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Ex-ministros da Saúde pedem recriação de comissão para controle do tabaco

Luiz Henrique Mandetta, José Serra e Alexandre Padilha assinam o documento. Decreto nº 9.759/2019 ameaça controle do tabagismo

Monica Bergamo / Folha de S. Paulo

Os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta, Alexandre Padilha, José Serra e José Gomes Temporão assinam um manifesto pedindo ao atual gestor da pasta, Marcelo Queiroga, a reconstituição da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (Conicq).

"Os avanços que o Brasil obteve no controle do tabaco nos últimos anos, reconhecidos internacionalmente, – com a redução da prevalência de tabagismo de 34,8% em 1989 para 12,6% em 2019, salvando milhares de vidas– se consolidaram, em grande parte, graças à excelência dos trabalhos conduzidos pela Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (Conicq)", afirma o documento.

O texto também é subscrito pelos ex-ministros Arthur Chioro, Humberto Costa, José Agenor Álvares da Silva e José Saraiva Felipe.

"O Decreto nº 9.759/2019, que extinguiu diversos colegiados no Brasil, ameaça a continuidade da política nacional de controle do tabaco. Por mais que uma decisão cautelar do Supremo Tribunal Federal tenha embasado parecer da Advocacia-Geral da União no sentido de considerar que tal decreto não se aplica à Conicq, uma vez que é reconhecido o status de lei ordinária da CQCT, com vistas a reiterar o compromisso do país com a saúde dos brasileiros e a segurança jurídica, especialmente com a proximidade das conferências internacionais supracitadas, é fundamental a publicação de decreto presidencial restituindo a Conicq e garantindo a presidência ao Ministério da Saúde."

"Mesmo diante dos importantes progressos, o tabaco ainda leva à morte prematura cerca de 161 mil pessoas por ano, além de causar impacto negativo na economia de R$ 92 bilhões, com tratamentos médicos e perda de produtividade. Com os custos indiretos de cuidados por familiares, a conta chega a R$125 bilhões anualmente", segue o manifesto.

"A saúde das próximas gerações também encontra-se ameaçada desde cedo: dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar apontam que cerca de 30% dos estudantes entre 16 e 17 anos de idade já experimentaram cigarro (PENSE/IBGE-2019). O controle do tabagismo é ainda mais urgente no atual contexto de pandemia da Covid-19, considerando que fumantes infectados têm mais riscos de desenvolver um caso grave da doença."

"Por tudo isso, nós, ex-ministros da Saúde, reconhecemos a Conicq como o órgão legítimo para articular a implementação da Política Nacional de Controle do Tabaco e pedimos sua imediata reconstituição, conforme já sinalizado pelo atual Ministro da Saúde Marcelo Queiroga, observando a proximidade da COP9 e da MOP2, para evitar mais um agravo à saúde pública e honrando nosso compromisso em garantir o bem-estar da população brasileira", conclui a carta.

Confira a íntegra da carta

Pela imediata reconstituição da Conicq

Os avanços que o Brasil obteve no controle do tabaco nos últimos anos, reconhecidos internacionalmente, – com a redução da prevalência de tabagismo de 34,8% em 1989 para 12,6% em 2019, salvando milhares de vidas – se consolidaram, em grande parte, graças à excelência dos trabalhos conduzidos pela Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o
Controle do Tabaco (Conicq).

A criação da Conicq, com presidência do Ministro da Saúde e Secretaria-Executiva do Instituto Nacional de Câncer (Inca), efetiva o compromisso do Brasil ao ratificar a Convenção-Quadro para Controle do Tabaco (CQCT) da Organização Mundial da Saúde (OMS), ao lado de 181 países e União Europeia (Dec.5658/2006). É a comissão que realiza a coordenação nacional da agenda governamental para o cumprimento do tratado, bem como são seus membros que geralmente compõem a delegação brasileira nas discussões técnicas para avanço das políticas públicas de tabaco nas sessões da Conferência das Partes (COP) e na reunião das Partes do Protocolo para a Eliminação do Comércio Ilícito de Produtos de Tabaco (MOP), cujos próximos encontros ocorrem em novembro deste ano.

Assim, a Conicq tem tido, desde sua criação, papel fundamental junto ao Ministério das Relações Exteriores de preparar e definir o posicionamento do governo brasileiro nessas reuniões. O Decreto nº 9.759/2019, que extinguiu diversos colegiados no Brasil, ameaça a continuidade da política nacional de controle do tabaco. Por mais que uma decisão cautelar do Supremo Tribunal Federal tenha embasado parecer da Advocacia-Geral da União no sentido de considerar que tal decreto não se aplica à Conicq, uma vez que é reconhecido o status de lei ordinária da CQCT, com vistas a reiterar o compromisso do país com a saúde dos brasileiros e a segurança jurídica, especialmente com a proximidade das conferências internacionais supracitadas, é fundamental a publicação de decreto presidencial restituindo a Conicq e garantindo a presidência ao Ministério da Saúde.

Mesmo diante dos importantes progressos, o tabaco ainda leva à morte prematura cerca de 161 mil pessoas por ano, além de causar impacto negativo na economia de R$92 bilhões, com tratamentos médicos e perda de produtividade. Com os custos indiretos de cuidados por familiares, aconta chega a R$125 bilhões anualmente. A saúde das próximas gerações também encontra-se ameaçada desde cedo: dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar apontam que cerca de 30% dos estudantes entre 16 e 17 anos de idade já experimentaram cigarro (PENSE/IBGE-2019). O controle do tabagismo é ainda mais urgente no atual contexto de pandemia da Covid-19, considerando que fumantes infectados têm mais riscos de desenvolver um caso grave da doença.

Por tudo isso, nós, ex-ministros da Saúde, reconhecemos a Conicq como o órgão legítimo para articular a implementação da Política Nacional de Controle do Tabaco e pedimos sua imediata reconstituição, conforme já sinalizado pelo atual Ministro da Saúde Marcelo Queiroga, observando a proximidade da COP9 e da MOP2, para evitar mais um agravo à saúde pública e honrando nosso compromisso em garantir o bem-estar da população brasileira.

Brasil, 27 de setembro de 2021

Alexandre Padilha, Arthur Chioro, Humberto Costa, José Agenor Álvares da Silva, José Gomes Temporão, José Saraiva Felipe, José Serra e Luiz Henrique Mandetta são ex-ministros da Saúde.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2021/09/ex-ministros-da-saude-pedem-recriacao-de-comissao-para-controle-do-tabaco.shtml


Veja: ‘Chegou a hora de regular as redes sociais’, diz Anne Applebaum

A jornalista e historiadora americana adverte que o radicalismo é capaz de matar

Por Marcelo Marthe, Revista Veja

A americana Anne Applebaum, de 56 anos, é estrela indisputável da intelectualidade conservadora. Como jornalista, foi editora de dois tradicionais baluartes, as revistas The Economist e The Spectator. Mas foi como historiadora que consolidou seu prestígio. Seus estudos sobre os gulags, as temidas prisões soviéticas, e a fome da Ucrânia nos anos 30 renderam-lhe prêmios e expuseram os horrores do stalinismo. Em seu novo livro, O Crepúsculo da Democracia (Record), narra em tom pessoal um novo fenômeno: a adesão de muitos intelectuais às ideias autoritárias de governos populistas, dos Estados Unidos à Polônia — seu marido, Radoslaw Sikorski, é um político e ex-ministro do país europeu. Nesta entrevista a VEJA, ela fala sobre temas como as consequências da queda de Donald Trump, a sobrevivência dos líderes populistas na pandemia e a chamada cultura do cancelamento.

Em O Crepúsculo da Democracia, a senhora alerta sobre a escalada do populismo e do autoritarismo no mundo. A derrota de Donald Trump não sinaliza justamente o declínio dessa onda? 

É cedo para comemorar. A eleição de Trump, em 2016, refletiu uma insatisfação latente com muitas coisas, inclusive com a democracia e o sistema político. Apesar de sua derrota em 2020, o desapontamento com a democracia ainda está vivo nos Estados Unidos, na Europa e em muitos outros países com eleições livres, até mesmo no Brasil. As ideias autoritárias se alimentam de uma insatisfação profunda de muitas pessoas com os rumos da vida moderna e as dramáticas mudanças sociais e demográficas das últimas décadas. Esse mal-estar não sumirá com a queda de Trump.

Por que a democracia liberal, que trouxe tanto progresso ao Ocidente, passou a ser questionada? 

Por diversos motivos. Nos Estados Unidos, existe a frustração de parte da população com as complicações para aprovar novas leis, e isso dá a sensação de que o Congresso é inoperante. A polarização de nosso sistema político também amplia a percepção de que o Estado não tem força. Se tudo se encontra paralisado, por que não cogitar que uma liderança centralizada e autoritária possa fazer o que os políticos não conseguem? Na maioria das democracias liberais, as pessoas também passaram a achar que seus líderes, de quem esperam atitudes de mudança, não detêm o controle do governo.

A invasão do Capitólio por apoiadores de Trump representou um risco real à democracia americana? 

A invasão do Capitólio foi uma consequência palpável, e perigosa, da polarização política. Aquela gente falava a sério ao proclamar que desejava matar integrantes do Congresso. Eles não obtiveram êxito, felizmente, mas restaram cinco mortos ao fim do caos. Não se tratava de republicanos atacando democratas, mas de uma horda de loucos antissistema que tinham as instituições como alvo. Foi uma explosão de toda a raiva insuflada ao longo de anos de polarização nas redes sociais.

Como restaurar os velhos dias de debate civilizado e racional? 

Não há caminho de volta ao passado. Os países democráticos terão de reinventar o modo como se faz política. Mas é interessante notar que essa chaga da polarização causa estragos não apenas nos Estados Unidos, mas também no Brasil, na Polônia e nas Filipinas. Como todos esses países não comungam a mesma cultura, fica claro que o fenômeno que une a todos nas divisões radicais são as mudanças no ecossistema da informação — mais especificamente, a influência das redes sociais.

“Chegou a hora de encarar a necessidade de uma regulação das redes sociais. Não se trata de censurar conteúdos, mas de adequar os algoritmos ao interesse público”

Como lidar com os extremismos nas redes? 

Já chegou a hora de encarar a necessidade de uma regulação pública das redes. Não se trata de remover ou censurar conteúdos, mas de apoiar um crescente movimento pela adequação dos algoritmos das plataformas ao interesse público. Hoje, a lógica das redes é dar relevância a qualquer conteúdo que traga engajamento, e por isso viraram o paraíso das fake news e dos discursos irracionais. Os algoritmos estimulam os usuários a fazer coisas deprimentes que vemos hoje na internet. É preciso inverter a lógica, dando mais relevância àquilo que nos une e à informação confiável.

Não há risco de um controle indesejado sobre a circulação de ideias? 

É claro que essa regulação teria de ser feita por órgãos independentes, evitando o risco de manipulação política, como fazem governos autoritários na Rússia e na China. Talvez seja o momento, aliás, de pensar: por que, ao lado das redes que já existem, não pode haver serviços públicos do gênero? Taiwan criou fóruns públicos de debate sobre problemas que galvanizam a população, e a resposta das pessoas tem sido excelente.

Após a invasão do Congresso americano, o Twitter baniu o ex-presidente Trump. Foi censura? 

É uma questão dificílima. O Twitter tem regras claras sobre as condutas na plataforma. Já fazia tempo que Trump quebrava sistematicamente as regras. Trump, porém, redobrou suas violações e chegou a um ponto inaceitável na invasão do Capitólio. Um modo de auferir como prevaleceram o bom senso e a justiça é verificar o que ocorreu depois que Trump foi banido: a veiculação de fake news sobre fraude nas eleições americanas baixou dramaticamente. A democracia saiu ganhando.

Como a pandemia afeta o projeto de poder dos líderes populistas? 

A resposta depende do grau de aceitação da sociedade à aposta do governante. Nos Estados Unidos, Trump investiu no caos e no negacionismo, e errou feio. Em outros lugares, a pandemia serviu de desculpa para ampliar as políticas autoritárias — foi o que fez Viktor Orbán na Hungria. Agora, os líderes passaram a ser cobrados por sua capacidade de responder ao clamor por vacinas. Alguns populistas, no entanto, tiram proveito do fato de que nem todas as pessoas pensam assim — e isso se aplica ao Brasil.

Por quê? 

Seria ingênuo subestimar que parte da população vibra quando Trump ou Jair Bolsonaro conclamam a se ignorar a pandemia e a se rebelar contra as máscaras. A mensagem é “não ouçam os médicos, é tudo bobagem”. Se você está com medo de ficar doente e perder o emprego, traz alívio ouvir que é só uma gripe e logo passará. É uma fuga da realidade.

O negacionismo, então, não é uma escolha impensada? 

Longe disso. O negacionismo pode ser popular. Ninguém quer ouvir que pode morrer, ou que terá de passar meses trancado em casa e cancelar a festa de casamento. Instintivamente, Trump captou o apelo disso. Como a maioria dos eleitores americanos pensava diferente, ele acabou derrotado na eleição. Mas os negacionistas continuam sendo uma parcela ruidosa da população. É trágico ver a insistência de Trump e Bolsonaro no uso da cloroquina. No meio do horror das mortes, tudo o que ofereciam às pessoas era a crendice em uma droga milagrosa. Não é à toa que o estrago do vírus tenha sido tão forte nos Estados Unidos e no Brasil.

Por que as teorias conspiratórias e as fake news são tão usadas por políticos autoritários? 

As teorias conspiratórias e a desinformação são úteis para os populistas porque minam a fé das pessoas nas instituições, na imprensa e na sociedade civil. Elas têm especial apelo para uma parte da população que se sente esmagada pelo turbilhão de informações despejado pela internet. Vivemos numa era em que as pessoas ouvem, leem e assistem a muita coisa sem saber como separar fatos de mentiras. Elas buscam desesperadamente quem simplifique o que não lhes faz sentido, e se tornam presas das campanhas de ódio.

Em contraponto ao populismo de extrema direita, vemos hoje um radicalismo dos movimentos identitários ligados à esquerda. Os extremos ideológicos se atraem? 

Sem dúvida. Estamos diante de uma espiral de extremismos: o radicalismo da direita atiça o radicalismo na esquerda, e ambas redobram sua intolerância. Os radicais fizeram da política um terreno de debates irreconciliáveis, em vez de focar no essencial, as pautas que unam as pessoas.

Seus amigos intelectuais, políticos e jornalistas na Polônia foram da euforia pós-comunista, nos anos 1990, à radicalização odiosa em questão de vinte anos. O que provocou a mudança? 

Assim como os Estados Unidos e o Brasil, a Polônia passou por tumultuadas mudanças econômicas, sociológicas e nas formas de comunicação. E lá o caldo da polarização ganhou um veneno extra: o ressentimento de intelectuais, pensadores e jornalistas que não se sentiam aquinhoados na democracia. Muitos deixaram sua respeitável carreira para se tornar ideólogos do governo de extrema direita do partido Lei e Justiça. É como se os perdedores tivessem de repente sua vingança. O que os tornava ressentidos era a ausência de reconhecimento pelo status quo acadêmico, e o fato de estarem à margem do poder. Deixei de ser amiga de muitos.

“O radicalismo da direita atiça o da esquerda, e ambas redobram sua intolerância. Os radicais fizeram da política um terreno de debates irreconciliáveis, em vez de focar no essencial”

Pessoalmente, foi difícil enfrentar essa radicalização? 

Eu me desapontei com muitos intelectuais que eram perfeitamente razoáveis e se converteram em estridentes ideólogos do fundamentalismo católico que hoje domina a Polônia — o partido Lei e Justiça praticamente eliminou qualquer chance de as mulheres fazerem aborto legalmente e ataca a população LGBT. Há uma ex-conhecida acadêmica que tem um filho gay e hoje, na condição de pensadora do regime, abraça a homofobia. É melancólico ver uma mãe lutando por ideias que farão o próprio filho ser cada vez mais discriminado na Polônia. Não consigo entender.

A senhora foi signatária da carta aberta dos intelectuais americanos condenando a chamada cultura do cancelamento. Por que se engajou nisso? 

Porque é muito feio o comportamento das gangues que perseguem as pessoas na internet. É comum se apontar o cancelamento como um fenômeno da esquerda, que ataca quem sai da linha politicamente correta, mas o fato é que ele existe também, de forma até mais deletéria, na direita. E é assustador constatar que a violência on-line pode descambar para agressões reais. Nos Estados Unidos, as ameaças radicais pró-Trump levaram um congressista crítico do ex-presidente, Adam Kinzinger, a andar armado por temer pela própria vida.

A senhora já foi cancelada? 

Na Polônia, fui alvo de campanhas muito ativas de difamação. A TV estatal volta e meia propaga ataques contra mim e meu marido. Espalharam até a falácia de que eu faria lobby contra os interesses do país no exterior. Já me incomodei, mas aprendi a viver assim. Parei de me importar.

Publicado em VEJA de 3 de março de 2021, edição nº 2727


Luiz Carlos Mendonça de Barros: Chegamos ao fim de 2020

O controle da pandemia abrirá condições para promover as mudanças no funcionamento da nossa economia

Certamente 2020 entrará para a história como um dos anos mais difíceis vividos pela humanidade com o aparecimento de um vírus mortal que colocou em cheque parte do conhecimento acumulado nas últimas décadas. Este seu status deriva não apenas do número de mortes causadas pela covid-19 em todo o mundo, mas também por mudanças importantes do protocolo de funcionamento das economias nacionais. A chamada globalização, que era considerada o modelo mais eficiente para a economia mundial, terá que ser repensada em função dos riscos que a ultra mobilidade entre os mercados nacionais revelou agora.

Mas, nesta última coluna do ano, prefiro restringir minhas reflexões na evolução da economia brasileira neste período e, principalmente, o que esperar para 2021. A partir do momento em que foi possível entender a natureza da crise econômica provocada pela covid procurei centrar minha atenção nos seus aspectos estruturais de mais longo prazo, deixando a conjuntura para outros profissionais. Aprendi, ao longo da carreira profissional, que em momentos de crise grave é esta postura a mais adequada para fugir das armadilhas e ruídos do curto prazo. Relendo minhas colunas deste ano foi possível fazer uma linha do tempo da evolução de meu entendimento do que iríamos enfrentar.

Assim, propus na coluna de abril “Olhar com otimismo para 2021” em função das decisões tomadas rapidamente por governos e bancos centrais para enfrentar o pânico que atingiu investidores e instituições financeiras no mundo todo. A lição de 2008 foi aprendida e, desta vez, as ações previstas foram rapidamente aplicadas, e mesmo expandidas por outras medidas ainda mais heterodoxas. Em pouco tempo construía-se um protocolo de natureza keynesiana para enfrentar a recessão que se seguiria. O mesmo ocorreu aqui no Brasil, com um dos mais exitosos e eficientes entre os que foram acionados por países emergentes e mesmo os desenvolvidos.

Já em 15 de junho na coluna “Um segundo pacote fiscal“ ponderei que seria necessário a definição de um segundo pacote de estímulos fiscais de cunho keynesiano para fortalecer a recuperação da atividade econômica na parte final de 2020 e principalmente durante 2021. Mesmo no Brasil, com todas as dificuldades de lidar ainda com a fase de estabilização da pandemia, o governo Bolsonaro e o Congresso precisavam iniciar um debate sobre a questão de novos estímulos para enfrentar 2021. Esta questão continua presente mesmo depois que a recuperação mais rápida da economia em 2020 tenha ocorrido, reduzindo o escopo das medidas a serem tomadas.

Em julho, meu otimismo sobre o futuro estava descrito na coluna “A destruição criativa no pós pandemia”. Citei as ideias do economista Joseph Schumpeter em seu livro, “Capitalismo, Socialismo e Democracia”, quando definiu o termo “destruição criativa” como um impulso fundamental para o motor do desenvolvimento econômico no mundo capitalista via inovações tecnológicas e de gestão das empresas”.

Em outras palavras, Schumpeter queria dizer que o sistema capitalista não acaba porque sempre se reinventa. Mas, para entender é preciso ter vivido algumas das crises que já ocorreram e ter sobrevivido a elas.

Hoje temos uma visão mais clara do que significa a expressão “destruição criativa” na crise atual com reflexões de vários analistas sobre o “boom” econômico que pode acontecer em função do choque positivo que terá a implantação de novas tecnologias a partir de 2021. Cito aqui artigo recente de Martin Wolf do Financial Times no qual aponta que a covid-19 acelerou o mundo rumo ao futuro. Este movimento será liderado por duas forças principais que já estavam em ação, mas que se intensificaram durante a pandemia: tecnologia e desglobalização,

Na coluna de novembro “O vírus contra-ataca” consolidei minha visão de que “a volta da atividade econômica no Brasil foi conseguida principalmente em função de uma expansão vigorosa - e eficiente - dos gastos do governo em um momento em que a arrecadação corrente de tributos era reduzida pela recessão. Portanto era natural - e necessário - que seu déficit fiscal tivesse um grande aumento no período mais agudo da crise. Somente com o retorno do crescimento econômico sustentado a partir de 2022 é que o governo poderá buscar uma situação orçamentária de superávits primários que estabilize a curva da dívida pública no futuro.

O objetivo destas minhas reflexões era o de enfrentar os argumentos dos economistas mais ortodoxos que pediam quase histericamente movimentos radicais para reduzir os déficits fiscais do setor público. Implícito nestas mensagens estavam as ameaças de um chamado “abismo fiscal” eminente e o colapso da rolagem da dívida pública. Hoje com a calma de volta aos leilões dos títulos públicos pela ação eficiente do Tesouro e Banco Central podemos esperar a volta do crescimento econômico para definir uma ação mais estruturada de medidas fiscais de controle da expansão dos gastos públicos.

Finalmente, agora com a definição pelo governo de um programa de vacinação racional e sem os preconceitos anteriores, temos a certeza de que o controle da pandemia abrirá condições para olharmos para a frente, cuidar das feridas da batalha e promover as mudanças no protocolo de funcionamento da nossa economia. Isto em um mundo que deve entrar em um período de crescimento mais forte puxado pela China e outros países da Ásia e as maiores economias ocidentais.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.