Constituição
Folha de S. Paulo: Vitória no plebiscito é recado a políticos do Chile e líderes estrangeiros, diz Lagos
Para ex-presidente, aprovação de mudança da Constituição mostra que 'modelo chileno' é falsa solução
Sylvia Colombo Folha de S. Paulo
SANTIAGO - Para o ex-presidente do Chile Ricardo Lagos, 82, o plebiscito que derrubou a Constituição da época da ditadura de Augusto Pinochet é um recado a líderes estrangeiros, como o presidente Jair Bolsonaro, que consideram ou chegaram a considerar que o “modelo chileno” seria um exemplo a ser seguido.
Lagos presidiu o país entre 2000 e 2006. Tentou convocar uma Assembleia Constituinte, mas, na época, partidos de direita se mantiveram unidos e não permitiram a realização de um referendo. O socialista, então, alterou, ponto por ponto, aspectos mais autoritários da Carta hoje em vigor.
Além do tom liberal, a Constituição de 1980 dava muito poder aos militares, o que colocava obstáculos a decisões do Legislativo e do Executivo. Entre as 58 modificações realizadas por Lagos estavam a redução do mandato presidencial de seis para quatro anos, o aumento do peso do poder do Congresso em detrimento da participação das Forças Armadas e o fim da designação de senadores vitalícios.
Como o senhor avalia o resultado do plebiscito?
Estou muito orgulhoso por termos honrado uma tradição chilena de institucionalidade. Este foi um processo que teve momentos de violência nos últimos meses, mas que não foram preponderantes ao final. Tivemos uma eleição massiva se considerarmos a pandemia e o histórico recente do Chile, de comparecimento muito baixo. Os cidadãos votaram com paz, inclusive os idosos, que poderiam ter temido o vírus e ficado em casa. Votou-se com entusiasmo, alegria e respeito.
Por que foi possível aprovar uma Assembleia Constituinte agora e não em seu período como presidente?
No meu tempo, a direita estava unida, e, portanto, era impossível aprovar um processo como este. Hoje, temos um setor da direita que concorda com a necessidade de renovar a Constituição. Demorou, mas chegamos a esse momento. Esses direitistas que mudaram de opinião, que poderiam ser considerados traidores em seu ambiente, deram-se conta de que as mudanças são necessárias. A explosão social do último ano colaborou para que abrissem os olhos para a inevitabilidade de ter de acompanhar as transformações dos tempos. Agora vamos assistir a uma reorganização da direita para a eleição constituinte e para as próximas presidenciais [em novembro de 2021].
O senhor considera que este plebiscito foi um recado à classe política?
Sim. É importante notar que boa parte de quem votou pelo “rejeito” ainda assim escolheu, na segunda cédula, a Assembleia Constituinte integralmente eleita. Ou seja, admitiu que, caso a Constituinte passasse, preferiam que fossem eleitos novos legisladores para redigi-la. Nesse sentido, foi um recado a legisladores e partidos que estão no poder agora. É um número interessante de ser analisado. Porque se os que votaram pelo “rejeito” estivessem contentes com os atuais políticos, pediriam que a assembleia fosse mista, pois assim os partidos de sempre poderiam ter controle da situação. Essa hipótese foi derrotada, portanto, tanto pelos que votaram “aprovo” quanto pelos que votaram “rejeito”.
Quais são os desafios do governo agora?
A votação gerou grande expectativa, mas é preciso que a população tenha paciência, porque a nova Constituição não ficará pronta neste mandato. É preciso eleger os membros da constituinte, que eles redijam a nova Carta e que depois ela seja aprovada. Portanto, os problemas da população seguirão presentes nos próximos dois anos, e o desafio do governo é atender a essas questões mais urgentes agora. No momento, o foco deve estar na recuperação econômica e em vencer a pandemia. O trabalho da assembleia constituinte seguirá paralelo, e seu efeito não é imediato.
O que o senhor diria para líderes como Jair Bolsonaro, que chegaram a defender a aplicação do chamado “modelo chileno”?
Respondi a essa questão a vários líderes, um deles foi o ex-presidente dos EUA George W. Bush. Quando você mexe num tema como a Previdência, por exemplo, adotando a capitalização em vez da repartição, você diminui muito aquilo que a pessoa receberá no futuro. E, no final das contas, isso acaba virando um problema novo para o Estado. A ex-presidente [Michelle] Bachelet teve de fazer aportes novos, com o sistema de “pilares solidários”, que foram repasses de benefícios para quem não tinha com o que viver depois de aposentado. O mesmo acontece em outras áreas quando você quer retirar o Estado de tudo. No final, o Estado tem de arcar com as contas. Ou seja, é uma falsa solução, muito imediata, que não funciona a longo prazo. Isso explicaria ao sr. Bolsonaro. Bush entendeu, nunca mais me perguntou.
O senhor acredita que as manifestações continuarão?
É possível, pois os problemas imediatos seguirão, temos muito a percorrer até a Constituição ficar pronta. Ela pode ser uma solução para o futuro, mas não para o presente. O governo tem de lidar com as urgências. Se não conseguir, as pessoas voltarão às ruas.
*Ricardo Lagos, 82, primeiro presidente socialista do Chile depois de Salvador Allende (1908-1973), que foi deposto pela ditadura de Augusto Pinochet, governou o país de 2000 a 2006. Advogado e economista, anunciou candidatura para as eleições de 2017, mas desistiu pouco depois por falta de apoio dentro de sua coalizão.
Entenda o plebiscito
O que foi votado?
No dia 25 de outubro, a população chilena decidiu se o país aprovava ou rejeitava a elaboração de uma nova Constituição. O plebiscito também perguntou se a nova Carta deveria ser elaborada por uma comissão constituinte formada apenas por representantes eleitos ou por uma comissão mista, que inclua também os atuais membros do Congresso.
Quais são as críticas à Constituição atual?
Liberal, a Carta não obriga o Estado a fornecer diretamente saúde, educação e proteção social aos chilenos, o que estimula a atuação privada nessas áreas. Uma mudança constitucional poderia obrigar o governo a ser mais atuante e ampliar o acesso da população a serviços básicos. Outra crítica é a de que ela foi feita pela ditadura de Augusto Pinochet, em 1980, com pouca participação popular, e que refazê-la permitirá incluir demandas de mais grupos, especialmente das mulheres.
E quais eram as razões para não mudá-la?
Defensores do "não" dizem que uma mudança radical pode comprometer a estabilidade econômica e argumentam que a Constituição poderia ser apenas reformada. Os críticos da mudança apontam que expandir a atuação social do governo depende muito mais de ter dinheiro em caixa do que das intenções da Constituição e consideram que ela não deveria ser tão detalhista, como apontar em quais questões sociais o governo deve agir.
Como se chegou ao plebiscito?
A mudança da Constituição foi uma das demandas dos protestos realizados no país a partir de outubro de 2019. O estopim foi a alta da tarifa do metrô em Santiago, mas logo se tornou um movimento contra a alta do custo de vida e a dificuldade de acesso à educação e saúde e o baixo valor das aposentadorias. O Congresso aprovou a realização de um plebiscito constitucional em novembro, que seria votado em abril. Por causa da pandemia, ele foi adiado para outubro.
Folha de S. Paulo: Em plebiscito histórico, chilenos decidem acabar com Constituição de Pinochet
Com 99,85% das urnas apuradas, aprovação da mudança vence por ampla margem (78%)
Sylvia Colombo, de Santiago
Pouco mais de um ano depois dos protestos que incendiaram o Chile, deixaram 30 mortos e dezenas de feridos e forçaram o governo a convocar um plebiscito histórico, o país decidiu neste domingo (25) acabar com a Constituição da época da ditadura de Augusto Pinochet.
Com 99,85% dos votos contabilizados, o resultado foi a vitória do “aprovo” à nova Carta, por 78,27% contra 21,73% do “rejeito”. Os eleitores chilenos também decidiram que o novo documento será redigido por meio de uma Assembleia Constituinte inteiramente renovada, sem a participação de legisladores já eleitos.
A escolha dessa assembleia será por meio de uma eleição, a ser realizada em abril de 2021, em que haverá paridade de 50% entre homens e mulheres. A proposta venceu por 78,9% dos votos, contra 21% que optaram por uma assembleia mista, que contasse com parlamentares já no cargo. Também ficou decidido que os que quiserem se candidatar a esses postos não precisarão ter vínculos com partidos políticos.
Às 21h25, o presidente Sebastián Piñera declarou que a votação marca o "princípio de um processo constituinte". Ele disse ainda que faria de tudo para "impulsionar uma nova Constituição em que estejam refletidos os valores e os princípios que marcam a alma da nossa sociedade, que reconheça e proteja os cidadãos de abusos e de discriminações, que reforce o Estado de Direito, a Justiça e a igualdade".
Enquanto o presidente falava, do palácio de La Moneda, que foi iluminado com as cores da bandeira nacional, nas ruas se ouvia buzinas e rojões. Na praça Italia, uma multidão festejava com batuques e bandeiras. Houve festejos também em outros pontos do país, embora o Servel (órgão eleitoral), ainda não tivesse feito nenhum pronunciamento oficial.
“Nunca tínhamos visto um processo de participação como o que estamos vendo”, disse o presidente do Servel, Patricio Santamaría, logo após o fechamento das urnas, quando ainda não haviam sido divulgados os números de comparecimento.
Enfrentando uma fase crítica da pandemia de coronavírus, com quase meio milhão de casos registrados e mais de 14 mil mortos em decorrência da doença, o governo adotou um rígido protocolo sanitário, que levou à formação de longas filas nos locais de votação em Santiago, principalmente nos bairros de Recoleta, Providencia e Las Condes.
A demora irritou alguns eleitores, mas já era sinal de que o comparecimento havia sido alto —o que não vinha acontecendo em outros pleitos.
Embora o padrão eleitoral no Chile seja de 14,7 milhões, a abstenção tem sido um problema crescente nos últimos anos. Nas eleições municipais de 2016, o comparecimento foi de apenas 36%. Nas presidenciais, aumentou para 50% dos eleitores aptos a votar.
O último pleito com mais de 60% da presença dos eleitores ocorreu em 1993, com a vitória de Eduardo Frei Ruiz-Tagle, da coalizão de centro-esquerda Concertação.
Neste domingo, os chilenos puderam votar a partir das 8h e na maior parte do dia, o clima foi tranquilo na capital, com muitos policiais nas ruas.
Uma hora e meia antes do fechamento das urnas, marcado para as 20h, um grupo de manifestantes e policiais chegaram a se enfrentar na praça Itália, recentemente rebatizada de praça Dignidade. É ali, em torno da estátua do general Baquedano, que os protestos costumam acontecer desde outubro do ano passado.
As ruas na região foram fechadas, e os policiais usaram jatos de água para dispersar os grupos, que retrocederam.
O presidente chileno votou ainda de manhã no centro da capital e disse esperar que “este seja o dia da democracia e da expressão pacífica da vontade dos chilenos e da rejeição a métodos violentos de grupos como os que incendeiam igrejas e provocam distúrbios”.
“Não há uma preferência única no gabinete do governo por uma das opções. Temos visões distintas, mas o mais importante é que respeitaremos o resultado das urnas e esperamos que todos façam o mesmo. Vamos resolver os problemas do Chile pelas urnas, que é o modo adequado e institucional”, afirmou Piñera.
“Não devemos perder de vista quais são as prioridades agora, recuperar os trabalhos e vencer o vírus.”
O mandatário fez questão de realizar todos os procedimentos de votação lentamente, para mostrar cada passo dos protocolos sanitários.
Assim como os outros eleitores, Piñera entrou sozinho na sala de votação, teve de levar sua própria caneta azul, mostrar um documento e higienizar as mãos com álcool em gel. Depois disso, recebeu as duas cédulas de papel.
Em uma delas, o eleitor escolhe se aprova ou rejeita a elaboração de uma nova Constituição. Na outra, diz se prefere que a nova Carta, caso aprovada, seja realizada por uma Assembleia Constituinte totalmente eleita numa votação em abril, ou se será mista.
Nesta segunda opção, metade dela seria formada por parlamentares que já exercem seu mandato e seriam escolhidos pelos partidos, sem nova votação. A outra metade, por constituintes eleitos em abril.
Em ambos os casos, na nova eleição, 50% dos novos escolhidos devem ser mulheres.
Depois de marcar seu voto, o presidente teve de fechar suas cédulas com um adesivo, e não mais com a língua, como se fazia, para ajudar a evitar a contaminação. Em seguida, depositou os dois votos em duas urnas de plástico diante dos mesários. Foram eliminadas as cortinas de pano que existiam nas eleições anteriores, também para ajudar a arejar o ambiente.
O único procedimento que Piñera não precisou fazer foi baixar por três segundos a máscara, a uma distância de 2 metros dos mesários. Essa medida é exigida a todos os eleitores, para que possam ser identificados.
A atual carta chilena foi promulgada em 1980, durante a ditadura militar de Augusto Pinochet (1973-1990) e com pouca participação popular.
Liberal, ela não obriga o Estado a fornecer diretamente saúde, educação e proteção social, o que estimula a atuação privada nessas áreas. Os que defendem alterar o texto acham que uma mudança constitucional poderia obrigar o governo a ser mais atuante e ampliar o acesso da população a serviços básicos.
Atualmente, o voto é obrigatório no Chile ara os cidadãos entre 18 e 70 anos.
Entre os protocolos estabelecidos para o referendo deste domingo, também foram reservados horários para os idosos, das 14h às 17h.
Piñera insistiu que eles não tivessem medo e os convidou a sair de casa para votar. “Creio na sabedoria dos que têm o cabelo grisalho”, disse, sorrindo e apontando para a própria cabeça.
Corina Concha, 65, chegou para votar em Temuco em uma cama hospitalar. Impedida de andar há mais de cinco anos e sem sair de casa desde o início da pandemia, ela afirmou que não podia perder esse dia histórico. “Quem pode andar, que não perca essa oportunidade, e quem não pode peça ajuda. É o dia de todos os chilenos”.
Além do horário exclusivo, os idosos também tiveram uma fila especial durante todo o dia para votar de modo mais rápido. Funcionários do Servel auxiliaram as pessoas mais velhas a caminhar ou as levaram até suas mesas de votação, empurrando suas cadeiras de rodas.
Os idosos que venceram o medo da pandemia geralmente apareciam com muitas precauções. Havia gente com mais de uma máscara, com proteções de rosto e com roupas térmicas fechadas do pés à cabeça.
No estádio Nacional, Carmen, 87, chegou numa cadeira de rodas, empurrada pela filha Josefa, 64. “Aqui nesse estádio ficaram presos os perseguidos pela ditadura, muitos morreram, eu me lembro. Não podia perder a oportunidade de votar num dia histórico como hoje, que pode apagar de vez o último vestígio daquela época terrível para todos os chilenos”, disse Carmen à Folha.
Uma pesquisa do Instituto Tresquintos divulgada na sexta (23) à noite indicava que a mudança de Constituição seria aprovada por 69% dos eleitores, e que a preferência por uma Assembleia Constitucional inteiramente nova era de 57% dos eleitores.
Cristovam Buarque: A Escola Brasil
No próximo ano, a Lei do Ventre Livre completa 150 anos e o Fundeb será incorporado à Constituição, depois de 13 anos como lei provisória. O Brasil já dispõe de leis que destinam recursos federais para financiar parte das escolas municipais, desde 1983, pela Emenda Calmon; o Fundef, desde 1996; e o Fundeb, desde 2007.
Cento e cinquenta anos separam essas duas leis positivas, porém insuficientes. A extinção do Fundeb teria sido uma catástrofe, mas sua continuidade não vai trazer a educação de qualidade que necessitamos, nem vai fazer com que as escolas sejam igualmente boas para todos. Da mesma maneira que, em 1871, a Lei do Ventre Livre libertou mas não emancipou os filhos dos escravos; e, 17 anos depois, a Lei Áurea aboliu a escravidão, mas não emancipou os ex-escravos. Elas quebraram as algemas da escravidão, mas os libertos continuaram amarrados à falta de educação de base e suas consequências: pobreza, exclusão, racismo e abandono.
Assim também, as leis que aumentam recursos federais para a educação, diminuíram a penúria, mas não permitiram a qualidade e ainda menos a igualdade no acesso à educação. Para conseguir isso, será necessário oferecer condições para que toda criança, independentemente da renda e do endereço, tenha a chance de concluir o ensino médio, conhecendo muito bem o idioma português e nossa literatura; sabendo falar, ler e escrever pelo menos um idioma estrangeiro; entender e deslumbrar-se com as artes; saber matemática, filosofia e ciências, história e geografia; ser informado e poder opinar sobre o que acontece no mundo contemporâneo; dispor de um ofício profissional que lhe permita emprego qualificado; ter consciência de seus direitos e deveres e estar pronto para participar da vida social e continuar se educando ao longo da vida.
Para tanto, precisamos implantar um Sistema Educacional Unificado Público com duas metas: ficarmos entre os dez melhores países em educação e eliminarmos a desigualdade na qualidade entre as escolas. Isso exige responsabilizar a nação, e não cada município, pela educação das crianças brasileiras, com um ministério comprometido com a educação de base, que coordene a execução da estratégia da nacionalização.
Um caminho seria a “voucherização”, que consiste em repassar uma bolsa com o mesmo valor para cada criança, deixando para a sua família pagar a escola no mercado privado. Esse sistema pode servir, em algum momento e lugar, mas não elevaria a qualidade do conjunto, nem diminuiria a desigualdade.
Outra possibilidade seria a “fundebização”, que consiste no “voucher coletivo” para o prefeito cuidar de suas escolas públicas. Embora melhor do que a “voucherização”, a “fundebização” não dará a qualidade e muito menos a igualdade, porque educação não se compra em loja, e nossos municípios são pobres não apenas em receita, também em recursos humanos e gerenciais, além de suas administrações terem convicções e prioridades educacionistas diferenciadas.
O terceiro caminho seria pela “federalização”, que consistiria em um processo de substituição paulatina dos frágeis quase seis mil sistemas municipais por um robusto sistema nacional único, com uma carreira federal para os professores, padrões equivalentes de construção e equipamento das escolas, todas com horário integral. Assegurando descentralização gerencial por escola e liberdade pedagógica para o professor, dentro da Base Nacional Comum Curricular.
Por esse sistema seria possível implantar Escolas Brasil nos municípios, da mesma forma que temos as agências do Banco do Brasil. A estratégia de implantação deste Sistema Educacional Unificado Público requer diversos anos e um investimento de R$15 mil por aluno ao ano. Se a economia crescer apenas 2% ao ano, em 20 anos o custo total para as 50 milhões de crianças será um pouco maior do que os quase 6% do PIB que são gastos atualmente.
Isto é possível e necessário. A maior dificuldade é formar uma consciência nacional que dê suporte à estratégia nacional de longo prazo e que aceite tratar a educação de base como a prioridade central com as duas metas: estarmos entre os países com melhor educação e não deixar um único cérebro desaproveitado por falta de escola com a máxima qualidade.
*Cristovam Buarque, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)
Cristiano Romero: Projeto de nação sem Estado para executá-lo
Constituição de 1988 lançou um projeto de nação
A sociedade brasileira deu um passo enorme em seu processo civilizador ao incluir em sua Constituição direitos e garantias fundamentais que, até então, eram relevadas pelo Estado brasileiro.
Direitos e garantias fundamentais têm como objetivo proteger o cidadão da ação do Estado, além de assegurar o mínimo para que todas as pessoas que vivem neste imenso território, brasileiras e estrangeiras, tenham uma vida digna.
A Constituição de 1988 se inspirou claramente na Declaração dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), anunciada em 1948, fruto do trauma provocado pela Segunda Guerra Mundial. Aquele conflito decorreu da ascensão de movimentos e grupos políticos extremistas de direita, cujo ideário rejeitava os princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, escrita durante a Revolução Francesa de 1789, a primeira tentativa de universalização dos direitos humanos.
O objetivo da Carta Magna brasileira foi conferir dignidade à vida humana e proteção dos indivíduos frente à atuação do Estado, que é obrigado a garantir e prezar por tais direitos e garantias.
Não é fácil a luta das sociedades contra o absolutismo de grupos políticos absolutistas e de Estados fundados em princípios autoritários.
O documento da ONU, do qual o Brasil é signatário, baseou-se no da Revolução Francesa. Somente 199 anos depois, a Ilha de Vera Cruz consolidou um marco legal - a Constituição de 1988 - para universalizou direitos e proteger o cidadão da sanha autoritária de grupos que, mesmo minoritários, decidem a seu bel prazer os destinos do país.
A Carta Magna, entre outras inovações, universalizou o acesso gratuito da população à saúde e à educação. Dois outros exemplos precisam ser mencionados, entre tantos outros: a instituição da aposentadoria rural e a criação de um benefício social - o BPC - que, recentemente, tem sido objeto de acalorado debate.
No primeiro caso, trataram os constituintes de 1988 de entender que o Brasil não poderia ignorar o fato de que, até a década de 1960, a maioria da população vivia no campo. Tendo sido a economia que cresceu de maneira mais rápida na história da humanidade entre as décadas de 1950 e 1970, o processo de urbanização se deu forma acelerada, gerando enorme desigualdade, entre outros problemas sociais de difícil solução. A aposentadoria rural, sem a exigência de contribuição dos beneficiários, foi o reconhecimento de que milhões de brasileiros que trabalhavam no campo não poderiam ser deixados ao relento.
O Benefício de Prestação Continuada (BPC) foi adotado para atender basicamente a dois públicos: as pessoas que, por deficiência física ou mental, não conseguem trabalhar, e aqueles que, aos 65 anos, vagam pelas cidades, principalmente, as capitais, sem emprego, sem vínculo familiar, sem registro de identidade, muitos, sem memória… A Civilização diz que esses cidadãos têm direito a receber um salário mínimo por mês.
O Brasil escolheu a democracia como regime político e a economia de mercado como regime econômico. Os dois sistemas de convivência humana, organização social, são imperfeitos por definição.
Em ambos, a mercadoria mais valiosa é a informação (usada aqui no seu conceito mais amplo, isto é, sem estar restrito a notícias jornalísticas).
Quem detém mais informação, mais formação, tende a ter vantagens tanto no regime democrático quanto na prosperidade econômico. A democracia e a economia de mercado são uma espécie de corrida - em tese, cabe ao Estado atuar para que todos os “corredores” partam da mesma posição.
À medida que alguns avancem a ponto de ficarem muito distantes dos “retardatários”, cabe ao Estado atuar para diminuir essa distância, em prol do “contrato social” que assegure a sobrevivência da democracia.
Nos regimes democráticos, quem tem poder econômico possui também mais poder políticos sobre os demais cidadãos. É por essa razão que democracia avançadas não permitem, por exemplo, a existência de oligopólios no setor produtivo e financeiro. Porque têm um poder desmedido que torna qualquer democracia num simulacro do que deveria ser.
As alternativas ao binômio democracia-economia de mercado são muito piores. Basicamente, porque negam a característica inerente a todo ser humano, que é o direito à liberdade.
O que tudo disso tem a ver com a previdência rural e o BPC? Ora, nos dois casos, trata-se do reconhecimento de que há falhas nas democracias e em suas respectivas economias de mercado com as quais precisamos lidar. Não é possível que alguém ainda veja mendigos nas ruas e pensem: “São vagabundos que não querem trabalhar”. Nota do redator: a maioria trabalhava em empresas que sucumbiram à sucessão de malfadados planos econômicos; ademais, se esses brasileiros ao menos soubessem da existência do BPC…
Aprendemos, no Brasil, a conviver com a desigualdade e achar que está tudo certo, afinal, o livre arbítrio deve prevalecer sobre todas as coisas. A Constituição diz que não deveríamos pensar assim. Gente de bem neste país, a maioria, se questiona: por que nossas escolas não ensinam às crianças, desde a tenra idade, os princípios civilizadores consagrados por nossa Carta Magna?
A Constituição de 1988 encerra um belo projeto de nação, da nação que não somos. Mas, essa ambição só terá a chance de se materializar quando dotarmos o Estado brasileiro de características que, hoje, ele não tem (este tema será tratado aqui de forma exaustiva daqui em diante). O Estado que temos, concentrador de renda e absolutamente desprovido de instrumentos para exercer seu papel, precisa ser reformulado imediatamente.
César Mortari Barreira e Marcelo de Azevedo Granato: Democracia
No Brasil o exercício da administração pública por militares de novo dá em fracasso
Nos últimos meses tem sido intenso o debate sobre a conveniência ou superioridade da democracia sobre outras formas de governo, em particular no caso brasileiro. De pedidos e ameaças de golpe militar a pesquisas de opinião e campanhas jornalísticas, a democracia não sai do noticiário.
Mas quem é ela, a democracia? Há diversas respostas, decorrentes de distintas matrizes teóricas. Sabemos, no entanto, que a democracia moderna é caracterizada pela ideia de representação. Em regra, elegemos aqueles que tomarão as decisões coletivas em nosso nome. Ou seja, nosso voto normalmente não decide, ele elege quem deverá decidir.
Essa compreensão vai ao encontro da definição que Norberto Bobbio dá à democracia: “conjunto de regras de procedimento para a formação de decisões coletivas, em que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados” (O Futuro da Democracia). Trata-se de uma definição que Bobbio mesmo chama de “mínima”, e que também é formal, já que ela não nos diz o que se deve decidir numa democracia, mas quem deve decidir (“participação mais ampla possível dos interessados”) e como se deve decidir (“regras de procedimento para a formação de decisões coletivas”).
Mas Bobbio não ignora a existência de valores e condições da democracia. Alguns desses valores e condições estão implícitos nas seis regras pelas quais Bobbio especifica sua definição “mínima”.
A primeira regra dispõe que “todos os cidadãos que tenham alcançado a maioridade etária, sem distinção de raça, religião, condição econômica, sexo, devem gozar de direitos políticos, isto é, cada um deles deve gozar do direito de expressar sua própria opinião ou de escolher quem a expresse por ele”. A segunda regra estabelece que “o voto de todos os cidadãos deve ter igual peso”.
Nessas duas primeiras regras sobressai o valor da igualdade tanto na inclusão do maior número de pessoas no processo de formação das decisões coletivas quanto na atribuição de igual importância ao voto de cada uma delas.
Na terceira regra, Bobbio afirma que “todos aqueles que gozam dos direitos políticos devem ser livres para poder votar segundo sua própria opinião, formada, ao máximo possível, livremente, isto é, em livre disputa entre grupos políticos organizados em concorrência entre si”. Conforme a quarta regra, todos “devem ser livres também no sentido de que devem ser colocados em condições de escolher entre diferentes soluções, isto é, entre partidos que tenham programas distintos e alternativos”.
Nessas duas regras sobressai o valor da liberdade tanto no sentido de que a opinião política de cada um deve poder se formar livremente, sem distorções (daí o necessário pluralismo dos e nos meios de informação), quanto no sentido de que as pessoas devem dispor de alternativas políticas reais, que permitam que elas se identifiquem com alguma orientação política (daí a importância dos diferentes partidos e movimentos políticos).
Na quinta regra Bobbio afirma que, “seja para as eleições, seja para as decisões coletivas, deve valer a regra da maioria numérica, no sentido de que será considerado eleito o candidato ou será considerada válida a decisão que obtiver o maior número de votos”. Essa regra traz um meio que garante a eficiência do processo de decisão coletiva: a regra da maioria, pela qual vence o candidato ou a decisão que obtiver o maior número de votos.
Enfim, a sexta regra da democracia dispõe que “nenhuma decisão tomada por maioria deve limitar os direitos da minoria, particularmente o direito de se tornar (…) maioria em igualdade de condições” (Teoria Geral da Política).
Esta última regra não se refere, como as outras cinco, ao quem ou ao como do processo de escolha e decisão política. Ela se refere ao quê, ao conteúdo das decisões políticas. E nos permite um comentário final sobre as regras do jogo democrático.
Ao dizer que “nenhuma decisão tomada por maioria deve limitar os direitos da minoria, particularmente o direito de se tornar (…) maioria”, Bobbio toca num ponto crucial, que é o fato de a democracia ser um regime que permite a alternância pacífica de governos. Nela os conflitos são resolvidos “pela contagem de cabeças”, e não “batendo na cabeça dos que pensam diferente” (Le Basi della Democrazia).
A não violência, para Bobbio, é um princípio fundamental da democracia e a definição “mínima” ou formal trazida acima é justamente uma técnica de convivência destinada a resolver conflitos sociais sem o recurso à violência. Na democracia a violência dá lugar ao compromisso.
Assim, na atual discussão sobre democracia ou ditadura, pode-se afirmar que o regime democrático é preferível ao regime militar não só porque, no Brasil, o exercício da administração pública por militares dá novamente em fracasso, mas também porque, na lógica democrática, “o adversário não é mais um inimigo (que deve ser destruído), mas um opositor que amanhã poderá ocupar o nosso lugar” (O Futuro da Democracia).
*Respectivamente, doutor em Teoria e Filosofia do Direito pela UERJ, coordenador científico do Instituto Norberto Bobbio; e doutor em Direito pela USP e pela Università degli studi di Torino, integrante do Instituto Norberto Bobbio e professor da Facamp
Fernando Schüler: O Supremo é o editor da sociedade?
Foi exatamente contra a ideia do 'Estado editor' que surgiu o conceito moderno de liberdade de expressão
Foi interessante assistir ao ministro Dias Toffoli, nesta semana, em um debate promovido pelo site Poder 360, expondo com clareza seus pontos de vista sobre temas de censura e liberdade de expressão hoje em pauta no país.
O ministro foi taxativo: “A Constituição veda de modo absoluto a censura prévia”. E concluiu: “Aquilo que ainda não foi tornado público pode vir a público e a pessoa vai arcar com suas consequências […] pode emitir sua ideia, seja ela qual for. Até de defender o nazismo, até de defender o fechamento do Supremo”.
Dito isto, era óbvia a pergunta pendurada no ar: e os cidadãos banidos das redes sociais, no inquérito das fake news? Isto é, impedidos previamente de dizer as coisas que poderiam lhes trazer “consequências”. O que dizer?
O ministro sugeriu uma distinção: uma coisa seria proibir a “expressão” de um indivíduo; outra seria proibi-lo do uso de “veículos” para se expressar. Nesta lógica, os bloqueados não teriam perdido sua liberdade. Apenas não poderiam fazê-lo no Facebook ou no Instagram. Poderiam publicar panfletos, imaginei, mas ninguém aventou a hipótese.
Ato seguinte, o ministro sugeriu uma analogia entre os bloqueios e as prisões preventivas. Privação do direito de ir e vir seria muito mais grave do que perda da liberdade intelectual ou de expressão. Por que então deveria chocar mais as pessoas “meia dúzia de redes sociais paradas do que 200 mil pessoas presas provisoriamente?”
De minha parte, só vejo uma resposta a esta questão: choca por que é algo que não está na lei, muito menos na Constituição. Não importa que se trate de prisão ou banimento do Twitter. Choca é o desrespeito a um princípio, que é um bem para uma sociedade democrática.
O ministro foi além. Depois de se referir ao fato de que toda empresa de comunicação tem seu editor, explicou que “nós, enquanto Judiciário, enquanto Suprema Corte, somos editores de um país inteiro, de uma nação inteira, de um povo inteiro”.
Eugênio Bucci estava no debate e, com sua gentileza habitual, lembrou que sociedades não funcionam como empresas de comunicação. Estas pertencem ao mundo privado e podem demitir o funcionário a partir de juízos de valor. Caberia, porém, a uma instituição de Estado fazer o mesmo? Isto é, “eleger valores que definem a circulação de conteúdos”?
Eis aí a questão central: sociedades abertas precisam de um “editor”? Sociedades que se definem precisamente pela diversidade de visões de mundo e por um desacordo fundamental sobre o erro e o acerto, o falso e o verdadeiro?
A resposta a esta pergunta está no próprio nascimento da ideia moderna de liberdade de expressão. Foi para defender o fim do direito à censura prévia de livros que o poeta inglês John Milton, no coração da revolução inglesa, escreveu sua “Areopagítica”.
Em 1644 eram os livros. Hoje são redes e blogs. A questão fundamental é a mesma. Deveríamos presumir, perguntava Milton, que aqueles que censuram “dispõem da graça da infalibilidade, acima de todos nessa terra”? Era exatamente contra a ideia do Estado editor que John Milton se batia.
Estas questões pareciam estar resolvidas há muito tempo. De uma hora para outra, a coisa mudou. Vamos nos tornando um país em que a defesa da liberdade de expressão vai surgindo como um exercício perigosamente retórico e seletivo. E estranhamente capaz de assustar as pessoas.
País em que se aceita acriticamente o retorno da “absolutamente vedada” censura prévia. A lógica do “você não fala mais nada, seja bom, seja mau, seja verdade, seja mentira”, como bem lembrou o professor e amigo Marco Sabino.
Os crimes cometidos na internet devem ser punidos, na forma da lei, e é saudável que se discuta mecanismos de proteção das instituições frente às novas tecnologias. O Congresso, neste exato momento, se dedica a esse debate.
Nada disso, porém, admite a tutela do Estado sobre a opinião. Ainda lembro do orgulho que todos sentimos quando a ministra Cármen Lúcia lembrou canções de sua infância para dizer que o “cala a boca já morreu”. Sugiro não ressuscitá-lo.
*Fernando Schüler, professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.
Eleições 2020: Qual desafio de prefeitos e vereadores eleitos? Veja resposta agora
Em artigo publicado na 20ª edição da revista Política Democrática Online, Luiz Paulo Vellozo Lucas diz que renovação das lideranças pode inaugurar agenda democrática e reformista
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
“Prefeitos e vereadores eleitos em 2020 serão desafiados a conquistar e acumular confiança pública e capital cívico, para dar conta de governar seus municípios nesta crise”. A avaliação é do engenheiro Luiz Paulo Vellozo Lucas, ex-prefeito de Vitória (ES) e mestrando em Desenvolvimento Sustentável na UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), em artigo que publicou na 20ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília.
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A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todos os conteúdos podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade. De acordo com o autor do artigo, a renovação das lideranças locais em eleições livres pode inaugurar uma agenda democrática e reformista, visando a corrigir e fazer avançar as instituições que estruturam o Estado brasileiro em um processo de baixo para cima.
“Começa no processo eleitoral deste ano debatendo, sem as muletas do populismo e do pensamento mágico, soluções viáveis de enfrentamento pactuado do déficit de vida urbana civilizada e da exclusão social, tanto nas metrópoles, com suas favelas, como nos distritos e vilas do interior, distantes do dinamismo industrial”, afirma o analista, no artigo que publicou na revista Política Democrática Online.
A agenda reformista precisa sair das caixinhas setoriais para adotar o ponto de vista das cidades, que, segundo ele, é o ponto de vista das pessoas. “O desafio das reformas é um só, Inter setorial e holístico. A cidade integra todas as dimensões: fiscal e tributária, política e federativa, social e econômica, tecnológica, ambiental e humana”, diz o autor. “O desafio das eleições municipais é abrir caminho para esta agenda em cada cidade e para o Brasil”.
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Ex-ministro da Defesa concedeu entrevista à revista Política Democrática Online e diz que horizonte de solução da crise política passa pelas eleições de 2022
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Em entrevista exclusiva concedida à revista Política Democrática Online, o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim é enfático ao afirmar que o artigo 142 da Constituição de 1988 não dá o direito de as Forças Armadas intervirem contra um dos poderes da República. “É equivocada a tese, verbalizada por Ives Gandra, que teima em trazer o passado por cima da legislação nova, ou seja, ajustar a legislação nova com pressupostos anteriores”, afirma. “Sempre haverá discursos políticos, mas não creio que o presidente Bolsonaro terá condições de produzir algum conflito que possa levar a uma ruptura do processo”, diz, em outro trecho.
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A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todos os conteúdos podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade. Até 1988, os militares tinham a faculdade, pela Constituição, de intervir para preservar a lei e a ordem, sem limitação alguma. “Trata-se de uma prática tão comum como nociva no sistema legal, essa de tentar, por via de exegese, fazer sobreviver o modelo anterior por dentro do modelo novo”, afirma.
Jobim foi ministro da Defesa durante o segundo mandato de Lula e no primeiro ano do governo Dilma. Ele também foi deputado federal por dois mandatos, ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1997) e presidente do STF (2004-2006), Nelson Jobim é defensor da teoria de que, na história do Brasil, os conflitos mais emblemáticos tiveram suas soluções encaminhadas pela conciliação e não pelo confronto.
O horizonte de solução da crise política que o país vive atualmente, segundo Jobim, passa pelo processo eleitoral de 2022. Em sua avaliação, nenhum processo como os decorrentes das declarações do ex-ministro Sérgio Moro, envolvendo a reunião ministerial de 22 de abril; a ação em curso no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que analisa o processo eleitoral que deu a vitória a Bolsonaro ou o afastamento do presidente da República por conta do acolhimento de alguma denúncia de crime impetrada pelo Ministério Público Federal tem possibilidades concretas de andamento.
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Raul Jungmann: Quem fala pelas Forças Armadas é a Constituição
O conflito ou inobservância das leis é resolvido pelo Judiciário
A recente nota à nação, subscrita pelo presidente da República, merece uma exegese das ideias e conceitos que nela constam, em especial o seu terceiro parágrafo, que diz o seguinte: “As Forças Armadas/FAs do Brasil não cumprem ordens absurdas, como por exemplo a tomada do Poder. Também não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das leis, ou por conta de julgamentos políticos.”
Inicio nossa análise pela primeira das frases. Como as Forças Armadas, pelo artigo 142 da Constituição, estão sob a autoridade suprema do presidente da República e, por iniciativa dos poderes da República, são responsáveis pela garantia da lei e da ordem, de onde viria a “ordem absurda” para a tomada do Poder da República?
Constitucionalmente, de um dos três Poderes. Logo, a nota pressupõe que um ou mais Poderes estariam agindo ou viriam a agir de modo “absurdo”, portanto, inconstitucional. Ainda que abstrata, essa é uma suposição gravíssima e requer que seja demonstrada com fatos e provas à nação. O que não aconteceu.
Na sequência, ao afirmar que as Forças Armadas “não aceitam tentativas de tomada de um Poder por outro Poder”, os signatários elevam as Forças à condição de intérprete e árbitro final de disputas entre Poderes da República.
Algo que não é previsto em nenhum dos artigos da atual Constituição, nem em decisões do Supremo, além de ser essa competência privativa da Corte. A conclusão da frase segue o mesmo caminho: “Ao arrepio das leis ou de julgamentos políticos”.
Ora, quem decide sobre o conflito ou inobservância das leis é o Judiciário, jamais outro Poder, como se encontra cristalinamente no artigo 105 da Carta. Nesse caso, pelo texto da nota, recairia sobre os militares (e o Executivo, do qual fazem parte) o assenhoramento de competências de um outro Poder, o Judiciário.
Por fim, a referência a “julgamentos políticos”, que não seriam aceitos pelas Forças Armadas, as coloca na esfera da política. Cabe a pergunta: onde se encontra o mandato, atribuição ou competência delas para decidir que um julgamento é político ou não?
Nada, na sua destinação constitucional, as habilita, salvo como cidadãos, a decidir se um julgamento é ou não político. Valendo lembrar que o impeachment, competência do Congresso Nacional, é um julgamento político. Ergo, seria incavíbel às Forças Armadas não aceitá-lo, ainda que tal processo esteja fora de questão no momento.
Constitucionalmente, pelas Forças falam o presidente da República, seu comandante supremo, e o ministro da Defesa. Ambos têm afirmado, reiterada e publicamente, que as Forças Armadas não opinam, nem interferem na esfera da política.
Donde se conclui que as mesmas não foram consultadas sobre algo que não é de sua competência. Assim, é inescapável que presidente e ministro falaram por elas, mas não com elas, que não participam, corretamente, do jogo político.
Sendo pertinente concluir que os signatários da nota se manifestaram pelas Forças sem seu conhecimento, consentimento ou anuência, lhes atribuindo juízos políticos que elas ignoram, e objetivos que lhes são estranhos, em frontal colisão com o que determina a Carta e sua natureza como instituição de Estado, jamais de governo.
Nossas Forças Armadas têm sido democraticamente impecáveis e não cabe à oposição, muito menos ao governo, desviá-las desse rumo, pois é através do seu compromisso e postura que nos fala a Constituição.Raul Jungmann
*Ex-ministro da Reforma Agrária (governo FHC), Defesa e Segurança Pública (governo Temer)
Gustavo Binenbojm: As Forças Armadas e a Constituição
Juristas delirantes ressurgiram com teses heterodoxas sobre exercício de poder moderador pelas Forças Armadas
Jair Bolsonaro certamente não sabe quem foi Carl Schmitt. Então, para ficarmos na mesma página, vou apresentá-lo brevemente. Schmitt foi um jurista alemão que inspirou as concepções totalitárias do Estado hitlerista, contribuindo para jogar por terra os fundamentos liberais e democráticos da Constituição de Weimar. Para Schmitt, o estado de direito seria suspenso em momentos de crise, não havendo aí senão que o poder da força.
Neste estado de exceção, as decisões seriam livremente tomadas pelo soberano, sem qualquer limitação das leis. Às Forças Armadas cumpriria o papel de atuar como fiel da balança do jogo político, dando respaldo às decisões do ditador até que restabelecida a normalidade institucional. O resto da história é conhecido. Milhões de seres humanos inocentes foram assassinados pela fúria bestial do regime nazista.
Do segundo pós-guerra para cá, a democracia constitucional espalhou-se pelo mundo ocidental, retomando as noções de estado de direito e governo limitado. No Brasil, a Constituição de 1988 representou a vitória desses ideais, sem qualquer espaço para hiatos ditatoriais. A distribuição de funções entre distintos Poderes constituiu uma espécie de poliarquia na qual nenhum deles é soberano, mas todos devem igual reverência à Constituição. Para situações de grave abalo institucional, há regras excepcionais que preveem a intervenção federal, o estado de defesa e o estado de sítio, condicionados a controles exercidos pelo Legislativo ou pelo Judiciário.
Quando todos achávamos que o ideário totalitário havia sido jogado na lata de lixo da História, eis que alguns juristas delirantes ressurgiram com teses heterodoxas sobre o exercício de um poder moderador pelas Forças Armadas. Mais exótico ainda: sustentam que o art. 142 da Constituição daria guarida a esse suposto papel dos militares de árbitros dos conflitos entre Poderes. Alinho, a seguir, quatro razões pelas quais a tese não resiste a um sopro de bom senso.
Primeiro: a Constituição não se interpreta em tiras. Ela é uma unidade. O art. 142 está inserido num sistema normativo que prevê a independência e harmonia entre os Poderes, sem que haja um Poder Moderador que exerça supremacia sobre os demais. Os controles recíprocos são a forma de composição de eventuais conflitos. As Forças Armadas não são um Poder da República, mas uma instituição à disposição dos Poderes constituídos para, quando convocadas, agirem instrumentalmente em defesa da lei e da ordem.
Segundo: a chefia suprema das Forças Armadas cabe ao presidente da República (art. 84, XIII e art. 142), sendo elas subordinadas, ainda, ao ministro da Defesa (EC 23/1999). O presidente da República, a seu turno, deve obediência às leis e às ordens judiciais. Tanto assim que, no seu eventual descumprimento, o presidente comete crime de responsabilidade, podendo perder o mandato por impeachment (art. 85, VII). Como instituição baseada na hierarquia e disciplina (art. 142), não faria sentido que as Forças Armadas pudessem se sobrepor aos demais Poderes, uma vez que nem o chefe do Poder Executivo goza de tal prerrogativa.
Terceiro: o art. 102 atribui ao Supremo Tribunal Federal o papel de guardião da Constituição, cabendo-lhe, como órgão máximo do Poder Judiciário, interpretar as normas constitucionais em caráter final e vinculante para os demais Poderes. Só o Poder Legislativo tem a possibilidade de aprovar emendas à Constituição, superando decisões do Supremo, assim mesmo quando isto não contrariar cláusulas pétreas do texto constitucional.
Quarto: por último, mas não menos importante, o art. 1º proclama que o Brasil é um Estado democrático de direito, no qual todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição. Qualquer instituição que pretenda tomar o poder fora desses canais de legitimação estará agindo contra o texto e o espírito da Constituição.
*Gustavo Binenbojm é professor titular da Faculdade de Direito da Uerj
'Bolsonaro se afirmou no comando de um governo de 'destruição'', diz Alberto Aggio na Política Democrática online
Em publicação da FAP, professor da Unesp diz que Bolsonaro é um político "que quer retroagir a marcha da história"
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O ano passou com Bolsonaro fazendo questão de se afirmar como o comandante de um governo de “destruição” de tudo que se havia construído nos 30 anos de vigência da Constituição de 1988. A avaliação é do historiador e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista), Alberto Aggio, em artigo publicado na nova edição da revista Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao Cidadania e sediada em Brasília.
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Todos os conteúdos da revista mensal podem ser acessados gratuitamente na página do Facebook e no site da FAP (www.fundacaoastrojildo.com.br). No artigo, o historiador diz que Bolsonaro, em seu primeiro ano de governo, fez questão de não evitar e mesmo assegurar suas posições homofóbicas, racistas, antiecológicas, antiparlamentares, anti-institucionais, antidemocratas ou similares.
“Foi mais corporativo, em defesa dos diversos grupos militares e religiosos que o apoiam, do que reformista. Mesmo quanto à Reforma da Previdência, aprovada em 2019, Bolsonaro não pode proclamar como uma vitória sua, uma vez que pouco ou nada fez para que ela passasse na Câmara e no Senado”, avalia Aggio, no artigo produzido exclusivamente para a Política Democrática online.
Ideologicamente, conforme escreve Aggio, “Bolsonaro é, sem dúvida, um político reacionário e regressivo”. De acordo com o historiador, o presidente, para chegar a ser conservador, necessitaria de um programa de governo consonante com o desenvolvimento brasileiro e com os avanços civilizacionais do Ocidente, mas que supusesse um “freada de arrumação”, visando a garantir ou conservar parte do padrão histórico alcançado em ambas dimensões.
“Entretanto, Bolsonaro (e seu entorno, filhos inclusos) não chega a ser um conservador. Quer retroagir a marcha da história. Menos ainda um liberal, em termos políticos”, destaca o professor da Unesp. “Inúmeras vezes vociferou indiretamente contra a Constituição, a ‘Carta das liberdades e dos direitos’, como a ela se referia o liberal Ulisses Guimarães. Bolsonaro rejeita os vetores emancipatórios contidos nas transformações valorativas da modernidade. As metamorfoses atuais do mundo lhes são inadmissíveis. Identifica-se essencialmente com o mundo do pentecostalismo e seu cortejo de falaciosas restrições”, completa.
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Em nova edição da revista da FAP, editor de blog indica caminhos fundamentais para se pensar compromisso com o país
Cleomar Almeida, da Ascom/FAP
A Constituição de 1988 é o porto seguro para pensar-se quaisquer reformas econômicas e políticas em nosso país. Esse entendimento é a base para os caminhos do futuro, avalia o editor do blog Democracia Política e Novo Reformismo, Gilvan Cavalcanti de Melo. Em artigo que produziu para a 13ª edição da revista Política Democrática online, ele diz que “O rumo mais real é debruçar-se sobre a conjuntura”. Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília, podem ser acessados de graça no site da instituição.
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A FAP é vinculada ao Cidadania. De acordo com o autor do artigo publicado na revista Política Democrática online, a missão dos democratas é defender os compromissos constitucionais de distribuição de riqueza, que poderão obter forte apoio social, plural e crítico; atuar para construir uma nova opinião pública e vontade política democrática para transformar a atual realidade; e agregar estas forças democrática, superar as polarizações.
Melo sugere que é importante seguir dois caminhos fundamentais para se pensar o que ele chama de “compromisso com o país”. “Em primeiro lugar, investigar uma relação de forças sociais conectada à estrutura. Isto pode ser avaliada com os métodos das estatísticas”, afirma. Segundo ele, à base do nível de desenvolvimento das forças materiais de produção, organizam-se os agrupamentos sociais, cada um dos quais representando uma função e ocupando uma determinada posição na produção.
Na avaliação do autor, que escreveu a análise exclusiva para a revista Política Democrática online, a organização dos grupos sociais é uma relação real, concreta, independe do observador e factual. “São elementos que permitem avaliar se, em determinadas situações, existem as condições suficientes para as mudanças. Possibilita monitorar o grau de realismo e de visibilidade das diferentes ideias que o processo gerou”, assevera Melo.
Em segundo lugar, conforme escreve o editor do blog, existe a crítica a esta realidade. “O pensar a desigualdade social, seus dramas: milhões de desempregados, subempregados, os pobres e os chamados abaixo da pobreza, os miseráveis. A violência, o tráfico de drogas, as milícias, a exploração de crianças, os moradores de rua”, pondera.
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