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Vinicius Torres Freire: Doria presta um serviço, mas exagera na guerra da vacina da Covid contra Bolsonaro
Anvisa será quase obrigada a liberar Coronavac se vacina for aprovada na China
Se a “vacina chinesa de João Doria” prestar e for aprovada pela Anvisa da China, Jair Bolsonaro terá perdido a primeira grande batalha dessa guerra idiota na saúde. Será quase impossível evitar a aprovação da Coronavac também por aqui e quase imediatamente (explicações mais adiante).
A fim de pelo menos empatar o jogo, Bolsonaro e seu capacho da Saúde teriam de correr para importar outra vacina já aprovada, como começam a fazer no caso da Pfizer, sobre a qual estavam sentados com a nauseabunda incompetência dos dois. Teriam também de começar uma campanha de vacinação antes de fevereiro. Ainda assim, ponto para Doria, que teria então prestado pelo menos o serviço de fazer com que Bolsonaro pare de sabotar a vacinação.
Obviamente, Doria perdeu a mão, subiu nas tamancas e queimou o filme com um monte de governadores presentes à reunião desta terça-feira com o chefe do almoxarifado da Saúde, esse Eduardo Pazuello. Em vez de apenas generosamente oferecer cooperação ao restante do país, Doria se dedicou a limpar seu sapatênis no capacho da Saúde e disse que fazia e acontecia. Não pegou bem. Politiza a vacina tanto quanto Bolsonaro, embora não seja negacionista. Etc. Mas passemos.
Segundo lei deste ano, a Anvisa pode liberar o uso da Coronavac ou de qualquer outro imunizante já aprovado pelas agências de Estados Unidos, União Europeia, Japão ou China. Se não o fizer e não tiver bons motivos para explicar sua recusa ao público, provocará um salseiro, que respingará em Bolsonaro, que de resto tenta aparelhar a agência dando mais boquinhas a militares.
Se vários países começarem a vacinar e o Brasil ficar para trás, sem solução e injeção, pior ainda. Doria prometeu vacinação a partir do dia 25 de janeiro, sabe-se lá com base em quê. Mas, suponha-se que dê certo e não exista outra vacina no Brasil.
Sem vacina, com o repique da Covid apenas controlado, na melhor das hipóteses, com inflação da comida nas alturas, sem auxílio emergencial e com desemprego perto do pico, o clima não estará bom no país e para Bolsonaro.
As aulas das crianças começam no início de fevereiro. Mesmo que a vacinação começasse amanhã no país inteiro, as escolas ainda voltariam em situação precária em 2021. No entanto, se não houver ao menos perspectiva de alívio e mais aulas presenciais seguras, as famílias vão ficar entre nervosas e enfurecidas, pelo menos um tanto desesperadas. No front econômico, a inflação continuará subindo. Mês a mês, tende a aumentar mais devagar, a partir de fevereiro. Mas a taxa anual acumulada do IPCA irá a mais de 6% até maio. A inflação da comida (“alimentação no domicílio”) já está em mais de 21% ao ano, a maior desde 2003.
No final de janeiro, não haverá pagamento de auxílio emergencial, que acaba neste dezembro. O desemprego deverá estar nas máximas de 2021 (deve piorar até março, por aí).
Em 21 de outubro, Bolsonaro escrevia nas redes insociáveis que a “vacina chinesa de João Doria” “NÃO SERÁ COMPRADA”. As medidas do governador paulista e sua campanha política puseram Bolsonaro na defensiva e, agora, em uma reação desordenada, mas que pode ser positiva para o que interessa, que é a vacinação. Sem a ameaça da Coronavac, seria mais difícil pressionar Bolsonaro e sua ordenança na Saúde.
Até aqui chegamos.
No entanto, é preciso lembrar: ainda não existe Coronavac. Se a vacina for um fiasco, essa bomba vai explodir no colo de Doria, que então terá falecido politicamente.
Merval Pereira: Doria exagerou na dose
A Revolta da Vacina 2.0, com o sinal trocado, começou. O governador de São Paulo, João Dória, teve o mérito de alertar para a lentidão do governo Bolsonaro no plano nacional de vacinação contra a Covid-19, e deu a saída para uma rebelião civil a favor da vacina.
Vários outros governadores saíram em busca de uma solução, alguns querendo partilhar com São Paulo as primeiras doses. Aproveitando a onda a favor, Dória exagerou na dose e prometeu vacina para todo brasileiro que estiver em São Paulo, não precisando viver lá, e ainda ofereceu milhões de doses para os Estados que necessitarem.
O resultado previsível é uma corrida para o Estado, e muitos prefeitos de cidades fronteiriças temem uma invasão. Outros governadores querem frear Dória, defendendo uma vacinação nacional concomitante, temerosos de que sejam considerados incapazes comparados com o governador paulista.
O governo Bolsonaro está lento mesmo, e começa-se a desconfiar que está lento de propósito, porque não leva a vacina a sério, não acha que seja a solução, e vai retardando suas decisões. O ministro da Saúde, General Eduardo Pazuello, já tinha descartado a vacina da Pfizer, com a alegação de que era muito cara sua manutenção. Vários países da América Latina já estão se organizando para recebê-la, países às vezes bem menos organizados e ricos que nós.
O governador da Bahia, o petista Rui Costa, começou uma negociação direta com a Pfizer, e iniciou a compra de refrigeradores compatíveis com a exigência de conservação a - 70. O ministério da Saúde teve que ficar esperto e já está negociando 60 milhões de doses com a Pfizer. O governador do Maranhão, Flavio Dino, do PCdoB, já entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo autorização para usar qualquer vacina aprovada por instituições de controle sanitário, como a Food and Drugs Administration (FDA), nos EUA.
Era claro que isso aconteceria, porque só os irresponsáveis não sabem que a vacina é a solução. Só um governo irresponsável não dá prioridade a este assunto, e fica inaugurando uma patética exposição da roupa de posse do presidente.
Uma lei, publicada logo no início da pandemia, permite o uso de vacinas aprovadas por órgãos oficiais de controle de outros países como Estados Unidos, União Européia, Japão, China. A ANVISA precisa apenas autorizar, e não aprovar as vacinas, e tem 72 horas para isso. Caso não autorize nesse tempo, a vacina está automaticamente aprovada. Para recusar, terá que ter argumento muito forte para se contrapor a suas congêneres internacionais.
O governo não quis fazer um plano nacional de vacinação, e perdeu o controle da situação. Agora está tentando retomar o domínio, aproveitando-se de que alguns governadores e prefeitos estão incomodados com a pretensão de Dória de liderar o processo de vacinação. O prefeito eleito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, citado por Doria como pretendente à vacina do Butantan, desmentiu ontem, avisando que vai esperar a vacinação nacional do ministério da Saúde.
A Fiocruz, no Rio de Janeiro, está se programando para iniciar a vacinação junto com o ministério da Saúde, em março. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, bolsonarista, acha que Doria está tirando proveito político por ter em seu Estado o Instituto que fez acordo com a Universidade de Oxford e o laboratório AstraZeneca.
O ministro Pazuello tentou colocar Doria contra os demais governadores dizendo que a vacina não é de São Paulo, mas do Instituto Butantan. Acontece que o Instituto foi fundado pelo governo de São Paulo em 1901, e desde então faz parte da Secretaria de Saúde do Estado.
Os movimentos do governador João Doria foram fundamentais para tirar o governo do imobilismo, mas ele precisa conter-se para não deixar a impressão de que está abusando politicamente da vacina. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse recentemente que Doria precisa nacionalizar seu nome, se quiser ser candidato à presidência da República, e parece que o governador paulista está seguindo seu conselho, distribuindo a vacina para quem quiser. É preciso saber se terá tantos milhões de doses necessárias para nacionalizar a vacinação.
Jamil Chade: Bolsonaro chega ao limite da indecência ao banalizar a morte
A opção do presidente por comemorar um suposto fracasso de uma vacina e usar um cadáver como instrumento de poder coloca em letras garrafais a dimensão da crise ética que vivemos
Basta!
O vírus matou a legitimidade do Governo de Jair Bolsonaro. E se isso ainda era motivo de dúvidas para uma parcela da população, a opção do presidente por comemorar nesta semana um suposto fracasso de uma vacina e usar um cadáver como instrumento de poder colocou em letras garrafais a dimensão da crise ética que vivemos.
Imoral, o Governo da fraude, da violência, da ameaça e da mentira banalizou a morte.
As urnas o levaram ao poder. Mas sua legitimidade não se limita ao que ocorre na votação. Numa democracia, existe um ponto mágico no qual um Governo deixa de ser legítimo. Isso acontece quando ele não só se mostra incapaz de proteger seus cidadãos, mas atua deliberadamente para ampliar o sofrimento.
A chegada do vírus não foi uma responsabilidade do Governo. Mas esteve em suas mãos a opção por um outro caminho que jamais foi assumido. A pior crise sanitária em 100 anos poderia ter mobilizado uma nação por sua sobrevivência.
Em sua obra A negação da morte, Ernest Becker apresenta a civilização humana como mecanismo de defesa contra a consciência de nossa morte. Estudos revelam ainda que uma população, quando confrontada com um desafio existencial, está disposta a abraçar um líder forte que, pelo menos psicologicamente, dá sinais de proteção.
- Bolsonaro incentiva politização da vacina e coloca imagem técnica da Anvisa em xeque
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- Anvisa nega “contaminação política” em torno da vacina e entra em choque de versões com o Butantan
Paradoxalmente, líderes tidos como “fortes” como Bolsonaro e Donald Trump mostraram como tais termos são meras narrativas construídas para justificar uma característica que não passa de uma cortina de fumaça para esconder personalidades medíocres.
Asfixiada, a alma de um país encontrou ironicamente na distante eleição americana de um político tradicional um motivo para comemorar como se a escolha tivesse sido sua. Como se aquela alma machucada tivesse recebido um sopro de esperança diante de jovens de todas as cores que tomaram as ruas das cidades dos EUA para destravar quatro anos de um grito preso no peito.
Pária, Bolsonaro mergulha o país em sua irrelevância internacional e aprofunda o extremismo de suas declarações. Nesta semana, ensaiou uma ameaça contra Joe Biden, evocando a “pólvora” quando acaba a diplomacia. Mas, acima de tudo, foi na contramão de todas as grandes democracias do mundo ao não reconhecer a queda de Trump.
Não se trata apenas de manter um aliado. Ao se recusar a admitir o resultado, Bolsonaro fez uma demonstração perigosa de como está disposto a reagir se for derrotado em 2022.
Não há espaço para eleger santos. Mas chegou a hora de frear um movimento antidemocrático diante das evidências do caráter irresponsável de um líder. Talvez, assim, evitaríamos que esse movimento transforme uma nação em um experimento de destruição.
Evitaríamos que esses mesmos líderes transformem a sociedade em uma longa noite de pesadelos que, como num caleidoscópio, vão ganhando novos monstros a cada giro.
Em cada giro, uma dor do desmonte de uma democracia. Na história dessa dor, cada percurso de uma lágrima passa a ser tão vacilante como o rumo de uma nação que parece ter se esquecido de seu destino.
No poder, aqueles que conduzem o Estado deram claras demonstrações nesta semana de que não respeitam qualquer tipo de fronteira da ética.
Juntos, precisamos acordar desse pesadelo. O desafio não é o de travar uma batalha entre esquerda e direita. Mas sonhar com a construção da paz social, com a vitória da verdade.
As instituições precisam reagir, a sociedade não pode se calar e terá de se organizar. Não é mais o momento de transformar ataques à democracia em memes bem elaborados. Esse espaço, agora, precisa ser preenchido pela indignação, pois o que está em jogo é nosso futuro.
Chegamos ao limite da indecência e da imoralidade. Basta!
Vera Magalhães: Masculinidade frágil
Derrota de Trump e agruras do 01 abalam confiança de Bolsonaro
Jair Bolsonaro é uma cobaia ambulante para qualquer tese psicanalítica. Ontem, diante de tantos “eventos adversos graves” para si, sua família e o seu projeto político, o presidente surtou. Como sempre acontece com ele, esses surtos envolvem ao mesmo tempo decisões graves, com consequências para o País, e arroubos que funcionam mais como cortina de fumaça para tentar esconder suas fragilidades.
Vamos separar o joio do trigo. Ou o joio do joio, pois não há trigo nesse silo.
No rol dos absurdos com graves consequências para o Brasil está a decisão da Anvisa de paralisar os testes da Coronavac por conta de um efeito adverso grave com um entre mais de 13 mil voluntários dos testes clínicos da vacina desenvolvida em parceria entre o Instituto Butantan e o laboratório Sinovac. Acontece que a morte desse paciente nada teve a ver com a vacina.
Sem fazer questão de esconder o caráter puramente político da decisão, que escancara o aparelhamento da agência, o presidente se arreganhou: “Mais uma que Bolsonaro ganha”.
A masculinidade frágil é um fenômeno que atinge homens heterossexuais inseguros, que precisam a todo momento reafirmar sua superioridade. Ganha? O presidente comemora vitória sobre seu adversário João Doria Jr. sapateando desrespeitosamente nos cadáveres dos mais de 162 mil brasileiros mortos pela covid-19, e especialmente no desse paciente transformado em bode expiatório.
Como esses surtos denotam justamente o contrário de “vitória”, vê-se que Bolsonaro sentiu as derrotas recentes. A começar pela de Donald Trump, para a qual passou recibo na “superterça” da alucinação. Numa solenidade oficial, buscou ajuda do infalível Ernesto Araújo para dizer que Joe Biden, a quem chamou de postulante a chefe de Estado (a negação é outra característica da psique bolsonarista) estaria ameaçando nossa soberania e, nesse caso, não bastaria a diplomacia. “Tem que ter pólvora, senão não funciona.” É de um ridículo de dar pena.
Não faltou, claro, o tradicional comentário homofóbico, também recheado de desdém com a morte. Diante das perdas para a covid-19, sapecou que temos de deixar de ser “um país de maricas”.
Até quando o Brasil terá de aguentar esse tipo de postura por parte de seu mais importante mandatário?
Para as bravatas e as grosserias que denotam a masculinidade frágil há pouco a fazer, a não ser esperar as urnas e que a onda de racionalidade que ajudou a varrer o trumpismo nos Estados Unidos sopre para cá.
Mas a paralisia da pesquisa de uma de várias vacinas que podem nos livrar do flagelo da pandemia é outra história. Nesse caso é urgente e inescapável que os que têm prerrogativa ajam. É preciso que Ministério Público da União, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Instituto Butantan ou entidades da sociedade civil tomem a frente de uma ou múltiplas ações com pedido de cautelares no Supremo Tribunal Federal para sustar a decisão da Anvisa.
Bolsonaro e o almirante Antonio Barra Torres, o bolsonarista no comando da agência, sabotam o combate à pandemia tendo como objetivo atingir um adversário político. A fala do presidente é prova cabal contra si, e nela há vários indícios de que ele recebeu informações que a agência não poderia lhe fornecer.
E o Supremo precisa voltar a conter os ímpetos letais de um presidente atordoado por derrotas políticas, como o péssimo desempenho de seus candidatos a prefeito de Norte a Sul, o fim do sopro de popularidade do auxílio emergencial, a derrota do “amigão” na América e o agravamento das evidências de crimes variados por parte de seu filho Flávio. É um pacote pesado para quem tem masculinidade frágil, mas descontar na vida da população é crime de responsabilidade.
Bruno Boghossian: Bolsonaro mente e usa túmulo como palanque para buscar vitória particular
Presidente sobe mais um degrau na exploração macabra do governo em nome de interesses políticos
Jair Bolsonaro não teve vergonha de admitir que está mais preocupado com ganhos pessoais do que com a vida dos cidadãos. Ao festejar a interrupção dos testes da Coronavac, o presidente subiu um degrau na exploração macabra do governo em nome de interesses políticos.
Bolsonaro lançou mão de algumas marcas registradas: usou um túmulo como palanque, reforçou suspeitas de aparelhamento de um órgão público e surfou na desinformação para buscar uma vitória particular.
Logo pela manhã, o presidente celebrou a decisão da Anvisa de suspender os experimentos da vacina do laboratório chinês Sinovac após o registro de um “evento adverso” com um voluntário. Ele ironizou o desafeto João Doria, patrono político do imunizante, e sentenciou: “Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”.
Àquela altura, coordenadores do Instituto Butantan já diziam que o tal “evento adverso” não tinha relação com a vacina, mas o presidente não se importou. Mais tarde, soube-se que o voluntário havia morrido por suicídio ou overdose.
O presidente da Anvisa não quis comentar a festa do chefe. Antonio Barra Torres disse que rejeitava insinuações de que o órgão agia para favorecer Bolsonaro. Ele declarou ainda que só tinha “informações incompletas” a respeito da morte, que não indicavam a suspeita de suicídio.
Isso não explica por que o presidente mentiu sobre o caso. Ao comentar a interrupção dos testes, Bolsonaro afirmou sem provas que o imunizante provocava danos graves: “Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar todos os paulistanos a tomá-la”.
A decisão de interromper os testes da Coronavac segue padrões éticos desse campo, mas a decisão de explorar a suspensão é política e joga dúvidas sobre o trabalho da Anvisa.
O presidente da agência ainda tentou fingir que Bolsonaro não havia manchado o trabalho do órgão. “Fomos acometidos agora por alguma loucura que fez jogar por terra tudo o que já fizemos até agora?”, perguntou Barra Torres. Não, não foi agora.
Merval Pereira: O medo da morte
A atitude desprezível e repugnante do presidente Bolsonaro de festejar a paralisação dos testes com a Coronavac, vacina chinesa que está sendo produzida pelo Instituto Butantan em São Paulo, como uma vitória política sobre o governador João Dória, dá bem a dimensão desumana desse político, que brada que o país tem de parar de ser “terra de maricas” e encarar de frente a pandemia.
Se não fosse a barreira do Centrão, esta seria a milionésima vez em que Bolsonaro, cometendo mais um crime de responsabilidade, poderia ser impedido pelo Legislativo de continuar à frente do governo. Não tem a menor condição psicológica ou moral para exercer a presidência da República uma pessoa que não consegue ter empatia com os cidadãos do país que teoricamente lidera.
O tiro de misericórdia tentado acabou saindo pela culatra, pois o pobre do voluntário que morreu, cometeu suicídio ou foi vítima de uma overdose, ocorrência que nada tem a ver com a vacina. O fato de que, mesmo depois de esclarecido o caso, a Anvisa não autorizou a retomada dos testes, mostra que há mais do que uma exagerada cautela por parte do órgão governamental.
Mas há indicações de que o prejuízo pode ser muito maior, pois pesquisas realizadas pelo cientista político Carlos Pereira, com Amanda Medeiros, da Fundação Getulio Vargas do Rio, e Frederico Bertholini, da Universidade de Brasília (UNB), mostram que a maneira como o governo brasileiro está tratando o combate à COVID-19 tem feito com que muitos dos seguidores de Bolsonaro abram divergência em relação ao desprezo que ele tem pelo distanciamento social e uso de máscara.
A crise da vacina é apenas mais uma fase desse negacionismo governamental, apesar dos mais de 5 milhões de infectados e mais de 160 mil mortos. Há também indicações de que a polarização entre os extremos, da esquerda e da direita, está cansando os cidadãos, assim como nos Estados Unidos a virulência de Trump abriu espaço para a vitória do conciliador Joe Biden.
Pereira diz que já é possível observar esse fenômeno nas eleições municipais, “pois os candidatos que estão sendo apoiados por Lula e por Bolsonaro estão apresentando performance pífia nas pesquisas de opinião”.
As pesquisas que Carlos Pereira e outros vêm fazendo sobre as consequências da pandemia mostram, segundo ele, “choque exógeno de proporções tectônicas”. Segundo sua análise, o jogo polarizado entre os extremos estava em relativo “equilíbrio” não apenas no Brasil, mas no mundo, cada um dos polos se retroalimentando. Consumiam informações que reforçavam suas crenças anteriores, e rejeitavam à princípio qualquer informação que contrariasse as suas respectivas identidades.
“As identidades próprias de cada grupo serviam, por um lado, como elementos de pertencimento e aconchego. Mas, por outro, como um escudo ou filtro protetor contra as identidades e valores do grupo rival”. As pesquisas de opinião experimentais que vem desenvolvendo, agora na terceira fase, sugerem que a COVID-19 “foi um choque exógeno de grandes proporções que abalou ou mesmo deslocou os eixos da polarização política no Brasil”.
O “medo da morte” gerado pela pandemia trouxe muitas incertezas, “e nessas condições de risco aberto, as saídas polares começaram a perder sentido, capacidade de agregação e fadiga”. Segundo Carlos Pereira, “uma parcela não trivial de eleitores que votaram em Bolsonaro em 2018 abandonaram o presidente e não mais consideram votar em sua reeleição em 2022”.
Esse extrato populacional de perfil mais pragmático, as pesquisas mostram, está em busca de alternativas moderadas que preencham suas expectativas. O efeito da proximidade com o risco de morte associado à COVID-19 também é percebido nas avaliações sobre as ações do presidente e dos governadores, ressalta Pereira.
Muitos dos que se autodenominam de direita e centro-direita “se tornaram mais maleáveis quanto mais próximos esses eleitores se encontram de pessoas que desenvolveram a doença, em especial se vieram a óbito”. A gravidade da contaminação que eventualmente venha a gerar óbito leva as pessoas a minimizar as potenciais perdas econômicas.
“O medo da morte parece não aproximar apenas polos ideologicamente opostos, mas também diferentes classes sociais e pessoas que estão vivenciando diferentes níveis de prejuízos econômicos em decorrência da política de isolamento social”.
Miguel Reale Júnior: Vacina obrigatória
Campanha contra a vacinação por motivos políticos pode ser crime de responsabilidade
O obscurantismo bolsonariano faz-nos retroceder no tempo mais de um século. Em 1900 a cidade do Rio de Janeiro, então capital federal, era conhecida como empesteada, vítima de febre amarela, peste bubônica e cólera. Oswaldo Cruz, diretor de saúde pública no governo Rodrigues Alves, enfrentou as duas primeiras a partir de 1902 e em 1904 deu início ao combate à varíola, cuja imunização poderia dar-se pela aplicação de vacina já conhecida havia décadas.
Depois de muita discussão, foi aprovada no Congresso Nacional a Lei n.º 1.261, de outubro de 1904, que determinava a vacinação compulsória. Houve, então, já naquele tempo, tanto fake news, difundindo ser perniciosa a vacina, como exploração política de positivistas, seguidores de Augusto Comte, e florianistas, adeptos de Floriano Peixoto, que tomaram a questão da vacina como pretexto para tentar derrubar o presidente.
A contestação à obrigatoriedade, liderada por parlamentares, antes oficiais do Exército, ganhou cores gravíssimas, pois entre 10 e 20 de novembro as ruas foram ocupadas por revoltosos, com um saldo terrível de 30 mortos e mais de 900 presos, dos quais 450, por antecedentes criminais, foram enviados para o Acre. Muitos feridos.
Até Rui Barbosa se pôs contra a vacina, ponderando que, “assim como o Direito veda ao poder humano invadir-nos a consciência, assim lhe veda transpor-nos a epiderme”. A obrigatoriedade foi revogada. Em 1908 muitos morreram de cólera e a população acorreu, então, para tomar a vacina. Rui alterou sua posição e em 1917 homenageou Oswaldo Cruz, reconhecendo dever-se a ele a vitória sobre o flagelo e a diferença entre o “Brasil pesteado, que encontrou, e o Brasil desinfectado, que nos veio a legar”.
Em plena pandemia, antes do meio do mandato, Jair só pensa na reeleição. E por interesse político, como em 1904, lança suspeitas sobre a vacina e nega sua obrigatoriedade para contentar seguidores e atacar governadores, contrariando os valores básicos da Constituição e os termos da legislação específica por ele mesmo sancionada. E daí?
No campo legal, a Lei n.º 6.259/75 e o Decreto n.º 78.231/76 impõem a obrigatoriedade da vacina a todos os adultos, aos quais incumbe submeter à vacinação os menores sob sua guarda.
A prevenção da contaminação da covid-19 é, especificamente, disciplinada pela Lei n.º 13.979/20. No artigo 3.º da lei, dispõe-se: “Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: (…) III - determinação compulsória de (…) d) vacinação”. Essa conduta pode ser adotada, segundo o parágrafo 7.º desse artigo 3.º, pelos gestores locais de saúde, ou seja, pelos governadores, desde que cientificamente recomendada a providência.
Na Constituição da República consagra-se o valor da solidariedade no artigo 3.º, segundo o qual é objetivo fundamental da República construir uma sociedade livre, justa e solidária. Ser vacinado é ser solidário, pois não apenas se protege a si mesmo, mas todos da comunidade, visando a alcançar a imunização. A solidariedade, na expressão de Dworkin, vem a ser “considerar a vida dos outros como parte de suas próprias vidas” (Uma Questão de Direito, pág. 297), significando “a pessoa se abrir à outra, pensá-la, sofrer com”, no dizer de Arias Bustamante (Alternativa Ideológica: Comunitarismo, pág. 40), unidos todos por grande cordão umbilical.
Pela via da solidariedade social pode-se cimentar, orientar e construir concretamente nossa unidade como povo, surgindo em face desse objetivo da República o dever de solidariedade que a todos vincula (André Corrêa, Solidariedade e Responsabilidade, pág. 313).
Como transmissores, somos todos iguais perante o vírus. Ninguém, por nenhuma razão, pode colocar-se acima dos demais e negar-se a colaborar com a comunidade na precaução contra o malefício da infecção. Rejeitar a vacina, autorizada pela Anvisa, é atuar com desprezo pelo outro, em superioridade antissolidária.
Como elucida o Supremo Tribunal Federal (Oscar Vilhena, Direitos Fundamentais, pág. 388, reproduzindo votos de Celso de Mello), “a proteção à saúde representa um fator que associado a um imperativo de solidariedade social impõe-se ao Poder Público”, em qualquer plano da organização federativa, tomando medidas preventivas e curativas.
Em outro voto, Celso de Mello observa que a negação de qualquer tipo de obrigação a ser cumprida com base nos direitos sociais significa a renúncia a “reconhecê-los como verdadeiros direitos” (pág. 399), em arrepio ao princípio da solidariedade.
Assim, campanha contra futura vacinação, por motivação política, significa não reconhecer a precaução eficaz contra o vírus como um direito da comunidade, a ser explicado e exigido de todos pelo chefe da Nação. Tal conduta infringe o artigo 7.º da Lei n.º 1.079/50, ou seja, pode ser crime de responsabilidade consistente em violar o direito social à saúde, pois incita a impedir a imunização, objetivo solidário de todo o povo. Que flagelo!
*Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça
Sergio Fausto: O delírio contra a ‘vacina chinesa’
Sem imunização em massa corremos o risco de o novo coronavírus persistir entre nós
O maior risco na política é o delírio. Quando fomentado por um líder, pode arrastar grande contingente de pessoas a adotar comportamentos destrutivos para si e/ou para os outros. Quando mobiliza o poder do Estado, as consequências podem ser catastróficas.
Na semana que passou tivemos um pequeno exemplo dos graves problemas que o delírio pode provocar quando passa a condicionar decisões de política pública. Não merece outro nome a recusa presidencial de adquirir a vacina contra a covid-19 ora em produção na China, em fase final de testes para comprovar a sua eficácia.
Por trás da recusa está uma teoria conspiratória com duas versões: a mais amalucada sustenta que a vacina altera o material genético das pessoas e pode servir de veículo para a inoculação de chips capazes de controlar o pensamento dos indivíduos vacinados; a menos endoidecida, mas ainda assim disparatada, vê na vacina produzida pela Sinovac, em parceria com cientistas e governos de distintos países do mundo, um instrumento a serviço da projeção global do poder da China. Num caso ou no outro, é incitada a fantasia paranoica de que nos estaríamos submetendo ao comando do Partido Comunista daquele país.
A versão tosca do delírio é disseminada nas mídias sociais pela rede de apoiadores do presidente Bolsonaro. A versão supostamente sofisticada da maluquice é articulada pelo chanceler Ernesto Araújo, o mesmo que enxerga em Donald Trump a salvação da cultura judaico-cristã e na China, o motor do globalismo e do marxismo cultural.
Não é preciso gastar muita tinta para demonstrar a insânia da referida teoria conspiratória, tampouco para mostrar as consequências desastrosas da eventual recusa, se definitiva, de se adquirir uma vacina, venha ela de onde vier, desde que comprovadas sua segurança e sua eficácia, em meio à maior pandemia dos últimos cem anos. A rigor, as consequências, neste caso, vêm antes do fato, uma vez que as declarações presidenciais atiçam o irracionalismo antivacina que ganha fôlego no Brasil e no mundo.
Basta observar a queda na cobertura vacinal da população brasileira nos anos mais recentes para se dar conta da tempestade que pode estar se formando. Sem imunização em massa, corremos o risco de que o novo coronavírus persista entre nós, junto com o ressurgimento de doenças já erradicadas, das quais o sarampo é apenas um exemplo. Vale a analogia com o que vem acontecendo no meio ambiente, visto que os sinais emitidos pelo candidato e pelo presidente Bolsonaro tiveram inegável papel no aumento dos incêndios na Amazônia e no Pantanal.
Diante desse quadro me pergunto o que significa a “normalização” do governo Bolsonaro. Outro exemplo: seria “normal” a aliança que selamos, sob a liderança dos Estados Unidos, com outros 30 países que não apenas criminalizam o aborto, como também as relações homoafetivas?
A cegueira ideológica, beirando o fanatismo, é um grande mal, em particular quando passa a condicionar decisões sobre questões essenciais à vida, como são a proteção contra doenças contagiosas e o controle sobre a mudança climática.
Não fosse trágica, a cegueira ideológica do governo nessas matérias seria patética. Mimetizam-se, como bichinho amestrado, as ações e os gestos da política externa de Trump. Nem sempre o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil, muito menos quando o governo americano se move exclusivamente em função de seus interesses unilaterais de curto prazo. Menos ainda quando se está em meio a uma eleição que, tudo leva a crer, provocará importante mudança política naquele país.
Países não têm amigos, têm interesses, disse originalmente lorde Palmerston, ministro da Guerra do Reino Unido no início do século 19. Certo, mas os países têm interesse em cooperar entre si quando se veem diante de desafios que não podem resolver sozinhos. Em nenhuma época da História houve competição tão acirrada quanto na guerra fria, entre Estados Unidos e União Soviética. Confrontavam-se duas ideologias distintas que buscavam arregimentar os demais países em blocos antagônicos. Ainda assim, americanos e soviéticos cooperaram em questões vitais.
Na área nuclear, a construção de acordos e mecanismos formais e informais de consulta e verificação impediram que a guerra fria evoluísse para uma guerra quente de consequências devastadoras. Em momentos decisivos, como na crise dos mísseis, em outubro de 1962, a racionalidade pragmática prevaleceu na Casa Branca e no Kremlin e o mundo se salvou da mútua destruição nuclear entre as duas grandes potências.
Menos conhecida é a cooperação entre Estados Unidos e Rússia na erradicação da varíola, doença que na década de 1960 ainda matava cerca de 2 milhões de pessoas nos países do então chamado Terceiro Mundo. Os soviéticos contribuíram com centenas de milhões de doses da vacina, os americanos com outras tantas e com a logística de distribuição.
Não se tem notícia de que o comunismo se tenha espalhado nos países que receberam as vacinas soviéticas. Em tempos de delírio, cabe esclarecer: isso é uma ironia.
*Diretor-Geral da Fundação FHC, é membro do Gacint-USP
Carlos Andreazza: Vacina - O Queiroz do futuro
É um debate falso, fora de lugar e tempo
Não existe vacina. Nunca foi tão necessário afirmar obviedades. Não há, infelizmente. Mas já se discute — até com o entusiasmo do presidente de nossa corte constitucional — sobre se a vacinação será obrigatória. Um debate falso, fora de lugar e tempo, que só mesmo a mentalidade autoritária poderia forjar.
Advirta-se — nova notícia do óbvio — que ninguém entrará na sua casa para lhe meter agulha ao braço. Tampouco seus filhos e netos serão levados pela orelha, sob a vara de um agente policial, ao posto de saúde — lá onde os esperaria a seringa compulsória. Não estamos no começo do século XX, embora esse discurso de que “ninguém me obrigará” seja estímulo a uma revolta da vacina a ter lugar não nas ruas, mas no zap-profundo. Funciona. Para um líder sectário que cultiva nicho: funciona.
Diga-se que essa pregação reacionária bolsonarista — contra ameaça inexistente — só tem campo para se exibir porque houve bravateiro, da cepa dos que confundem liderança e coação, que falasse em vacinação obrigatória como produto da autoridade coerciva do Estado. Para quê, João Doria?
A combinação das leis brasileiras — uma das quais sancionada por Jair Bolsonaro —impõe a vacinação. Ponto final. Não precisa de força. Basta que as obrigações do Estado, conforme previsto na legislação, sejam cumpridas para que a sociedade corra à vacina sem qualquer necessidade de coerção. As pessoas querem se vacinar.
O conjunto de obrigações do Estado: adquirir doses de produto certificado em quantidade capaz de cobrir o território brasileiro, distribuí-las universalmente e comunicar a disponibilidade da vacina e a importância de se imunizar. Pronto. As pessoas irão se vacinar. Temos uma cultura vacinal sólida. Seria só chamá-la.
Mas não. O concurso de autoritarismos fundou um debate que judicializará a questão; como já, com muito gosto, antecipou Luiz Fux, outro virtuoso, quase que implorando por ações a respeito. Ele quer decidir. Ele cuida de nós, como Doria. E o presidente agradecerá, mais uma vez ganhando de presente um palanque sobre o qual exercitar seu liberalismo reacionário de resignação.
Já posso mesmo enxergar-lhe a mensagem alguns meses adiante, lavando as mãos, depois de seu governo haver comprado milhões de doses da CoronaVac. Dirá: “Ninguém deveria ser obrigado a se vacinar, mas, novamente, fiquei de mãos atadas”. Vimos variação desse texto de vitimização — que distorce decisão do Supremo — ser bem-sucedida, para a popularidade de Bolsonaro, quando a Corte garantiu a autonomia de estados e municípios para baixar decretos sobre como enfrentar a pandemia.
Voltemos ao presente, porém. Não existe vacina. Mesmo assim, já há vacina — comunista! —vetada. Este é o presente, interditado por intensa trama de teorias da conspiração — desde onde se projeta um futuro que, mesmo ainda apenas incerto, veste-se para a guerra. O inimigo será obra de fantasia. Bolsonaro saberá vencer. Ou melhor: saberá comunicar a vitória. Que não houvesse oponente é sempre detalhe.
Quem falou em ministrar vacina à população sem comprovação científica e à revelia do aval da Anvisa? Ninguém. A exigência de que se cumpram todas as etapas de certificação é raro consenso. Mas Bolsonaro novamente planta o falso problema, o algoz imaginário. Prospera assim.
A falsa responsabilidade, amparada em mentira: afirma que não gastará dinheiros em vacina ainda não segura, como se o entendimento com o Butantan, mera carta de intenções, previsse dispêndios anteriores à aprovação pela autoridade brasileira; e como se não tivesse sido o governo dele — sob ordem direta dele —a jogar, aí sim, milhões fora para adquirir um medicamento, a hidroxicloroquina, inútil para o tratamento do vírus.
Não existe vacina. Mas há esperança. Há também o medo. Quando tivermos uma testada em todas as etapas, e avalizada pela Anvisa, e se essa primeira disponível for a chinesa, o fato se apresentará a Bolsonaro. E então veremos como agirá. Ele sabe ser objetivo. É intuitivo. Fareja quando a própria carne se acerca do espeto, circunstância em que o futuro de luta pela liberdade e contra o sistema se materializa em presente à mesa com Toffoli etc. O tal do medo.
Não comprar a vacina significaria botar em risco a saúde da população. Será crime. Tipificado. Significa também arriscar a própria popularidade. E falamos de alguém que é mestre em equilibrar vários pratos concomitantemente, tanto quanto em derrubar discurso em nome do pragmatismo de ocasião.
Não me surpreenderei se, enquanto mantém no alto a pipa anti-China, Bolsonaro já tiver autorizado uma costura por baixo que resulte, mais adiante, em o governo registrar mesmo o compromisso de compra da vacina ora amaldiçoada —que logo será brasileira. A realidade se impõe. A vacina chinesa pode ser um novo Queiroz diante de si, a hora de baixar a pressão da valentia e compor com o Centrão.
Não me surpreenderei se Bolsonaro vacinar Doria. Ninguém será obrigado. O presidente sabe que a vacina aplicada por Alexandre de Moraes machuca.
Vinicius Torres Freire: Como vai a 'vacina chinesa' pelo mundo
Teste paulista é seguro, dizem cientistas; Brasil e EUA são maiores campos de prova
João Doria disse que a vacinação contra a Covid começa no dia 15 de dezembro em São Paulo, desde que seu governo tenha autorização da Anvisa. Em fins de março, a população paulista inteira estaria vacinada.
Até meados de dezembro, menos de dois meses, já será possível saber se a vacina é mesmo segura e funciona?
Duas pessoas envolvidas nos trabalhos dos testes científicos da Coronavac, a “vacina chinesa”, da Sinovac, dizem que sim.
Pelo menos em uma avaliação de uso emergencial, será possível ter dados para aplicar a vacina com segurança, embora o estudo de seu grau de proteção ainda vá depender de acompanhamento mais demorado —pelo menos até meados de 2021.
Os efeitos colaterais da vacinação com a Coronavac seriam raros ou leves, como os de uma vacina de gripe ou ainda menos, dizem esses pesquisadores de São Paulo.
Na opinião dessas pessoas, que não têm cargo político ou de direção superior, o governador paulista não está atropelando a análise científica. Dizem que o pessoal da Sinovac obviamente também não quereria colocar em risco sua reputação comercial e o prestígio diplomático da China com um desastre em país como o Brasil.
Observam que Doria correria o mesmo risco, na raia política, se avançasse o sinal.
Em suma, o prazo seria bem apertado, mas não maluco. No entanto, ninguém quis explicar quais são os critérios desse calendário da responsabilidade.
O Brasil e os Estados Unidos são os campos de prova de vacinas mais importantes do mundo, dadas a extensão e a gravidade da epidemia e o estágio em que estão os testes em fase três (o último antes da aprovação para uso geral ou regular da vacina).
Nos EUA, os testes começaram no dia 27 de julho. No Brasil, no dia 21 do mesmo mês.
A Coronavac está sendo testada apenas aqui, na Indonésia e na Turquia, que começou os exames em setembro. Nas próximas semanas, começa a ser avaliada no Chile. O acordo para o teste em Bangladesh deu chabu.
Logo, São Paulo e, por tabela, o Brasil estão por sua conta e risco de pioneirismo. Risco de grande sucesso inclusive.
Na Indonésia, país de 270 milhões de habitantes e algo mais de 12.500 mortes pela Covid, testes começaram em 11 de agosto.
A universidade e a estatal farmacêutica que fazem a pesquisa esperam concluir o acompanhamento das pessoas submetidas ao teste até o final de dezembro. O governo quer começar a vacinar um pouco antes disso, o que a Sinovac acha possível. Os indonésios também compraram vacinas de outras duas firmas chinesas. Desenvolvem ainda um produto nacional, com apoio coreano, a “vermelha e branca”, cores da bandeira do país.
A China fez também seus testes da Coronavac, mas afortunadamente não deve ter meios de verificar com facilidade o sucesso da vacinação em massa, pois o país quase não tem casos da doença. A imprensa chinesa diz que mais de 350 mil pessoas foram vacinadas no país até setembro. No final de junho, havia sido autorizada essa aplicação emergencial de quatro tipos de vacinas em pessoas que trabalham em situação de risco e nas empresas que desenvolvem os imunizantes.
Na semana que passou, a província de Zhejiang começou a oferecer justamente vacinas da Sinovac para a população em geral, com prioridade para profissionais de saúde, funcionários de portos, aeroportos, alfândegas e trabalhadores de serviços essenciais.
Se houver mais vacina, o interessado pode pagar 400 iuans (cerca de R$ 330) pelas duas doses, tomadas em intervalos de 14 a 28 dias.
Mas não há liberação oficial para a vacinação em massa.