Constituição Federal

Cenário brasileiro | Imagem: reprodução/Outras Palavras

Os caminhos para uma reforma tributária justa

Outras Palavras*

A reforma tributária tem ocupado as atenções políticas há, pelo menos, 25 anos. Parece haver consenso quanto a sua necessidade. No entanto, sempre que o assunto ganha alguma relevância no cenário político, esse suposto consenso se desmancha, pois nem todos os que defendem a reforma comungam das mesmas motivações. Não é diferente, neste momento, com debates sobre programas para um governo de corte democrático e popular.

Para muitos, inclusive para nós, o problema central do sistema tributário é o seu caráter regressivo, cujas principais consequências relacionam-se ao aprofundamento das desigualdades de natureza econômica e social. Mas como traduzir mais precisamente essa regressividade do sistema tributário? Trata-se da sua característica de beneficiar os mais ricos pela débil tributação das altas rendas e das grandes riquezas e “transferir o fardo dos impostos”, como afirmou Chomsky, aos mais pobres. No caso brasileiro, esta transferência é mais visível na hipertrofia da carga tributária sobre o consumo.

Para outros, o único problema a ser corrigido se refere à complexidade do sistema tributário. São, estes, os conhecidos defensores de uma reforma restrita à tributação sobre o consumo, designada “simplificação tributária”, a ser supostamente resolvida pela unificação de praticamente todos os tributos indiretos, das competências municipal, estadual e federal, incluídas várias contribuições sociais, num único imposto sobre o valor agregado (IVA).

Lideram esse bloco, as grandes corporações que industrializam ou importam produtos considerados supérfluos, atualmente submetidos ao critério da seletividade e, portanto, à incidência de alíquotas mais gravosas do IPI e do ICMS, e em alguns casos, do PIS/Cofins não cumulativo, pois, certamente, seriam as maiores beneficiadas por uma reforma desse tipo. As instituições financeiras igualmente demonstram enorme disposição para tal mudança, com o objetivo de abolir a possibilidade da incidência de alíquotas maiores da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. E a mesma lógica de interesses serve às empresas que, a depender da atividade econômica exercida, podem vir a ser submetidas a alíquotas maiores de qualquer uma das contribuições sociais existentes, possibilidade contemplada pelo §9º do Artigo 195 da Constituição Federal. Associam-se aos partidários da reforma restrita à tributação indireta, aqueles que defendem o esvaziamento do Estado Social e o fim das contribuições sociais, espécie de tributo cuja essência é a vinculação de sua arrecadação ao financiamento de políticas de seguridade.

O debate no campo popular

Interessa-nos, aqui, discutir as posições do primeiro bloco, formado pelos que atuam no campo popular e democrático. Entre nós, manifesta-se uma concordância fundamental sobre a necessidade de modificações estruturais no sentido de deslocar parte da tributação indireta incidente sobre as mercadorias e os serviços, para a imposição direta sobre as altas rendas e as grandes riquezas, mas, em outro sentido, uma divergência preocupante tem se destacado, sobre qual é a prioridade da reforma e, consequentemente, por onde começar.

A divergência aparece no debate em formulações sutis como, por exemplo, “Não basta simplificar, é preciso tributar mais a renda e o patrimônio”, que acabam por conferir à reforma dos tributos indiretos as qualidades de ser imprescindível e prioritária, ainda que seja ressalvada a necessidade de atribuir maior progressividade aos tributos diretos. As distintas visões também estão presentes na discussão sobre o alcance da reforma tributária no futuro próximo: ampla, abrangendo a tributação sobre o consumo e começando por aí, ou centrada na renda e patrimônio, pelo menos no primeiro momento.

Parece haver consenso, entre os que defendem uma reforma no sentido da progressividade, sobre cada componente do sistema tributário poder ser melhorado. Os tributos sobre a renda, tanto das pessoas físicas, como das pessoas jurídicas, deveriam ser modificados para adotar a capacidade contributiva, de fato, como o critério mais relevante e para elevar sua participação na arrecadação nacional total. Da mesma forma, deveria ser reforçado o papel dos tributos patrimoniais, principalmente, por meio da criação do Imposto sobre Grandes Fortunas, há tempos, previsto na Constituição Federal, mas, até hoje, sem a maioria política para ser implementado.

Os tributos sobre o consumo também deveriam sofrer modificações, com vistas a reduzir seu peso na arrecadação total e racionalizar sua forma de incidência, corrigindo características como o tributo por dentro da base de cálculo e sua cobrança na origem. Os tributos com natureza extrafiscal, como o IPI, os incidentes sobre o comércio exterior, o IOF e a Cide deveriam estar alinhados a um programa de desenvolvimento nacional e de sustentabilidade ambiental. Além disso, as mudanças tecnológicas e as consequentes mudanças ocorridas no mundo do trabalho, assim como a atuação no plano global das grandes corporações, vêm colocando desafios importantes para a tributação, exigindo a busca de novas fontes para o financiamento da proteção social.

No entanto, sabe-se que qualquer reforma ampla tende a potencializar resistências políticas, muitas delas, justas, sob a ótica das lutas sociais. As propostas de reformas dos tributos indiretos, em particular, fazem emergir conflitos e disputas internas ao empresariado e entre os entes federativos, provocam desgaste junto à parcela importante dos prefeitos e governadores, além de resultar na legítima oposição dos movimentos populares que lutam pela preservação e alargamento das políticas de proteção social, como demonstraram as propostas de reforma tributárias tentadas desde meados da década de 1990. Tais propostas não apenas alteram a distribuição da carga tributária entre os diversos setores econômicos, repercussão que sempre merece um bom debate, mas, afetam sobremaneira a autonomia dos estados e municípios e agridem o financiamento da Seguridade Social previsto na Constituição Federal de 1988.

Em partes, para avançar

Ainda que seja possível projetar a configuração geral de um sistema tributário socialmente justo, funcional para o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade ambiental, sua implementação efetiva terá maiores chances de êxito se os projetos forem tratados separadamente, priorizando-se, inicialmente, aqueles cuja natureza afeta os problemas centrais do sistema e, ao mesmo tempo, está em sintonia com a maior parte dos setores organizados da sociedade, os aliados do financiamento progressivo das políticas públicas.

A reforma tributária silenciosa realizada no Brasil entre 1995 e 2002 iniciou-se por mudanças estruturais no Imposto de Renda. A reforma progressiva deve se iniciar também por aí, mas seguindo o sentido inverso. Está muito evidente que a criação de mecanismos como a isenção dos lucros e dividendos distribuídos e a possibilidade de dedução dos juros sobre o capital próprio, promovidas pela Lei nº 9.249/95, resultaram na desidratação substancial do IR em seus aspectos arrecadatório e distributivo. Os mais ricos pagam proporcionalmente muito menos do que os mais pobres.

Quanto à tributação corporativa, o fato de a maior parte das pessoas jurídicas não tributarem o lucro, mas sim frações da receita bruta, faz com que também o Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) acabem onerando muito mais o consumo do que o resultado obtido pela atividade econômica. Em 2019, por exemplo, somente 3,05% das pessoas jurídicas registradas no país eram tributadas pela modalidade do Lucro Real. As demais são todas tributadas pelo Lucro Presumido (16,68%) ou pelo Simples (80,26%)1. Mesmo para as pessoas jurídicas tributadas pelo regime de Lucro Real, há um enorme conjunto de possíveis ajustes que reduzem substancialmente as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL em relação ao lucro líquido da atividade – o resultado efetivo no período –, tornando a alíquota efetiva bem inferior à alíquota nominal. Estas PJ, embora submetidas a uma alíquota maior da CSLL, que, somada ao IRPJ, totalizaria uma alíquota nominal de 45%, na realidade estiveram sujeitas a uma alíquota efetiva de apenas 14,3% entre 2010 e 20192. É absolutamente falsa, portanto, a afirmação sobre as pessoas jurídicas serem excessivamente tributadas no Brasil, como os economistas liberais querem nos fazer crer.

Evidentemente, não se afasta a necessidade de aperfeiçoamento da tributação da renda das empresas, mas o caminho segue em outra direção. É importante reduzir as possibilidades de tributação de um lucro fictício, como ocorre atualmente, por meio da sistemática de lucro presumido e de outras formas de diminuição da base de cálculo do IR e da CSLL. Um bom objetivo é aproximar, o máximo possível, a base de cálculo desses tributos do lucro líquido efetivamente obtido pela atividade empresarial no período considerado.

Outro fator relevante da regressividade é a ausência injustificável da cobrança do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto na Constituição de 1988 e até hoje não implementado, mesmo diante do quadro dramático que vivemos no país, de profunda desigualdade social e de uma brutal concentração de renda e riquezas.

A solução para imprimir progressividade efetiva ao IR e instituir o IGF independe de modificações constitucionais e pode ser encaminhada pela aprovação de Leis ordinárias e complementares. Sem corrigir as distorções no Imposto de Renda e sem implementar o IGF, fica muito difícil, senão, impossível, avançar no sentido da justiça fiscal e pavimentar o caminho para o desenvolvimento nacional, inclusivo, com redistribuição de renda e riqueza.

Prioridade das mudanças na esfera de competência da União

Quase 70% de toda a arrecadação tributária se refere a tributos de competência da União, os quais abrangem todas as bases de incidência (renda, patrimônio e consumo). Tanto a redução da regressividade, quanto o alinhamento do sistema tributário às políticas de desenvolvimento, de redistribuição e voltadas à sustentabilidade ambiental podem ser implementadas por meio de medidas no âmbito das competências tributárias federais. As propostas de eliminação das distorções na legislação do IR e de implementação do IGF apresentam grande capacidade de aumento da arrecadação e, em contrapartida, permitirão viabilizar a gradativa redução da carga impositiva sobre as rendas mais baixas e sobre o consumo de mercadorias e serviços, por meio da correção da tabela de incidência do IRPF e da diminuição das alíquotas da Cofins e do PIS, aliviando o peso dos tributos sobre boa parte dos assalariados e dos consumidores de baixa e média renda.

Primeiro: reafirmar os fundamentos tributários da Constituição Cidadã!

Boa parte dos problemas identificados podem ser caracterizados como desvios dos marcos do sistema tributário previsto na Constituição Federal de 1988. A isenção dos lucros e dividendos distribuídos pelas empresas e a possibilidade de dedução dos juros sobre o capital próprio são os mecanismos mais graves e evidentes da ruptura entre o Imposto de Renda e os princípios e critérios constitucionais que o deveriam guiar. A isonomia de tratamento entre os contribuintes foi violada e o princípio da capacidade contributiva, desrespeitado. Além disso, ao isentar também o lucro remetido ao exterior, a legislação infraconstitucional promoveu um benefício indevido ao destinatário dos lucros, como também aos países onde estes residem, na medida em que a quase totalidade destes tributam os lucros recebidos pelos sócios e acionistas das empresas estrangeiras. O que deixamos de cobrar aqui, os países de residência cobrarão por lá.

Segundo: impulsionar o avanço da progressividade

É preciso atuar, ainda, na redução dos tributos que incidem sobre o consumo, e que, portanto, afetam mais a renda da população pobres. A tributação das empresas deve incidir preferencialmente sobre o resultado líquido e menos sobre o faturamento ou sobre a receita bruta. Para tanto, parte das contribuições sociais pode migrar para bases de incidência direta. O PIS e a Cofins, por incidirem sobre o faturamento, podem ter suas alíquotas reduzidas, o que reduziria o peso da tributação sobre o consumo e ao mesmo tempo diminuiria os custos de produção.

A compensação da redução na arrecadação das contribuições de natureza regressiva pode ser obtida pela criação de uma Contribuição Social sobre as Altas Rendas das Pessoas Físicas (CSAR), com incidência progressiva, uma vez que incidiria apenas sobre parcelas de rendimentos excedentes a R$ 60 mil mensais. Essa medida exige uma alteração constitucional.

Terceiro: alinhar a tributação à política de desenvolvimento econômico 

A progressividade na tributação em geral é, por si só, um fator favorável à atividade econômica, na medida em que os mais pobres, sendo menos tributados, teriam aumentada sua capacidade de consumo, o que amplia a demanda agregada. A elevação da tributação sobre as altas rendas e sobre as grandes riquezas amplia a capacidade do Estado para a promoção de políticas públicas, comprovadamente, um forte fator de estímulo à atividade econômica. Afinal, o gasto público se transforma imediatamente em receita privada.

Para o bom alinhamento da tributação à política econômica pretendida, no entanto, cabe acrescentar a maior utilização dos instrumentos extrafiscais da tributação. O Imposto de Exportação pode ser aplicado sobre as exportações de commodities em períodos de sobrevalorização no mercado internacional, como forma de o Estado reter parcela do resultado da atividade num Fundo de Desenvolvimento industrial voltado à criação de cadeias produtivas e ampliação das já existentes.

A orientação na alocação dos recursos privados pode ser obtida pelo uso do princípio da seletividade do IPI ou pela criação de Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico. Assim, é possível estabelecer uma política de sustentabilidade ambiental, utilizando esses instrumentos.  A interferência do Estado na política monetária pode ser obtida pela definição das alíquotas do IOF.

Tão importante quanto a definição de um modelo de sistema tributário ideal para o país, considerando o estágio de desenvolvimento em que se encontra e ao qual se pretende chegar, é a definição da estratégia de como avançar na construção deste modelo. Assim, neste artigo, procuramos apontar uma proposta de caminho para implementação das propostas de modificações da legislação tributária com maior capacidade de alteração estrutural progressiva do sistema tributário, com baixo nível de dificuldade técnica legislativa, com enorme potencial de adesão popular e com menor volume de resistências.

Em síntese, entendemos que a reforma politicamente viável e socialmente desejável deva se iniciar pelos tributos da União, primeiramente com correções da tributação sobre a renda (IRPF, IRPJ e CSLL), incluindo a instituição do IGF, seguida por ajustes na tributação sobre o consumo (PIS, Cofins, IPI e Cide) de forma a reduzir a regressividade do sistema. E somente a partir dessa nova configuração da tributação federal é que se partiria para uma reforma dos tributos dos entes subnacionais, com uma ampla discussão do pacto federativo.

Texto publicado originalmente no portal Outras Palavras.


Livro relatório de Khrushchov | Arte: FAP

Khruschov denuncia Stálin: tema central a democracia, diz organizador da obra

João Vítor*, com edição da coordenadora da Mídia Sociais da FAP, Nívia Cerqueira

Resultado do trabalho de múltiplos interlocutores, o livro Khruschov denuncia Stalin: revolução e democracia tem como tema central a democracia, de acordo com o sociólogo Caetano Araújo, responsável pela organização da obra que foi lançada na última terça (18/10), pela Fundação Astrojildo Pereira.

Perguntado sobre o motivo de publicar um livro com esse tema em 2022, Araújo explica que o livro sai num momento extremamente oportuno para a situação política do momento. "Quando não temos democracia, as consequências são duras e claras e o livro foca em um momento precioso, de autocrítica do regime Bolchevique quase 50 anos após a revolução”, explica o diretor geral da FAP.

A jornalista Beth Cataldo fala que o livro trata de um acontecimento histórico da maior importância e concorda com a fala de Araújo. Ela acrescenta: "o subtítulo traz justamente esse pêndulo temático onde abordamos a questão democrática e a questão revolucionária", ressalta a editora da obra que mediou o debate.

O pesquisador de História Contemporânea Gianluca Fiocco aponta o livro como "divisor de águas do movimento comunista na Europa”. Com a temática do relatório secreto que denunciou crimes de Stálin (1956), o pesquisador e autor do texto que abre o livro, afirmou na live que o fato marcou a história contemporânea. “O ponto mais importante não está no culto da personalidade [de Stálin]... É impossível explicar a história somente com uma personalidade. Falamos de uma estrutura de um sistema…”, disse Fiocco

Além Caetano Araújo, Beth Cataldo e Fiocco, participaram do debate virtual: o historiador José Antônio Segatto, o jornalista e historiador Ivan Alves Fiilho, o historiador Rodrigo Cosenza, o historiador e professor Daniel Araão, o historiador e tradutor Rodrigo Ianhez e o tradutor e ensaísta Luiz Sergio Henriques. O evento foi transmitido ao vivo nas redes sociais da FAP.

Confira, abaixo, live na íntegra:

https://www.youtube.com/watch?v=MXOhxUVzAxI

Durante sua fala, Henriques faz elogios à iniciativa de tornar possível a tradução do Relatório Khruschov e agradece pela oportunidade de contribuir com a obra. Ele explica que esse livro é importante não por haver hoje uma ressureição do stalinismo, mas como método que está sendo reposto na forma de sectarismo. 

“Acho difícil que aquilo aconteça daquela forma outra vez, os processos históricos são irrepetíveis em grande medida. O stalinismo está sendo reposto na forma de sempre, de sectarismo, uma crítica muito embotada ao liberalismo político e, particularmente, uma adesão aos chamados processos populistas de manutenção e obtenção de poder”, enfatiza o ensaísta.

Segatto comenta a importância desse episódio histórico que também impactou o Partido Comunista Brasileiro. “Antigos líderes do PCB dirigiam o partido com mão de ferro e imitavam de forma quase caricatural o Stalin”, destaca o historiador.

Na análise de Ivan Alves Filho, o stalinismo não era a principal questão. “O problema era a coexistência pacífica, quando a China rompe [em 1960]. A crítica ao Khruschov é em cima da coexistência pacífica, que eles consideravam uma espécie de concessão um pouco excessiva ao imperialismo norte-americano”, afirma o historiador.

Rodrigo Cosenza, por sua vez, relaciona também o livro ao impacto no Brasil. “Esse elemento da necessidade direta da atuação mais pragmática na luta dos trabalhadores na organização para auxiliar o processo de mudança na sociedade brasileira causou uma divisão de três grupos no partido, que saiu com uma linha política renovada”, analisa Cosenza.

Já Daniel Aarão Reis destaca que desde de 1952 o PCB já mudava a linha do partido e estendia a mão aos trabalhistas para defender a constituição. "Pouco antes era designada como código de opressão, mas é redefinida como plataforma, defeituosa sim, mas importante para o país”, explica Reis.

Rodrigo Ianhez saúda essa iniciativa da FAP e ressalta a falta crônica de traduções diretas do russo nos países de língua portuguesa.

“Foi um privilégio fazer a primeira tradução desse documento no Brasil, direito do russo para o português. Também cumpri o papel de pesquisar as fotografias e encontrar coisas interessantes e inéditas, para sair daquelas imagens do período que são repetitivas nas publicações que vemos por aí”, relata o tradutor.

O organizador da publicação, Caetano Araújo, agradeceu a participação de todos que contribuíram com a obra." Depois de tanto preparo, tanta discussão, ver essa obra materializada em papel, capa e pronta para ser distribuída para todos os interessados é muito satisfatório", celebra o diretor da Fundação Astrojildo Pereira.

O evento online, que teve duas horas de duração, faz parte dos lançamentos de livros organizados pela Fundação Astrojildo Pereira.

*Integrante do programa de estágio da FAP sob supervisão


O Brasil tem a terceira maior população carcerária do planeta | Foto: Jefferson Botega/Agência RBS

Revista online | Eleições atrás das grades

João Marcos Buch*,especial para a revista Política Democrática online (47ª edição: setembro de 2022)

– Sim, se vocês votassem, provavelmente a condição degradante da prisão chamaria mais a atenção das autoridades!

Eu estava em inspeção na unidade prisional e, ao passar por uma galeria com presos sem acesso a trabalho e estudo, alguns me questionaram sobre reformas legislativas e políticas governamentais para o encarceramento. Respondi que, infelizmente, não havia política consistente na atualidade, já que a ótica é apenas a do encarceramento. Acrescentei, porém, que uma eleição se avizinhava e era importante saber o que os candidatos propunham. Um deles lembrou que os condenados não podem votar e que os presos provisórios até podem, mas não conseguem.

De fato, o artigo 15, inciso III, da Constituição Federal, estabelece que a perda ou suspensão dos direitos políticos se dá no caso de condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.

Daí se retiram duas situações: (1ª) os condenados, com sentença transitada em julgado, têm seus direitos políticos suspensos – lembre-se de que há condenados por determinados crimes, como os de improbidade, que têm os direitos políticos suspensos por tempo maior, para além do cumprimento da pena –; e (2ª) os presos em caráter provisório, inclusive aqueles que recorreram das condenações, mas que já iniciaram o cumprimento provisório da pena, mantêm os direitos políticos, ou seja, o direito de votar.

Veja todos os artigos da edição 46 da revista Política Democrática online

Quanto à primeira situação, do condenado em definitivo, o que se deve ter em conta é que a norma constitucional não pode ser interpretada de maneira literal. Em uma hermenêutica constitucional consistente, respeitados entendimentos contrários, o certo é que a suspensão dos direitos políticos não pode ser automática e genérica. Por isso, precisa seguir o princípio da culpabilidade, da individualização da pena. A questão não é nova, e até mesmo o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, no caso Hirst c. Reino Unido, de 2005, entendeu que viola a Convenção Europeia de Direitos Humanos a restrição automática e genérica ao direito ao voto enquanto presentes os efeitos da condenação penal.  

Entretanto, como a matéria está longe de ser pacificada, passa-se à segunda situação. Esta, sim, sem conflito interpretativo. Efetivamente, o preso provisório tem direito de votar. Acontece que essa realidade ainda está distante. 

Tomem-se os dados do pleito de 2018, por exemplo. Naquele ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) disponibilizassem seções eleitorais nos estabelecimentos penais, a fim de que os presos pudessem exercer sua cidadania por meio do voto (Resolução TSE n.23.554/2018). Neste ano de 2022, a Resolução TSE n.23.669/2021, art.27, regulamenta a matéria. Entretanto, na época, pouquíssimos foram os presos que efetivamente conseguiram votar.

Não existem dados qualificados, mas, pelo que se extrai de indicativos do TSE, das mais de 1.400 unidades prisionais do país, pouco mais de 200 instalaram seções eleitorais, e, nestas, um percentual muito pequeno de presos votou.

Como dito alhures, os dados sobre a população prisional brasileira não são qualificados. Os números não equivalem. Enquanto os dados extraídos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam para mais de 900.000 presos no país, os do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) indicam menos de 700.000. E, na separação entre condenados em definitivo e provisórios, os percentuais ficam ainda mais inconclusivos. Acredita-se que do total da população prisional, cerca de 1/3 é de presos provisórios.

Confira, abaixo, galeria de imagens:

Diálogo entre João Buch e presos | Foto: divulgação/acervo pessoal
Detentos enfileirados | Foto: Reprodução/Jornal da USP
João Buch conversa com detenta em sua cela | Foto: divulgação/acervo pessoal
Juiz João Marcos Buch durante visita a presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
Penitenciária masculina | Foto: Reprodução/Agência Brasil
Juiz João Marcos Buch fazendo inspeção em presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
Superlotação em presídios | Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
Juiz Marcos Buch e colaboradores em presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
Diálogo entre João Buch e presos | Foto: divulgação/acervo pessoal
Detentos enfileirados | Foto: Reprodução/Jornal da USP
João Buch conversa com detenta em sua cela | Foto: divulgação/acervo pessoal
Juiz João Marcos Buch durante visita a presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
Penitenciária masculina | Foto: Reprodução/Agência Brasil
Juiz João Marcos Buch fazendo inspeção em presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
Superlotação em presídios | Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
Juiz Marcos Buch e colaboradores em presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
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Diálogo entre João Buch e presos | Foto: divulgação/acervo pessoal
Detentos enfileirados | Foto: Reprodução/Jornal da USP
João Buch conversa com detenta em sua cela | Foto: divulgação/acervo pessoal
Juiz João Marcos Buch durante visita a presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
Penitenciária masculina | Foto: Reprodução/Agência Brasil
Juiz João Marcos Buch fazendo inspeção em presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
Superlotação em presídios | Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
Juiz Marcos Buch e colaboradores em presídio | Foto: divulgação/acervo pessoal
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Desta forma, descobrir o montante de presos aptos a votar e o número que efetivamente votará é algo muito difícil.

Para se ter uma ideia, o Presídio Regional de Joinville (SC) possui cerca de 1.200 presos. Destes, aproximadamente 500 ainda não foram julgados, e, talvez, cerca de 200 estão cumprindo provisoriamente suas penas, com recursos pendentes. Pois bem, apenas 70 presos foram considerados aptos a votar no pleito deste ano. 70 presos de 700: 10% do total.

Esse percentual, quer parecer, repete-se em todo o Brasil, e o motivo, em uma análise empírica, pode ser encontrado na precariedade das unidades prisionais. As prisões desta nação estão superlotadas, com pessoas amontoando-se em cubículos, sem acesso a direitos mínimos, que garantam alguma dignidade. Há locais até mesmo com falta de água corrente e energia elétrica, sem fornecimento de alimentação suficiente, sem acesso à saúde e a um colchão para dormir. As violações aos direitos humanos são tantas que não se torna leviano comparar as prisões com "navios negreiros".

Já quanto aos recursos humanos, estes são parcos, diminutos. Encontram-se unidades com mais de 1.000 mil encarcerados sendo cuidadas por cinco ou dez policiais penais.
Some-se a tudo isso a miserabilidade dos presos, selecionados que são para o encarceramento, a partir da necropolítica e necrojurisdição reinante neste país e que, portanto, já não gozavam de plena cidadania quando livres.

Então, falar em voto do preso, com regularização de seus documentos e estrutura para alocação de urna eletrônica – que, diga-se de passagem, é símbolo do avanço democrático, exemplo para o mundo, sendo de inquestionável segurança e fiscalização e à prova de fraudes, em uma nação impregnada de preconceitos e insuflada por discursos de ódio – soa irreal. Mas não deveria.

É plenamente factível garantir ao preso o direito ao voto. Basta, para isso, estabelecerem-se acordos de cooperação técnica entre os diversos protagonistas do estado e da sociedade civil organizada, começando por órgãos como Conselho Nacional de Justiça, Tribunal Superior Eleitoral, Tribunais Regionais Eleitorais, Ministério Público, Defensoria Pública, Ordem dos Advogados do Brasil, Conselhos da Comunidades, Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional e Secretarias Estaduais de Administração Prisional.

 Se houver vontade política, os encarcerados regularizarão seus documentos, urnas eletrônicas serão colocadas em todas as unidades prisionais, e o preso votará. Quem sabe, assim, com o voto atrás das grades, a cidadania chegue junto com tudo que historicamente ela significa.

Ao menos foi isso que eu tentei transmitir aos presos, ao menos foi isso que os presos pediram para mim.

*João Marcos Buch é juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Joinville (SC) e membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD).

** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de maio de 2022 (47ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.

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Tanque passa em frente ao Congresso | Foto: reprodução

Revista online | Em busca do Exército cidadão na república democrática

Ricardo José de Azevedo Marinho*, especial para a revista Política Democrática online (45ª edição: julho/2022)

O que pensam os oficiais do Exército Brasileiro1 é um livro que aparece no percurso da pandemia do coronavírus e tem o propósito de discernir o principal marco da percepção dos oficiais do Exército Brasileiro (EB) em face da instituição em que atuam e da nossa democracia

Veja todos os artigos desta edição da revista Política Democrática online

Fruto de uma pesquisa, patrocinada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), no âmbito de convênio celebrado entre o Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e o Centro de Estudos de Pessoal e Forte Duque de Caxias (CEP-FDC), da Diretoria de Educação Técnica Militar (DETMil) do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx), na linha do Edital do Programa de Apoio ao Ensino e à Pesquisa Científica e Tecnológica em Defesa Nacional (Pró-Defesa) de 2008, tratou-se de um survey em âmbito nacional, que envolveu questionário a 20.435 oficiais da ativa, o que possibilitou a construção de um banco de dados contendo os retornos de 2.423 respondentes. 

Este livro oferece instigante interpretação sobre o EB, colocando seu foco nos oficiais. Trata-se de um retrato deles, obtido a partir do uso de potente zoom. O alcance destas lentes não deixa de lado sequer as forças que impelem o EB a tentar redefinir, tanto seu formato, como suas funções, sobretudo, após a Constituição de 1988. Assim, ainda que se possa sustentar que se trata de um "retardatário", quando comparado com outras instituições, também o EB se vê convidado a adaptar-se a um novo contexto democrático. 

Duas ordens de questões são analisadas: de um lado, a questão institucional propriamente dita e, de outro, a característica das demandas que chegam até eles. E o resultado encontrado foi: um oficialato compassivo na avaliação do sistema de educação continuada que caracteriza sua formação; o deslocamento da ideia de vocação para a carreira militar em favor da ideia de sua estabilidade; a ênfase na capacitação profissional, com sua exigência correlata por melhor formação; e a demanda por acesso a vantagens conferidas a outras carreiras de Estado, dimensões que apontam para a ideia de profissão. 

Veja, a seguir, galeria de fotos:

Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
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Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
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O novo formato institucional assumido pelo EB é, como sustentam as autoras e o autor, menos o efeito de uma política desejada por estes do que uma consequência de um complexo processo de transição para a democracia. 

Além do texto coletivo que dá corpo ao livro, ele conta ainda com um prefácio do professor Francisco Fonseca – Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Centro de Estudos em Administração Pública e Governo da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV EAESP) –, uma apresentação do nosso imortal da Academia Brasileira de Letras José Murilo de Carvalho e posfácio do Eduardo Raposo, onde fazem a ponte da publicação com o contexto em que a vê surgir, aludindo que o 38º presidente do Brasil tenta usar os militares para forçar a barra na disputa política. 

Isso não retira a importância do EB na balança política de 2022, ainda que seus oficiais não estejam majoritariamente dispostos a apoiar políticas momentâneas que alterem o curso de suas preferências, como revela a pesquisa em tela. 

Importa reter que, quando entendeu que a pandemia não cabia na securitização e nas metáforas dos conflitos armados, o Ministério da Defesa (MD) oportunizou, para os profissionais civis e militares da área de saúde, treinamento para mitigar o coronavírus no Brasil. A capacitação dos profissionais vem sendo realizada em unidades de saúde militares, a exemplo do Hospital das Forças Armadas (HFA), em Brasília, e da Escola de Saúde do Exército (EsSEx), o estabelecimento de ensino militar responsável pela seleção e formação do Quadro do Serviço de Saúde do EB, no Rio de Janeiro. 

Por tudo isso, O que pensam os oficiais do Exército Brasileiro realiza a tarefa de mostrar quem são eles, e o faz com maestria, traçando o perfil demográfico e social desses oficiais, sua trajetória profissional e suas atitudes em face de questões atinentes ao seu exercício profissional, ao sistema político e à sociedade. O livro é mais do que um simples retrato, sem consequências. É um retrato que, ao conferir estatura a esse grupo profissional, fornece elementos para a discussão tanto de questões relativas à própria corporação como dos desafios de uma democracia em busca de equalizar sua jornada. 

1 Raposo, Eduardo, Carvalho, Maria Alice Rezende de e Schaffel, Sarita. O que pensam os oficiais do Exército brasileiro. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio. São Paulo: Hucitec Editora, 2022. 152 p. 

Sobre o autor

*Ricardo José de Azevedo Marinho é professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.

** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de junho de 2022 (44ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.

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Vladimir Safatle: O golpe de Bolsonaro começou

Uma insurreição nunca precisou da maioria da população para impor sua vontade. Ela precisa de uma minoria unificada e intimidadora

Vladimir Safatle / El País

Quem conhece a história do fascismo italiano sabe a quantidade inumerável de vezes que Mussolini, em sua ascensão ao poder, foi dado como politicamente morto, isolado, acuado, fragilizado. No entanto, apesar das finas análises de comentaristas da vida política italiana, apesar das sutis leituras que pareciam ser capazes de pegar as mais inusitadas nuances, Mussolini, o bronco Mussolini chegou onde queria chegar. Isso ao menos deveria servir para lembrarmos da existência de três erros que levam qualquer um a perder uma guerra, a saber, subestimar a dedicação de seu oponente, subestimar sua força e, por fim, sua capacidade de pensar estrategicamente.

O mínimo que se pode dizer é que a oposição brasileira é exímia em praticar os três erros contra Bolsonaro e seus adeptos. Ela parece animada pela capacidade de tomar seus desejos por realidade, de justificar sua paralisia como se fosse a mais madura de todas as astúcias. Agora, a isso ela acrescentou uma patologia que, nos antigos manuais de psiquiatria, chamava-se “escotomização”, ou seja, a capacidade de simplesmente não ver um fenômeno que ocorre na sua frente. Mesmo tendo 600.000 mortes nas costas por negligencia de seu governo em relação à pandemia, Bolsonaro conseguiu um 7 de setembro para chamar de seu, com mais de 100.000 pessoas na Paulista e quantidade semelhante na Esplanada dos Ministérios.

Ele se colocou como o líder inconteste de uma singular sublevação do governo contra o estado, afirmando que não reconhece mais a autoridade do STF. Ou seja, ele assumiu para o mundo que está em rota de colisão com o que restou da institucionalidade da vida política brasileira. Seus apoiadores saíram desse dia com sua identificação reforçada e compreendendo-se como protagonistas de uma insurreição popular que de fato está a ocorrer, mesmo que com sinais trocados. Uma insurreição que mostra a força do fascismo brasileiro.

De nada adianta falar que essa manifestação “flopou”, que estavam presentes apenas 6% do esperado. Uma insurreição nunca precisou da maioria da população para impor sua vontade. Ela precisa de uma minoria substantiva, aguerrida, unificada e intimidadora, pois potencialmente armada. Bolsonaro tem as quatro condições, além do apoio inconteste das Polícias Militares e das Forças Armadas, que por nada nesse mundo, mas absolutamente nada irá deixar um governo que lhe promete salários de até 126.000 reais.

Aqueles que se comprazem acreditando que o verdadeiro apoio de Bolsonaro é 12% são os que normalmente fazem de tudo para que nós não façamos nada. Mas para quem quiser de fato encarar o que está a ocorrer no Brasil, não há nada mais a dizer do que “o golpe começou”. A manifestação do 7 de setembro marcou uma clara ruptura no interior do governo Bolsonaro. De fato, acerta quem diz que o governo acabou. Mas isso significa apenas que Bolsonaro pode agora abandonar a máscara de governo e assumir a céu aberto o que esse “governo” sempre foi, desde seu primeiro dia, a saber, um movimento, uma dinâmica de ruptura que se serve da estrutura do governo para ampliar-se e ganhar força.

Assim, ele pode fortalecer seu núcleo duro, transformar eleitores em fieis seguidores sem precisar ter entregue nada que um governo normalmente entregaria, sequer a proteção contra a morte violenta produzida por uma pandemia descontrolada. Nunca um presidente falou ao povo, em seu momento de maior tensão, que partilhava abertamente o desejo de romper e ignorar uma institucionalidade que é simplesmente a representação dos clássicos interesses oligárquicos das elites brasileiras.

Infelizmente, que o “povo” em questão era a massa dos que sonham com intervenções militares, que amam torturadores, que abraçam a bandeira nacional para esconder sua história infame de racismos e genocídios, isso era algo que poucos poderiam imaginar. Por outro lado, por mais que certos setores do empresariado nacional simulem desconforto com sua presença, o que realmente conta é que Bolsonaro entrega a eles tudo o que promete, sabe preservar seus ganhos como ninguém, luta por aprofundar a espoliação da classe trabalhadora sem temer o que quer que seja.

Não por outra razão, seu 7 de setembro foi precedido por manifestos de empresários defendendo a “liberdade”: nova senha para o “direito” de intimidação e de ameaça. Enquanto isso, a oposição brasileira acha que ainda estamos no terreno dos embates políticos. Ela prepara-se para eleições, finge sonhar com frentes amplas esquecendo que, desde o fim da ditadura, sempre fomos governados por frentes amplas e vejam onde chegamos. Todos os governos eram alianças “da esquerda à direita”. Não foi por falta de frente ampla que estamos nessa situação. O cálculo simplesmente não é este. A esquerda precisa entender de uma vez por todas a natureza do embate, ouvir aqueles mais dispostos ao confronto, esses que não tiveram medo de ir para a rua hoje, e assumir uma lógica de polarização. Isso implica que ela precisa mobilizar a partir da sua própria noção de ruptura, em alto e bom som. Uma ruptura contra outra. Não há mais nada a salvar ou a preservar nesse país. Ele acabou. Um país cuja data de sua independência é comemorada dessa forma simplesmente acabou. Se for para lutar, que não seja para salvá-lo, mas para criar outro.

Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-09-08/o-golpe-comecou.html


Eliane Brum: O dia seguinte

Se Bolsonaro ameaça o Supremo em plena Paulista e o impeachment não sair da gaveta, a democracia acabou no Brasil

Eliane Brum / El País

O sentido da manifestação golpista de Jair Bolsonaro neste 7 de Setembro será dado nos próximos dias. Se Bolsonaro usou a máquina de Estado para ameaçar e declarou, em plena Avenida Paulista, que não cumprirá decisão do Supremo Tribunal Federal e depois de tudo isso nada acontecer com ele, o golpe avança. Se Bolsonaro não for responsabilizado criminalmente e o impeachment não sair da gaveta de Arthur Lira (PP), ele ganha. Esse é o único jogo que Bolsonaro sabe jogar. Essa é a história de Bolsonaro, sempre testando limites e pagando pra ver. Começou planejando ataque terrorista quando ainda era militar e seguiu afrontando a lei e contando com a impunidade. Deu certo até hoje. Tão certo que chegou a presidente da República. Bolsonaro é criatura produzida pela omissão e/ou conivência das instituições: as jurídicas e o Parlamento.

Paulista estava cheia. É minoria? É. É bolha? É. Quem pagou? Precisamos saber. Mas daí a dizer que é um fiasco, como há gente dizendo, devagar. Se Bolsonaro fez tudo isso e ficar impune, o golpe avançou. O futuro próximo do Brasil não será dado pelo dia 7 de Setembro, como Bolsonaro havia ameaçado, mas pelos dias seguintes. Este é o momento de colocar um limite em Bolsonaro. De finalmente, tardiamente, quase 600.000 mortos por covid-19 depois, mais de 14 milhões de desempregados depois, um número crescente de crianças e adultos passando fome depois, e a inflação subindo. Ou será agora ou teremos dias muito, mas muito piores.

Os dias serão muito piores porque Bolsonaro não é capaz de realmente governar para enfrentar os problemas do país. E ele sabe disso. Ele não tem competência nem tem vocação para o trabalho. Tampouco deixa ninguém governar e trabalhar, porque mantém o país a serviço de seu ódio. Em vez de falar sobre como enfrentar a fome, a miséria, a inflação que tira a comida da mesa, a ampliação da vacinação, a crise hídrica e a destruição da Amazônia, estamos discutindo se Bolsonaro vai conseguir ou não invadir o STF. O país precisa deixar de ser refém.

Protestos contra Bolsonaro no 7 de Setembro


Protesto em São Paulo (SP). Foto: Elineudo Meira/@fotografia.75
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto:Caco Argemi/CPERS/Fotos Públicas
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Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto: Maí Yandara/Fotos Públicas
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Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto: Maí Yandara/Fotos Públicas
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Grito dos excluídos/Protesto em São Paulo (SP). Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas
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Protesto em São Paulo (SP). Foto: Elineudo Meira/@fotografia.75
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Protesto em São Paulo (SP). Foto: Elineudo Meira/@fotografia.75
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
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Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto:Caco Argemi/CPERS/Fotos Públicas
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Grito dos excluídos/Protesto em São Paulo (SP). Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas
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Protesto em São Paulo (SP). Foto: Elineudo Meira/@fotografia.75
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O que ele sabe e faz muito bem e fez muito bem mais uma vez neste 7 de Setembro é ameaçar, dividir e corromper. E ele sabe que manipular ódios e ressentimentos é seu talento e seu trunfo. Se não for impedido pela Constituição que rasgou no palanque, o Brasil vai chegar a 2022 destruído e com uma parte da população descrente do processo eleitoral. E, vamos combinar: como defender a democracia se a democracia não é capaz de impedir um presidente de usar seu poder para dizer que não cumprirá as decisões da justiça? Democracia então pra quê, se numa hora crucial como esta não há como enfrentar um presidente que anuncia um golpe na principal avenida do país?

Os dias serão muito piores porque se Bolsonaro constatar que pode desrespeitar o Supremo Tribunal Federal, e no dia seguinte subir tranquilamente a rampa para brincar de ódio nas redes sociais, então o que mais ele fará? Há instrumentos na Constituição para barrar presidentes golpistas e para barrar presidentes que ameaçam a parcela da população que se opõe a ele. Se o direito de brasileiras e brasileiros de ser protegidos pelas instituições que têm o dever de fazer a Constituição valer for desrespeitado, então democracia já não há.

No dia 12, próximo domingo, a direita e partidos e grupos que se apresentam como centro, partidos e grupos que têm muita responsabilidade pela atual situação do país e pela ascensão de Bolsonaro ao poder, chamam para uma manifestação contra Bolsonaro. Aliás, depois de tudo o que fizeram desde que surgiram no horizonte político do país, especialmente o MBL, o mínimo que podem fazer é o máximo pelo impeachment de Bolsonaro. Devem isso à população. Penso que o campo da esquerda deveria ocupar esse espaço, se integrar à manifestação, mesmo que ela tenha sido chamada pela direita, e botar suas bandeiras. Este é o momento de se juntar com um único objetivo, o de fazer o impeachment de Bolsonaro e responsabilizá-lo criminalmente pelo golpismo. Mete a sua bandeira ou o seu cartaz ― e vai. Não é mais possível acordar e descobrir que Bolsonaro continua lá. Temos um genocida no poder usando a máquina do Estado para destruir a Constituição. É preciso tirá-lo de lá usando a democracia. Bolsonaro esticou a corda mais uma vez. Se não for barrado, a democracia acabou.

Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-09-08/o-dia-seguinte.html


Bolsonaro faz Brasil parecer república das bananas, diz analista

Democracia brasileira saiu mais fraca do 199º aniversário da independência do Brasil, analisa a cientista política Amy Erica Smith

Mariana Sanches / BBC News Brasil

Em protestos que atraíram centenas de milhares de pessoas neste 7 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que não cumprirá decisões judiciais, ameaçou fechar o Supremo Tribunal Federal, disse que um dos ministros, Alexandre de Moraes, "açoita a democracia", chamou o processo eleitoral sem voto impresso de "farsa" e disse que apenas Deus pode tirá-lo da Presidência.

"É possível que as coisas agora tenham chegado a um ponto tão ruim que forcem a ação de outros poderes", opina ela.

Após Bolsonaro intensificar os ataques ao Supremo e ameaçar não cumprir decisões do ministro Alexandre de Moraes, aumentaram as cobranças pela abertura de um processo de impeachment no Congresso.

Para a estudiosa, a demonstração de força de Bolsonaro não foi um "fracasso total", dado o número de pessoas que ele atraiu e a disseminação de suas palavras, mas deixou claro que Bolsonaro não reúne condições de dar um golpe. "Se tivesse, ele já teria dado".

Smith observa que Bolsonaro e seus apoiadores tentam projetar uma imagem de lideranças da direita global, com placas em inglês contra o STF e apoio de ex-assessores de Trump em suas empreitadas, mas, para a maioria da audiência internacional, "Bolsonaro pinta o Brasil como uma república das bananas".

Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Amy Erica Smith à BBC News Brasil, editadas por clareza e concisão.

BBC News Brasil - Como qualifica os acontecimentos desse 7 de setembro?

Amy Erica Smith - A multidão tinha um tamanho razoável e o discurso de Bolsonaro está mais radical, talvez o mais radical que se possa ser sem provocar um confronto direto e imediato. O tipo de ataque que ele fez ao ministro Alexandre de Moraes hoje cruza a linha da democracia. As coisas que Bolsonaro disse não satisfazem os mínimos requisitos da democracia e, se for permitido que ele continue a fazer esse tipo de declaração, as coisas ficarão muito ruins no Brasil.

Ele até poderia recuar, mas não acredito que irá. A essa altura, nós já vimos o suficiente pra identificar um padrão de alguém que vai gradualmente ficando mais e mais radical. Declarações como "só saio da presidência morto" são extremamente anti-democráticas, assim como tudo o que ele disse hoje. Desse ponto em diante, as coisas só pioram.

Bolsonaro fez desfile em carro aberto em Brasília, pouco antes de discursar com ameaças ao Supremo Tribunal Federal e à realização de eleições. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

BBC News Brasil - Alguns analistas, como o filósofo Marcos Nobre, veem nos movimentos de Bolsonaro em 7 de setembro uma espécie de ensaio do golpe, um teste de quão longe se pode ir. A senhora concorda?

Smith - Se Bolsonaro tivesse apoio para um golpe, provavelmente ele já teria dado um golpe. Muito do que ele faz é projetado para tentar atrair mais pessoas para o seu lado e viabilizar um golpe. Está claro que, se pudesse ter fechado o Supremo Tribunal Federal há um ano, ele já teria feito isso.

Mas ele não tem apoio institucional para fazer isso, nem dos militares nem de outros políticos. E se tentasse, não conseguiria se segurar no poder. Então acho que o termo ensaio não cabe, porque a verdade é que se ele tivesse tido condições de dar um golpe ontem, ele teria dado. E seus apoiadores também teriam apoiado o golpe se ele tivesse tentado.

O que eu acho que Bolsonaro está fazendo é deliberadamente mostrando que seu interesse é golpista e tentando arregimentar pessoas pra sua causa. Isso é mais um alerta do que ele gostaria de fazer se conseguisse obter mais poder. E eu acho que foi uma tentativa também de satisfazer alguns de seus apoiadores mais radicais, que pediam por esse tipo de comportamento. Então ele manda uma mensagem para esses apoiadores ao mesmo tempo em que tenta intimidar o Supremo e Congresso. E, honestamente, não vejo como isso possa ter funcionado, nem para intimidar, nem para ganhar novos apoiadores.

BBC News Brasil - Bolsonaro terminou o sete de setembro mais forte ou mais fraco do que começou o dia?

Smith - Não acho que foi um fracasso completo. Ele conseguiu reunir uma massa moderadamente grande. Não foi uma massa esmagadora, mas atraiu público e conseguiu levar seus discursos à TV. Mas em termos eleitorais práticos, a popularidade dele ainda está na casa de 20% e não houve ali nenhum sinal de que ele tem poder suficiente para mobilizar eleitores a ponto de alterar o cálculo eleitoral dos partidos em favor dele.

Já em relação à crise institucional, ao conflito com outros poderes, Bolsonaro termina o dia bem mais radical e aparentemente tendo dito coisas que podem levar a ações legais contra ele no Supremo e ao seu impeachment no Congresso. Esses são cenários possíveis. Então, ele sai do sete de setembro mais vulnerável em relação aos demais poderes. E podemos esperar resposta ao menos da Suprema Corte, com certeza.

BBC News Brasil - O Brasil vive uma crise institucional grave. Hoje o presidente disse que só Deus o tira do cargo, que não cumprirá decisões judiciais de um dos ministros do Supremo e que não participará do que chamou de "farsa" das eleições sem votos impresso. Com isso, afrontou o Congresso e a Suprema Corte. Como fica a democracia depois disso?

Smith - O que está claro é que a democracia brasileira saiu do sete de setembro mais fraca, em uma crise maior. Mas é possível que agora as coisas tenham chegado a um ponto tão ruim que forcem a ação de outros poderes. A democracia brasileira está em grande risco, especialmente com as ameaças ao Supremo.

Protestos contra Bolsonaro no 7 de Setembro


Protesto em São Paulo (SP). Foto: Elineudo Meira/@fotografia.75
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto:Caco Argemi/CPERS/Fotos Públicas
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Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
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BBC News Brasil - Alguns líderes partidários voltaram a falar em impeachment, e esse é um assunto que tem rondado a gestão Bolsonaro, mas nunca como algo viável. Isso pode ter mudado ontem?

Smith - As coisas que Bolsonaro falou ontem certamente aumentam suas chances de sofrer um impeachment. O sete de setembro pode ser o começo do fim pra ele.

Ele chamou o Conselho da República (órgão que decide sobre intervenção federal) e disse que mostraria a eles a fotografia do povo. Isso, em outras condições, seria o chamamento para o golpe. Mas as pessoas que compõem esse Conselho da República não dirão: 'sim, senhor, vamos dar um golpe'. Então é difícil entender os reais efeitos do que Bolsonaro diz. É bizarro imaginar que ele pense que os demais chefes de poderes vão coadunar com essa ideia. Não é possível que ele próprio acredite nisso. Pode ser um teatro político, mas não deixa de ser perigoso.

BBC News Brasil - A economia brasileira patina, e investidores estrangeiros não se sentem confortáveis em trazer seu dinheiro ao país. Como diferentes observadores internacionais veem o que acontece no Brasil e o que esperam do país?

Smith - É terrível para os negócios e os manifestos do agronegócio e de empresários brasileiros contra as ações de Bolsonaro mostram isso. Bolsonaro pinta o Brasil como uma república das bananas. O que estamos vendo hoje é uma instabilidade extrema e o que o presidente promete aos investidores é ainda mais instabilidade por vir. O comportamento de Bolsonaro em si é péssimo para atrair os investimentos. Essa instabilidade política poderia ser resolvida com um novo presidente, mas parte dos danos à imagem do Brasil no exterior, a relações com os EUA e a Europa, essas coisas demoram mais tempo a serem reparadas.

BBC News Brasil - Ainda em relação às relações internacionais, como vê o fato de ex-assessores de Trump, como Jason Miller e Steve Bannon, mostrarem tanta proximidade e interesse com o governo - e a campanha - de Bolsonaro?

Smith - Não são só os assessores, mas também chama a atenção a quantidade de placas em inglês carregadas por bolsonaristas. E isso acontece porque a direita, e especialmente a extrema-direita, da qual Bolsonaro faz parte, é um movimento de laços internacionais muito fortes. Isso é muito emblemático de que o presidente se vê como parte de uma direita global e acredita que ela poderá ajudá-lo. Mas a verdade é que a direita global - e especialmente a americana - não é mais tão poderosa quanto já foi e não será capaz de ajudá-lo nessa crise institucional. Todo o apoio do mundo de Trump e seu grupo não salvarão Bolsonaro. E isso seria verdade mesmo se Trump ainda fosse presidente, mas é ainda mais óbvio agora que Trump está fora do poder.

Para especialista, democracia brasileira e Bolsonaro saíram perdendo dos protestos de 7 de Setembro. Foto: Marcos Corrêa/PR

BBC News Brasil - Vimos manifestações contra e a favor de Bolsonaro no sete de setembro. Ambas diziam defender a democracia. O que significa essa contradição?

Smith - Isso é algo muito perigoso para a democracia, porque a situação de polarização e partidarização atingiu tal nível que pessoas com ideias totalmente opostas do que democracia signifique estejam dispostas a lutar até o fim umas com as outras enquanto supostamente defendem a mesma coisa. Isso é uma prova da tensão do estado de coisas na democracia brasileira.

Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58485310


Embate entre Bolsonaro e a democracia entra em fase mais crítica

Ameaças cada vez mais explícitas de Bolsonaro contra a Suprema Corte mostram que país está preso em crise constitucional permanente

Oliver Stuenkel / El País

Com um cenário econômico sombrio e as chances cada vez menores de uma recuperação significativa até o pleito presidencial em outubro de 2022, o presidente da República e seus assessores há tempo sabem que será difícil repetir o triunfo de 2018. Melar o jogo e impedir uma eleição normal no ano que vem será um dos principais objetivos de Bolsonaro, seja alimentando teorias da conspiração sobre supostas fraudes eleitorais, seja mobilizando partes radicalizadas da Política Militar para intimidar seus adversários, seja convencendo uma parcela da população de que o STF está violando a Constituição e precisa ser combatido. Treze meses antes do pleito, com o presidente apresentando poucos sinais de que estará disposto a aceitar a independência do Judiciário ou passar a faixa presidencial, caso perca a eleição, o Brasil está prestes a entrar no período de mais volatilidade política e crise institucional da presidência de Jair Bolsonaro.

Diante da alta probabilidade de que o Brasil tenha um “6 de janeiro”, como o dos EUA, para chamar de seu, resta saber se as instituições brasileiras demonstrarão o mesmo grau de resiliência diante das investidas autoritárias de seu mandatário. Porém, a analogia com a invasão do Capitólio dos Estados Unidos em janeiro de 2021 disfarça um desafio muito mais sério que o presidente Bolsonaro representa à democracia brasileira: Trump pode ter se recusado a reconhecer o resultado das eleições, mas suas tentativas de inviabilizar a transferência de poder foram amadoras e pouco disciplinadas. Nunca chegou perto de convencer nem uma pequena minoria das Forças Armadas americanas a apoiá-lo em uma possível aventura autoritária. Da mesma forma, Trump não conseguiu desestabilizar a política americana a ponto de produzir uma crise constitucional permanente. Não ousou anunciar que ignoraria as decisões de um juiz da Suprema Corte americana, como Bolsonaro fez durante o comício em São Paulo neste 7 de setembro. Mesmo sem o poder necessário para dar um golpe, Bolsonaro, confiante de que o Centrão o protege de um impeachment, tem a capacidade de inviabilizar o funcionamento do sistema democrático, seja exortando desobediência à Justiça, seja enraizando a convicção junto a uma parcela cada vez maior de que as eleições de 2022 serão fraudadas. Mais do que uma ruptura democrática imediata, o maior risco é de uma crise constitucional permanente, consumindo o país sem avançar nenhuma pauta política relevante.

Os benefícios que o caos político duradouro geram para Bolsonaro não são triviais. Desde que chegou à presidência, por meio de uma série interminável de polêmicas, ataques e escândalos cuidadosamente planejados, conseguiu inviabilizar um debate público produtivo sobre como o Governo deve responder aos principais desafios que o país enfrenta ― desde o aumento da pobreza, da desigualdade e do desmatamento até a péssima gestão da pandemia, que já matou mais de 580.000 brasileiros. A maior façanha de Bolsonaro foi criar, quase diariamente, cortinas de fumaça para distrair a atenção pública e esconder sua inépcia e seu despreparo para exercer sua função. O mesmo vale para numerosos membros do seu gabinete ― como todos os seus ministros da Educação, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello ou o ex-chanceler Ernesto Araújo. O presidente conseguiu, assim, reduzir o espaço que a oposição poderia utilizar para apresentar suas ideias.

Bolsonaro pode estar cada vez mais acuado politicamente, mas demonstrou que ainda é capaz de mobilizar uma quantidade expressiva de seguidores, sobretudo em São Paulo ― nada fácil, considerando o cenário econômico em que o país vive. Quando Collor convocou seus seguidores a tomarem as ruas em 1992, acabou impulsionando seu próprio impeachment. Bolsonaro, bem mais habilidoso, demonstrou ao país que ainda tem uma enorme capacidade mobilizadora. O STF dificilmente será intimidado pelas ameaças do presidente, mas já não se pode ignorar o fato de que centenas de milhares de brasileiros tomaram as ruas de diversas capitais do país durante o feriado da Independência para se manifestar contra a Suprema Corte.

Independentemente do desfecho das eleições do ano que vem, o custo da estratégia autoritária do presidente para a democracia brasileira é incalculável. Por enquanto, Bolsonaro parece estar fraco demais para dar um golpe de Estado, e a oposição, débil demais para um impeachment. No entanto, o recado para futuros mandatários com ambições autoritárias não poderia estar mais claro: com o apoio do Centrão, a anuência tácita das Forças Armadas e a manutenção de uma base radical mobilizada, tentativas golpistas não serão punidas. Mesmo se Bolsonaro deixar a presidência daqui a 15 meses, as sequelas serão duradouras.

*Oliver Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais na FGV em São Paulo. É o autor de O Mundo Pós-Ocidental (Zahar) e BRICS e o Futuro da Ordem Global (Paz e Terra).

Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-09-08/embate-entre-bolsonaro-e-a-democracia-entra-em-fase-mais-critica.html


Dia seguinte: Bolsonaro fica ainda mais isolado sob pressão de impeachment

Presidente reúne as maiores manifestações em seu favor, só que às custas de atritos com Judiciário e Legislativo

Carla Jiménes e Rodolfo Borges / El País

O presidente Jair Bolsonaro se refestelou neste 7 de setembro e tomou um banho de povo em Brasília e em São Paulo, onde encontrou seus apoiadores mais leais, que, aproveitando o feriado da Independência, rumaram às duas capitais para demonstrar seu apoio irrestrito ao mandatário. Centenas de milhares que ecoaram suas críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e carregaram cartazes padronizados para incentivar uma intervenção para “enquadrar” o Judiciário. Mas, fora das fotos e vídeos que vão irrigar os canais de seus seguidores, a realidade é outra. O sucesso de seu discurso junto a sua plateia foi inversamente proporcional ao impacto no mundo político. Partidos começam a se mobilizar pelo impeachment. Assim disse o PSDB, e o MDB, o Podemos e o PSD. Juntos, somam mais de 100 votos na Câmara de Deputados, e ampliam o espectro que a esquerda monopolizava na atuação pelo afastamento do presidente.

Já não era sem tempo, dizem observadores diante da normalização de ataques do presidente às instituições democráticas desde que assumiu o poder. Nesta terça, Bolsonaro atacou o ministro do STF Alexandre de Moraes, renovou as desconfianças sobre voto eletrônico e até sugeriu que haveria uma reunião do Conselho da República, um colegiado que poderia lhe dar poderes para intervir na corte. “Ou o chefe desse Poder [Luiz Fux] enquadra o seu [ministro] ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”, discursou em Brasília. Em São Paulo, repetiu. “Ou Alexandre de Moraes se enquadra ou ele pede para sair!”.

Protestos contra Bolsonaro pelo país


Protesto em São Paulo (SP). Foto: Elineudo Meira/@fotografia.75
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto:Caco Argemi/CPERS/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto:Caco Argemi/CPERS/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto: Maí Yandara/Fotos Públicas
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Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto: Maí Yandara/Fotos Públicas
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Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto:Caco Argemi/CPERS/Fotos Públicas
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Grito dos excluídos/Protesto em São Paulo (SP). Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas
Grito dos excluídos/Protesto em São Paulo (SP). Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas
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Protesto em São Paulo (SP). Foto: Elineudo Meira/@fotografia.75
Protesto em São Paulo (SP). Foto: Elineudo Meira/@fotografia.75
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Protesto em São Paulo (SP). Foto: Elineudo Meira/@fotografia.75
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto:Caco Argemi/CPERS/Fotos Públicas
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Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto: Maí Yandara/Fotos Públicas
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Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto:Caco Argemi/CPERS/Fotos Públicas
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Grito dos excluídos/Protesto em São Paulo (SP). Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas
Grito dos excluídos/Protesto em São Paulo (SP). Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas
Grito dos excluídos/Protesto em São Paulo (SP). Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas
Protesto em São Paulo (SP). Foto: Elineudo Meira/@fotografia.75
Protesto em São Paulo (SP). Foto: Elineudo Meira/@fotografia.75
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Mais grave foi mencionar o tal Conselho. “Amanhã estarei no Conselho da República, juntamente com ministros, com o presidente da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, com essa fotografia de vocês, para mostrar para onde nós todos devemos ir”. Plantou uma expectativa aos seguidores de garantir mais poderes, mas colheu ainda mais isolamento. A reunião não existia, e sua sugestão foi vista como gravíssima. “Temos avaliações de alguns importantes juristas apontando que apenas as falas, as manifestações, seriam razões suficientes para justificar o processo. Vamos acompanhar a conduta do Governo para determinar, ou não, a defesa e o apoio a um eventual processo de impeachment do presidente da República”, afirmou em nota o presidente do PSD, Gilberto Kassab. O governador tucano João Doria foi na mesma linha.

O calor das ruas entrou no cálculo político dos partidos que agora marcam distância do presidente. Embora as imagens de 11 quarteirões lotados da avenida Paulista e de uma Esplanada do Ministérios com milhares de pessoas em Brasília tenham impactado muita gente, o presidente falava em 2 milhões de pessoas em São Paulo, por exemplo. O número parece não ter chegado a 10% dessa marca. “É lamentável o presidente da República usar o Dia da Independência para afrontar os outros Poderes. Parece tentar se desviar dos problemas reais: inflação de alimentos, combustíveis, crise fiscal, hídrica, desemprego e baixo crescimento”, criticou em nota o MDB. “Essas ameaças de tom golpista tentam demonstrar força, mas, ao contrário, só revelam a fraqueza e o desequilíbrio de quem as faz. Mostram desprezo às leis e à Constituição. Tentam provocar o caos para tirar o foco dos reais problemas do país e da total incapacidade de resolvê-los”, afirmou o governador petista do Ceará, Camilo Santana, pelo Twitter.

No discurso de São Paulo, Bolsonaro pisou em um calo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), justamente aquele responsável por acolher os pedidos de impeachment contra o presidente. “Não podemos admitir um sistema eleitoral que não oferece qualquer segurança por ocasião das eleições”, discursou Bolsonaro, para o delírio da plateia, retomando suas críticas à urna eletrônica, que Lira imaginava ter sepultado quando o plenário da Câmara rejeitou a adoção do voto impresso, em agosto. “Bolsonaro me garantiu que respeitaria o resultado do plenário. Eu confio na palavra do presidente da República ao presidente da Câmara”, disse Lira à época. A conferir o que dirá agora.

Atos no 7 de Setembro


07/09/2021 Comemorações pelo dia da Independência
07/09/2021 Comemorações pelo dia da Independência
07/09/2021 Comemorações pelo dia da Independência
07/09/2021 Comemorações pelo dia da Independência
07/09/2021 Comemorações pelo dia da Independência
O presidente Jair Bolsonaro participa de cerimônia comemorativa do 7 de Setembro, no Palácio da Alvorada.
O presidente Jair Bolsonaro e ministros participam de cerimônia comemorativa do 7 de Setembro, no Palácio da Alvorada.
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07/09/2021 Comemorações pelo dia da Independência
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07/09/2021 Comemorações pelo dia da Independência
07/09/2021 Comemorações pelo dia da Independência
07/09/2021 Comemorações pelo dia da Independência
O presidente Jair Bolsonaro participa de cerimônia comemorativa do 7 de Setembro, no Palácio da Alvorada.
O presidente Jair Bolsonaro e ministros participam de cerimônia comemorativa do 7 de Setembro, no Palácio da Alvorada.
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Policiais

Outro fator pesou nas análises políticas nesta terça. Não houve uma réplica da invasão do Capitólio, como temido por autoridades políticas de outros países em manifesto publicado nesta segunda, 6. Nem o derramamento de sangue diante do acampamento indígena e dos protestos de opositores marcados para este dia 7. A participação de policiais, que poderia abrir espaço para atos violentos, também não se confirmou. Governadores se prepararam. A Bahia, por exemplo, que vivenciou, em março deste ano, o risco de um motim de PMs, após o soldado Wesley Soares ser morto por colegas da PM em Salvador, teve uma operação especial comandada pela Secretaria de Segurança Pública. O mesmo em São Paulo, governado pelo arquirrival do presidente, João Doria.

O mais próximo que se viu de uma adesão dos policiais aos atos foi a frouxidão do efetivo no Distrito Federal na noite de segunda-feira, quando os manifestantes forçaram a entrada na Esplanada dos Ministérios. A Secretaria de Segurança do Distrito Federal se defendeu, dizendo que os bolsonaristas descumpriram um acordo prévio e “romperam barreiras de contenção colocadas para bloquear o trânsito de veículos”. De qualquer forma, os apoiadores do presidente foram mantidos a quilômetros de distância dos prédios do Congresso Nacional e do STF, que muitos deles insistiam em dizer que pretendiam invadir. E não houve registro de tumultos consideráveis, muito menos da presença de armas de fogo.

É fato, porém, que as imagens desta terça-feira, principalmente as registradas em Brasília e São Paulo, sustentarão a moral das hostes bolsonaristas por meses, provavelmente até sua tentativa de reeleição, em 2022. Na versão dos defensores do presidente, nenhum de seus antecessores no Palácio do Planalto colheu nas ruas uma manifestação tão significativa quanto a desta terça-feira. “A oposição e parte da imprensa estão bancando o Groucho Marx mais uma vez e mandando um ‘Afinal, vocês vão acreditar em mim ou nos seus próprios olhos?’ para os brasileiros que viram as imagens de multidões gigantescas e sem precedentes em Brasília, em SP, no RJ e em todo o país”, escreveu em seu perfil no Twitter o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Filipe Martins. A questão que se impõe, contudo, é se, grande ou pequeno, esse apoio demonstrado nas ruas será o bastante para sustentar o isolamento que Bolsonaro cava progressivamente em Brasília. Por ora, o saldo dos atos da terça-feira foi muito menor do que o presidente esperava.

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Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-09-08/bolsonaro-tem-respiro-nas-ruas-mas-fica-ainda-mais-isolado-sob-pressao-de-impeachment.html


Mourão diz que "não vê clima" para impeachment

Vice-presidente disse que cenário melhoraria caso os inquéritos do STF fossem "passados" para a PGR

Ingrid Soares / Correio Braziliense

Após o presidente Jair Bolsonaro ter participado de manifestações pró-governo no dia 7 de Setembro e de ter discursado em tom golpista, o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) afirmou nesta quarta-feira (8/9) que "não há clima" no Congresso e nem em meio à população para a aprovação de um impeachment do mandatário.

"Não vejo que haja clima para ao impeachment do presidente. Clima tanto na população, como um todo, como dentro do próprio Congresso", disse a jornalistas na entrada do Palácio do Planalto.

Com o aumento das investidas do chefe do Executivo contra o Supremo Tribunal Federal (STF) no Dia da Independência, partidos de centro já se movem em torno de processos de impedimento contra o presidente.

"Acho que o nosso governo tem a maioria confortável de mais de 200 deputados lá dentro. Não é maioria para aprovar grandes projetos, mas é capaz de impedir que algum processo prospere contra a pessoa do presidente da República", acrescentou.

O vice comentou a crise entre o Executivo e o Judiciário, mas disse que o cenário melhoraria caso os inquéritos que estão na mão do ministro da Corte, Alexandre de Moraes, fossem "passados" para a Procuradoria-Geral da República (PGR). 

O vice-presidente Hamilton Mourão


O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Alan Santos/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
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O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
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O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão.  Foto: Alan Santos/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
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"Na minha visão existe um tensionamento, principalmente entre o Judiciário e o Executivo. Eu tenho a ideia muito clara que o inquérito que é conduzido pelo Moraes não está correto. O juiz não pode conduzir o inquérito. Acho que tudo se resolveria se o inquérito passasse para a mão da PGR e acabou. Isso aí distensionaria todos os problemas.", continuou.

"A gente precisa distensionar. Acho que existem cabeças ali dentro que entendem que isso foi além do que era necessário. Conversando a gente se entende", disse Mourão.

O general não quis comentar o teor do discurso do presidente Bolsonaro nos atos de Brasília, no qual estava ao seu lado, e nem na manifestação em São Paulo. "Houve uma concentração expressiva da população brasileira. É uma mudança isso aí porque as ruas sempre foram domínios dos segmentos de esquerda. Ontem foi uma quantidade enorme, na minha avaliação, estive na manifestação de Brasília, em torno de 150 mil pessoas estavam ali reunidas. Acredito que no RJ e em SP se chegou também ao redor desse número. Deixo de comentar discursos que foram feitos porque é uma questão ética minha. Não é o caso de eu comentar", justificou.

Ameaças

Bolsonaro fez uma série de ameaças ao Supremo Tribunal Federal (STF) e à democracia na terça-feira (7) e falou em ultimatos, afirmando que o magistrado Alexandre de Moraes "perdeu as condições mínimas de continuar dentro daquele tribunal". Mandatário também ameaçou: "Não queremos ruptura, não queremos brigar com Poder algum, mas não podemos admitir que uma pessoa coloque em risco a nossa liberdade."

Em São Paulo, voltou a atacar o sistema eleitoral brasileiro, outros integrantes do STF e governadores e prefeitos que tomaram medidas de combate ao coronavírus. "Dizer a vocês que, qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá", conclui na data.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/09/4948292-apos-bolsonaro-ameacar-golpe-mourao-diz-que-nao-ve-clima-para-impeachment.html


Bolsonaro radicaliza conflito institucional mirando 2022

Nas ruas, presidente intensificou ataques ao STF e urnas eletrônicas. Partidos de centro-direita anunciam consultas sobre impeachment

DW Brasil

Jair Bolsonaro conseguiu parte do que queria neste feriado de 7 de setembro. Cerca de 125 mil pessoas, segundo estimativa da Polícia Militar de São Paulo, encheram diversos quarteirões da Avenida Paulista, o suficiente para registrar a "fotografia para o mundo" que ele buscava. 

Por outro lado, o presidente dizia esperar dois milhões de pessoas na avenida, e o ato em Brasília, que não teve estimativa de público divulgada pela Polícia Militar do Distrito Federal, juntou menos pessoas do que o esperado pelos bolsonaristas, que se prepararam por semanas para o evento. Houve também atos pró-governo nas demais capitais do país.

Em seus discursos nesta terça, Bolsonaro voltou a ameaçar ministros do Supremo Tribunal Federal e a questionar a segurança das urnas eletrônicas. Com isso, oxigenou a sua base de apoiadores fieis, que representa cerca de um quarto da população, e deu mais um passo na sua estratégia de desgastar instituições democráticas e preparar o terreno para questionar o resultado da eleição de 2022, na qual pesquisas projetam sua derrota.

O ataque mais duro foi contra o ministro Alexandre de Moraes, relator de inquéritos no Supremo que apuram a organização de atos antidemocráticos e a propagação de mentiras para desacreditar as urnas eletrônicas. Bolsonaro disse que não cumprirá eventuais decisões de Moraes que o atinjam e chamou o ministro de "canalha". Contra Luís Roberto Barroso, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o presidente disse que ele estaria patrocinando uma "farsa" ao dizer que o processo eleitoral seria "seguro e confiável, porque não é".

Bolsonaro também voltou a dizer que as únicas opções para seu futuro político seriam ser morto, preso ou vencer, e enfatizou que "nunca" será preso. "Quero agradecer a Deus pela vida e pela missão. E dizer aqueles que querem me tornar inelegível: só Deus me tira de lá", afirmou.

No ato de Brasília, o presidente anunciou que reuniria nesta quarta o Conselho da República para "mostrar para onde nós todos deveremos ir". Trata-se de um órgão consultivo para ser ouvido em caso de decretação de estado de defesa ou de sítio – ambos precisam do aval do Congresso para entrarem em vigor. Mais tarde, porém, assessores do Palácio do Planalto informaram aos membros do conselho, que incluem os presidente da Câmara e do Senado, que não haveria reunião nesta quarta.

O temor de que haveria conflitos violentos e a invasão do prédio do Supremo nesta terça não se confirmou. Manifestantes que tentaram romper o último cordão de isolamento próximo à Praça dos Três Poderes foram dissuadidos com spray de pimenta. Tampouco houve presença ostensiva de policiais militares participando dos atos, nem grandes choques entre bolsonaristas e integrantes da oposição, que também organizaram protestos em diversas cidades no Grito dos Excluídos, tradicionalmente realizado no 7 de setembro.

Protestos contra Bolsonaro no 7 de Setembro


Protesto em São Paulo (SP). Foto: Elineudo Meira/@fotografia.75
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto:Caco Argemi/CPERS/Fotos Públicas
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Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto: Maí Yandara/Fotos Públicas
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Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto: Maí Yandara/Fotos Públicas
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Grito dos excluídos/Protesto em São Paulo (SP). Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas
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Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
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Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
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Um novos ato contra o presidente será promovido na Avenida Paulista no próximo domingo, organizado por movimentos de direita e centro-direita que apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff e hoje pedem a queda de Bolsonaro, como o Movimento Brasil Livre e o Vem Pra Rua.

Nesta terça, o presidente do PSDB, Bruno Araújo, convocou uma reunião da executiva nacional do partido para esta quarta, tendo em vista as "gravíssimas declarações do presidente da República", que discutirá o apoio da legenda a um processo de impeachment contra Bolsonaro. O presidente do PSD, Gilberto Kassab, anunciou a criação de uma comissão para decidir a posição do seu partido sobre o pedido de impeachment do presidente. Segundo a CNN Brasil, o Solidariedade e o MDB também consultarão suas bancadas para avaliar a posição sobre o pedido de afastamento de Bolsonaro.

Baixa popularidade e acúmulo de crises

Os atos pró-governo foram realizados em um momento que o presidente atravessa sua pior avaliação entre a população. Segundo pesquisa realizada pelo PoderData em 30 de agosto a 1º de setembro, 27% dos brasileiros aprovam Bolsonaro, a pior marca desde que ele tomou posse. Outros 63% desaprovam o seu governo.

Apesar do momento ruim para o presidente, ele conta com o apoio de cerca de um quarto da população. Segundo o PoderData, 25% consideram o seu governo ótimo ou bom. Quando Dilma foi afastada do cargo de presidente, 13% consideravam seu governo ótimo ou bom, e Fernando Collor deixou o Palácio do Planalto com 9% de ótimo ou bom. Se as eleições fossem hoje, porém, Bolsonaro perderia para Lula no segundo turno, por 55% a 30%.

O presidente também está em uma escalada de confronto com o Poder Judiciário, que desde o início de agosto intensificou ações para colocar limites a tentativas do presidente e do seu entorno de descreditar instituições democráticas. O TSE autorizou a abertura de um inquérito administrativo, na esfera eleitoral, e Moraes incluiu Bolsonaro no inquérito sobre atos antidemocráticos. O ministro também autorizou ações de busca e apreensão e prisões preventivas contra bolsonaristas acusados de atentar contra as instituições, a pedido da Procuradoria-Geral da República.

Na economia, os resultados tampouco são bons. O Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre recuou 0,1% em relação ao trimestre anterior. Em agosto, o Banco Central aumentou a taxa básica de juros, a Selic, pela quarta vez seguida, e prevê uma nova alta em setembro, para controlar a inflação, que está acima da meta. O desemprego está no seu patamar mais alto da série histórica, e o país enfrenta risco de apagões devido à crise hídrica, com reflexo no aumento do preço da energia.

O apoio do presidente entre os grandes empresários, fundamental para a sua vitória em 2018, também mostra fraturas. Um manifesto apoiado por cerca de 200 entidades de classe, como a Associação Brasileira de Agronegócio e a Federação Brasileira de Bancos, foi preparado em agosto para pedir a pacificação do clima institucional, mas não chegou a ser divulgado por decisão da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.

No Congresso, Bolsonaro não encontra no momento oposição firme do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), líder do Centrão e que desfruta do controle sobre a destinação de parte das emendas orçamentárias. Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), tem buscado mostrar diferenças em relação a Bolsonaro e divulgou mensagem em suas redes sociais pedindo "absoluta defesa do Estado Democrático de Direito".

"[Quero] dizer aqueles que querem me tornar inelegível: só Deus me tira de lá", afirmou Bolsonaro

Manifestação a favor de Bolsonaro na Avenida Paulista no 7 de Setembro. Foto: Isac Nóbrega/PR

"Conflito institucional vai se radicalizar"

Magna Inácio, professora de ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e especialista na relação entre Legislativo e Executivo, afirma à DW Brasil que os atos desta terça mostraram um claro movimento de radicalização do governo no conflito institucional contra Judiciário e Congresso que, "se não for interrompido", irá se intensificar até o pleito de 2022. A estratégia, diz, tem o objetivo de questionar o resultado das urnas "em um contexto em que o presidente se mostra inviável eleitoralmente".

"Viveremos um estado de mobilização permanente, com a economia e políticas públicas paralisadas e a sociedade sofrendo as consequências de uma estratégia de radicalização [de Bolsonaro]", diz.

Ela identifica um desgaste crescente do presidente, inclusive entre setores econômicos importantes e partidos de centro-direita. "Chega um ponto que é difícil os partidos não se manifestarem. Bolsonaro está dizendo, com todas as letras, não não interessa mais o jogo institucional com Congresso e Judiciário", afirma. "Não se trata só de retórica."

Inácio destaca que a postura anti-institucional de Bolsonaro tem potencial para desgastar inclusive sua relação com o Centrão, apesar de o grupo de partidos estar representado no governo e ter o controle de verbas para parlamentares, e que a fala de Bolsonaro de que não obedeceria a uma ordem judicial do Supremo "configura um claro crime de responsabilidade".

"18 meses de investidas"

A antropóloga Isabela Kalil, professora da Escola de Sociologia e Política de São Paulo e coordenadora do Observatório da Extrema Direita (OED Brasil), afirma que a participação do presidente em eventos que questionam instituições democráticas vem ocorrendo há, pelo menos, 18 meses, e que em cada um desses atos ele vai "testando e ultrapassando um pouco os limites". 

"É um processo. Se Bolsonaro não tiver nenhum tipo de contenção e constrangimento institucional, isso não vai acabar agora. O cenário que se delineia é isso continuar até o período eleitoral", afirma.

Ela menciona que, entre os apoiadores do presidente, uma parte mais radicalizada da sua base estava considerando que Bolsonaro não estaria sendo "radical o suficiente", uma demanda que deve ser parcialmente atendida com as declarações desta terça. 

Chamou a atenção de Kalil a referência de Bolsonaro, no final do discurso em São Paulo, aos que querem o "tornar inelegível". "O ataque ao Supremo representa também um ataque à Justiça Eleitoral", diz.

O anúncio de Bruno Araújo, presidente do PSDB, sobre uma reunião para tratar do impeachment de Bolsonaro, foi um desdobramento relevante dos atos, diz Kalil, considerando que o partido e o PT são as duas legendas mais importantes em eleições para presidente. "Parece sinalizar que possamos ter uma mudança nessa oposição", afirma.

"Sociedade civil precisa mostrar força"

A cientista política Beatriz Rey, pesquisadora da universidade americana Johns Hopkins, avalia que o discurso de Bolsonaro, especialmente em São Paulo, foi um passo além dos ataques costumeiros do presidente a instituições democráticas e serviu para o presidente tentar "mostrar força" em um momento em que ele está "cada vez mais encurralado".

"Ele perdeu popularidade, vê pesquisas eleitorais indicando que ele não ganha contra Lula, temos crise sanitária, crise hídrica, crise econômica. Está sendo encurralado de diversas maneiras na sua forma de governar, mas também no aspecto pessoal [por conta dos inquéritos no STF e no TSE]", diz.

Rey afirma que, se as consultas de partidos de centro-direita às suas bases sobre o impeachment se materializar em pressão sobre o presidente da Câmara, "pode ser que ele [Bolsonaro] tenha subido demais o tom antidemocrático".

Ela projeta a continuidade de ameaças golpistas do presidente até as eleições, em um ambiente de permanente crise institucional, e diz ser importante a sociedade civil definir estratégias conjuntas de ação para o futuro próximo.

"Está tendo movimentação da oposição, que organizou manifestações. Há reação do Judiciário. Mas precisamos de mais manifestações contundentes, é a hora de sair em defesa da democracia, e a sociedade civil reagindo com força pode ajudar os outros poderes a deter essa aventura [de Bolsonaro]", diz.

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/bolsonaro-radicaliza-conflito-institucional-mirando-elei%C3%A7%C3%A3o-de-2022/a-59117257


Eliane Brum: O que fazer quando um presidente se comporta como terrorista?

O que fazer quando um presidente se comporta como terrorista e impõe terror de Estado sobre seus opositores na data cívica mais simbólica do país?

Eliane Brum / El País

Não sabemos o que será o Brasil depois deste 7 de Setembro. É como se vivêssemos uma contagem regressiva para algo muito pior do que o muito pior que já vivemos. O “nós”, aqui, é o nós que não compactua com genocídio nem com destruição da Amazônia nem de outros ecossistemas nem com o crime de quadrilhas chamado “rachadinhas” nem com corrupção na compra de vacinas nem com disseminação do coronavírus para produzir “imunidade de rebanho” nem com o extermínio da democracia nem com rasgar a Constituição. Nós que não somos bolsonaristas nem antes de Bolsonaro, nem com Bolsonaro nem depois dele. Estabelecido o “nós”, o que temos para hoje?

Bolsonaro é preguiçoso. Como ele já tinha provado em quase 30 anos como parlamentar, sugando dinheiro público sem aprovar um único projeto relevante para o país, e continuou provando após se tornar presidente, Bolsonaro tem alergia a trabalho. Bolsonaro gosta de ficar berrando e fazendo arminha com os dedos, nas ruas e nas redes sociais. Semeando o ódio, em campanha permanente para se manter primeiro no Congresso, agora no governo. Ninguém nunca ganhou tão bem apenas berrando e promovendo violência, destruição e morte.

Bolsonaro possivelmente é corrupto. Há evidências robustas para suspeitar que Bolsonaro colocou seus filhos na política para fazer dinheiro para o clã. É para onde todas as investigações sobre o esquema criminoso das “rachadinhas” nos gabinetes dos filhos apontam, com vários coletores ligados à família atuando, como uma quadrilha.

Bolsonaro é, senão miliciano, intimamente ligado às milícias. Há declarações públicas dele e de seus filhos enaltecendo milicianos notórios. Assassinos, bem entendido, o principal deles possivelmente executado em operação policial. Há medalhas dada a milicianos assassinos. Há falas, há atos e há fatos. Sua eleição acelerou a conversão de parte das polícias em milícias, como ficou evidente em vários episódios nos últimos mais de dois anos e na recente adesão às manifestações golpistas deste 7 de Setembro.

Bolsonaro é apoiado pelos maiores destruidores da Amazônia e de outros ecossistemas, assim como de seus povos: grileiros (ladrões de terras públicas recentemente beneficiados na aprovação da “lei da grilagem” pela Câmara de Deputados), garimpeiros, madeireiros e agentes de empresas transnacionais. Ao “passar a boiada”, fragilizando e militarizando a fiscalização, incitando a invasão de terras públicas protegidas, destruindo a legislação ambiental, avançando com projetos de lei que permitem o avanço sobre as áreas de conservação, tudo isso apoiado pela vasta banda podre do Congresso ligada ao ruralismo, Bolsonaro acelerou escalada da maior floresta tropical do mundo rumo ao ponto de não retorno. As pesquisas mais recentes já mostram que a floresta emite mais carbono do que absorve, o que significa que a Amazônia começa a virar problema em vez de solução para o colapso climático provocado por ação humana.

Protestos contra Bolsonaro no 7 de Setembro


Protesto em São Paulo (SP). Foto: Elineudo Meira/@fotografia.75
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto:Caco Argemi/CPERS/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto:Caco Argemi/CPERS/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto: Maí Yandara/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto: Maí Yandara/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto: Maí Yandara/Fotos Públicas
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Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto: Maí Yandara/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto: Maí Yandara/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto: Maí Yandara/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto: Maí Yandara/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto:Caco Argemi/CPERS/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto:Caco Argemi/CPERS/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto:Caco Argemi/CPERS/Fotos Públicas
Grito dos excluídos/Protesto em São Paulo (SP). Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas
Grito dos excluídos/Protesto em São Paulo (SP). Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas
Grito dos excluídos/Protesto em São Paulo (SP). Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas
Protesto em São Paulo (SP). Foto: Elineudo Meira/@fotografia.75
Protesto em São Paulo (SP). Foto: Elineudo Meira/@fotografia.75
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Protesto em São Paulo (SP). Foto: Elineudo Meira/@fotografia.75
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto:Caco Argemi/CPERS/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto:Caco Argemi/CPERS/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto: Maí Yandara/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto: Maí Yandara/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto: Maí Yandara/Fotos Públicas
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Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto: Maí Yandara/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto: Maí Yandara/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto: Maí Yandara/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto: Maí Yandara/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto:Caco Argemi/CPERS/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto:Caco Argemi/CPERS/Fotos Públicas
Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto:Caco Argemi/CPERS/Fotos Públicas
Grito dos excluídos/Protesto em São Paulo (SP). Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas
Grito dos excluídos/Protesto em São Paulo (SP). Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas
Grito dos excluídos/Protesto em São Paulo (SP). Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas
Protesto em São Paulo (SP). Foto: Elineudo Meira/@fotografia.75
Protesto em São Paulo (SP). Foto: Elineudo Meira/@fotografia.75
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Bolsonaro liderou a execução de um plano de disseminação do coronavírus para supostamente obter “imunidade de rebanho”. A ação genocida foi comprovada pelo estudo de mais de 3 mil normas federais realizado pela Universidade de São Paulo e Conectas Direitos Humanos. Nisso resultaram até hoje quase 600 mil vidas a menos, quase 600 mil pessoas que faltam para todos que as amavam, quase 600 mil pessoas que faltam para o país. Quando o Brasil atingiu meio milhão, pesquisas do epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas, apontaram que 400 mil mortes poderiam ter sido evitadas se o governo federal tivesse tomado medidas de prevenção. Destas, 95 mil poderiam ter sido evitadas se o governo tivesse comprado vacinas quando estas foram oferecidas. Isso significa o equivalente à população inteira de uma cidade grande. Mais do que uma cidade como Pelotas, por exemplo. Quase uma Santos. Várias comunicações por crimes de genocídio e de extermínio contra Bolsonaro já chegaram ao Tribunal Penal Internacional, pelo menos uma delas vinda do campo da direita.

Bolsonaro deveria ter sido condenado pela Justiça Militar quando planejou um ataque terrorista em que explodiria bombas em quartéis. Não foi. Bolsonaro deveria ter sido responsabilizado criminalmente e/ou pelo parlamento em várias manifestações racistas, homofóbicas, misóginas e de incitação à violência que fez durante os vários mandatos como deputado. Não foi. Bolsonaro deveria ter sido criminalmente responsabilizado e também pelo parlamento quando fez apologia à tortura e ao torturador durante a abertura do impeachment de Dilma Rousseff. Não foi. Bolsonaro já deveria estar respondendo por crime de genocídio nos tribunais brasileiros, mas, protegido por Augusto Aras, o procurador-geral de Bolsonaro que envergonha a República, (ainda) não está. Bolsonaro deveria já estar respondendo a processo de impeachment, demandado por mais de uma centena de pedidos engavetados por Arthur Lira (PP) —e, antes dele, por Rodrigo Maia (sem partido). Não está.

Bolsonaro foi gestado por deformações históricas do Brasil, com destaque para o racismo estrutural e para a impunidade aos crimes da ditadura civil-militar (1964-85). Assim, desde 2019, por todas as ações e omissões das elites do país, o Brasil é governado não apenas pelo pior presidente da história de nossa democracia de soluços, mas como um dos piores seres humanos de todos os tempos, e isso disputando com grande concorrência. Bolsonaro tem se comportado na vida pública como um criminoso compulsivo. E Bolsonaro é perigoso. O Brasil hoje é governado por um homem muito perigoso. E, neste 7 de Setembro, está determinado a mostrar todo o potencial de seu ódio a tudo o que não é ele mesmo.

Neste 7 de Setembro, Bolsonaro decidiu convocar suas hostes de fiéis para aterrorizar o país. Fez isso porque essa é a única estratégia em que é competente e porque está acuado. Muito acuado. Se ele não aterrorizasse o país na data “cívica” mais simbólica do Brasil, ele estaria exposto muito provavelmente a grandes manifestações de massa pelo seu impeachment, aos gritos de “Fora genocida” e de “Bolsonaro na cadeia”. Bolsonaro então se antecipou, convocando apoiadores que se comportam como crentes políticos para literalmente se armarem e ocuparem as ruas.

Isso porque Bolsonaro chega ao 7 de Setembro com popularidade em queda, parte dos tribunais superiores (finalmente) fazendo seu trabalho de proteger a Constituição, as investigações do esquema de corrupção das rachadinhas cercando cada vez mais seus filhos, o número de mortos se aproximando dos 600 mil, com a variante delta se infiltrando rapidamente pelo país, o desemprego corroendo a vida de mais de 14 milhões de pessoas, a inflação aumentando junto com o número de famintos e nenhum milagre no horizonte da reeleição em 2022. Para barrar seu impeachment no Congresso, Bolsonaro tem alimentado os deputados do Centrão com vários dígitos de dinheiro público. Mas Bolsonaro conhece os feitos de sua mesma matéria —e portanto sabe que não dá para confiar nos aliados de hoje.

Grito dos Excluídos em Porto Alegre (RS). Foto: Maí Yandara/Fotos Públicas

Bolsonaro sabe também que, mesmo que consiga produzir imagens de grandes manifestações a seu favor no 7 de Setembro, o que possivelmente conseguirá, hoje seus apoiadores são minoria no Brasil. A maioria da população brasileira, como diferentes pesquisas mostraram, não quer Bolsonaro. O que Bolsonaro controla hoje é uma minoria de iguais, que já era bolsonarista antes de Bolsonaro aparecer para lhes dar nome. Parte dela por várias razões que podem ser encontradas nas deformações da democracia brasileira e na desigualdade abissal do país, parte delas, como sua base na Amazônia, porque se beneficia amplamente de Bolsonaro no poder, aumentando seu patrimônio com terra e recursos públicos do qual se apropria com o apoio do governo federal miliciarizado.

Bolsonaro também pode contar com a maior parte da elite econômica do país, a mesma parcela que o gestou e o apoiou na presidência. A vergonhosa novela das cartas e manifestos do tal do “pib” mostra que estão do lado que sempre estiveram, os dele mesmos. O país é seu quintal de extração e o povo, carne barata. A única diferença entre os que se recusaram a dizer qualquer coisa e os que disseram quase nada é que uns já acham que Bolsonaro deu os lucros que tinha que dar, destruiu os direitos e as leis que precisam ser destruídas para que possam lucrar mais, abriu a cerca para iniquidades até então impensáveis e, a partir de agora, o tiro pode sair pela culatra e, em vez de matar indígenas e pretos, pode atingir de raspão suas contas bancárias. Outros acham que ainda dá para massacrar o país mais um pouco, ainda tem linha no anzol bolsonarista para mais umas maldades da qual o país vai precisar de décadas para se recuperar mas que vai fazer mais alguns bilionários e supermilionários. Esperar que emerja algo minimamente decente da parcela das elites econômicas que controlam o país desde as capitanias hereditárias motivadas apenas pela extração e pelo lucro é ser mais “ingênuo” do que aqueles que afirmam ter votado em Bolsonaro porque achavam que ele era honesto e levaria gente honesta para o governo. Ou que seria possível controlá-lo.

Bolsonaro tem apoio, mas hoje é minoritário. Assim, o que ele tem para o momento é impor o terror, lição que aprendeu com o Exército ainda menino, quando as tropas da ditadura caçavam opositores para torturar e executar na região em que vivia, e pós graduou-se já como membro oficial do Exército, ao planejar um ataque terrorista e se safar para iniciar uma carreira de deputado. Na preparação para este 7 de Setembro, para Bolsonaro, mais importante do que demonstrar força era anular a resistência a ele que se organizava para ocupar as ruas pelo impeachment. Mais importante do que encher as ruas com seus iguais, é impedir que a oposição o faça. Bolsonaro quase certamente conseguiu.

Tudo indica que parte significativa de opositores não irá às ruas neste 7 de Setembro por uma razão bastante legítima: o medo de morrer por balas disparadas por seguidores convocados por Bolsonaro, sejam eles civis ou policiais militares. Chegamos a esse ponto. É esse o tamanho do abismo. E se alargando. O golpe já foi dado, como já escrevo há muito tempo, e vai se ampliando dia a dia. O que ainda não está dando é até onde pode chegar. E é com isso que Bolsonaro está jogando para se manter no poder. Ameaça chegar mais longe, ameaça terminar de arrebentar as instituições —e talvez consiga. Num país em que cidadãos que se opõem ao presidente não podem ir às ruas se manifestar na data mais importante do calendário oficial porque podem ser mortos por apoiadores instigados pelo presidente já não há mais democracia. É preciso reconhecer isso para ser capaz de barrar a ampliação do projeto autoritário.

Manifestação no 7 de Setembro na Esplanada


07/09/2021 Comemorações pelo dia da Independência
07/09/2021 Comemorações pelo dia da Independência
07/09/2021 Comemorações pelo dia da Independência
07/09/2021 Comemorações pelo dia da Independência
07/09/2021 Comemorações pelo dia da Independência
O presidente Jair Bolsonaro participa de cerimônia comemorativa do 7 de Setembro, no Palácio da Alvorada.
O presidente Jair Bolsonaro e ministros participam de cerimônia comemorativa do 7 de Setembro, no Palácio da Alvorada.
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07/09/2021 Comemorações pelo dia da Independência
07/09/2021 Comemorações pelo dia da Independência
07/09/2021 Comemorações pelo dia da Independência
07/09/2021 Comemorações pelo dia da Independência
07/09/2021 Comemorações pelo dia da Independência
O presidente Jair Bolsonaro participa de cerimônia comemorativa do 7 de Setembro, no Palácio da Alvorada.
O presidente Jair Bolsonaro e ministros participam de cerimônia comemorativa do 7 de Setembro, no Palácio da Alvorada.
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O que Bolsonaro está dizendo é que o pouco que restou de democracia no Brasil não será capaz de impedi-lo de dar sequência ao golpe em curso. É este o impasse deste 7 de Setembro. Ele está testando. Como fez Donald Trump antes dele, com as consequências que sabemos, num país com instituições muito mais sólidas. Bolsonaro está pagando para ver.

O que fazer diante desse ultimato em que aquele que perde apoio nas urnas tenta se manter no poder pela força?

Cada um se posicionar e fazer a parte que lhe cabe. E, principalmente, as instituições que ainda resistem usar o poder constitucional que ainda tem. E a imprensa cumprir o seu dever com a responsabilidade que lhe cabe num projeto democrático, mas que com frequência é esquecida em nome de interesses estranhos ao jornalismo. Este é um momento crucial. E não há manual para enfrentá-lo. Nem quem viveu a ditadura civil-militar está preparado para responder ao horror que é ter um homem que se comporta como terrorista na presidência. Mas é isso o que vivemos hoje no Brasil. A forma como Bolsonaro preparou o 7 de Setembro pode ser enquadrada como terrorismo de Estado.

É importante reconhecer que Bolsonaro já conseguiu parte do seu objetivo, o de impedir grandes manifestações de oposição contra ele. A esquerda está dividida sobre ir às ruas ou não neste 7 de Setembro. Não é impossível, mas é improvável haver um número maior de opositores do que de bolsonaristas. Pela ameaça explícita, Bolsonaro já conseguiu garantir que a realidade evidenciada pelas pesquisas, a de que hoje ele só é apoiado por uma minoria, seja distorcida nas ruas. Como a manipulação é central em seu modo de operar, ele está preparando mais uma, ao buscar simular que tem a adesão da maioria da população pela imagem de uma rua cheia e que a oposição a ele é minoritária ou covarde porque grande parte está preferindo ficar em casa porque tem medo de morrer pelas balas de seus apoiadores ou da parte miliciarizada de policiais que o apoiam. É provável que ele obtenha imagens assim manipuladas para cantar vitória em São Paulo e também em Brasília.

É importante compreender que Bolsonaro conseguiu reprimir parte das manifestações contra ele no grito não porque é esperto, mas porque é armado. Bolsonaro impôs e segue impondo o terror contra o conjunto da população que por dever constitucional deveria garantir a proteção. As instituições deveriam saber o que fazer com um presidente que se comporta como terrorista contra seu próprio povo. Espero que saibam.

Não é fácil, como cidadão, decidir ir ou não ir às ruas neste 7 de Setembro contra Bolsonaro. Como colunista de opinião, penso que, apesar de ser muito difícil analisar uma história em movimento acelerado por um presidente que se comporta como terrorista, tenho o dever ético de me posicionar claramente. Não como dona de nenhuma verdade, mas tentando fazer o melhor que posso com os fatos disponíveis. Prefiro errar por ação do que por omissão. E sei que, no dia seguinte ou até mesmo na noite do mesmo dia, aparecerão vários analistas de retrovisor para fazer a análise perfeita dos fatos, a análise de quem sabe e de quem entendeu e anteviu e previu e concluiu e acertou. Não como se estivessem analisando o que passou, o que é totalmente legítimo, mas afirmando que já previam tudo o que iria acontecer só preferiram não contar para ninguém para não estragar a surpresa.

Respeito muito profundamente os movimentos e as pessoas que defendem ir às ruas no 7 de Setembro em nome da resistência a Bolsonaro e a seu governo autoritário. E respeito muito profundamente o argumento de que os mais pobres, e no Brasil a maioria dos mais pobres é preta, já estão sendo mortos nas periferias há muito. Ainda assim, penso que neste momento seria melhor que Bolsonaro encontre as ruas vazias. Que seus opositores, hoje majoritários, fiquem em casa ou reunidos em espaços onde tenham chances de se proteger. Desta vez, não estamos enfrentando adversários políticos, mas um presidente que se comporta como terrorista, com a máquina do Estado a seu favor e parte das polícias agindo como milícias. É de outra ordem. Penso que não dá para botar o corpo diante de fanáticos armados. Pode não acontecer nada. Pode acontecer tudo. Uso o princípio da precaução. Basta um dos seguidores de Bolsonaro disposto a mostrar serviço, determinado a se tornar herói, para acontecer uma tragédia.

Há evidências mais do que suficientes de que as forças de segurança, que deveriam manter a integridade dos cidadãos e assegurar o direito constitucional à manifestação, em parte se miliciarizaram. Há fatos mais do que suficientes para mostrar que parte das PMs não obedece aos governadores. Há escassas garantias de que as polícias estejam dispostas a proteger aqueles que se opõem a Bolsonaro neste 7 de Setembro. E, assim, as manifestações de oposição correm o risco de — sob qualquer pretexto, e sempre há um— enfrentar também policiais disparando contra cidadãos.

Democracia brasileira


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A democracia existe para que as leis —e não as armas— regulem as relações. Bolsonaro conclamou seus apoiadores a engatilhar as armas para destruir a Constituição. Pelo terror, o presidente tomou conta do campo e determinou as regras do 7 de Setembro. Penso que pode ser mais potente neste momento mostrar —e declarar— ao mundo que o direito constitucional de manifestação foi sequestrado no Brasil para aqueles que se opõem a Bolsonaro. E foi sequestrado pela ameaça e pela coerção. É necessário que isso seja estabelecido e reconhecido dentro e fora do país. Bolsonaro pode não escolher (ainda) quando fazemos manifestações contra ele, mas está escolhendo quando não podemos fazer, ao apropriar-se do 7 de Setembro pela imposição do terror.

Respeito quem se arrisca a morrer para que Bolsonaro e sua turma não reinem sozinhos nas ruas no 7 de Setembro, mas acredito que esse país já têm mártires demais. Esse país produz mártires todos os dias. Para enfrentar Bolsonaro e tudo o que ele representa precisamos de gente viva. Para refundar o país precisamos de gente viva. A luta é hoje e terá que seguir no dia 8 e adiante. A luta, que para muitos é sempre, desta vez será longa para quase todos.

O que chamamos de povo brasileiro não é composto por covardes. Ao contrário. É resultado de uma monumental resistência cotidiana contra todas as formas de morte. O maior exemplo dessa monumental resistência é, neste momento, o acampamento dos povos originários em Brasília. Os indígenas, que resistem ao extermínio literalmente há 500 anos, chegaram ao centro do poder nas últimas semanas para o julgamento do “marco temporal”, uma das teses mais perversas de uma história marcada pela perversão. Pelo “marco temporal”, apenas povos que estavam em seus territórios em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, teriam direito a suas terras ancestrais. Acontece que, se os povos não estavam em suas terras naquela data é porque tiveram de deixá-las para não ser mortos por grileiros (ladrões de terras públicas), garimpeiros, madeireiros ou empresas transnacionais. Foram obrigados a deixar suas terras para não ter sua comunidade inteira assassinada e, agora, legisladores alegam que perderam o direito sobre sua casa porque não estavam lá.

Como o julgamento no Supremo Tribunal Federal se prolongou, parte das lideranças segue acampada. Mais chegaram para a marcha das mulheres indígenas, que se inicia em 8 de setembro. É essencial que as instituições que ainda param em pé assegurem a proteção do acampamento de ataques bolsonaristas —e que a imprensa se mantenha vigilante, pronta para relatar ao mundo qualquer tentativa de massacre dos povos originários.

Há resistência cotidiana a Bolsonaro e aos bolsonaristas por todos os lados. Mas é preciso de mais apoio para aqueles que estão na linha de frente da luta não somente em 7 de Setembro, mas há muito. Nas últimas semanas, algumas das pessoas mais corajosas atuando hoje no Brasil foram colocadas em segurança para não serem mortas, já que as recentes manifestações presidenciais para o 7 de Setembro intensificaram ainda mais a violência, especialmente na Amazônia. Se ampliam no Brasil as redes de proteção tecidas pela sociedade para aqueles que estão no topo da lista de marcados para morrer. Não foi fácil para nenhuma destas pessoas decidir deixar temporariamente seu território de pertencimento, onde sofrem atentados e se arriscam dia após dia. Mas entenderam que para lutar é preciso estar vivo. Retiradas estratégicas são provas de coragem e de inteligência, só os brutos ganham na força bruta. A luta está longe de acabar e precisamos de todas as pessoas. Se há algo de que o Brasil não precisa é de mais cadáveres. Não podemos permitir que nos usem para justificar a violência que Bolsonaro e os seus escolheram como forma de vida e de reprodução do poder.

O 7 de Setembro sempre foi enaltecido pelos opressores. Durante a ditadura, as escolas eram obrigadas a desfilar pela pátria, numa pátria aviltada pelos generais golpistas, enquanto opositores eram torturados e executados por agentes do Estado nas dependências de órgãos de Estado obedecendo a uma política de Estado. Deixemos a data de nossa tragicômica independência para os violentos. Este 7 de Setembro em que a independência foi anunciada pelo descendente daqueles que iniciaram uma nação fundada sobre o extermínio primeiro dos indígenas, depois dos negros escravizados. Este 7 de Setembro em que Dom Pedro I declarou o Brasil independente de Portugal quando viajava montado sobre uma mula e prostrado por diarreia. Nossos símbolos são outros e ecoam uma resistência de 500 anos.

Ocupar as ruas é vital para qualquer movimento de resistência. É momento de encontro, é momento de declaração de princípios, é momento de fazer laços. É momento de fazer comunidade para lutar pelo comum. Neste 7 de Setembro, porém, há um presidente que se comporta como terrorista determinando as regras. E ele controla a máquina de Estado. Nós, que nos opomos a Bolsonaro, não lutamos um dia só. Mas todos os dias. Estaremos em pé em 7 de Setembro. E estaremos em pé nos dias seguintes. O principal ato de resistência no Brasil é ficar vivo para seguir lutando.

Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora de sete livros, entre eles Brasil, Construtor de Ruínas: um olhar sobre o país, de Lula a Bolsonaro (Arquipélago).

Site: elianebrum.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter, Instagram e Facebook: @brumelianebrum