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El País: Clima e a lei mais urgente do mundo
A palavra “clima” não aparece na Constituição Federal brasileira
Carlota Aquino e Paula Johns / El País
O Conselho de Direitos Humanos da ONU reconheceu, no começo de outubro, que ter o meio ambiente limpo, saudável e sustentável é um direito humano fundamental. Com a decisão, o Conselho pediu aos Estados em todo mundo que trabalhem em conjunto e com outros parceiros para implementar esse novo direito reconhecido. No Brasil, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado já consta da nossa Lei Maior. Todavia, o desafio da questão climática ainda não aparece nela de forma explícita.
Também este mês, a Organização Mundial da Saúde (OMS) informou que as mudanças climáticas são a maior ameaça à saúde da humanidade. No mesmo dia, um artigo publicado na Nature Climate Change revelou que 85% da população já são afetados por mudanças climáticas induzidas pelo ser humano. O 6o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima da ONU, lançado em agosto passado, foi ainda mais alarmante em relação ao fato de que as mudanças do clima e seus impactos já estão afetando a todos em todo o planeta.
Embora as alterações do clima sejam a maior ameaça ambiental atualmente e o Governo possa fazer muito para garantir a segurança climática dos cidadãos, a palavra “clima” não aparece na Constituição Federal. Explica-se: a Constituição é de 1988 e a convenção de mudança climática foi assinada quatro anos depois, na Rio 92. Isso não significa que seja aceitável: essa ausência permite que Governos atuem contra o melhor interesse de seus cidadãos neste tema —como, por exemplo, no fraco combate ao desmatamento, que não só turbina as emissões nacionais de gases de efeito estufa, como já está afetando o regime hídrico do qual dependem nossa segurança energética, hídrica e alimentar. Para piorar, atividades econômicas altamente emissoras de gases do efeito estufa e nocivas à saúde ainda recebem muitos incentivos fiscais.
Mais informações: ONU diz que países devem dobrar metas climáticas para evitar “catástrofe”
Os compromissos que o Brasil assumiu sob o Acordo climático de Paris —nossa NDC— nos colocam no caminho de um aumento médio da temperatura global de 2,5ºC a 3,0ºC até o fim do século, o que exporia o país a impactos gravíssimos. Alguns deles já começam a ser sentidos porque estamos muito perto do limite de 1,5C, que poderá ser ultrapassado já na próxima década. Isso significa que teremos secas mais frequentes e severas. A maior irregularidade e redução da pluviosidade afeta diretamente os reservatórios que abastecem o país de água e energia elétrica. A água é também um insumo estratégico para a agropecuária. E afeta a todos, mas sobremaneira as populações mais carentes das periferias urbanas e rincões rurais que pouco ou nada usufruem de investimentos em adaptações às mudanças do clima.
Ondas de calor cada vez mais frequentes e intensas trarão sérias consequências para a saúde pública. Há, ainda, o risco apresentado por eventos meteorológicos extremos que causam inundações e deslizamentos. Não raro, as consequências são fatais. Ao longo de nossa extensa costa ficam populosas cidades que vão perder área pela elevação do nível dos oceanos. O aumento da temperatura do mar e as mudanças na salinidade oceânica, por sua vez, afetam a pesca. O aumento do nível do mar afetará a logística dos portos, com impactos sobre o setor de exportações e commodities. Adaptações na infraestrutura serão inevitáveis. Por qualquer ângulo que se olhe, os riscos são consideráveis e não podem mais ser ignorados.
É este o contexto da minuta de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para inserção da segurança climática. Não por acaso, ela está sendo chamada de Lei Mais Urgente do Mundo. Ela propõe a inserção da segurança climática expressamente em três dispositivos estruturantes de nossa Constituição: no artigo 5º —cláusula pétrea, como Direito Humano Fundamental; no artigo 170 – princípio da Ordem Econômica e Financeira Nacional; e no artigo 225— núcleo essencial do Direito ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado.
O objetivo é assegurar que o Estado brasileiro, independentemente do Governo vigente, trabalhe para mitigar o risco climático. Ao ser integrada à Constituição, nos três pilares citados, servirá também para salvaguardar o país e seus biomas dos desmandos de governantes, Presidentes e ministros do Meio Ambiente eventualmente adversos ao tema e à preservação, como tivemos nos anos mais recentes, e ainda vemos no momento atual.
Em um assunto que infelizmente sofre com a radicalização dos extremos ideológicos, é auspicioso que esta proposta tenha sido desenvolvida por um grupo de deputados membros da Frente Parlamentar Ambientalista, mas também de diversos campos políticos da direita à esquerda, com o apoio da sociedade civil, ambientalistas e pesquisadores. Mais de 100 deputados já apoiam sua tramitação, mas ainda precisamos de mais 71 para que passe a tramitar formalmente pela Câmara. No Senado, PEC similar infelizmente está paralisada na Comissão de Constituição e Justiça (PEC 233/2019).
Às vésperas da Conferência do Clima, é urgente que o Congresso Nacional paute a votação da lei que impõe ao Estado brasileiro a garantia da segurança climática aos seus cidadãos e ecossistemas, ao lado de outros direitos fundamentais, como o direito à vida, à dignidade da pessoa e à saúde. Sem um clima seguro, não há meio ambiente ecologicamente equilibrado, saúde e vida digna.
Carlota Aquino é diretora executiva do IDEC-Instituto de Defesa do Consumidor
Paula Johns é diretora geral da ACT Promoção da Saúde
Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-10-26/a-lei-mais-urgente-do-mundo.html
Vaclav Smil: “Em cinco anos haverá escassez de água e alimentos”
Cientista pesquisa sobre energia há mais de 40 anos
Anatxu Zabalbeascoa / El País
Inquieto, atento e meticuloso, Vaclav Smil (Pilsen, Tchéquia, 1943) é a imagem viva de um sábio. Há 40 anos vem investigando o retorno energético. Seu saber poliédrico baseia-se em fatos e está reunido em livros como Energy in world history (“História da Energia no Mundo”) e Numbers don’t lie (“Os Números Não Mentem”, com o subtítulo “71 coisas que você precisa saber sobre o mundo”). Está tão acostumado à precisão dos dados que qualquer pergunta lhe parece generalista. Fala da sua casa, em Winnipeg (Canadá), onde chegou há quase meio século e vive com sua esposa, sem celular. Aposentado como professor de meio ambiente na Universidade de Manitoba, afirma que há no mundo mais progresso que retrocesso, “embora o retrocesso sempre esteja à espreita”.
Pergunta. Os economistas defendem o crescimento. Estão errados?
Resposta. Não. E sim. Muitos países precisam crescer. A questão é quais. Nos Estados Unidos, não precisam de mais advogados. Na Europa, sobram burocratas em Bruxelas. Mas o planeta tem um problema de suprimentos. Em cinco anos haverá escassez de água e alimentos. Devemos crescer na direção correta.
P. E não estamos fazendo isso.
R. Não precisamos que cresça o mercado de veranistas nas Seicheles. Precisamos que a Malásia e a Indonésia cresçam, mas não os Estados Unidos. E é fundamental aproveitar o crescimento para melhorar a equidade. Que o produto interno bruto aumente de maneira desigual não é bom, embora devamos assumir que uma sociedade perfeitamente igualitária jamais existirá.
P. A equação crescimento/felicidade nem sempre funciona.
R. Há duas formas de medir as coisas, inclusive as emoções. Objetivamente, indicadores como a taxa de suicídios, divórcios ou crimes violentos revelam infelicidade, porque, se você estiver bem, não se suicida, nem se divorcia, nem é violento. Mas também há indicadores subjetivos. Aí entram os indivíduos: as pessoas podem ser pobres e felizes. A maioria tem problemas e não se define como infeliz. Veja, ninguém é muito feliz no Afeganistão. Mas o índice de felicidade que resulta de comparar ambos os indicadores aponta que o crescimento não torna mais feliz. As pessoas na Bolívia são mais felizes que os japoneses ou os espanhóis. A felicidade e a renda per capitanão estão relacionadas.
P. As maiores economias do mundo exportam armas.
R. Sim. Estados Unidos, China, Espanha… inclusive o Canadá. É um mercado global. De onde você acha que o Talibã tirou as armas durante os últimos 20 anos? Não as produziram numa caverna, né?
P. Desarmar o mundo é uma utopia?
R. Por mais que fossem proibidas, o que não acontecerá, você acha que os proprietários as devolveriam?
P. O mundo vai depender das relações a serem estabelecidas com os países islâmicos?
R. Durante séculos houve fundamentalismo no catolicismo. Agora se dá no islamismo. Mas há muito islamismo moderado. E muito desconhecimento sobre o islamismo. Vejamos: qual é país do mundo com maior população muçulmana?
P. Não sei. O Irã?
R. Na Índia, os hindus são a população mais ampla. Mas os muçulmanos são a segunda. Por isso é um país islâmico maior que o Paquistão ou a Arábia Saudita.
P. O crescimento econômico está por trás da obesidade? Do câncer…?
R. Não há crescimento sem risco. E essas doenças são multifatoriais. Cada avanço acarreta um risco que precisa ser pesado. É absurdo tratar de medir o mundo em termos opostos. O bem e o mal são relativos.
P. Tudo é relativo, mas o senhor resume sua informação em números.
R. Sem dados não é possível tomar decisões. Mas, inclusive se você tiver os melhores números, deve considerar o imprevisível, o aspecto não numérico de cada decisão. É fácil reduzir emissões do CO2 na Dinamarca. Mas a Nigéria hoje vive como os dinamarqueses em 1850. O que se pode pedir a eles que reduzam?
P. Os países que precisam crescer podem ser advertidos sobre o perigo de crescer muito?
R. É como falar de câncer de pele a quem tem falta de iodo. Estamos numa economia global, mas não existe uma solução global igual para todos. O mundo ocidental esquece isso. O custo de reduzir as emissões não deve ser proporcional, e sim sob medida. Não é o mesmo crescer para sobreviver que para expandir a economia. Vejamos a Índia. Está prestes a ultrapassar a China como o país mais populoso do mundo [a ONU prevê que ocorrerá em 2027], entretanto consome um terço menos de energia.
P. A expansão da humanidade está chegando a seu fim?
R. Há quem não entenda que o crescimento perpétuo não existe. Vivemos em um planeta finito. Quase todos os países europeus já deixaram de crescer. Se não fosse pela imigração, legal e ilegal, a Europa não teria população suficiente para pagar as pensões.
P. Se a imigração for uma solução, por que é uma medida pouco popular?
R. Se a vida fosse parecida em ambos os lados do muro entre o México e os Estados Unidos, as pessoas não se deslocariam. A migração é o resultado da desigualdade: os pobres se mudam para países ricos para sobreviver. Faz parte da nossa natureza procurar comida para nossos filhos e fugir dos conflitos ou da opressão. Não quer imigração? Defenda a equidade. Pouquíssimos países se fecham como a Hungria. Entretanto, a época de portas abertas passou. Obama percebeu. Deve regular-se que o mundo seja um lugar mais equitativo.
P. O senhor chegou há 50 anos da Tchecoslováquia ao Canadá. Por quê?
R. Quem quer viver numa jaula comunista?
P. Explicando como mudou a sua maneira de se aquecer, o senhor percorre a história da energia.
R. Sim. Meu pai cortava troncos de abeto, e esse sistema tinha escassos 15% de eficácia. Nos Estados Unidos vivemos em um apartamento onde a calefação funcionava a óleo diesel – com 67% de eficácia. Passei meia vida no Canadá com gás natural. Nossa casa tem 97% de eficiência energética.
P. Como a conseguiu?
P. Isolando as paredes e com vidros triplos. Na Espanha, quase todas as janelas têm um único vidro. Nos países frios, costumam ter o dobro. Eu os deixo triplos.
P. Falando de energia, o senhor parece um psicólogo: “Se não controlar o declínio, sucumbe a ele”.
R. Claro. Saber lutar com a decadência é desejável. Mas nem todo mundo acha assim. Vejamos: a retirada do Afeganistão foi julgada na Europa como o declínio dos Estados Unidos. Mas é assim? Foi uma decisão livre: os Estados Unidos escolheram se retirar.
P. Frente à liberdade de se retirar está o egoísmo de ignorar.
R. Todo mundo sabe que os Estados Unidos cometeram erros, e entretanto continuam sendo a economia mais dinâmica do mundo. A China pode ser maior, mas há 1,412 bilhão de chineses, e apenas 331 milhões de norte-americanos. A renda per capita nos Estados Unidos é muito superior. Fala-se do declínio norte-americano e do apogeu chinês sem conhecimento. Sempre pergunto que posição a China ocupa no índice do PIB [per capita]. Você sabe?
R. Sei pelo seu livro: 82ª posição.
R. Não se pode medir a economia à margem da população. O dinamismo é fundamental para mantê-la viva. Sendo a típica europeia, você deve ter três celulares, certo?
P. Um.
R. Diga-me, onde foi inventado? Nos Estados Unidos. E os aviões modernos? A pesquisa e a criatividade antecedem à produção. Que os Estados Unidos se retirem do Afeganistão não quer dizer que estejam acabados. As pessoas gostam de simplificar.
P. O senhor demonstra com números que os Estados Unidos não são um país excepcional.
R. Claro. Ali é mais provável que os bebês morram. Se você busca evidência da excepcionalidade norte-americana, não a encontrará nos números, que é onde importa. A razão é que se é excepcional em algo, não em tudo.
P. Os Estados Unidos adotaram sua visionária Constituição: “Todos os homens são criados iguais”, enquanto o primeiro, o terceiro e o quarto presidentes eram proprietários de escravos.
P. Nos países islâmicos, a escravidão existia até ontem. Na Arábia Saudita, pode ser que inclusive agora. E há uma escravidão de fato: as pessoas trabalham trancadas em casas.
P. A democracia é uma utopia?
R. É imperfeita, mas me dê uma alternativa melhor. Vejamos: na Finlândia quase não há estrangeiros [7% da população]. O consenso social é mais fácil que nos Estados Unidos, com diversidade de raças e religiões. Vejamos na Espanha: todo mundo quer ser independente! País Basco, Catalunha, até Madri! É mais fácil governar a Finlândia. Os nórdicos deveriam ser excluídos das comparações internacionais. O mundo é um lugar que desmorona num dia e se arruma no dia seguinte.
P. Como lidar com a incerteza?
R. Nos anos oitenta escrevi um livro sobre o meio ambiente na China. Durante anos me perguntaram quando seria irrespirável. Sempre respondi o mesmo: não veremos isso. Está na condição humana dar um grande passo adiante e outro para trás. A poluição na China é uma das piores do mundo, mas o tratamento de águas melhorou. Quantas coisas melhoraram na Espanha desde a morte de Franco? Você me dirá que muitas, mas quantas pioraram?
P. Seu discurso de que o mundo se autorregula poderia ser utilizado pelos negacionistas da mudança climática.
R. Essa pergunta pertence ao passado. Nos últimos 50 anos deixamos para trás o descuido com o meio ambiente. Há leis, ministérios, sanções e educação.
P. Também há mais poluição.
R. Claro, mas a consciência existe. Inclusive nos países mais pobres. E gera resultados.
P. Quando pesquisa, como decide o que será importante e o que é irrelevante?
R. Pense no corpo humano: é mais importante um rim ou o fígado? É absurdo pensar que os problemas ambientais são mais importantes que os econômicos, porque tudo está relacionado, e só vamos solucioná-lo se entendermos isso. Aí as redes sociais são tóxicas: não entendem as conexões.
P. Usa o Google?
R. Quem não usa o Google? 90% do mercado é dele. Faz tempo que é uma ferramenta de mercado, e não tenho dúvidas: o Google tem o melhor algoritmo. Especialmente se você busca informação séria, e não idiotizantes vídeos do YouTube.
P. Quase todo mundo usa celular, e o senhor não. Por quê?
R. Não me interessam as estúpidas redes sociais. Por que teria que contar minha vida a gente que não conheço? Por que deveria fazer comentários sobre coisas que não sei? Olhe, quando a gente tem um problema no coração, precisa da opinião de um cardiologista. Não a de alguém sentado num quarto escuro.
P. Que os homens mais ricos do mundo subam em foguetes para explorar a biosfera é uma oportunidade para os humanos ou uma oportunidade de negócio?
R. Se as pessoas forem audazes, tudo é uma oportunidade de negócio. A pergunta é: a que preço e para quê.
P. O que é o progresso?
R. Ter a população infantil vacinada, nutrida, com uma expectativa de vida que passe dos 40 para os 80 anos e com educação e saúde garantidas pelo Estado. Aliás, a Espanha está no topo da expectativa de vida, com o Japão, apesar de hoje comer carne demais.
P. Quanto é carne demais?
R. Durante o franquismo comiam oito quilos por ano por pessoa. Agora, quase 200.
P. O senhor come carne?
R. Claro. Por que não comeria? Somos onívoros. Não temos o sistema digestivo dos herbívoros, como uma vaca ou um coala. A chave está no oni, que significa tudo. Implica variedade e não exceder-se em nada.
P. Surpreendeu-me saber que bebemos menos vinho que há um século.
R. O consumo baixou sobretudo no Mediterrâneo. Em seu país [a Espanha] se bebe mais cerveja que vinho. O mesmo quanto à dieta mediterrânea: eu cozinho com azeite de oliva, mas na Espanha o que mais se vende é o de girassol.
P. O senhor cozinha?
R. Todo dia. Para mim e para minha esposa.
P. Eu o imaginava submerso em suas leituras e com tempo para pouco mais.
R. Não aguentaria pesquisar se não tivesse uma vida organizada. Preparar o que se come mantém você saudável e desperto. Hoje comprei um bacalhau e vou fazer com batatas.
P. “O homem industrial não come batatas produzidas com energia solar, e sim batatas parcialmente produzidas com petróleo.” O senhor escreveu que sem a síntese de fertilizantes Haber-Bosch haveria fome generalizada.
R. Sem nitrogênio as plantas cresceriam menos e não haveria para todos. Os fertilizantes não servem só para aumentar fortunas; eles alimentam a população mundial.
P. Comer de forma saudável universalmente é uma tarefa impossível?
R. A saúde pública universal é tarefa impossível? É um desafio. É possível planejar melhor as safras e melhorar os fertilizantes. As vacas podem comer alfafa. Nós, não. Mas se só comemos vacas, temos que alimentá-las. Quase tudo no planeta é uma questão de equilíbrio.
P. O México continua sendo o país com mais sobrepeso?
R. Atualmente é a Arábia Saudita, com mais de 70% da população obesa.
P. Cerca de 12% da população está subnutrida. E 75% superalimentada. Por que o que é barato engorda tanto?
R. Porque tem gordura saturada e muito açúcar, que produz um efeito de saciedade com pouco gasto.
P. A epidemia de obesidade tem mais relação com a pobreza ou com os carros?
R. A resposta é multifatorial: a genética manda, a dieta ajuda, e o exercício ou a atividade compensam. A maioria das mulheres japonesas não faz exercícios. Mas elas são ativas.
P. Como o senhor se desloca por Winnipeg?
R. Aqui é muito difícil viver sem carro. O supermercado mais próximo está a cinco quilômetros.
P. A frugalidade é uma educação?
R. Voltamos ao mesmo: o que é pouco? Tem gente que acredita que três carros seja pouco, e há quem considere que um é muito. Além disso, a educação não é tudo. Tem gente educada e muito infeliz. Gente educada que comete crimes e desfalques financeiros. Gente educada se divorcia na mesma proporção que gente sem instrução. A alta educação só tem um resultado comprovável: maiores possibilidades de ganhar dinheiro. Mas nem esse dado é infalível, basta ver na quantidade de graduados que há na Espanha que se veem forçados a emigrar.
P. Diga-me se há pelo menos uma energia mais razoável.
R. Sim: o gás natural. Disponível em todo mundo, é a mais limpa das energias fósseis, que quando queimadas geram dióxido de carbono. Passará muito tempo até que possamos obter a eletricidade que necessitamos apenas de recursos sustentáveis como o vento e o sol. Enquanto isso, a mais eficaz é o gás. Não há discussão possível.
P. É um perigo que algumas energias – como o gás natural – estejam em poucas mãos?
R. Não. Durante muito tempo o mercado do gás permaneceu limitado porque não havia maneira fácil de transportá-lo. Mas uma vez construídos os gasodutos fica fácil. A Europa depende do gás do mar do Norte. E do russo. A Espanha importa do Qatar. Até o Canadá exporta para a Europa.
P. Com tanta informação, seus medos são globais ou pessoais?
R. O medo é pessoal. Por isso é quase impossível sentir o mesmo por uma criança que morre na África do que por um filho doente. Mas a informação nos recorda que o mundo é uma máquina complexa. Um risco termina onde outro começa. Pense na pandemia. O mundo é um lugar de risco.
Atuais promessas de emissões resultam em aumento de 2,7 ºC, alerta ONU
Promessas de reduzir as emissões de gases de efeito estufa deveriam ser sete vezes maiores, diz ONU
A poucos dias da COP26, a Organização das Nações Unidas (ONU) alertou que os novos compromissos da comunidade internacional são insuficientes para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, que podem causar neste século uma elevação da temperatura do planeta em 2,7 ºC em relação à era pré-industrial – quase o dobro da meta de 1,5 ºC.
O alerta consta no Emissions Gap Report de 2021, publicado nesta terça-feira (26/10) pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) cinco dias antes da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26) – principal fórum político para enfrentar o crise climática –, em Glasgow, Escócia.
"A fim de ter uma chance de limitar o aquecimento global a 1,5 ºC, temos oito anos para reduzir quase pela metade as emissões de gases de efeito estufa. O relógio está correndo ruidosamente", enfatizou a diretora executiva do Pnuma, Inger Andersen, após a divulgação do relatório, intitulado The heat is on (O aquecimento está ligado).
Segundo o documento, que está em sua 12ª edição, as emissões previstas por 120 países e as medidas de mitigação anunciadas ainda são insuficientes para atingir o objetivo traçado pelo Acordo de Paris de 2015: limitar a menos de 2 ºC (idealmente, a 1,5 ºC) o aumento da temperatura em relação ao período pré-industrial.
Para atingir esse objetivo, seria necessária uma redução anual adicional, acima dos compromissos atuais, de 28 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente (medida cuja sigla em inglês é GtCO2e, usada para quantificar a massa dos gases-estufa a partir de seu potencial de aquecimento).
Emissões reais bem longe do ideal
Porém o relatório estima que, na taxa atual, as emissões globais anuais serão de cerca de 60 gigatoneladas de GtCO2e em 2021. Diante desse cenário, os compromissos assumidos por 49 países, em conjunto com a União Europeia, para chegar a um estado de neutralidade de carbono – zero emissões líquidas de CO2 – poderiam fazer "uma grande diferença" e reduzir o aquecimento global em mais 0,5 ºC.
No entanto, os planos atuais são "muito ambíguos" e não estão refletidos na Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês), um documento apresentado por cada país, contendo as emissões e políticas esperadas.
O Pnuma destaca ainda a necessidade de reduzir as emissões de metano – o segundo gás de efeito estufa que mais contribui para o aquecimento global –, já que os compromissos atuais resultariam em apenas um terço da redução necessária para atingir a meta de 1,5 ºC. O relatório compara, ainda, as reduções de emissões reais com as necessárias para desacelerar o aquecimento global.
Antecipando a reunião de duas semanas que começa em Glasgow, na Escócia, no domingo, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) alertou que as concentrações de gases-estufa atingiram um recorde em 2020 e que o mundo está "bem longe" de conter o aumento das temperaturas.
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/atuais-promessas-de-emiss%C3%B5es-resultam-em-aumento-de-27-%C2%BAc-alerta-onu/a-59632993
Elio Gaspari: O caminho do vexame em Glasgow
Se o Itamaraty cuidar, ele será evitado
Elio Gaspari / O Globo
Faltam três dias para a ida de Jair Bolsonaro à reunião do G-20 de Roma e mais um para o começo, no domingo, da reunião da ONU sobre mudanças climáticas, a COP-26. Se a conduta das delegações brasileiras for conduzida por profissionais do Itamaraty, será possível evitar que o Brasil saia satanizado de Glasgow. Se a orientação sair da copa do presidente Bolsonaro, arma-se um vexame. Essa preocupação é legítima quando se sabe que, em setembro, a copa do Alvorada deu o tom do discurso pedestre do capitão na abertura da Assembleia Geral da ONU.
A entrega da chefia da delegação brasileira ao ministro Joaquim Leite, do Meio Ambiente, foi um mau sinal. Não só pelo currículo e pela falta de experiência dele em assembleias internacionais, mas também pelo desconhecimento dos antecedentes históricos da encrenca em que se meteu. Ele disse que a proposta da Comissão Europeia de criar uma taxa de carbono sobre produtos importados seria “uma forma de proteger as indústrias europeias de concorrentes estrangeiros que não cumprem os mesmos padrões de redução das emissões de gases de efeito estufa”.
Traduzindo: os europeus usam a proteção ao meio ambiente para proteger suas economias. Essa ideia é compartilhada pelo ministro da Economia, doutor Paulo Guedes. Vá lá que haja um fator econômico na querela. Mesmo assim, acreditar que a preocupação mundial com o clima seja um joguinho de papeleiros “revela um despreparo enorme”, para usar uma expressão do próprio Guedes detonando a fantasia de um Plano Marshall diante da Covid-19.
O pelotão palaciano viajou no tempo para escorregar numa casca de banana do século XIX. Quando o Império defendia a escravidão e o contrabando negreiro, argumentava, quase em surdina, que o abolicionismo era um ardil dos ingleses para proteger sua produção. Em benefício da elite da época, esse argumento nunca foi vocalizado por ministros. O Barão de Penedo, embaixador em Londres, nunca disse essas tolices por lá.
Passou o tempo e, novamente em surdina, a ditadura dizia que a política de defesa dos direitos humanos do presidente Jimmy Carter era uma nova face do imperialismo americano.
Omitiam-se dois fatos essenciais: o Império assentava-se na escravidão, e a ditadura amparava-se na tortura. Hoje, tenta-se embaralhar a questão climática reciclando a ignorância. É perda de tempo porque, salvo na cabeça dos agrotrogloditas, as queimadas da Amazônia estão na agenda do mundo.
Se o Brasil for para a reunião do G-20 de Roma e para Glasgow oferecendo um vago projeto verde, falando em protecionismo e cobrando recursos dos países ricos, pagará um mico. Em situações semelhantes, defendendo posições escalafobéticas, a diplomacia brasileira soube deixar o país fora da vitrine. Foi assim quando defendeu a insana política de reserva de mercado na informática, aquela que proibia a importação de computadores. Depois de um surto nacionalista, deixou o Acordo Nuclear com a Alemanha ir para a sepultura sem muxoxos.
Um presidente que não toma vacina e divulga a mentira de que ela provoca reações letais pode ser um ícone para seus convertidos, mas suas ideias em relação ao meio ambiente não são produto de exportação.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/opiniao/o-caminho-do-vexame-em-glasgow-1-25252788
WRI Brasil: 4 questões essenciais definirão o sucesso da COP26
COP26 precisa reconstruir a confiança de que a ação global pode resolver desafios da humanidade
WRI Brasil
Depois do relatório preocupante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em meio a meses de eventos climáticos extremos sem precedentes e com impactos devastadores, governos e outros atores devem ir a Glasgow determinados a reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa (GEE) ainda nesta década e a enfrentar os impactos climáticos presenciados em todo o mundo.
Atual situação da ação climática
O mundo tem feito avanços importantes na luta contra as mudanças climáticas. A transição para veículos elétricos, por exemplo, tem acelerado rapidamente, o uso de energia renovável tem crescido de forma exponencial, algumas nações apresentaram metas ambiciosas de redução de emissões para 2030 e muitos países e empresas têm se unido em busca de metas ambiciosas de emissões líquidas zero.
Ao mesmo tempo, os atuais compromissos climáticos nacionais (ou NDCs, sigla em inglês para Contribuições Nacionalmente Determinadas) ainda não são suficientes para que o planeta não ultrapasse o limite de 1,5°C de aquecimento. E os países mais vulneráveis ao clima não estão recebendo o apoio que precisam para proteger as florestas, adotar o uso de energia mais limpa ou se proteger melhor dos impactos do clima.
Durante ou antes da Cúpula dos Líderes Mundiais, que acontece nos primeiros dois dias da COP26, os chefes de estado precisam chegar a um nível ainda maior de comprometimento – especialmente aqueles entre os grandes emissores e que ainda não aumentaram suas metas de redução de emissões ou de financiamento. As negociações formais devem fornecer uma trajetória bem definida para preencher as lacunas ainda abertas e acelerar ainda mais as ações para atingir os objetivos do Acordo de Paris.
A resposta de tomadores de decisão e dos principais atores às quatro perguntas a seguir vai determinar o sucesso da COP26:
Os países terão grandes cortes expressivos de emissões até 2030 e farão um acordo para manter viva a meta de 1,5°C?
Seis anos atrás, em Paris, os países concordaram em cortar as emissões de GEE para ajudar a limitar o aquecimento global, de preferência a no máximo 1,5°C, e evitar as consequências mais perigosas e onerosas caso as temperaturas continuem a subir. Para evitar a violação desse limite, as emissões precisam ser reduzidas pela metade até 2030 e atingir o zero líquido por volta da metade do século.
Até a COP26, os países podem submeter compromissos climáticos nacionais atualizados para 2030, a fim de avançar em direção às metas do Acordo de Paris. Até agora, mais de 120 enviaram suas NDCs, enquanto muitos também anunciaram compromissos de zerar emissões líquidas. Como eles estão frente ao que é necessário?
A análise recente das Nações Unidas das NDCs de 112 países e da União Europeia (apresentadas até 30 de julho) concluiu que, até 2030, essas nações diminuiriam juntas suas emissões em 12% em relação aos níveis de 2010. No entanto, se considerados os compromissos existentes de todos os países – incluindo aqueles que ainda não submeteram NDCs atualizadas –, as emissões globais até 2030 devem aumentar em 16% em relação aos níveis de 2010. A situação está muito longe do necessário, que é a redução das emissões globais pela metade.
Fazenda eólica Rampion Offshore, no Reino Unido. Os países precisam tomar medidas veementes para reduzir as emissões para além de 2030 e zerar as emissões líquidas o mais rápido possível (foto: Nicholas Doherty/Unsplash)
Outra análise do WRI e do Climate Analytics avaliou as trajetórias de temperatura. O documento descobriu que os atuais compromissos climáticos, combinados com metas obrigatórias de zerar emissões líquidas, colocariam o mundo na rota de 2,4°C de aquecimento até o final do século. Considerando ainda as metas adicionais que foram anunciadas pelos países do G20, mas ainda não adotadas formalmente, o aumento da temperatura poderia ser limitado a 2,1°C. O documento também descobriu que, se todas as nações do G20 definirem metas ousadas de redução de emissões para 2030 e atingirem emissões líquidas zero até 2050, o aumento da temperatura global pode ser limitado a 1,7°C – mantendo a meta de 1,5°C ao alcance.
Desde que esses dois relatórios foram divulgados, a África do Sul anunciou metas muito mais robustas para 2030 que colocam o país próximo de uma trajetória alinhada ao limite de 1,5°C. A notícia foi muito bem-vinda, especialmente por vir de um grande país em desenvolvimento. O Japão também se comprometeu formalmente a cortar suas emissões entre 46% e 50% em relação aos níveis de 2013 até 2030. Trata-se de um avanço significativo em relação ao plano fraco apresentado no ano passado. Mas é preciso muito mais. China, Índia, Arábia Saudita e Turquia – juntos responsáveis por 33% das emissões globais de GEE – ainda não divulgaram seus planos. Se esses países apresentarem planos mais fortes até a COP26, podem ajudar a preencher parte dessa lacuna.
A Austrália, por sua vez, submeteu um plano sem uma meta mais forte para 2030, enquanto Brasil e México estabeleceram metas mais fracas do que as anteriores. É fundamental que esses países voltem a se juntar à comunidade global com compromissos sérios pela redução de emissões.
Mais um obstáculo: mesmo as reduções ambiciosas para 2030 da UE, dos Estados Unidos e de alguns outros países do G20 não estarão totalmente alinhadas a uma trajetória dentro do limite de 1,5°C. A meta de redução de emissões do Reino Unido para 2030 acerta o alvo, mas o país ainda precisa fortalecer as políticas para chegar lá, além de fornecer mais financiamento para as nações em desenvolvimento.
Os principais países emissores que ainda não apresentaram NDCs mais fortes precisam fazê-lo até a COP26. E, durante a conferência, os governos devem entrar em um acordo para que os principais emissores cujas metas para 2030 não estão alinhadas ao limite de 1,5°C as tornem mais ambiciosas até 2023, quando as nações finalizam a avaliação de seu progresso coletivo como parte do balanço global (global stocktake) do Acordo de Paris.
Fortalecer as metas climáticas novamente até 2023 pode ser um remédio difícil de engolir para os líderes políticos – e os países ainda terão que apresentar novos planos em 2025 como parte do ciclo regular do Acordo de Paris –, mas o fato é que não há escolha. Se falharmos coletivamente em reduzir as emissões de GEE ainda na década de 2020, a meta de 1,5ºC ficará fora de alcance. E as consequências assustadoras de romper esse limite são impensáveis e devem ser evitadas a todo custo.
Os países também precisam tomar medidas veementes para conter as emissões além de 2030 e zerar emissões líquidas o mais rápido possível. Houve um grande aumento nos compromissos nesse sentido nos últimos anos. Até o momento, 63 países (representando 54% das emissões globais) possuem metas de emissões líquidas zero – incluindo muitas nações vulneráveis e diversos grandes emissores, como China, UE, EUA e Brasil. No entanto, Brasil e China, entre outros, ainda precisam assumir compromissos de curto prazo que garantam um caminho consistente com seus compromissos.
Para garantir trajetórias confiáveis, os negociadores devem chegar a um acordo sobre um resultado da COP26 que convoque os países a continuarem desenvolvendo estratégias de longo prazo – e revisando-as com regularidade. Essa ação forneceria o caminho de longo prazo necessário para alcançar o zero líquido nas emissões globais até a metade do século e seria uma maneira de acompanhar o progresso em direção a essa meta de forma transparente.
Os países em desenvolvimento conseguirão o financiamento e o apoio que precisam?
Em Glasgow, os países precisam chegar a um acordo em relação a um pacote que atenda às necessidades dos países mais vulneráveis, que enfrentam a pior parte dos impactos climáticos – atualmente e no futuro. Além de cortes ambiciosos de emissões por parte dos principais emissores, a COP26 precisa apoiar os esforços das nações em desenvolvimento na proteção das florestas e na transição para fontes de energia mais limpas, bem como reconhecer a importância da adaptação e do tratamento de perdas e danos. Todos esses esforços exigem que as principais economias forneçam muito mais financiamento climático, um passo crucial para reconstruir a confiança junto às nações em desenvolvimento.
Um fazendeiro coleta algas marinhas em uma fazenda de algas em Nusa Penida, na Indonésia. Muitos países vulneráveis ao clima enfrentam impactos tão graves que não são mais uma questão de adaptação, como o aumento do nível do mar invadindo construções costeiras (Foto: deskcomm/Shutterstock)
Uma breve descrição do que é necessário:
Financiamento climático: Em Copenhague, em 2009, os países desenvolvidos se comprometeram a mobilizar US$ 100 bilhões por ano até 2020, de fontes públicas e privadas. Estimativas recentes da OCDE mostram que o financiamento total para o clima atingiu US$ 79,6 bilhões em 2019, reforçando a probabilidade de que a meta não seja cumprida.
Na Assembleia Geral da ONU, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou que os EUA duplicariam sua promessa de financiamento climático novamente, chegando a US$ 11,4 bilhões por ano até 2024. Trata-se de um bom passo e na direção certa, mas que ainda não representa uma parcela justa do esforço para cumprir a meta dos US$ 100 bilhões.
Antes da COP26, Alemanha e Canadá anunciarão um “plano de entrega” para os US$ 100 bilhões anuais, elaborado em consulta com as nações em desenvolvimento, a pedido da Presidência britânica da COP26. Antes e durante a COP26, mais países desenvolvidos devem aumentar suas próprias contribuições para chegarmos lá. Além disso, também devem concordar em oferecer pelo menos US$ 500 bilhões para o período 2020-2024.
Iniciar o processo para estabelecer uma meta de financiamento climático para o período pós-2025 é outra prioridade da COP26.
Decisões anteriores forneceram uma orientação geral, mas, em Glasgow, os negociadores devem ser mais concretos. Diversas abordagens gerais foram sugeridas, incluindo algumas ideias para alcançar a nova meta de financiamento climático que deve ser definida antes de 2025, partindo de um piso de US$ 100 bilhões por ano.
É essencial criar um processo robusto que considere as necessidades e prioridades das nações em desenvolvimento, bem como as metas de longo prazo do Acordo de Paris. Os países também precisarão considerar se e como as negociações sobre a nova meta vão tratar questões como: o aumento do financiamento público para o clima; uma meta específica para o financiamento da adaptação; e a alocação de fundos para esforços transversais que ajudem a conter as emissões e aumentar a resiliência, como soluções baseadas na natureza.
Adaptação. Além de reduzir as emissões, o Acordo de Paris estabeleceu uma meta de adaptação global que visa aumentar a resiliência climática e reduzir a vulnerabilidade aos impactos do clima. Alcançar essa meta requer o monitoramento e a avaliação do avanço conjunto dos países até agora.
Na COP26, espera-se que os países discutam as opções e entrem em acordo sobre como avançar o trabalho referente à meta de adaptação. Dada a contínua falta de clareza sobre o que é necessário para isso, o IPCC poderia produzir diretrizes específicas ou um relatório especial para ajudar a medir, avaliar e estimular o avanço.
Além disso, nações em desenvolvimento precisam de aumentos previsíveis e significativos no apoio financeiro para se adaptar e construir resiliência aos impactos das mudanças climáticas.
Durante a COP26, os países desenvolvidos devem aumentar o financiamento da adaptação de forma significativa, a fim de atingir o equilíbrio com o nível de apoio mobilizado para reduzir as emissões. Também devem considerar fortalecer a qualidade desses financiamentos – por exemplo, mais alternativas de financiamento concessional, incluindo doações em vez de empréstimos – e garantir maior acesso a todos os financiamentos climáticos.
Perdas e danos. O último relatório do IPCC concluiu que todas as regiões habitadas do mundo já vivem os efeitos das mudanças climáticas. A realidade, porém, é que muitos países enfrentam impactos tão severos que não são mais sequer uma questão de adaptação, como migrações forçadas, perda de terras agrícolas e aumento do nível do mar.
Em 2019, na COP25, foi formada a Rede de Santiago para Perdas e Danos, uma plataforma destinada a catalisar assistência técnica para nações vulneráveis que precisam lidar com perdas e danos. Embora seja um começo, a plataforma em essência é apenas um site; os países precisam de um mecanismo robusto e operacional.
Para a COP26, as nações mais vulneráveis pedem que perdas e danos sejam um item permanente na pauta das negociações da ONU para discutir soluções, incluindo um fluxo exclusivo de financiamento.
Os negociadores concordarão com regras que mantêm a integridade e a ambição do Acordo de Paris?
Três anos atrás, os negociadores concordaram amplamente com as regras que colocam em prática o Acordo de Paris, mas deixaram algumas questões difíceis para a COP25: estabelecer regras para os mercados internacionais de carbono e chegar a um acordo sobre o período que as NDCs deveriam cobrir.
Durante a conferência de 2019, os países continuaram trabalhando nessas questões e avançaram no trabalho adicional de finalizar uma estrutura transparente para relatarem suas ações e esforços de apoio climático.
Na COP26, os negociadores tentarão mais uma vez estabelecer as seguintes regras sobre a “linha de chegada”
Mercados de carbono. Incentivando e maximizando reduções de emissões adicionais em todos os setores e gerando financiamento para a adaptação climática, os mercados de carbono podem ajudar no combate às mudanças climáticas. Sem regras robustas, no entanto, a redução nas emissões pode não ser tão alta quanto se pretendia.
Uma prática que deve ser evitada é a possibilidade de compradores e vendedores de créditos de carbono contarem duas vezes as mesmas reduções de emissões. Outra prática problemática seria permitir que os países alcancem suas novas metas usando créditos antigos gerados pelo Protocolo de Quioto.
Na COP26, os negociadores devem se manter firmes contra a permissão dessas atividades. No que diz respeito aos mercados de carbono, a meta da COP26 não deve ser finalizar as regras a qualquer custo, mas garantir que sejam robustas e alinhadas aos objetivos do Acordo de Paris.
Prazos comuns. Antes da cúpula do clima em Paris, em 2015, as NDCs foram enviadas com prazos diferentes – alguns terminavam em 2025 enquanto outros tinham 2030 como horizonte. Desde então, os países concordaram em alinhar seus futuros compromissos nacionais (os que devem ser implementados de 2031 em diante) usando um prazo comum.
Na COP26, os negociadores precisam decidir qual deve ser esse prazo – de 2031 a 2035 ou de 2031 a 2040, por exemplo.
Dada a urgência do combate à crise climática, o prazo mais curto, de cinco anos, ajudaria os países a ajustar e fortalecer as metas de suas NDCs com mais frequência, permitindo-lhes responder melhor a avanços científicos e mudanças tecnológicas, econômicas e sociais, como as que vimos mesmo nos últimos três a cinco anos. Um prazo menor também apoiaria a implementação efetiva de outras disposições do Acordo de Paris.
Estrutura de transparência. Em 2018, os países conseguiram chegar a um acordo sobre as diretrizes para o aprimoramento da estrutura de transparência do Acordo de Paris. No entanto, naquela época, ficaram com uma tarefa de casa: desenvolver mais detalhes técnicos, como formatos e esboços de relatórios de transparência e um programa de treinamento para revisores técnicos especializados que avaliam esses relatórios. Originalmente, esse dever de casa deveria ter sido entregue em 2020, mas, devido à pandemia do coronavírus, os países precisam entregá-lo agora, na COP26, em Glasgow.
Embora esse seja um tópico bastante técnico, os detalhes serão importantes. Essa estrutura deve fornecer às partes interessadas informações transparentes, precisas, completas, consistentes e comparáveis sobre as ações de cada país, além de que tipo de apoio financeiro e outros auxílios eles fornecem. Trata-se de uma base fundamental para avaliar o progresso e garantir a responsabilidade de cada país em relação aos compromissos no futuro.
Países e empresas se comprometerão com ações revolucionárias que impulsionem uma mudança sistêmica?
A COP26 também é uma oportunidade para revelar novas parcerias e compromissos que podem ajudar a envolver toda a sociedade em mudanças sistêmicas necessárias para enfrentar a crise climática. Nesse escopo, estão incluídas parcerias público-privadas, declarações multilaterais, novas coalizões, iniciativas regionais e outros acordos. Haverá muitas parcerias desse tipo na COP26, algumas das quais permanecerão em segredo até chegarmos lá.
Algumas das áreas que vale a pena acompanhar:
Zero líquido. Em junho de 2020, os Campeões do Clima de Alto Nível da ONU deram início à campanha global Race to Zero (em português, “Corrida pelo Zero) para reunir empresas, cidades, regiões e investidores agindo por uma economia baseada em emissões líquidas zero. O apoio à campanha cresceu substancialmente.
Até o momento, um quinto das principais empresas (por receita) em 15 dos maiores setores da economia está comprometido em reduzir as emissões pela metade ainda nesta década. Mais de 250 bancos, proprietários e administradores de ativos – juntos responsáveis por ativos superiores a US$ 80 trilhões, ou cerca de 77% do total de ativos sob gestão em todo o mundo – se comprometeram a fazer a transição de seus portfólios para emissões líquidas zero no máximo até 2050, sob a Aliança Financeira de Glasgow pelo Zero Líquido (GFANZ, na sigla em inglês).
Até a COP26, a campanha também pretende recrutar mil cidades para reduzir as emissões rápido o suficiente para limitar o aquecimento a 1,5°C. Garantir que esses compromissos sejam cumpridos exigirá metas intermediárias claras (por exemplo, para 2030) e aderir a regras que garantam transparência e integridade.
Depois de um extenso processo de consulta, a iniciativa Science-Based Targets lançará em breve, pouco antes da COP26, um padrão para metas de zero líquido, a fim de ajudar a definir uma abordagem global harmônica e de embasamento científico para o estabelecimento desse tipo de meta pelas empresas.
Um ciclista passa pela Fazenda Solar Valenzuela, em Manila, que possui 32 mil painéis. Custos em queda e avanços tecnológicos contribuíram para um crescimento exponencial no setor de energia renovável (foto: Lisa Marie David e IMF Photo/Flickr)
Setor financeiro. A terceira meta do Acordo de Paris é tornar os fluxos financeiros consistentes com uma trajetória de desenvolvimento de baixo carbono e resiliente ao clima. A Aliança Financeira de Glasgow pelo Zero Líquido – parte da iniciativa Race to Zero – é presidida por Mark Carney, ex-administrador do Banco da Inglaterra, que identificou relatórios, gestão de riscos, retornos e mobilização como áreas-chave por meio das quais observar o progresso.
Durante ou antes da COP, a International Finance Reporting Standards Foundation estabelecerá um Conselho de Padrões Internacionais de Sustentabilidade. Da mesma forma, durante a conferência a iniciativa Science-Based Targets apresentará um documento preliminar e dará início a um processo de consulta para desenvolver um padrão de zero líquido para instituições financeiras.
Carvão, petróleo e gás. Recentemente, Coreia do Sul e Japão prometeram interromper o financiamento para usinas de energia à base de carvão em outros países. Na Assembleia Geral da ONU, o presidente Xi Jinping anunciou que a China também interromperia a construção de usinas a carvão no exterior. Hungria e Uruguai foram os últimos países a aderir à Powering Past Coal Alliance, enquanto Dinamarca e Costa Rica recentemente formaram a Beyond Oil and Gas Alliance, comprometendo-se com um plano para interromper a produção de combustível fóssil.
Em setembro, a ONU abriu um chamado para o fim da construção de novas usinas a carvão, a No New Coal (“Nenhum Novo Carvão”). A iniciativa incluiu sete países até agora. Na COP26, espera-se ouvir notícias de mais países, investidores e outros atores que também estão deixando de usar combustíveis fósseis.
Energia renovável. Em 2010, as fontes de energia solar e eólica representaram 1,7% da geração global de eletricidade. Dez anos depois, esse índice subiu para 8,7%. Esse crescimento exponencial superou muito o que os modelos haviam previsto.
Custos em queda e avanços tecnológicos deixaram países e empresas muito mais confortáveis para estabelecer metas ousadas em relação à energia renovável e, provavelmente, veremos mais em Glasgow. Na COP26, Índia e Reino Unido também devem anunciar uma declaração conjunta sobre a criação de uma rede elétrica transnacional para fornecer energia solar em todo o mundo.
Florestas. Só em 2020, as emissões de carbono originadas pela perda de florestas tropicais foram mais do que o dobro das emissões de todos os carros que circulam nos Estados Unidos. Na COP26, fique atento à renovação dos compromissos para acabar com o desmatamento, bem como a medidas concretas que demonstrem o reconhecimento de como as florestas absorvem carbono e ajudam comunidades a se adaptar aos impactos climáticos. Iniciativas relacionadas às florestas que devem ser apresentadas na COP incluem a união dos países na promoção de cadeias de abastecimento livres de desmatamento por meio do Diálogo sobre Florestas, Agricultura e Comércio de Commodities (FACT, na sigla em inglês).
Também vale ficar atento a anúncios significativos de financiamento por parte de governos e do setor privado para atingir essas metas, inclusive por meio de iniciativas que utilizam mercados voluntários de carbono, como a Coalizão LEAF, lançada na Cúpula dos Líderes sobre o Clima em abril de 2021.
Veículos elétricos. Grandes fabricantes de automóveis, como Ford, GM e BMW, entre outros, fizeram investimentos substanciais em veículos elétricos, e cada vez mais países e empresas se comprometem a eliminar gradualmente as vendas de modelos com motores de combustão interna. Na COP26, podemos esperar mais promessas ousadas nesse sentido, sinalizando um ponto de inflexão em direção ao transporte limpo.
Metano. O metano é um gás de efeito estufa potente, com 86 vezes mais poder de aquecimento do que o CO2 em um período de 20 anos. Estudos estimam que esforços ágeis para reduzir as emissões de metano podem evitar 0,3°C de aquecimento até 2050.
Para lidar com esse superpoluente, os EUA e a UE anunciaram, na Assembleia Geral da ONU de 2021, o Compromisso Global do Metano, conclamando as nações a reduzir em pelo menos 30% as emissões de metano até 2030, de forma coletiva, em relação aos níveis de 2020. Mais de 30 países indicaram seu apoio à promessa até agora. Na COP26, esperamos ver a continuação desse ímpeto.
Toda a ajuda possível
A COP26 em Glasgow não é apenas um momento para os países demonstrarem seu comprometimento até agora. É também uma oportunidade para que redobrem seus esforços e voltem sua atenção para as próximas e urgentes etapas que precisam ser seguidas para mantermos o limite de 1,5°C ao alcance e respondermos aos efeitos crescentes das mudanças climáticas.
Independentemente de quanto as NDCs dos países vão somar, juntas, em termos de redução de emissões após a COP26, a necessidade de cortar rapidamente as emissões de GEE só seguirá à medida que as temperaturas continuarem subindo e as consequências das mudanças climáticas piorarem.
A COP26 é um momento de reunir toda a ajuda possível, para que todos se levantem e exijam de seus líderes uma ação climática ousada.
Fonte: WRI Brasil
https://wribrasil.org.br/pt/blog/clima/4-questoes-essenciais-definirao-o-sucesso-da-cop26-em-glasgow
Sem Brasil, Estados Unidos anunciam pacto contra desmatamento da Amazônia
Maior país amazônico, Brasil ficou de fora da viagem do secretário de Estado americano pela América do Sul
DW Brasil
Numa tentativa de combater um fator-chave das mudanças climáticas, os Estados Unidos vão lançar um pacto regional na Amazônia para reduzir o desmatamento e proteger terras indígenas na região, anunciou o secretário de Estado americano, Antony Blinken, nesta quinta-feira (22/10).
Em visita à Colômbia, Blinken afirmou que os EUA vão finalizar nos próximos dias uma "nova parceria regional focada especificamente no enfrentamento do desmatamento impulsionado por commodities”.
Segundo o secretário, a iniciativa fornecerá informações a empresas para ajudá-las a reduzir sua dependência da destruição florestal.
"Podemos dar grandes passos para lidar com a crise climática", disse Blinken ao anunciar o pacto, a poucos dias da próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP26.
Na Colômbia, Blinken visitou projetos apoiados pelo governo americano para promover o turismo, o cultivo de cacau e outras alternativas econômicas à extração madeireira.
Blinken afirmou que o pacto também incluirá assistência financeira para ajudar a administrar áreas indígenas protegidas e apoiar a subsistência de agricultores.
Brasil sob pressão
Florestas tropicais são cruciais para o clima porque servem como um grande sumidouro de carbono, mas as emissões de gases do efeito estufa resultantes de queimadas e da agricultura industrial na Amazônia superam as emissões anuais de países como Itália ou Espanha.
O Brasil é de longe o país que abriga a maior parte da Floresta Amazônica. Outrora considerado uma potência ambiental, o país sofre com desmonte de suas políticas de conservação e desmatamento em alta desde a chegada de Jair Bolsonaro à Presidência.
Antony Blinken na Colômbia: "Podemos dar grandes passos para lidar com a crise climática"
Antes da COP26, o governo Biden fez tentativas de aproximação do Brasil com o objetivo de alcançar algum compromisso ambiental.
Apesar da tímida tentativa de aproximação, o Brasil ficou de fora da primeira viagem de Blinken à América do Sul. E, durante sua visita à Colômbia, o secretário de Estado se recusou a responder uma pergunta sobre críticas ambientais a Bolsonaro.
Em maio deste ano, o enviado especial para o clima do governo dos EUA, John Kerry, afirmou que o Brasil, como uma das maiores economias globais, deveria assumir a vanguarda do enfrentamento da crise climática. "O Brasil é uma das dez maiores economias do mundo e líder regional, o país tem a responsabilidade de liderar", disse.
Elogios à Colômbia
A Colômbia, por sua vez, um aliado próximo dos EUA, tem metas climáticas que estão entre as mais ambiciosas da América Latina. O presidente Ivan Duque estabeleceu o objetivo de zerar o desmatamento até 2030.
Ao encontrar Blinken, o ministro do Meio Ambiente colombiano, Carlos Eduardo Correa, observou que cerca de um terço do país está na Amazônia e afirmou que as mudanças climáticas estão obrigando o país a "construir um novo modelo econômico, social e ambiental".
Em Glasgow, "o planeta inteiro está esperando por anúncio importantes, ações", disse Correa, em referência à COP26, que será realizada na cidade escocesa a partir de 31 de outubro.
Blinken afirmou que Duque mostrou "liderança notável" na questão climática e que o "time Colômbia está muito presente" antes da COP26.
Assim como Duque, Bolsonaro também prometeu zerar o desmatamento ilegal até 2030. Mas, em maio deste ano, tomou um alfinetada do governo americano devido à promessa.
"O presidente Bolsonaro se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal no Brasil até 2030 e alcançar a neutralidade climática até 2050. Para atingir qualquer uma dessas metas, o Brasil precisará tomar medidas imediatas para reduzir significativamente o desmatamento em 2021", disse Kerry.
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/eua-anunciam-pacto-contra-desmatamento-da-amaz%C3%B4nia/a-59586034