (CE) MDB
1989-1991
Durante 1989, assumiu 12 vezes a Presidência da República. Nessas ocasiões, foi alvo de críticas por não seguir determinações de Sarney e quase demitir um ministro interino, Paulo César Ximenes, da Fazenda. Ao voltar para a Câmara, após passagem pelo Executivo, manteve o arquivamento de denúncias contra Sarney apresentadas pela CPI que investigou irregularidades na administração. A decisão havia sido tomada por Inocêncio de Oliveira, seu substituto no comando da Casa.
Ibsen Pinheiro (RS) MDB
1991-1993
Comandou a Casa durante o processo de impeachment de Fernando Collor.
Inocêncio de Oliveira (PE) PFL (atual DEM)
1993-1995
Votou a favor da abertura do processo de impeachment contra Collor. Já com Itamar Franco no Executivo, foi defensor do Plano Real, principal medida do presidente.
Luís Eduardo Magalhães (BA) PFL (atual DEM)
1995-1997
Próximo de Fernando Henrique Cardoso, atuou para que o PFL apoiasse a candidatura do tucano à Presidência. O partido acabou assumindo a vice, com Marco Maciel. Teve o apoio de FHC na campanha para o comando à Câmara. Morreu em 1998, quando era líder do governo na Casa.
Michel Temer (SP) MDB
1997-1999/1999-2001
Sua candidatura ao comando da Casa teve apoio do Planalto, que contava com o MDB para a aprovação da emenda da reeleição —a medida acabou passando. Em 1999, foi reeleito para o posto, sendo o único candidato na corrida. Barrou iniciativa da oposição que pedia abertura de processo de impeachment contra FHC.
Aécio Neves (MG) PSDB
2001-2002
Eleito em primeiro turno, derrotou o candidato do PFL, Inocêncio de Oliveira. Ao assumir o posto, disse que a relação com o Planalto seria “serena e sóbria, mas altiva”. “É possível ser presidente da Câmara, filiado ao partido do presidente e dar dignidade a esta Casa”.
Efraim de A. Morais (PB) PFL (atual DEM)
2002-2003
Assumiu o posto após Aécio Neves, eleito governador de Minas Gerais, renunciar.
João Paulo Cunha (SP) PT
2003-2005
Candidato único, foi eleito com 434 votos. Liderou propostas de reforma lançadas por Lula.
João Severino Cavalcanti (PE) PPB (atual PP)
2005
O “rei do baixo clero”, como ficou conhecido em 2005, aproveitou-se de um racha na base do PT e venceu a disputa contra o candidato oficial do governo Lula, Luiz Eduardo Greenhalgh. Passou apenas sete meses no cargo. Nesse período, barrou pedidos de abertura de impeachment contra Lula.
Aldo Rebelo (SP) PC do B
2005-2007
Antes de ser eleito, foi ministro de Lula. Identificado com os petistas, teve apoio do Planalto na corrida para o cargo
Arlindo Chinaglia (SP) PT
2007-2009
A eleição, vencida no segundo turno contra Rebelo, gerou um racha na base aliada do governo Lula. O bloco de apoio de Chinaglia, que contava com partido como MDB e PP, foi alvo de críticas por aliados do presidente.
Michel Temer (SP) MDB
2009-2010
A terceira passagem de Temer pela presidência da Câmara gerou preocupação do Planalto logo na eleição. O emedebista venceu Rebelo e Ciro Nogueira (PP-PI), de partidos aliados do governo. Na época, José Múcio Monteiro, ministro de Relações Institucionais, admitiu que a disputa deixaria sequelas na base governista.
Marco Maia (RS) PT
2010-2012
O petista foi eleito com 375 votos, contra 106 de Sandro Mabel (PR-GO, hoje PL), 16 de Chico Alencar (PSOL-RJ) e apenas 9 do então deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ). A eleição fez parte de um acordo costurado com o MDB. Maia foi escolhido o candidato oficial do Planalto, e sua vitória significou, portanto, uma vitória do governo.
Henrique Eduardo Alves (RN) MDB
2013-2014
O emedebista foi eleito amparado em um acordo entre PT e MDB que havia sido fechado seis anos antes. As siglas haviam acertado os termos de um rodízio no comando nos anos seguintes —embrião da indicação de Temer para a vice de Dilma. O pacto surgiu em meio ao racha da base de Lula na eleição para a presidência da Câmara em 2007. Mesmo assim, Eduardo Alves foi eleito com um discurso incômodo ao Planalto.
Eduardo Cunha (RJ) MDB
2015-2016
A vitória em primeiro turno do emedebista marcou uma derrota histórica para o governo Dilma. Considerado um aliado pouco confiável, já que liderou rebelião no Legislativo contra Dilma em 2014, Cunha, cassado e hoje em prisão domiciliar, bateu o petista Arlindo Chinaglia (SP), nome bancado pelo Planalto, por 267 votos contra 136. A previsão se concretizou, e ele rompeu oficialmente com o governo, levando a votação diversos projetos que criaram gastos extras, agravando a crise econômica enfrentada pelo país. No fim de 2015, em retaliação ao PT e ao Planalto, que não asseguraram votos para enterrar seu processo de cassação, o deputado acatou pedido de impeachment contra Dilma, que cairia depois de oito meses.
Rodrigo Maia (RJ) DEM
2016-2021
Reeleito em 2019, o demista era um dos principais defensores da agenda econômica do governo. Maia assumiu o protagonismo de costurar acordos para aprovar a reforma da Previdência. Em julho de 2019, pouco antes de anunciar o resultado da votação da medida em plenário, aprovada com placar elástico, fez uma crítica velada a Bolsonaro, dizendo que os problemas do país seriam resolvidos a partir do Congresso. No ano passado, o deputado foi um dos grande críticos da condução da crise pelo governo federal. No começo deste ano, subiu o tom, chamando o presidente de covarde e irresponsável. Maia disse ainda que a discussão sobre o impeachment será “inevitável” no futuro.
SENADO
José Fragelli (MS) MDB
1985-1987
Participou das articulações em torno da candidatura de Tancredo Neves, em 1983. Dois anos depois, deu posse ao então vice, José Sarney, diante do quadro de saúde de Tancredo.
Humberto Lucena (PB) MDB
1987-1989
Durante a elaboração da Constituição, apresentou emenda que mantinha o presidencialismo. Era a favor de dar prioridade à Constituinte, mas também defendeu que o Congresso seguisse votando legislação ordinária.
Nelson Carneiro (RJ) MDB
1989-1991
Presidiu a sessão do Congresso que empossou Fernando Collor.
Mauro Benevides (CE) MDB
1991-1993
Presidiu a Casa na época de instalação da CPI voltada a apurar denúncias contra Paulo César Farias, tesoureiro da campanha de Collor. Rebateu crítica do presidente, que havia classificado a oposição a seu governo como “sindicato do golpe”. Votou a favor do afastamento do chefe do Executivo.
Humberto Lucena (PB) MDB
1993-1995
Em seu segundo mandato, travou disputa com a Câmara pela direção dos trabalhos de revisão da Constituição. Na época, em entrevista à Folha, disse que “não [ficava] bem para a opinião pública uma disputa dessa natureza (...), porque [dava] a impressão de um conflito de natureza institucional”. As duas Casas acabaram chegando a um acordo, e a presidência da comissão ficou com o Senado.
José Sarney (MA) MDB
1995-1997
A segunda passagem de Sarney no comando da Casa foi marcada por atritos com o Executivo, principalmente em torno de medidas provisórias. Para o grupo do senador, o governo FHC vinha abusando do instrumento e desacelerou a tramitação dessas iniciativas.
Antônio Carlos Magalhães (BA) PFL (atual DEM)
1997-1999/1999-2001
Ao tomar posse, declarou que iria cooperar o máximo com o governo, “mas isso não significa que o Executivo vai fazer o que quiser aqui dentro”. Sua promessa era acelerar as reformas constitucionais, incluindo a emenda que permitiria a reeleição —a medida acabou passando. Também levou a votação medidas de ajuste econômico que interessavam ao governo. Na sua gestão, os senadores aprovaram a lei que criou o contrato temporário de trabalho, por exemplo. Mas também usou o poder de pautar projetos para retardar a votação de medidas provisórias e acelerar a derrubada de vetos do Planalto.
Jader Barbalho (PA) MDB
2001-2001
O maior atrito do emedebista durante seu mandato foi com outro senador, Antônio Carlos Magalhães. ACM se recusou a cumprimentar Barbalho na transmissão do cargo. Os desentendimentos começaram ainda em 1999, na gestão do parlamentar baiano. Na época, a discussão girava em torno da criação de CPIs. ACM era a favor de criar uma para investigar o Judiciário. Já Barbalho era a favor da instalação de uma comissão com foco nos bancos.
Edison Lobão (MA) PFL (atual DEM)
2001-2001
Assumiu o cargo interinamente após Barbalho, alvo de acusações de corrupção, se licenciar.
Ramez Tebet (MS) MDB
2001-2003
Então ministro da Integração Nacional, teve sua candidatura patrocinada pelo Planalto. A vitória na disputa ocorreu na esteira do conflito entre MDB e PFL, alimentada pela troca de acusações entre ACM e Barbalho.
José Sarney (MA) MDB
2003-2005
Atuou para inviabilizar duas CPIs incômodas ao governo. Uma delas visava investigar denúncias de lavagem de dinheiro por meio de bingos e caça-níqueis. A outra tinha como objetivo apurar as supostas relações entre o assassinato do petista Celso Daniel, prefeito de Santo André (SP) na época, e um esquema de corrupção na administração local.
Renan Calheiros (AL) MDB
2005-2007/2007-2007
Eleito com apoio de Lula, atuou em consonância com o Executivo. Ainda assim, disse ser “presidente do Congresso, não líder do governo”. Na época da instalação das CPIs dos bingos, dos Correios e do mensalão, defendeu que, “se houver algum culpado, que seja punido”. Em 2005, atuou junto à bancada do MDB para conquistar votos para Aldo Rebelo, candidato de Lula para o comando da Câmara. Em 2006, articulou o apoio de seu partido à campanha de reeleição de Lula. Em seu segundo mandato à frente do Senado, foi alvo de diversas denúncias, incluindo o pagamento de despesas pessoais por um lobista ligado à construtora Mendes Júnior. Acabou renunciando ao posto.
Tião Vianna (AC) PT
2007-2007
Ocupou o posto interinamente após a saída de Calheiros.
Garibaldi Alves Filho (RN) MDB
2007-2009
Candidato único, foi eleito com 68 votos. Durante seu período à frente da Casa, criticou o “número excessivo” de medidas provisórias encaminhadas pelo Executivo, que tirariam o tempo dos senadores para discutir outros projetos. Mais tarde, foi nomeado por Dilma para o Ministério da Previdência Social.
José Sarney (MA) MDB
2009-2011/2011-2013
O emedebista enfrentou diversas acusações durante seu terceiro mandato. Uma delas envolvia a nomeação, por ato secreto, de um de seus netos para o cargo de secretário parlamentar de um senador. Lula saiu em defesa do emedebista, dizendo que Sarney não poderia ser tratado “como se fosse uma pessoa comum”. Reeleito para a posição, fortaleceu seu posto de aliado do governo.
Renan Calheiros (AL) MDB
2013-2015/2015-2017
Eleito com apoio do Planalto, pediu “serenidade” na época em que o então presidente Michel Termer foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República por corrupção passiva no caso JBS. Defendeu, na mesma época, uma pauta própria para o Congresso.
Davi Alcolumbre (AP) DEM
2019-2021
A eleição do demista foi uma vitória para o governo. A candidatura de Alcolumbre foi bancada pelo então ministro da Casa Civil, Onys Lorenzoni (DEM). Entre os senadores, é visto tanto como “pacificador” quanto como “office boy de luxo” de Bolsonaro. Conseguiu o apoio do presidente para o seu candidato à sucessão no Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Folha de S. Paulo: Alcolumbre divide opiniões ao deixar comando do Senado
Senador deixa o posto após dois anos visto como habilidoso ao construir pontes com oposição e situação
Renato Machado, Folha de S. Paulo
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), encerra nesta semana seu período de comando da Casa, quando passou de um parlamentar relativamente desconhecido a um político poderoso, que se mostrou bom articulador e ganhou respeito de governo e oposição.
Por outro lado, é criticado por não encarnar a "renovação" que sua candidatura instigou, há dois anos. E também teve uma posição em relação ao Palácio do Planalto que dividiu opiniões: para alguns se mostrou um "pacificador", enquanto senadores mais críticos preferem expressões como "office boy de luxo" de Jair Bolsonaro (sem partido).
Alcolumbre foi eleito em fevereiro de 2019, revertendo o favoritismo de Renan Calheiros (MDB-AL), que queria se tornar presidente pela quinta vez. A eleição para a presidência do Senado tornou-se então um embate entre a nova e a velha política.
Os dois anos da presidência de Alcolumbre coincidem com o início da gestão Bolsonaro, período de turbulência institucional e da pandemia do novo coronavírus.
Enquanto o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se tornou um crítico frequente do presidente, Alcolumbre foi mais reservado.
As poucas manifestações que bateram de frente com o Planalto se deram no início da pandemia, quando considerou "grave" o pronunciamento de Bolsonaro em que atacou as medidas de isolamento social. Também divulgou nota afirmando ser "inconsequente" promover aglomerações, após a participação do presidente em manifestação.
"Se ele fosse ficar com um balde de gasolina, iria acabar incendiando tudo. Então ele foi um pacificador", afirmou Otto Alencar (PSD-BA), líder da bancada no Senado.
Crítico mais feroz do presidente da Casa, o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO), por sua vez, disse que a posição de Alcolumbre frente ao Palácio do Planalto foi de submissão, comprometendo a independência do Senado.
"Ele [Alcolumbre] foi aceitando tudo. A relação dele com o presidente era só falar 'sim', era um office boy de luxo", afirmou Kajuru.
Alcolumbre defende sua atuação, afirmando que respeita as críticas, embora ressalte que trabalhou com "altivez, respeito, independência e equilíbrio entre os Poderes da República", segundo nota de sua assessoria de imprensa.
Se a relação com o Planalto divide opiniões, Alcolumbre conseguiu construir reputação dentro do Senado, construindo alianças com situação e oposição.
Prova disso é a articulação para a candidatura de seu apadrinhado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que reuniu no mesmo bloco dez bancadas, colocando no mesmo lado o presidente Bolsonaro e o PT.
Senadores próximos ressaltam sua habilidade política para "construir pontes".
"O presidente atendeu pautas de interesse do governo e da oposição. Para nós, foi positiva a possibilidade de ter pautas de interesse dos trabalhadores", afirmou o líder do PT, senador Rogério Carvalho (PT-SE), apontado como próximo a Alcolumbre.
Carvalho citou como exemplos as medidas provisórias que tramitaram durante a pandemia, como a que resultou na redução da jornada de trabalho e cancelamento de contratos, para evitar demissões.
Outros senadores, por outro lado, afirmam que a popularidade de Alcoumbre se deve ao aumento de privilégios.
"Ele conseguiu aumentar ainda mais os privilégios dessa capitania, aumentou os gastos, as contratações", afirmou Kajuru.
Lasier Martins (Podemos-RS) também citou a distribuição de emendas de relator, usada para ampliar o seu leque de alianças e rachar algumas bancadas oposicionistas. O parlamentar destacou emendas obtidas para estados e municípios, que não foram divididas com todos os senadores.
"Houve uma seleção discriminatória. E dessa forma ele estava pavimentando o caminho para a sua recondução, se não fosse o STF [Supremo Tribunal Federal]", afirmou.
O senador se referiu à decisão do Supremo, em dezembro, que barrou a reeleição dos presidentes das Casas Legislativas em uma mesma legislatura. Alcolumbre considerava como certa a possibilidade de disputar a reeleição.
Lasier Martins é integrante do grupo Muda Senado, que se mostrou fundamental para a eleição do senador amapaense, mas depois afirmou ter sido traído.
O grupo defende pautas anticorrupção, como a condenação em segunda instância, a instauração de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) e a abertura de processo de impeachment contra ministros do STF.
O grupo afirmou que perdeu espaço no diálogo com a presidência do Senado, vendo sua pauta ser preterida. Alcolumbre também não abriu nenhuma CPI e, no último mês de sua gestão, arquivou 38 petições para impeachment de autoridades do Judiciário, a maior parte delas de ministros do STF.
Em outra crítica, o presidente é acusado de blindar Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), no caso das "rachadinhas". O Conselho de Ética não abriu processo contra o filho 01 de Bolsonaro, assim como não o fez contra Chico Rodrigues (DEM-RR), então vice-líder do governo no Senado, flagrado com dinheiro em sua cueca.
Alcolumbre, por outro lado, é exaltado por dar procedimento aos trabalhos legislativos durante a pandemia do novo coronavírus, adotando o sistema remoto de sessões.
Os aliados lembram a aprovação rápida de medidas de enfrentamento à pandemia ou para estimular a economia, como o orçamento de guerra, auxílio emergencial aos trabalhadores informais e a liberação de recursos para vacinas contra a Covid-19.
Por outro lado, não houve o funcionamento das comissões e portanto Alcolumbre ganhou "superpoderes", levando matérias direto para a votação em plenário, escolhendo os relatores de sua preferência.
De saída da presidência do Senado, Alcolumbre vinha afirmando que queria ser vice-presidente da Casa, mas as articulações para atrair o MDB envolvem esse posto.
Se continuar na Casa, deve ficar então com a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Outra possibilidade é se tornar ministro do governo, no Desenvolvimento Regional ou na Secretaria de Governo.
Paulo Gontijo: Vacinação pode ser pontapé para conter ataques à liberdade
Além do coronavírus, precisamos vencer o vírus do autoritarismo, voltar a tomar as ruas
O início da vacinação é o primeiro passo para o País sair da pior crise enfrentada por esta geração. Em momentos de grandes dificuldades, nossa espécie anseia por grandes líderes apontando caminhos de superação. Infelizmente, no Brasil, nós nos deparamos hoje é com o gigantismo da estupidez guiando a desordem e provocando instabilidades.
Não há ação técnica coordenada entre União e Estados. Onde precisamos de um governo para preservar a vida dos brasileiros, há apenas um comitê eleitoral. No lugar de distribuir vacinas, distribuem-se palavrões em churrascarias e cenas grotescas lambuzadas de leite condensado. O preço é alto e permanecerá sendo pago em largas prestações.
Após meses de negacionismo, Jair Bolsonaro ensaiou falar o óbvio: a vacina é essencial para a retomada econômica. Mas antes que sentíssemos qualquer alívio, o presidente retomou a sua narrativa insana, defendendo a ideia de que basta ao povo coragem para voltar à normalidade e enfrentar o vírus que já vitimou mais de 220 mil brasileiros.
Há, porém, algo pior do que seus discursos irresponsáveis: o boicote à vacinação. Fruto de uma combinação entre aloprados ideológicos, generais incompetentes e a pura omissão, seja na diplomacia ou na falta de implantação de um sistema de gestão do programa de imunização. E assim seguimos patinando, com consequências graves para a vida de todos os brasileiros e também para a economia.
As piores repercussões humanitárias ainda estão a caminho. Há risco de reedições da catástrofe de Manaus. Segundo projeções do economista Daniel Duque, com o fim do auxílio emergencial e a segunda onda da doença a extrema pobreza pode atingir até 20 milhões de brasileiros e a pobreza, que antes da pandemia era a condição de menos de 25% da população, pode chegar a mais de 30%. Quando aplicadas no ano passado, políticas de transferência de renda foram consenso. Agora voltam ao centro das atenções. Interrompido sem uma transição minimamente estruturada, o auxílio emergencial acabou significando um custo fiscal muito maior em razão da desorganização, da falta de planejamento e do caos político do governo Bolsonaro.
Criar uma ampla rede de proteção com transferências diretas para os mais pobres e vulneráveis é uma política herdeira do pensamento de liberais como Thomas Paine, Stuart Mill, Friedrich Hayek e Milton Friedman. Indiscutível do ponto de vista social, essa necessidade ilumina um problema crônico e estrutural do Estado brasileiro: apesar de consumir 40% da riqueza nacional todos os anos com um orçamento trilionário, nosso poder público, engessado em despesas obrigatórias, não foi capaz de construir uma proteção minimamente robusta para os mais vulneráveis. Mudar essa realidade deveria ser o centro das preocupações políticas.
Neste momento, cabe às vozes liberais o cuidado com os mais frágeis no presente, sem lhes sacrificar o futuro. Nosso esforço de guerra contra a covid-19 não pode perder de vista o pós-guerra. A reconstrução da economia e do mundo que herdaremos será mais ágil, ampla e inclusiva na medida em que tivermos a capacidade de implementar políticas públicas que sejam fruto da urgência, mas não se contaminem pelo desespero. Não apenas é possível, como necessário, aliar sensibilidade social à responsabilidade fiscal, a reformas que aumentem a eficiência do Estado brasileiro, à proposta da Lei de Responsabilidade Social – elaborada pelo Centro de Debate de Políticas Públicas após debate surgido no movimento Livres –, que remaneja programas sociais já existentes em busca de mais efetividade.
Em direção oposta a esse esforço, porém, o que assistimos é a proposições para ampliar poderes de forma abusiva, diminuir a transparência ou simplesmente promover líderes do Executivo. São exemplos o alargamento de prazos das medidas provisórias e da Lei de Acesso à Informação, a injustificável menção a decreto de estado de defesa pelo procurador-geral da República e a ameaça aberta de insurreição antidemocrática em 2022 pelo próprio presidente, inspirado na invasão dos trumpistas ao Capitólio. Com isso, antes de avançar, é preciso assegurar que não vamos retroceder.
O alerta liberal contra excessos do poder estatal está mais pertinente do que nunca. Não à toa, nós, do Livres, ingressamos com ação civil pública para convocar Jair Bolsonaro a apresentar em juízo as provas que ele reiteradamente alega possuir sobre a suposta fraude eleitoral em 2018. Não há espaço para omissão. A credibilidade do sistema eleitoral é pilar da legitimidade da democracia liberal. Utilizar o prestígio da Presidência da República para minar as bases da democracia é um atentado à Constituição. Em meio a uma pandemia, faltam até palavras para classificar. Além do coronavírus, precisamos vencer o vírus do autoritarismo. Em ambos os casos, a vacina será o passaporte para que possamos voltar a sair de nossa casa, tomar as ruas e desfrutar, juntos, o prazer da liberdade. E, sobretudo, encarar a responsabilidade de defendê-la.
*Analista político, especialista pela universidade de Georgetown (Washington, D.C), é Diretor Executivo do Movimento Liberal Livres.
O Globo: 'O governo não vai aprovar tudo o que quiser’, diz o sociólogo Carlos Melo
Para professor do Insper, efeito da pandemia na popularidade de Jair Bolsonaro testará fidelidade dos deputados do centrão ao Palácio do Planalto
Eduardo Salgado / O Globo
SÃO PAULO — Para o professor sênior de Sociologia e Política do Insper Carlos Melo, a possível vitória do deputado Arthur Lira (PP-AL) na disputa pela presidência da Câmara deve sacramentar uma aliança cujo principal objetivo é a “blindagem para evitar um eventual processo de impeachment”. Leia a entrevista com o sociólogo:
Qual é o tamanho do favoritismo de Arthur Lira, apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro, em relação a Baleia Rossi (MDB-SP), do grupo do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ)?
As promessas do governo de liberação de recursos e reforma ministerial indicam uma vitória de Lira. Mas é claro que existem movimentações de última hora. Como é uma votação secreta, pode haver traições.
Na campanha de 2018, Bolsonaro prometia não fazer o que ele chamava de “velha política”. O apoio do presidente a Arthur Lira, expoente do centrão, configura uma quebra de promessa de campanha?
Certamente. Bolsonaro está mordendo a língua. É um estelionato eleitoral. O apoio mostra a inconsistência daquele discurso demagógico. E, em virtude disso, a aliança com o centrão aumenta o desalento em relação aos políticos e ao sistema político. O fisiologismo, desprovido de programa, não tem freio. Quando ouço promessas de acesso a recursos e ministérios, pergunto: a troco de quê? Em troca de blindagem para evitar um eventual processo de impeachment e para proteger os filhos. No máximo, um projeto de poder exclusivamente eleitoral. Não se discute como superar essa crise econômica, social, política e sanitária.
A agenda do governo, inclusive a ideológica, ganha fôlego no caso da vitória de Lira?
O governo não vai aprovar tudo o que quiser. Quando a prática é fisiológica, cada nova votação exige nova negociação e concessão de recursos. Não há fidelidade. Há interesses cruzados. O centrão não devota essa fidelidade a ninguém. Cada parlamentar do centrão é fiel a si mesmo. O desgaste popular do presidente e do sistema tende a continuar. O ex-presidente Tancredo Neves tinha uma frase ótima: “O político vai com o outro até a sepultura, mas não se joga”.
Como essa união entre o governo e o grupo que apoia Lira deve impactar a base de apoio do presidente?
Vamos considerar que o apoio a Bolsonaro seja de um terço do eleitorado. Dentro desse grupo, há uma parcela de extrema direita, que sempre existiu no Brasil. Algo em torno de 15% do eleitorado, talvez. Esse grupo Bolsonaro não perde. Outro setor que ainda está com o presidente são os ultraliberais, que se frustram e se descolam à medida que as respostas para a economia não vêm. Há também um grupo que apoia o presidente por causa do auxílio emergencial, cuja tendência natural é diminuir. Por fim, há os antipetistas. A corrosão do apoio pode, sim, chegar num ponto em que acabe a blindagem popular. Isso aconteceu com Fernando Collor e Dilma Rousseff.
Quais serão os fatores de definirão a longevidade do casamento entre o governo e o centrão?
Enquanto houver uma expectativa de um projeto de poder, o centrão estará com o presidente. O objetivo é ter acesso continuado a recursos públicos. A meta é a reeleição de Bolsonaro e de cada parlamentar do grupo. A eventual eleição de Lira sela o abraço institucional de Bolsonaro no centrão. Agora, se a popularidade do presidente cair e a possibilidade de poder se dissipar, o centrão vai abandonar o navio. Se o país quiser sair dessa crise, vai precisar de uma agenda que exige três quintos dos parlamentares nas duas casas do Congresso, além do apoio da sociedade. Essa maioria é necessária para fazer reformas, criar impostos e reeditar o auxílio emergencial, o que me parece inevitável. Conseguir 257 deputados para eleger o Lira é uma coisa. Chegar a 308 votos na Câmara e 49 no Senado para mudar a Constituição é completamente diferente.
O senhor acredita no apoio voluntário dessa base que sustenta a candidatura de Arthur Lira às reformas?
O que interessa para eles é a dependência de Bolsonaro. Temos um presidente corporativista e sem habilidade política, que amaldiçoa a política, com uma base que demoniza o centrão. Se, lá na frente, Bolsonaro recuperar o apoio popular e plenas condições de governabilidade, quem garante que ele não abandonará seus novos amigos?
Em que medida o sucesso no enfrentamento da pandemia afeta a relação entre o presidente o Congresso?
A pandemia está sem controle. A chance de estancá-la a médio prazo é pequena. O desemprego e o desalento estão elevados e, com o fim do auxílio emergencial, devem aumentar. A pressão por medidas imediatas será muito forte. Já no Congresso, o processo de negociação do fisiologismo é lento porque os recursos são escassos. Uma das possibilidades é que o presidente venha a ter novos abalos na popularidade. Quando o apoio popular cai, a governabilidade mingua. Um influencia o outro. Quanto menos apoio popular Bolsonaro tiver, maior o poder de barganha do centrão. Isso se mantém até que exista oxigênio para combustão. Se acabar o oxigênio, é possível que um processo de impeachment seja votado ou que o Centrão decida não entrar no barco da reeleição de Bolsonaro.
E se Baleia reverter as previsões e ganhar a disputa na Câmara?
Com o Baleia, há um elevado grau de fisiologismo também, mas não da mesma ordem do de Lira. Não tenho ilusão. Baleia não é um estadista. Também não creio que iria facilmente para o impeachment. Mas é verdade que Maia construiu uma agenda, e Baleia poderia ser sua continuidade. Uma agenda de defesa da autonomia do Congresso e da permanência de um núcleo reformista. Maia surpreendeu no período em que esteve no comando da Câmara, salvando Bolsonaro do desastre que o próprio presidente construía. A reforma da Previdência era necessária e foi feita por Maia, a despeito de Bolsonaro. O auxílio emergencial também saiu do Congresso. Com Baleia, a agenda de costumes do presidente não teria chance e haveria algum ambiente para reformas.
Fernando Gabeira: A política que mata
Há muito tempo que gostaria de escrever sobre outra coisa: a dimensão do realismo fantástico num país em que o presidente acha que vacina nos transforma em jacaré, oferece hidroxicloroquina para a ema do palácio e manda os jornalistas enfiarem uma lata de leite condensado no rabo.
Mas a urgência do drama proíbe digressão. Não absorvemos bem o que aconteceu em Manaus. Não quero dizer apenas que era necessário avaliar os estoques de oxigênio, planejar, em termos estratégicos, a produção e o consumo desse elemento vital.
Pazuello foi a Manaus defender a cloroquina e não percebeu a gravidade da falta de oxigênio. Quando percebeu a gravidade da falta de oxigênio, tarde demais, não percebeu outro fato decisivo: a presença de uma nova variante do coronavírus.
Desde quando os japoneses sequenciaram o mapa dessa variante em turistas que chegaram da Amazônia, era preciso acionar o alarme.
A variante brasileira tem características, ao que parece, semelhantes às mutações encontradas na Inglaterra e na África do Sul.
Todos se adaptaram de tal forma que podem se propagar com mais facilidade. Boris Johnson imediatamente decretou um lockdown para conter a nova onda que estava a caminho.
No Brasil, confirmada a existência da variante, não houve um debate nacional sobre o que fazer diante desse novo perigo. Na verdade, a variante brasileira é mais destacada nos jornais estrangeiros do que nos nossos.
Parece que, no Brasil de Bolsonaro, adotamos aquele velho lema: desgraça pouca é bobagem. Pazuello decidiu transferir os doentes de Manaus sem cuidados especiais de segurança. O aeroporto de Manaus durante algum tempo foi muito usado pelas UTIs aéreas que saíam do estado com os doentes mais ricos.
Somente Roraima e Pará, dois estados limítrofes, tentaram erguer uma tímida barreira sanitária. A variante já apareceu em São Paulo e no Rio Grande do Sul, sem contar seus voos mais longos: Estados Unidos e Alemanha.
Os voos do Brasil para Portugal foram suspensos. Biden manteve as restrições à entrada de brasileiros.
Muitos já notaram que Pazuello errou ao receitar hidroxicloroquina. Está sendo questionado por isso. Errou ao ignorar o avanço da crise de oxigênio, algo que não acontece de um momento para outro.
Mas não estamos cobrando do governo um projeto para conter a variante amazônica no norte do país. Na verdade, nem se toca no assunto, como se o vírus mutante fosse brasileiro e já tivesse o direito de circular livremente pelo nosso território.
Muito menos nos espantamos com o fato de os japoneses terem sequenciado e anunciado a variante. Na Fundação Oswaldo Cruz em Manaus, já era conhecida. Mas a verdade é que rastreamos pouco, sequenciamos pouco, por falta de recursos.
O negacionismo da política de Bolsonaro não se limita a tiradas verbais. Ele tem uma tosca base teórica. Prefere gastar com remédios a gastar com vacina e não se preocupa com testes. Milhares deles foram abandonados num galpão de São Paulo. O que adianta conhecer e monitorar? O que adianta sequenciar mutações de vírus?
Pelo que li, o governo já sabe que uma nova onda virá, dobrando o número de mortos. Diz que vai correr atrás da vacina. Para milhares de vidas, será tarde demais.
Quando Bolsonaro pagará por isso? Quem quiser pesquisar desde o início as frases, decisões, atitudes, omissões vai recolher um acervo, mais amplo ainda do que o enviado ao Tribunal Internacional.
Quando vejo Pazuello respondendo ao TCU pela compra da cloroquina, à PF pela omissão em Manaus, a sensação que tenho é de que tudo é um único e indivisivel processo: a história da negação e as mortes que ela produz diariamente no Brasil.E ele é apenas o homem que obedece.
Ruy Castro: À espera do curió
O canto de um passarinho pode ser o último alento antes da dissolução final
Em novembro último, escrevi duas colunas (5/11 e 9/11) a respeito de um curió cujo assobio me entrava pela janela toda manhã e me ajudava a saltar da cama e encarar o Brasil daquele dia —para se ter uma ideia da beleza do seu canto. O bichinho, segundo meu atento porteiro João, pertencia a um colega dele, porteiro do prédio em frente, e não era um curió qualquer. Tinha registro no Ibama e era um dos curiós mais populares do Leblon —transeuntes paravam sob sua gaiola na árvore para ouvi-lo cantar.
À distância, por causa da quarentena, juntei-me aos seus admiradores. A única restrição que lhe fazia era a relativa limitação de seu repertório, composto de um único tema —fiu-firiu fiu-firiu, fiu-fiu, fiu-fiu, fiu-fiu, tendo como coda mais um fiu breve e individual. Um ornitólogo me escreveu para dizer que não era uma limitação, mas o resultado de um longo trabalho do curió para chegar à perfeição daquela frase melódica. E que, provavelmente, o último fiu lhe tomara meses de ensaio.
Tudo isso é para dizer que, desde dezembro, deixei de ouvir o concerto matinal do curió. Hipóteses terríveis me assaltaram. Famoso como era, ele teria sido sequestrado e seu dono não podia pagar o resgate. Ou seu passe fora comprado por um milionário chinês que o levara embora. Ou, revoltado com os rumos do país, ele teria entrado em depressão e se recusava a cantar.
Dei alguns dias, voltei a João e lhe pedi notícias. Ele me tranquilizou: o dono do curió fora ao Norte ver a família e o deixara aos cuidados de um colega em Jacarepaguá. Logo estarão de volta ao Leblon.
Vou aguardar. O Brasil não está para que seus cidadãos pulem da cama e encarem o dia. O país, entregue a canalhas e omissos, à paisana ou fardados, está se dissolvendo sanitariamente, moralmente, institucionalmente. O canto de um passarinho pode ser o último alento antes da dissolução final.
Celso Rocha de Barros: O Congresso se vende nesta segunda-feira?
Se a eleição de Arthur Lira se confirmar, Bolsonaro terá três vitórias
Hoje acontece a eleição para presidente da Câmara dos Deputados. De um lado, concorre Baleia Rossi (MDB-SP), representando uma frente ampla com forças de esquerda e de direita. Do outro lado, Arthur Lira (PP-AL), representando o direito de Jair Bolsonaro pisar no tubo de oxigênio de 220 mil brasileiros que morreram asfixiados durante a pandemia. Lira é favorito.
Se a vitória de Lira se confirmar, Bolsonaro terá três vitórias.
A vitória menor será a eleição de Arthur Lira. Com um aliado seu na presidência da Câmara, Bolsonaro terá mais chances de colocar em votação suas pautas autoritárias. Se entregar cargos conversíveis em dinheiro for suficiente para eleger Lira, talvez também seja suficiente para aprová-las.
Com todas as suas imperfeições, Rodrigo Maia foi um limite para o autoritarismo de Bolsonaro. Lira parece ter menos disposição para sê-lo.
Até outro dia, diziam que o centrão de Lira havia moderado Bolsonaro. Da próxima vez, sugiro que a democracia brasileira não se defenda com um exército mercenário. O leilão do mercenário está sempre em aberto.
Mas, até por isso, mesmo, a vitória de Lira pode não ser uma vitória tão grande para Bolsonaro.
Se a maré virar contra o presidente, como parece estar virando, essa turma toda vai embora em cinco minutos, carregando até o material de escritório da Esplanada. E a munição usada para eleger Lira já está gasta; não haverá mais tantos cargos nem tantas verbas para distribuir na próxima disputa.
Mesmo assim, faz diferença. Em uma disputa apertada pelo impeachment, um presidente da Câmara que vacile por, digamos, dois meses a mais para ouvir a insatisfação popular pode ser decisivo. A mobilização pode arrefecer nesse período, a próxima eleição pode começar a ficar perto demais.
É bom lembrar que o presidente mais impopular de todos os tempos, Michel Temer, escapou do impeachment de manobra em manobra. Todas foram do tipo que Bolsonaro está fazendo agora.
Mas a vitória de Lira daria a Bolsonaro outras duas vitórias, talvez mais importantes.
A primeira é um novo salto na desmoralização do Congresso. Se, depois dos 220 mil mortos e da tentativa de autogolpe de 2020, o Congresso se vender para quem até outro dia queria fechá-lo, haverá menos gente para defendê-lo na próxima ameaça autoritária.
Tem gente no centrão que diz que parou o golpismo de Bolsonaro em 2020 sozinho, mas é mentira: havia uma resistência ao autoritarismo na opinião pública e o centrão entrou como mediador.
Se Lira vencer e fizer o que o bolsonarismo quiser, o centrão não será mais mediador de nada. Terá lado na disputa e mãos manchadas de sangue.
Além disso, se Lira vencer, a frente ampla terá fracassado de novo, depois da vez em que ela mais importava —o segundo turno de 2018— e daquela movimentação tímida de 2020.
Nesse caso, da próxima vez que a direita disser “nós votamos Bolsonaro porque do outro lado era o PT” bastará responder “meu amigo, vocês votaram no Bolsonaro quando do outro lado era o Baleia Rossi”.
Enfim, é hora do Congresso decidir o quanto os democratas brasileiros podem contar com ele. Gostaria de ter argumentos que convencessem os eleitores de Arthur Lira a mudar de ideia. Mas acho que acabaria gastando-os para comprar o Messi para o Flamengo.
Catarina Rochamonte: Eleições e cooptação do Congresso
Bolsonaro tenta sujeitar o Congresso para viabilizar um projeto autocrático
O presidente da República não tem disfarçado o indecoroso empenho em favor dos seus candidatos a presidente da Câmara (Arthur Lira) e do Senado (Rodrigo Pacheco), chegando até a invocar o nome de Deus para ajudá-lo na flagrante indecência de eleger, à custa de liberação de verbas bilionárias, quem esteja disposto a se subordinar. Nas eleições desta segunda-feira ver-se-á até onde o Congresso está disposto a ir na cumplicidade com um projeto autoritário.
Na Câmara, apesar de todas as negociatas que sustentam o favoritismo do candidato de Bolsonaro, que é réu por corrupção, há chance de a disputa ir para o segundo turno. No Senado, o quadro é mais difícil; desolador. Lá, de forma oportunista e desavergonhada, quase toda a esquerda —PT, PDT, Rede— uniu-se a Bolsonaro em favor do candidato chapa-branca, e o MDB, que havia lançado a candidatura de Simone Tebet, acovardou-se e resolveu rifá-la.
Bolsonaro tenta sujeitar o Congresso não apenas para barrar um processo de impeachment, mas também para viabilizar um projeto autocrático, aprofundando a erosão democrática já iniciada com as interferências indevidas na PF, na Receita, no Coaf...; e ainda a utilização para fins privados de órgãos como a Abin.
Na Procuradoria Geral da República, ele já colocou um cavalo de Troia. O atual PGR, lembremos, vem combatendo quem combate a corrupção, tendo como prioridade a destruição da força-tarefa da Lava Jato. No STF, Bolsonaro conseguiu emplacar alguém de notório não saber jurídico —plagiário de dissertação e falsificador de títulos— mas com a virtude da gratidão e o dom de adivinhar as intenções de quem o indicou.
As candidaturas governistas no Congresso são parte da estratégia de cooptação e aparelhamento das instituições que avança sob o olhar reticente dos que advogam a tese de que um novo impeachment debilitaria a democracia. Ao contrário, o impeachment é precisamente o instrumento democrático para frear o uso leviano do poder.
*Catarina Rochamonte é doutora em filosofia, autora do livro 'Um olhar liberal conservador sobre os dias atuais' e presidente do Instituto Liberal do Nordeste (ILIN).
Gustavo Loyola: O ano que não quer acabar
A extensão da renda emergencial não substitui o enfrentamento sério da crise sanitária
A economia brasileira deve se manter praticamente estagnada no primeiro trimestre do ano. Infelizmente, as expectativas de uma recuperação mais rápida e forte da atividade estão se frustrando, em razão principalmente dos sérios equívocos nas políticas de enfrentamento da pandemia da covid-19. A realidade dá uma dura lição a um país onde o presidente da República e parte de sua elite dirigente acreditaram (e, pasmem, acreditam ainda) que o caminho mais rápido para evitar a recessão econômica seria ignorar as medidas de distanciamento social e encorajar o fim das restrições de mobilidade adotada pela maioria dos governos locais.
O agravamento, a partir do final do ano passado, da disseminação da doença e do aumento do número de hospitalizações e óbitos, ao lado do aparecimento de novas cepas de vírus mais transmissíveis, não apenas está levando ao retorno a fases mais estritas de distanciamento social, mas também tem impactado as expectativas dos agentes econômicos, indivíduos e empresas, minando a confiança, com efeitos negativos sobre as decisões de investimento e consumo, vitais para a sustentação da retomada da atividade econômica. Tais incertezas são mais ainda amplificadas pela percepção de que nem sequer há, no curtíssimo prazo, disponibilidade suficiente de vacinas para o Brasil imunizar os grupos populacionais prioritários.
Não bastasse tudo isso, a nova fase de agravamento da pandemia coincide com o término da maioria dos programas governamentais de estímulo que, no ano passado, atenuaram de maneira relevante os efeitos negativos da pandemia, em particular o auxílio emergencial que evitou consequências sociais mais desastrosas sobre as populações mais vulneráveis.
Estivessem as contas públicas brasileiras numa situação fiscal confortável, e houvesse margem de manobra para corte de despesas menos prioritárias, não haveria muita discussão a respeito da necessidade de extensão dos estímulos fiscais no mínimo por mais um semestre. Países como os Estados Unidos estão agindo dessa forma. Contudo, como fazê-lo aqui, onde, em consequência do enfrentamento da pandemia no ano passado, a dívida pública saiu de 75,8% do PIB para 90,7% do PIB e o déficit primário esperado para 2021 é de cerca de 2% do PIB?
O descolamento da moeda brasileira - excessivamente depreciada em relação ao dólar no contexto do enfraquecimento global da moeda americana e de alta do preço das commodities - é consequência direta da percepção do risco fiscal numa conjuntura que requer expansão do gasto para lidar com a pandemia sem que haja espaço nas contas públicas para tanto.
Uma decisão de simplesmente prorrogar o auxílio emergencial e outras medidas de estímulo tenderia a piorar ainda mais essa percepção negativa, agravando os problemas para a economia, como, por exemplo, a aceleração da inflação que resultaria da queda ainda maior do valor do real, pela piora do risco-país. O aumento da inflação, como vimos o ano passado, prejudicaria mais fortemente as camadas mais pobres da população, agravando um cenário que já lhes é extremamente desfavorável com a pandemia.
Por outro lado, o Banco Central já cogita iniciar o ajuste para cima da taxa referencial de juros, retirando ao menos parte do estímulo monetário que pratica desde o início da pandemia da covid -19 no ano passado. A ata da última reunião do Copom deixa claro que alguns diretores da instituição consideram que o grau de estímulo ora em vigor não é desejável, até porque as projeções de inflação se elevaram nas últimas semanas e se aproximam do centro da meta. Embora compatível com o regime de metas, o movimento de alta dos juros pelo BC, em meio a pandemia e simultaneamente à retirada dos estímulos fiscais tenderia a tirar ainda mais fôlego da economia.
Desse modo, o caminho sensato a percorrer é o de trocar a elevação emergencial e temporária da despesa pública - em razão da persistência dos efeitos da pandemia - por reformas que ajudem a ancorar as finanças públicas no médio e longo prazo, evitando que a dívida pública entre numa trajetória insustentável. Em razão da carência de recursos, os estímulos devem ser focados na população mais vulnerável e mais duramente atingida pela pandemia, não podendo ter a abrangência observada em 2020. Uma solução dessa natureza poderia ao mesmo tempo contribuir para a mitigação dos efeitos da covid-19 e aumentar a confiança dos agentes econômicos, reduzindo os prêmios de risco e aliviando a pressão sobre o câmbio.
A questão é que uma negociação do gênero com o Congresso esbarra nas dificuldades da articulação política do governo, em grande parte devidas à agenda ideológica do presidente da República, mais inclinado a satisfazer seguidores radicais do que forjar consensos em prol da governabilidade.
Finalmente, é preciso não cultivar falsas ilusões. A extensão da renda emergencial e de outras medidas paliativas de estímulo econômico jamais substituirá o enfrentamento competente, sério e enérgico da crise sanitária, principalmente por meio da imunização abrangente e rápida de parcela relevante da população brasileira.
*Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV. Ex-presidente do Banco Central