Constituição

Revista Política Democrática || Gilvan Cavalcanti de Melo: Um cenário - a defesa da Constituição

Constituição de 1988 é o porto seguro para pensar-se quaisquer reformas econômicas e políticas em nosso país. Esse entendimento é a base para os caminhos do futuro, avalia Gilvan Cavalcanti de Melo

É o instante de pensar o compromisso com o País. Isto é, tentar desvendar a complexa sociedade brasileira, a partir dos elementos que definem o processo de afirmação de nosso capitalismo e de suas profundas modificações. Entender este itinerário facilitaria muito o caminhar futuro. E só no marco da Carta de 88, a democracia política, será o porto seguro para este pensar reformista.

O rumo mais real é debruçar-se sobre a conjuntura. Como fazê-lo?   Os clássicos da política já legaram algumas sugestões, pelo menos metodológicas, para analisar e fazer previsões. Todos eles, de uma forma ou de outra, deixaram rica experiência para verificar as relações de forças. Em outras palavras, pensar como um conjunto de normas práticas de pesquisas e observações singulares pode despertar o interesse pela realidade palpável e suscitar, ao mesmo tempo, faculdades de perceber, discernir ou pressentir políticas mais meticulosas e robustas.

Quais são estes elementos metodológicos?

Em primeiro lugar, investigar uma relação de forças sociais conectada à estrutura. Isto pode ser avaliado com os métodos das estatísticas. À base do nível de desenvolvimento das forças materiais de produção, organizam-se os agrupamentos sociais, cada um dos quais representando uma função e ocupando uma determinada posição na produção. Esta é uma relação real, concreta, independe do observador, é factual. São elementos que permitem avaliar se, em determinadas situações, existem as condições suficientes para as mudanças. Possibilita monitorar o grau de realismo e de visibilidade das diferentes ideias que o processo gerou.

Em segundo lugar, vem a crítica a esta realidade. O pensar a desigualdade social, seus dramas: milhões de desempregados, subempregados, os pobres e os chamados abaixo da pobreza, os miseráveis. A violência, o tráfico de drogas, as milícias, a exploração de crianças, os moradores de rua etc.

Pensar o cenário concreto tem um pano de fundo: a Carta 1988. Ela foi possível graças à exaustão do regime anterior, à resistência democrática dos movimentos sociais, das forças políticas de orientação liberal e democráticas. A Constituição contemplou princípios e valores não aceitos pelas forças do mercado, adversas, hostis à política e ao social. Estas forças são as dominantes no atual governo, mesmo disfarçadas em torno de questões comportamentais.

Qual é o programa dessas forças? Partidos políticos, sistemas representativos, cidadelas do Estado de bem-estar social, organizações plurinacionais, como a ONU e a imprensa, são alguns dos temas prioritários a combater. A estratégia é a de destruição institucional sem piedade, visando a construir a partir das cinzas governos iliberais, adeptos de um laisser-faire capitalista, a dar náuseas, mesmo em Adam Smith e Milton Friedman, e alicerçados numa militância radical, nas ruas e sobretudo on-line, integrada por pessoas social, cultural e politicamente ressentidas.

Tudo é dualista: homem comum versus elite, patriotismo versus globalização, mercado versus Estado, civilização judaico-cristã versus o resto do mundo. Agem para remover os obstáculos institucionais que estabeleçam limites à sua ação: a própria Constituição de 1988.

Já no discurso de posse, o atual governo anunciou: “Essa é a nossa bandeira, que jamais será vermelha. Só será vermelha se for preciso o nosso sangue para mantê-la verde e amarela.” Uma afirmação enganosa: como se o país tivesse vivido no comunismo ou socialismo

Nestes últimos 31, tem-se tentado desclassificar a Constituição Cidadã. No atual governo, o mantra é: “há muitos direitos e poucos deveres”, ou, mais diretamente: “a Constituição tornou o país ingovernável.”

Mas o que prega a Constituição? Uma série de compromissos: a dignidade da pessoa, os valores sociais do trabalho, o pluralismo político, os direitos individuais e também sociais, tais como, saúde, educação, trabalho, previdência social, moradia, proteção à maternidade e infância, assistência ao desempregado etc., bem como promessas originárias dos fundadores do liberalismo político, das revoluções inglesa, francesa, americana, e da carta dos direitos da ONU.

Os direitos acordados na Constituição ancoram o próprio desenho de programa e objetivo ideal de uma sociedade mais justa, no marco das instituições de um estado democrático.

Qual é a missão dos democratas?

  1. Defender os compromissos constitucionais de distribuição de riqueza, que poderão obter forte apoio social, plural e crítico;
  2. Atuar para construir uma nova opinião pública e vontade política democrática para transformar a atual realidade; e
  3. Agregar estas forças democrática, superar as polarizações.

 

 

 


Oscar Vilhena Vieira: A Constituição não permite atalhos

Fez bem o Supremo Tribunal Federal em rever o seu próprio erro

Ao Supremo Tribunal Federal cumpre a difícil missão de guardar a Constituição. Não é sua atribuição corrigir o poder constituinte, por mais que seus ministros discordem de seus dispositivos. A tarefa de corrigir a Constituição só cabe ao Congresso Nacional e, mesmo assim, dentro dos estritos limites estabelecidos pela própria Constituição.

Nesse sentido, mais do que correta a decisão do STF que declarou constitucional o artigo 283 do Código de Processo Penal, uma vez que esse dispositivo, que proíbe a prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, encontra-se em absoluta conformidade com a letra da Constituição, ao determinar que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.

Ainda que tardia, a decisão do Supremo restabelece o direito dos réus, inclusive do ex-presidente Lula, de aguardar em liberdade o julgamento dos recursos que se encontrem pendentes, pois é isso que determina a Constituição.

Por mais que se discorde da opção de política criminal escolhida pela Constituinte em 1988, o seu significado é simples: enquanto houver a disponibilidade de recursos, a pessoa não dever ser considerada culpada e, salvo em circunstâncias excepcionais, não poderá ser presa. O Supremo apenas confirmou o que está expresso na Constituição.

Esse é, de fato, um modelo bastante problemático. O Congresso Nacional perdeu uma oportunidade de ouro de racionalizar nosso sistema de Justiça em 2011, quando o então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cesar Peluso, compareceu ao Senado Federal para propor a chamada PEC dos Recursos.

Como reconhecia o ministro “temos um sistema jurisdicional perverso e ineficiente”, que retarda a prestação de justiça, em função da existência de um modelo recursal irracional.

De um lado, esse sistema prejudica pessoas que, mesmo após terem seus direitos reconhecidos por juízas e tribunais, chegam a aguardar décadas pela manifestação de um tribunal superior ou do próprio Supremo Tribunal Federal, para receber o que lhes é de direito.

De outro lado, o sistema permite que a aplicação da pena daqueles que já foram condenados em primeira e segunda instâncias possa ser procrastinada, favorecendo a percepção de impunidade e muitas vezes incentivando a vingança privada.

Para reverter esse quadro, o ministro Peluso propunha, de maneira engenhosa, reformar a Constituição, transformando recursos especiais e extraordinários em ações constitucionais rescisórias. O efeito dessa mudança seria antecipar a coisa julgada.

Tomada a decisão de segunda instância, a sentença poderia ser executada. A PEC 15/2011 não impediria, no entanto, o direito de acesso aos tribunais superiores ou ao STF, seja por intermédio das novas ações rescisórias ou por remédios constitucionais tradicionais, como o habeas corpus.

A PEC dos Recursos sucumbiu à pressão dos litigantes recorrentes —que fazem do descumprimento da lei e da lentidão da Justiça um bom negócio—, e ao próprio interesse de setores da máquina pública que se viram ameaçados com a possibilidade de ter que cumprir suas obrigações antecipadamente.

O sistema de Justiça brasileiro tem muitas mazelas que precisam ser enfrentadas, mas não se pode aceitar que sejam tomados atalhos constitucionais para sua correção. Por isso, fez bem o Supremo Tribunal Federal em assumir a responsabilidade de rever o seu próprio erro.

*Oscar Vilhena Vieira, professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.


Marcus Pestana: Maioria e minoria na dinâmica democrática

Desde que o mundo é mundo, a sociedade busca a melhor forma de conduzir seus destinos. Para que a vida compartilhada por pessoas e segmentos sociais diferentes seja possível é inevitável a construção de um conjunto de regras, instituições, práticas, ritos, consensos e pactos. Da Eclésia grega até a configuração das democracias contemporâneas, experimentamos as mais variadas formas de dirigir os assuntos e os negócios de Estado.

A grande ideia vitoriosa no século XXI é a da liberdade. A concepção de que a democracia é um valor permanente e universal consolidou-se como amplamente hegemônica.

A democracia, como invenção humana, é, por definição, imperfeita. Mas carrega uma dinâmica autocorretiva através de um contínuo processo de tentativa, erro, síntese e avanços.

Isto pressupõe um acordo onde múltiplos atores aceitam e legitimam a diversidade de visões e erguem um pacto de respeito mútuo e observância das regras do jogo. Portanto, democracia não é o governo da maioria eventual para seu exercício absoluto e ilimitado. É o governo da maioria que respeita e reconhece a minoria. Não pode existir espaço para que o jogo se assemelhe à ironia fina de Millôr Fernandes: “Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim”.

Dentro da dinâmica democrática assumem centralidade a independência dos poderes, a Constituição como lei maior, a alternância no poder e a liberdade como valor permanente, ela sim absoluta. E é no Congresso que pluralidade e diversidade se manifestam. Lá é a casa onde maioria e minoria se encontram, dialogam, digladiam, polemizam, debatem e deliberam. Nenhum governo eleito pode tudo. Há limites constitucionais, legais e institucionais. E há limites políticos que demandam a formação de maioria parlamentar para as coisas avançarem.

No processo de formação da maioria necessária vários caminhos se combinam: capacidade de liderança, clareza do rumo, persuasão, convencimento, cooptação, negociação, autoridade, habilidade, sensibilização e mobilização da opinião pública. Não há presidente da República ou primeiro-ministro que possa, na democracia, governar solitária e unilateralmente. No mais longo período democrático de nossa história (1985/2019) já ocorreram dois impeachments por falta de apoio parlamentar: Collor (1992) e Dilma (2016).

Ainda assim, a democracia brasileira se demonstra sólida e consolidada, exatamente em função da alternância no poder e do respeito e convivência entre os diferentes. Já tivemos a esquerda no poder (Lula e Dilma), em outros momentos governos de centro (FHC, Sarney, Itamar e Temer), e agora um governo assumidamente de direita. E o país, mal ou bem, continua funcionando, as instituições estão fortalecidas e a Constituição é a baliza. Como disse o Ministro Raul Jungmann certa vez: “dentro da Constituição, tudo, fora dela, nada”.

Volto ao assunto na próxima semana. O jogo começou. O Presidente Jair Bolsonaro tomou posse. Sua equipe começa a esboçar as primeiras propostas. Rodrigo Maia se elegeu, por larga maioria, presidente da Câmara dos Deputados. David Alcolumbre, em tumultuado processo, foi alçado à presidência do Senado Federal.

O sucesso ou o fracasso do projeto governamental dependerá de sua capacidade de formar maioria. E essa não é tarefa trivial e simples. Assunto para o próximo sábado.


Celso Lafer: A política externa e seus desafios

Cabe ao Brasil se orientar na diplomacia pelos princípios consagrados na Carta

Discuti neste espaço em 19/2 a relevância da política externa como política pública. Sublinhei que ela tem como nota identificadora avaliar a abrangência das necessidades internas do País e ponderar quais as possibilidades externas de torná-las efetivas. Pontuei que a conversão de necessidades em possibilidades requer um apropriado juízo diplomático que leve em conta os ativos e as especificidades do País e saiba orientar-se num mundo com as características do atual, dentro do qual se dá a inserção internacional do Brasil. Vale a pena retomar a discussão nesta antevéspera da posse do presidente Bolsonaro.

Destaco inicialmente que o novo governo partirá de um meritório reposicionamento da política externa empreendido no governo Temer pelos chanceleres José Serra e Aloysio Nunes Ferreira, que se dedicaram a conduzi-la como política de Estado. Deixaram de lado, num movimento que o resultado das eleições endossou, uma preponderante política de governo, inspirada pela visão circunscrita de um partido e seus interesses.

Aponto, por exemplo, o resgate da válida vocação original do Mercosul como expressão de regionalismo aberto, empenhado no livre-comércio, devidamente escoimado das distorções provenientes das preferências político-ideológicas.

A tarefa de damage control proveniente da erosão do soft power do País deverá ser uma faceta da condução da política externa. Trata-se de um dado das percepções, repercutidas na mídia internacional, que resultam de manifestações do presidente na campanha eleitoral em matéria de direitos humanos e convivência democrática. Para a erosão acima mencionada tem também contribuído a ideológica irradiação externa em circuitos de esquerda de uma autocentrada “narrativa” petista.

A agenda diplomática do próximo governo lidará, respaldada pela qualificada competência dos quadros do Itamaraty, com alguns significativos campos de atuação da política externa de um país.

Passo a comentá-los na sua abrangência, lembrando, como dizia Hannah Arendt, que somos do mundo, e não apenas estamos no mundo.

O primeiro campo é o estratégico. Diz respeito aos riscos de guerra que permeiam a vida internacional e o que um país pode significar para outros como aliado, protetor ou inimigo. No mundo atual, caracterizado por tensões difusas que exacerbam os conflitos e instigam a geografia das paixões, magnificando a insegurança internacional, esse é um campo relevante. Tem peso maior ou menor tendo em vista a lógica própria das regiões que compõem, com sua especificidade, a arquitetura do sistema internacional. É um tema forte da agenda do Oriente Médio, da Ásia e de países como EUA, China, Índia ou Rússia. É menos premente para o Brasil, em paz com seus vizinhos desde o fim do século 19, empenhado em fazer de suas divisas fronteiras de cooperação, e que sempre esteve mais distante dos focos de tensão da vida internacional. A menor premência não exclui, no entanto, a relevância.

O campo dos valores diz respeito às afinidades e dissonâncias que resultam de distintas formas de conceber a vida em sociedade. As dissonâncias, hoje em dia, num sistema internacional heterogêneo e fragmentário são consideráveis. Estão comprometendo a universalidade da agenda normativa, propiciando a intensidade das aspirações de identidade e reconhecimento, que obedece ao ímpeto centrífugo de sublevação dos particularismos, e revigorando o zelotismo dos fundamentalismos religiosos e políticos. Essa é uma das causas do drama de escala planetária dos refugiados que também nos afeta por causa dos desmandos autoritários da Venezuela de Maduro.

No contexto dessa Torre de Babel, cabe ao Brasil, na especificidade das conjunturas, orientar-se nas suas posições diplomáticas pelos princípios que regem as relações internacionais do País, consagradas na Constituição (artigo 4.º).

O campo das relações econômicas internacionais é prioritário para o Brasil. Explicita a importância de outras economias num mundo interdependente e globalizado, conferindo significado aos mercados, para importações e exportações, obtenção de financiamentos, atração de investimentos e de inovações.

No mundo contemporâneo isto tem como pano de fundo as novas tecnologias, que vêm levando à reorganização dos modos de interagir e produzir, de que é exemplo o papel das cadeias globais de valor da produção e da comercialização. Tem também como pano de fundo uma multipolaridade econômica não regida por um abrangente multilateralismo comercial de que são amostras o unilateralismo das guerras comerciais em andamento e as ameaças que pairam sobre a OMC.

É nesse contexto que o próximo governo deverá buscar convergências na diversidade na lida com as parcerias econômicas do País, incluídas as de nossa região, com acordos comerciais, e com os temas da liberalização comercial. Estes passam pelos desafios do acesso a mercados, dificultados por barreiras não tarifárias, por obstáculos em matéria de convergências regulatórias e por protecionismos, em especial de produtos agrícolas.

Finalizo com a agenda do meio ambiente, campo inter-relacionado com o dos valores e o das exigências de uma economia internacionalmente competitiva. Lembro que o acesso a mercados de outros países passa crescentemente por produtos e processos que atendam a requisitos de sustentabilidade ambiental. Meio ambiente sob a égide do conceito de desenvolvimento sustentável consagrado na Rio-92 insere os custos da sustentabilidade do meio ambiente nos processos decisórios públicos e privados. Meio ambiente é indivisível, por isso é internacional. Afeta a todos – as gerações presentes e futuras. Basta pensar no impacto das mudanças climáticas. Daí a relevância no plano interno da transição para uma economia de baixo carbono e de energias renováveis e limpas na matriz energética e de dar sequência aos compromissos internacionais de redução de emissões do Acordo de Paris.

✽ Celso Lafer é professor emérito do Instituto de Relações Internacionais da USP, foi ministro das Relações Exteriores (1992 e 2001-2002)


O Globo: 'Na democracia só há um norte: o da Constituição', diz Bolsonaro em discurso no Congresso

Em discurso durante cerimônia no Congresso para celebrar os 30 anos da Carta Magna, procuradora-geral da República, Raquel Dodge, diz que ‘não basta reverenciar’ o texto constitucional, é ‘preciso cumpri-lo’

Amanda Almeida, Catarina Alencastro, Eduardo Bresciani e Mateus Coutinho, de O Globo

BRASÍLIA - Em solenidade no Congresso Nacional que celebrou os 30 anos da Constituição, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, destacou em discurso que o cumprimento da Carta Magna será um “norte” a ser seguido em seu governo. Presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Dias Toffoli, sentado ao lado de Bolsonaro na sessão, conclamou a sociedade, as instituições e os Poderes da República a se unirem. Presente à cerimônia, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, também saudou a homenageada do dia, enfatizando o papel do texto no reconhecimento da pluralidade “de crença e de opinião” e no “respeito às minorias”.

O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), defendeu ontem, em solenidade no Congresso, o cumprimento da Constituição como um “norte” a ser seguido no futuro governo. O evento, com a participação de diversas autoridades, aconteceu em comemoração aos 30 anos da Carta Magna. Foi a primeira viagem dele depois da vitória na eleição, em 28 de outubro.

— Na democracia, só há um norte: o da nossa Constituição. Juntos, vamos continuar construindo o Brasil que nosso povo merece. Temos tudo para sermos uma grande nação. Alguns de nós podemos mudar o destino dessa grande nação. Acredito em Deus, acredito em nosso potencial —afirmou Bolsonaro, em discurso que durou cerca de tês minutos.

O presidente eleito também agradeceu a Deus por ter “salvo” a sua vida, em referência ao atentado a faca que sofreu em Juiz de Fora (MG), quando participava de um ato de campanha no início de setembro. Bolsonaro ouviu declarações em defesa da Constituição de todas as autoridades presentes.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, destacou que celebrar a Carta é importante, mas não suficiente. Segundo ela, é necessário “guardá-la”.

— Não basta reverenciá-la em uma atitude contemplativa: é preciso cumpri-la à luz da crença de que os países que custodiaram escrupulosamente suas constituições identificam-se como aqueles à frente do processo civilizador e irradiadores de exemplaridade em favor das demais nações que hesitaram ou desdenharam em fazê-lo.

Para Dodge, a conduta frente à Carta se reflete na imagem das instituições:

—Os frutos deste comportamento estatal em relação à Constituição são colhidos diretamente pelo povo, que se orgulha ou se envergonha de suas instituições.

‘RESPEITO ÀS MINORIAS’
A procuradora-geral também defendeu a liberdade de imprensa e a autonomia das universidades.

— A Constituição garante autonomia universitária para que a inovação, o saber e o aprendizado desenvolvam-se sem amarras. O governo de leis promove paz e estimula a concórdia. Numa nação de imigrantes e nativos, a Constituição reconhece a pluralidade étnica, linguística, de crença e de opinião, a equidade no tratamento e o respeito às minorias. Garante liberdade de imprensa para que a informação e a transparência saneiem o conluio e revelem os males contra os indivíduos pelo bem comum.

Antes do discurso de Bolsonaro, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, afirmou que, passado o período eleitoral, o Brasil “precisa encontrar um ponto de união em meio às diferenças, como é próprio do estado democrático de direito”.

— A sociedade, suas instituições e os Poderes da República devem voltar a se unir para pensar no desenvolvimento do país. É o momento de a política voltar a liderar as grandes questões da nação para podermos voltar à clássica divisão dos Poderes: cabe ao Executivo cuidar do futuro, o Legislativo do presente e ao Judiciário dirimir conflitos do passado —afirmou.

O ministro defendeu a necessidade de reformas:

— O grande desafio que a Constituição Federal tem hoje é o de se renovar em aspectos que permitam o crescimento econômico e a responsabilidade fiscal. Esse é o desafio diante da nação. Precisamos de uma reforma da Previdência para fazer frente ao aumento da expectativa de vida no país e uma reforma que promova simplicidade e eficiência no sistema tributário e fiscal.

Toffoli ficou sentado ao lado de Bolsonaro durante o discurso. Na reta final da campanha, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente eleito, teve que se explicar por ter dito que bastava um cabo e um soldado para fechar o STF.

A cerimônia foi aberta pelo presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDBCE), que não conseguiu a reeleição. O senador se dirigiu a Bolsonaro durante o discurso ao afirmar que, dentro do texto constitucional, é possível encontrar todas as saídas necessárias para levar o país ao caminho do crescimento.

— Nela (Constituição), presidente eleito, Jair Bolsonaro, vossa excelência encontrará o enquadramento jurídico necessário para o Brasil encaminhar o círculo virtuoso de desenvolvimento sustentável. Este não é apena o meu sonho: é o sonho de todos nós — disse Eunício.

Eunício também criticou a tentativa da equipe de Bolsonaro de barrar a entrada de jornalistas na cerimônia e disse que a imprensa poderá circular livremente na posse do presidente eleito:

— Enquanto eu for presidente, nem Trump, Bush, Hillary, Zezinho, Manoelzinho... (barram a imprensa). Essa aqui é a casa da democracia. A Constituição libertou o Brasil. Os constituintes trabalharam muito para libertar o Brasil de um outro momento.

Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), disse que a Constituição tem se mostrado mais forte e resistente às críticas e aproveitou para defender a necessidade de uma reforma da Previdência, o que só pode ser feito via emenda constitucional:

— O fato de não querermos uma nova Constituição não é uma forma de negar a necessidade de reformas. Mudam seu texto para ela possa permanecer, alteram seu texto para fortalecer seus princípios.

O presidente Michel Temer defendeu que haja encontros periódicos entre os chefes dos Três Poderes. O presidente disse ainda que o Executivo, Legislativo e Judiciário são independentes, mas devem ser harmônicos. E ressaltou que “não há caminho fora da Constituição”.

— Somos autoridades constituídas. Não somos titulares do Poder. Titular do Poder é o povo. Mas é preciso, como somos órgãos exercentes do Poder, fazer aquilo que nosso ministro (Dias) Toffoli está dizendo: encontros entre os Poderes do estado —disse Temer.


José Antonio Segatto: Devagar com o andor

É quase consenso a necessidade de atualizar a Carta, o problema é conjuntura adversa

“Faça como um velho marinheiro/
que durante o nevoeiro/
leva o barco devagar”
Paulinho da Viola, em Argumento

No momento em que a Constituição completa três décadas de sua promulgação, ela tem sido motivo de crítica ou mesmo depreciação por vertentes políticas as mais variadas. De um lado, uma reação conservadora, por considerá-la demasiado democrática e comportar direitos desmedidos, chegou a propor a elaboração de outra Constituição, concebida por uma comissão de notáveis nomeada pelo presidente da República, desde que afinada com suas convicções e referendada por plebiscito; de outro, a esquerda preponderante e seus satélites - que, diga-se, votou não por acaso contra sua aprovação e, posteriormente, desafiou muitas de suas normas - prometeram refazer a Constituição por vias não muito transparentes, como, por exemplo, consultas populares, claro, sob sua condução. Verificou-se ainda uma terceira posição, congregando intelectuais e juristas, liberais de boa cepa, seduzidos pelo canto de sereia do revisionismo constitucional: uns indicando a necessidade de uma “lipoaspiração” para eliminar excessos e outros, completa reformulação para suprimir ambivalências.

As duas primeiras, entende-se, são coerentes com suas práticas e cultura políticas, visto que nunca tiveram apreço ou compromisso efetivo com os valores e os procedimentos democráticos e as instituições republicanas. Já a terceira passa a impressão de aspirar a uma Carta liberal sem impurezas, impoluta. Mas, a despeito das diferenças de concepções ideológicas, ao que parece, todas elas conjecturam que o regime político-institucional inaugurado em 1988 se esgotou.

Muitas são as restrições que se fazem à Constituição e podem ser sintetizadas em alguns itens: 1) exageradamente extensa e prolixa, contendo temas comezinhos e até excentricidades, abarcando questões que deveriam ser objeto de legislação ordinária; 2) excesso de direitos outorgados - o Estado deve tudo prover, “direito do cidadão dever do Estado”, abundância de direitos e escassez de deveres - seria responsável pelo déficit fiscal e outros problemas; 3) rigidez orçamentária e ordenamento tributário engessariam os investimentos e opções de políticas públicas; 4) amplificação de prerrogativas corporativas, além de manter privilégios adquiridos, em especial, pelo funcionalismo público; 5) alargamento da autoridade do Judiciário, particularmente do Supremo Tribunal Federal, que teria criado uma situação paradoxal no equilíbrio dos Poderes da República, com a sobreposição dos atos de legislar e do arbítrio - o que teria implicado, por exemplo, a judicialização da política e a politização do Judiciário. Obviamente há muitos outros senões à Carta constitucional, mas o que parece mais incômodo a alguns setores sociopolíticos e econômicos expressivos é o seu caráter considerado demasiado democrático, infelizmente.

Sem dúvida alguma, a Constituição tem numerosos problemas. Não só de origem, mas também decorrentes das emendas - cerca de uma centena - nela efetuadas no decorrer dos sucessivos governos e legislaturas. Desfecho de um longo e complexo movimento de resistência à ditadura, e conduzida por uma ampla e heterogênea frente democrática, a Assembleia Nacional Constituinte - composta pelo Congresso Nacional eleito em 1986 - foi cercada de grandes expectativas; deveria contemplar desde demandas sociopolíticas, há muito comprimidas, até novos interesses e requisições. É a partir dessas circunstâncias históricas - culminância da transição democrática - que se pode compreender tamanha abrangência da Constituição de 1988: 245 artigos e 70 disposições transitórias.

Entretanto, ainda que com todas as deficiências que podem ser-lhe imputadas, a Constituição, de fato e de direito, consistiu em elemento basilar - isso é inegável - que permitiu a concertação democrática dos últimos 30 anos. É possível que constitua o mais longo período de estabilidade democrática da História republicana, não obstante as crises e/ou os percalços de que são amostras os processos de impeachments de Collor de Mello e Dilma Rousseff. Incorporou e tornou lei reclamos e/ou aspirações, desde as históricas até as hodiernas. Nos capítulos referentes aos direitos fundamentais, à organização dos Poderes e suas relações com a sociedade civil, foi afirmada a defesa das instituições democráticas e da soberania popular, bem como fixou normas e princípios inovadores para a garantia da “dignidade da pessoa humana”, da igualdade de condições e das liberdades indispensáveis. Ademais, ao concretizar direitos individuais e coletivos delineou as bases de um Estado de bem-estar social.

As postulações de reforma constitucional são perfeitamente plausíveis. É quase consenso a necessidade de sua atualização, para retificar suas vicissitudes e promover determinados ajustes para deixá-la em consonância com as extraordinárias transformações por que passa o mundo em geral e o País em particular. O grande problema, porém, é efetuar uma revisão da Constituição nesta conjuntura extremamente adversa, em que se assiste ao açulamento do dissenso político, ao esgarçamento da sociabilidade, à depreciação dos valores cívicos, ao protagonismo e domínio de partidos políticos e poderes destituídos de fé pública, etc. O risco de um retrocesso é real e poderia ter resultados de proporções imprevisíveis e politicamente perversos.

Tal circunstância aconselha cautela e muito discernimento político. Convida a lembrar um antigo dito popular que diz: “devagar com o andor que o santo é de barro” - maneira de expressar a necessidade de prudência em determinadas situações e momentos. Da mesma forma, sugerem os versos do compositor, citados na epígrafe, que, em meio à bruma turva é preciso movimentar-se com precaução para atingir o destino em segurança.

*José Antonio Segatto é professor titular de sociologia da Unesp


Vera Magalhães: Lula ou Jair? Ulysses

A Constituição é o antídoto tanto para a corrupção quanto para as tentações autoritárias

“Qualquer governante deste País pode ganhar as eleições e não cumprir aquilo que prometeu porque é mais um e o povo já sabe. Nós não podemos.” A frase é do histórico discurso de Luiz Inácio Lula da Silva na Avenida Paulista na madrugada de 27 para 28 de outubro de 2002. O petista havia sido eleito presidente da República em sua quarta tentativa desde 1989, a eleição que retorna agora, 30 anos depois da promulgação da Constituição, para testar da maneira mais cabal até aqui sua capacidade de resistir a tentativas de solapá-la.

A frase parecia conter a consciência da responsabilidade, do ineditismo histórico que representava sua eleição num País como o Brasil e dos riscos que haveria caso ele falhasse. E ele não falhou, apenas.

Lula deliberadamente optou por outro caminho, que seu companheiro Antonio Palocci definiu como “sonho mirabolante”, mas que na verdade foi um projeto deliberado de assalto ao País para perpetuar seu projeto político no poder.

Agora, diante da queda desse projeto pela Lava Jato e sua prisão, não fez o que disse que faria, no mesmo discurso, caso “errasse”: “Pode ficar certo que eu não terei nenhuma dúvida de ir pra televisão pedir desculpas ao meu povo”. Não pediu, urdiu uma narrativa falsa e atentatória à Justiça e às instituições de que era um perseguido político, arquitetou um plano infalível para voltar ao poder a despeito de tudo e nos trouxe até aqui.

Preso, Lula abriu a porta para a possibilidade, antes considerada remota, de eleição de Jair Bolsonaro – e tudo que ela representa de negação da história que vai da redemocratização à sua própria chegada à Presidência.

Pela arrogância de se auto conceder a condição de “uma ideia”, Lula ignorou que o mal que causou com os crimes que cometeu era tão profundo que fez fermentar a ideia oposta à sua, num caldo que mistura a legítima repulsa à corrupção com ideias fascistas que antes não ousavam ser ditas em voz alta.

E aqueles que não são coniventes com os crimes do PT nem condescendentes com a relativização da democracia presente no projeto de Bolsonaro, como chegam a este 7 de outubro? Perplexos, amedrontados e algo descrentes no tal dia seguinte que escrevi há algumas semanas que chegaria. O que Bolsonaro e Fernando Haddad, o representante de Lula nesse repeteco de 1989, têm a dizer a essas pessoas? Até aqui, nada.

A última entrevista de Bolsonaro foi uma reafirmação de suas ideias rasas sobre como um conservadorismo jeca e opaco será a base “filosófica” de seu governo e como o fato de ter uma mãe, uma filha ou um sogro seriam provas de que não é racista nem misógino.

No mesmo dia, a participação de Haddad no debate da Globo foi uma reafirmação cínica dos crimes do PT, do “L” com os dedos ao cumprimentar os telespectadores à arrogante incapacidade de reconhecer mínimos erros, quando inquirido por Marina Silva, ou a mentira pura e simples de que os governos do PT foram responsáveis fiscalmente ou valorizaram a Petrobrás.

Diante de tamanha incapacidade dos dois líderes nas pesquisas – esses que foram escolhidos por Lula da prisão – de apontar o caminho que seguirão a partir de amanhã (se um deles for eleito ou se os dois forem disputar o segundo turno), resta ao País e aos que têm a democracia como bem inalienável se fiar em outro discurso, de outro outubro: o de Ulysses Guimarães em 5 de outubro de 1988.

“República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam.” A arma para enfrentar corruptos e demagogos é a mesma: a Constituição que Ulysses promulgou naquele dia. Esperamos por ela como o “vigia espera a aurora”, como ele disse. Trataremos de zelar para que não venha o crepúsculo. Com ela nas mãos.


Dias Toffoli: Vida longa à Constituição de 1988!

Ressoam nela as vozes da Nação, dando corpo a um grande pacto social, político e econômico

A Constituição de 88, passados 30 anos, permanece uma das mais avançadas e democráticas do mundo contemporâneo, em especial no que diz respeito aos direitos e garantias dos cidadãos. Vivemos o mais longo período de estabilidade democrática. Profundas foram as mudanças e contínuo é o processo de fortalecimento de nossas instituições e de nossa democracia.

A Carta cidadã chegou-nos em meio a uma pletora de demandas reprimidas dos diversos segmentos da sociedade. Fez história ao contar, pela primeira vez na República, com o voto dos analfabetos na eleição da Assembleia Constituinte.

Sua construção não se deu sem embates. Em face das múltiplas demandas, era inevitável que surgissem conflitos de interesses. Ainda assim, os constituintes lograram aprovar uma Carta plural, vocacionada a promover a convivência dos múltiplos anseios sociais. Por isso a nossa Lei Maior se tornou tão analítica. Ressoam nela as vozes da Nação, dando corpo a um grande pacto social, político e econômico.

Devemos reafirmar o nosso comprometimento com a manutenção e longevidade desse pacto fundante. Vivemos num Brasil diferente, que demanda a atualização constitucional em pontos específicos. Precisamos de uma reforma da Previdência para fazer frente ao aumento da expectativa de vida no País, de uma reforma que promova simplicidade e eficiência no sistema tributário e de uma reforma que resgate a representatividade política e partidária. Fundamental para tanto que o povo, a sociedade civil e os Poderes da República se reúnam num grande pacto para corrigir rumos, sempre respeitando a essência imutável do texto constitucional.

Aos mais afoitos lembro que a própria Carta estabeleceu procedimentos de reforma, seja por emendas à Constituição (que já somam 105, incluindo as de revisão), seja por meio da jurisprudência, em particular do Supremo Tribunal Federal (STF), guarda supremo da Lei Magna. Como lembra o professor Eros Grau, a “Constituição do Brasil de 1988 não é, em verdade, de 1988. É a Constituição de hoje, aqui, agora, tal como a expressam, como norma jurídica, os juízes e os nossos tribunais”.

Temos, é inegável, passado por episódios turbulentos. Investigações envolvendo a classe política. Impeachment de uma presidente da República. Cassação de um presidente da Câmara dos Deputados. Condenação e prisão de um ex-presidente da República. Não obstante, olho para esses eventos com otimismo e esperança, pois todos os impasses foram resolvidos pelas vias institucionais democráticas, com total respeito à Constituição e às leis. Os Poderes da República têm respeitado e tornado efetivos os mecanismos de controle recíproco e de combate à corrupção. O Judiciário, em especial o STF, tem assumido sua vocação de moderador dos conflitos políticos, sociais, culturais e econômicos da sociedade brasileira. Temos um Judiciário fortalecido, independente e atuante, que cumpre sua função de garantir a autoridade do direito e da Constituição.

Felizmente, as ruas têm recobrado uma vivacidade que não víamos desde as Diretas-Já e a luta pela redemocratização. Temos hoje uma sociedade mais combativa, engajada politicamente e ciente de seus direitos. Uma sociedade em que diferentes grupos – trabalhadores, mulheres, negros, índios, LGBT e deficientes, entre outros – se mobilizam para dar voz a seus anseios e pautas políticas.

Conseguimos chegar a esse patamar de participação graças à Constituição de 88, que tutela a liberdade em suas diversas formas, dentre elas a liberdade de expressão e de consciência política, garantindo ao cidadão amplo direito de voz. É esse um dos grandes legados da Carta cidadã, resoluta que foi em romper definitivamente com um capítulo triste de nossa História em que essa liberdade – entre tantos outros direitos – foi duramente sonegada ao cidadão.

A democracia brasileira, nos últimos 30 anos, realizou, de forma plena, um de seus mais caros fundamentos: o pluralismo. Se houve tantos embates nos últimos anos, isso se deve ao fato de que o poder no Brasil é plural. E é melhor que o seja, pois, como já foi dito, um poder que não é plural é violência.

O conflito só floresce na diferença. Numa democracia esse conflito se torna debate. O debate gera resolução e, por fim, transformação. Por isso, em minha visão, não somos um país em crise. Estamos em transformação. Estamo-nos transformando numa sociedade mais livre, plural, engajada e propositiva. Enfim, mais democrática.

O futuro impõe-nos, ainda, inúmeros desafios. Destaco a educação, a segurança e a superação das desigualdades sociais e regionais. Outro desafio está na manutenção da segurança jurídica neste mundo cada vez mais hiperconectado, onde os conflitos e mudanças ocorrem em velocidade crescente.

A Justiça permanece atenta a esses desafios. Ciente de seu papel de agente nesta transformação social, deve primar por uma jurisdição eficiente, transparente e responsável, de modo a realizar o Direito na vida do cidadão.

O cidadão brasileiro é o real protagonista da mudança. Nosso povo, tal como há 30 anos, prepara-se para fazer a diferença nas eleições do dia 7 de outubro. Cada cidadão projetará nas urnas seus anseios políticos e, assim, participará do ritual de renovação da democracia para um novo e frutífero ciclo.

Renovamos, neste aniversário de 30 anos, nosso compromisso com a soberania popular, com a democracia, com a tolerância, com o respeito às diferenças e, acima de tudo, com a Constituição da República, o pacto fundante da Nação brasileira, que vem cumprindo e continuará a cumprir sua missão de, nas palavras de Canotilho, fazer “ecoar os gritos do nunca mais: Nunca mais a escravatura. Nunca mais a ditadura. Nunca mais o fascismo e o nazismo. Nunca mais o comunismo. Nunca mais o racismo. Nunca mais a discriminação”.

O Supremo Tribunal Federal estará sempre a postos como o garante desse pacto. Vida longa à Constituição de 1988!


O Estado de S. Paulo: Temer e Toffoli defendem a Constituição

Presidente da República e do Supremo criticam extremismos e dizem que não há caminho fora da Carta, que completa 30 anos neste mês

Por Rafael Moraes Moura Amanda Pupo Teo Cury, do O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Chefes do Judiciário e do Executivo, além de autoridades, defenderam ontem a democracia, criticaram extremismos e frisaram não haver caminho que não seja por meio do respeito à Constituição. As afirmações foram feitas durante solenidade, realizada no Supremo Tribunal Federal, que marcou os 30 anos de promulgação da atual Carta.

Em meio à polarização das eleições e o clima acirrado, principalmente nas redes sociais, o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, disse que a função primária de uma Constituição cidadã é ecoar os gritos do “nunca mais a escravatura”, “nunca mais a ditadura”, “nunca mais o fascismo e o nazismo”, “nunca mais o comunismo”, “nunca mais o racismo” e “nunca mais a discriminação”, citando uma fala do jurista José Gomes Canotilho.

“Os desafios existem e sempre existirão. O jogo democrático traz incertezas, a grandeza de uma nação é exatamente se inserir neste jogo democrático e ter a coragem de viver a democracia”, afirmou Toffoli.

Na segunda-feira passada, em debate na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Toffoli disse que prefere definir a tomada de poder pelos militares em 1964 como um “movimento”. “Não foi um golpe nem uma revolução. Me refiro a movimento de 1964”, afirmou na ocasião.

Temer. Também presente na solenidade de ontem, o presidente Michel Temer criticou, sem citar nomes, as propostas de revisão da Constituição apresentadas pelos candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) durante a campanha eleitoral e reafirmou que “não há caminho fora da Constituição”.

“Temos historicamente necessidade extraordinária de a cada 20, 30 anos achar que precisamos de um novo Estado”, disse Temer no STF. “A todo momento, se postulam Constituintes que possam inaugurar uma nova ordem estatal”, continuou, observando que esses episódios se dão por um “fundamento equivocado” de que isso resolveria os problemas. Ao destacar o papel do STF como guardião da Constituição, Temer afirmou que a interpretação dos ministros da Corte tem permitido avanço na aplicação da democracia.

Ele ressaltou ainda os princípios da liberdade de expressão e informação, afirmando que a imprensa livre “significa informação livre que é benéfica a sociedade”.

“As pessoas falam muito em liberdade de imprensa em favor da imprensa. Não é, é em favor do povo. A imprensa livre significa informação livre”, disse ele.

Para a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, “não há possibilidade de retrocesso” dos avanços alcançados pelas instituições públicas nos 30 anos em que vigora a atual Constituição. “Há muito a avançar, porque a violência, a insegurança pública, a corrupção e a desigualdade reclamam uma atuação vigorosa e firme das instituições públicas, que não podem retroceder nem ter seus instrumentos de atuação revogados. Não há possibilidade de retrocesso, porque a ordem constitucional é de avanço a partir do que vamos alcançando e solidificando”, disse ela.

Antídoto. Na mesma sessão, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia, disse que teme o ambiente extremista destas eleições, mas disse que o antídoto sempre será a Constituição.

“Temo o ambiente extremista que alguns querem lhe infundir (em referência às eleições ). Mas o antídoto ao extremismo, venha de onde vier, é e sempre será a nossa Constituição”, disse Lamachia, que não mencionou o nome de nenhum candidato no seu discurso.


El País: Cuba elimina a palavra “comunismo” no anteprojeto de reforma constitucional

O novo texto só menciona o “socialismo” e suprime o objetivo do “avanço rumo à sociedade comunista”, que figura na atual Constituição de 1976

Por Pablo de Llano, do EL País

O regime cubano decidiu dizer adeus formalmente ao comunismo. O conceito foi eliminado no anteprojeto de reforma constitucional em andamento, segundo informaram neste sábado os veículos oficiais da ilha. Imerso num processo de liberalização controlada do modelo econômico, o Governo de Cuba inclui no novo texto o reconhecimento da propriedade privada e se desprende da referência à ideologia comunista, embora enfatize que o socialismo continue sendo política de Estado.

A Constituição vigente, promulgada em 1976 e redigida à imagem e semelhança das Cartas do bloco socialista, prevê, em seu artigo 5, o objetivo do “avanço rumo à sociedade comunista”. Com a reforma constitucional, essa ideia desapareceria. Uma mudança de enorme importância histórica, que o Governo apresenta como mera adaptação da linguagem à nova fase de continuidade revolucionária. “Não quer dizer que vamos abrir mão das nossas ideias, e sim que, em nossa visão, pensamos num país socialista, soberano, independente, próspero e sustentável”, disse na sexta-feira o presidente da Assembleia Nacional, Esteban Lazo.

O Parlamento unicameral cubano abriu neste sábado uma sessão que se estende até segunda-feira e na qual os deputados debaterão o texto da reforma, para que seja depois submetido a consulta popular. Ideologicamente, Cuba ficará na paradoxal situação de se apartar da ideia do comunismo em sua Constituição sem deixar de reconhecer o Partido Comunista como máximo órgão de direção do país. O anteprojeto de reforma, segundo o jornal oficial Granma, “ratifica o caráter socialista da Revolução e o papel dirigente do Partido”, além da “irrevogabilidade do modelo político e econômico”.

O Governo começou a remodelar o modelo econômico – e a contenção da narrativa comunista – em 2011, com a elaboração das chamadas Diretrizes da Política Econômica e Social do VI Congresso do Partido Comunista de Cuba. Os 313 pontos do documento refletiam a ordem de Raúl Castro de iniciar uma guinada do sistema que permitisse dinamizar a raquítica economia cubana, dando maior espaço ao trabalho por conta própria e abrindo o país aos investimentos estrangeiros. O raulismo marcou uma mudança rumo a um maior pragmatismo em relação à linha imposta durante décadas por Fidel Castro, muito refratário à abertura ao mercado e aferrado até sua saída do poder (por doença) à narrativa marxista-leninista.

Um gabinete de continuidade

Cuba caminha rumo à era pós-Castro sob a égide da continuidade. O presidente Miguel Díaz-Canel, de 58 anos, nascido depois da revolução de 1959 e a quem Raúl Castro, 87, cedeu o cargo em abril, após prepará-lo durante anos como leal sucessor, formou um Conselho de Ministros que mantém os desígnios de seu mentor. A Assembleia deu sua aprovação neste sábado ao novo Gabinete, que conserva 20 dos 34 ministros do general. Castro permanecerá até 2021 como secretário-geral do PC cubano, máxima autoridade da ilha, acima do Executivo.

A principal novidade no Gabinete foi a nomeação de outro ministro da Economia, Alejandro Gil, até agora vice-ministro. Desde que assumiu o comando, em 2008, Raúl iniciou uma lenta adaptação do sistema socialista ao mercado e aos investimentos estrangeiros, que Díaz-Canel terá que acelerar se quiser tirar o país de sua perpétua situação de carestia e reverter os índices quase nulos de crescimento. Gil terá a missão de agitar o complicado coquetel de estatismo e liberação. Membro da nova geração da alta burocracia cubana, o novo ministro da Economia substitui um funcionário da velha guarda, Ricardo Cabrisas, 81, que será um dos quatro vice-presidentes do Conselho de Ministros – onde permanece Ramiro Valdés, 86, do núcleo duro histórico.

Quando assumiu a presidência, em abril, Díaz-Canel – um tecnocrata com reputação pró-abertura mas que há dois anos adotou um discurso cada vez mais rígido e conservador – deixou claro que seu norte era a “continuidade”, hoje conceito-chave do status quo cubano. Em sua equipe seguirão ao seu lado pesos-pesados do sistema, como o chanceler e cérebro das relações com os Estados Unidos Bruno Rodríguez, 60; Leopoldo Cintra, 77, militar do círculo mais próximo de Raúl Castro, como ministro das Forças Armadas; e o vice-almirante Julio Césa Gandarilla, 75, responsável pelo poderoso Ministério do Interior. Os Ministérios do Comércio e Investimentos Estrangeiros e do Turismo, duas pastas de especial relevância pela necessidade urgente de Cuba de atrair capital, continuarão nas mãos de Rodrigo Malmierca e Manuel Marrero. O Gabinete, com uma média de idade de 60 anos, é formado por 26 homens e oito mulheres.

Sinal verde para o casamento gay

O texto da nova Constituição abre a possibilidade de legalização do casamento homossexual em Cuba. Segundo afirmou na Assembleia Nacional Homero Costa, secretário do Conselho de Estado, o artigo 68 define o casamento como a união “entre duas pessoas (...) e não diz de qual sexo”. A atual Constituição, de 1976, só contempla a união matrimonial entre homem e mulher. A legalização do casamento homossexual é uma reivindicação cada vez mais imperiosa da comunidade LGBT cubana. É defendida por Mariela Castro, filha de Raúl e diretora do Centro Nacional de Educação Sexual de Cuba. Grupos evangélicos se manifestaram na ilha, nos últimos dias, ante a perspectiva da mudança legal.


Luiz Werneck Vianna: A vitória da Constituição

A saída do labirinto em que nos perdemos já foi encontrada na obediência ao calendário eleitoral, e não à toa ele já virou alvo dos que desejam mover para trás a roda da História

Para quem queria a ocupação das ruas pelo povo, o cenário deste carnaval que passou, com as multidões que mobilizou nos blocos e nas escolas de samba, principalmente na capital paulista, ainda sem tradição nesse tipo de manifestação carnavalesca, surpreendeu os mais céticos, que não esperavam a volta da alegria na vida popular. Embora sem perder a conotação de crítica social, o momento catártico foi o dominante entre a nova geração, que ainda não conhecia a experiência carnavalesca, em particular entre as jovens que acorreram em massa aos blocos, num movimento indisfarçável de afirmação de gênero.

Com esse registro, a que se deve acrescentar o do desfile das escolas de samba, a política conta com mais uma matéria para a reflexão nesta hora de seleção das candidaturas presidenciais, ainda sem definição. Relativizando o caso de alguns desfiles que optaram por uma crítica política contundente ao governo, uma vez não se pode evitar o comentário do jornalista Ancelmo Gois, ao lembrar que no Brasil “prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia e uma escola comandada por um bicheiro, a querida Beija-Flor, vence o carnaval que fala de corrupção” (O Globo 15/2).

Essa hora de escolha que já tarda, não só pelas dificuldades naturais ao momento que se vive, mas também porque a cultura do golpismo, essa segunda pele da nossa política, já encontrou uma nova modalidade de conspirar contra o processo eleitoral, a partir de uma declaração de um delegado de polícia sobre um inquérito de presumidas ações praticadas pelo presidente da República. O mais triste desse episódio está no fato de envolver um alto membro do Poder Judiciário, de quem sempre se esperam atos e palavras de concórdia, e esteja ele puxando a corda em favor do prolongamento da nossa agonia.

A saída do labirinto em que nos perdemos já foi encontrada na obediência ao calendário eleitoral, e não à toa ele já virou alvo dos que desejam mover para trás a roda da História, em mais uma tentativa de destituição por um processo judicial do chefe do Executivo, como está em curso, uma vez que não contam nem com as ruas nem com os quartéis. Nos seus cálculos malévolos maquinam que com o governo acéfalo caberia ao Poder Judiciário o exercício de um governo de transição que dirigiria, amparado pela Polícia Federal, o processo eleitoral. Tal solução, ou algo próximo a ela, talvez seja o que nos falta para nos converter num imenso manicômio em que todos os internos se apresentem como candidatos à Presidência da República.

Mas o mundo gira e a Lusitana roda, imprevistamente o cenário e o enredo se transfiguram com um movimento de peças desse jogo de xadrez ainda distante de encontrar um vencedor. Nessa nova disposição, provocada pela intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, o centro de gravidade da crise se desloca do tema da corrupção política para o da violência e da criminalidade organizada, cujo poder já ameaçava nacionalizar-se e se projetar no campo da política. Mudando o repertório, o peso dos atores envolvidos igualmente muda, com a depreciação do papel do Poder Judiciário, até então o principal protagonista da conjuntura, que cede lugar ao Poder Executivo, que trouxe a iniciativa para si e para a corporação militar, numa arriscada operação que se esforçou por se manter, malgrado alguns senões, nos trilhos constitucionais, a essa altura chancelada por esmagadora maioria nas duas Casas legislativas.

Um dos efeitos colaterais dessa intervenção foi o de revelar o tema da segurança como central para partidos e candidatos na formulação dos seus programas. Ao contrário da blague famosa, parece que aqui, pelos sucessos recentes, o tema da economia valerá na hora do voto menos do que se previa.

Confirma-se, mais uma vez, o desamor da política brasileira pela linha reta. Aos sobressaltos, dia após dia, avança-se para o momento eleitoral, quando o destino das urnas será selado pelo êxito ou fracasso da intervenção federal na política de segurança.

Os dados estão lançados. E ainda sujeitos à manipulação humana, que pode ser decisiva para a boa sorte da iniciativa de alto risco do Executivo. Muitos não a querem por cálculo eleitoral, ou pelo temor de que as Forças Armadas, peça central na intervenção sobre os aparatos de segurança, venha atropelar a ordem constitucional em nome de uma política de salvação nacional, pondo-se no lugar dos juízes que tinham como alvo o mesmo propósito. Neste tempo em que reina a suspicácia, conta contra a hipótese malévola o fato forte de que a corporação militar se tem comportado sob estritos padrões constitucionais e das normas que regulam seus princípios hierárquicos.

A competição eleitoral, tenha o resultado que tiver, importa mais por provocar a agregação de vontades e de programas do que pela candidatura vitoriosa, que, seja qual for, estará pautada pela agenda das questões discutidas exaustivamente ao longo destes três últimos anos. Será uma oportunidade, que não pode ser perdida, para uma recomposição partidária que nos emancipe do domínio das corporações que às nossas costas pretendem guiar nosso destino. Desde as magistrais lições de Pierre Bourdieu sobre o Estado se sabe que o segredo da força das corporações está em revestir os interesses particulares dos seus membros em pleitos públicos de caráter geral. No nosso caso, liberar a política transita pela limitação do poder das corporações, que com frequência impõe a todos a sua agenda de interesses particulares, em detrimento dos da maioria.

Mas, apesar de tanta confusão, neste país onde todos querem ser califa no lugar do califa, há algo a ser comemorado, qual seja, o fato de que todos os envolvidos nesse charivari nacional jurem estar agindo em nome da Constituição. E, de fato, se as aparências ainda contam, a sorte parece que vai sorrir para quem persuadir o maior número de eleitores de ser aquele que melhor representa o espírito do texto constitucional, que favorece a igualdade.

 

 


Merval Pereira: Defesa da democracia

Dois anos e quatro meses depois de ter tomado a já famosa decisão a favor da liberdade de expressão, liberando as biografias não autorizadas com a frase de uma brincadeira infantil — “Cala a boca já morreu, quem disse foi a Constituição” — para garantir um dos mais importantes direitos humanos, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármem Lúcia, outra vez assumiu posição de vanguarda democrática.

O ponto central era o mesmo, a possibilidade, negada pela ministra, de uma censura prévia, desta vez no caso das redações do Enem, cujo edital repetia uma determinação que há anos vigora, a partir de governos petistas, que afinal foi derrubada na Justiça. Anular, dando nota zero a redações cuja abordagem pelo candidato fosse considerada atentatória aos direitos humanos.

Diversos movimentos consideram que, por ser uma decisão subjetiva, essa determinação constrangia os candidatos, impedindo-os de defender pontos de vista que pudessem ser criticados pela banca examinadora. Assim como impedindo o “cala boca” governamental, a ministra decidiu que biografias não podem ser previamente censuradas por qualquer cidadão ou autoridade, pois exigir prévia autorização seria o mesmo que impor censura, também agora a ameaça de impugnação anterior à realização da prova deixou de existir.

O sentido da decisão de Cármem Lúcia foi o mesmo nos dois casos: a liberdade de expressão — tanto de informar quanto de ser informado — tem na Constituição uma proteção, como exigência para a manutenção de uma democracia pluralista.

O ex-presidente do Supremo, ministro aposentado Ayres Brito, havia se pronunciado anteriormente na mesma direção, afirmando que a decisão de dar nota zero às redações que fossem consideradas atentatórias aos direitos humanos representava uma censura prévia. Para o ministro, a banca examinadora, caso a caso, pode decidir se uma redação merece ser impugnada por ofender os direitos humanos.

O mesmo argumento foi usado por Cármem Lúcia: “Não se desrespeitam direitos humanos pela decisão que permite ao examinador a correção das provas e a objetivação dos critérios para qualquer nota conferida à prova. O que os desrespeitaria seria a mordaça prévia do opinar e do expressar do estudante candidato”, afirmou a presidente do STF.

Ela atendeu a liminar concedida pelo desembargador Carlos Moreira Alves, do TRF da 1ª Região, que suspendia esse trecho do edital a pedido da Associação Escola Sem Partido, para a qual o critério não é “objetivo” e tem “conteúdo ideológico”. O caso foi levado ao Supremo em recursos da Advocacia Geral da União e da Procuradoria Geral da República.

A norma do Inep, que já existia há anos, foi adotada pelo governo Temer, e o próprio ministro da Educação, Mendonça Filho, chegou a fazer um apelo aos candidatos para que não desrespeitassem os direitos humanos em suas redações no Enem. Embora fosse um apelo correto, o sentido de apoiar a portaria do Inep dava à tentativa de censura prévia um endosso governamental na mesma linha de governos anteriores.

Para Cármem Lúcia, o cumprimento da Constituição da República “impõe, em sua base mesma, pleno respeito aos direitos humanos, contrariados pelo racismo, pelo preconceito, pela intolerância, dentre outras práticas inaceitáveis numa democracia e firmemente adversas ao sistema jurídico vigente. Mas não se combate a intolerância social com maior intolerância estatal. Sensibiliza-se para os direitos humanos com maior solidariedade até com os erros pouco humanos, não com mordaça.”

O tom didático da decisão da presidente do STF ficou claro: “O que se aspira é o eco dos direitos humanos garantidos, não o silêncio de direitos emudecidos. Não se garantem direitos fundamentais eliminando-se alguns deles para se impedir possa alguém insurgir-se pela palavra contra o que a outro parece instigação ou injúria. Há meios e modos para se questionar, administrativa ou judicialmente, eventuais excessos. E são estas formas e estes instrumentos que asseguram a compatibilidade dos direitos fundamentais e a convivência pacífica e harmoniosa dos cidadãos de uma República.”

Depois de decisões polêmicas na judicialização da política, que provocaram muitas críticas, Cármem Lúcia voltou a assumir a defesa da democracia em questões que afetam o dia a dia do cidadão comum, uma boa maneira de valorizar o pluralismo democrático.