constituição cidadã
Roberto Freire: As lições de 1989 para 2018
A um ano das eleições de 2018, o Brasil começa a viver a expectativa pelo momento determinante do voto que definirá os rumos da nação pelos próximos quatro anos, enquanto vamos nos aproximando da reta final do governo de transição resultante do impeachment.
Em uma quadra tumultuada da vida nacional, é imperioso que todos aqueles verdadeiramente comprometidos com a democracia e a superação da crise tenham responsabilidade com o país e ofereçam alternativas viáveis e projetos concretos para a retomada do crescimento, a geração de empregos e o resgate da autoestima e da confiança do brasileiro em seu próprio futuro.
Um olhar abrangente sobre o que está por vir deve passar, necessariamente, pelos ensinamentos que podemos extrair do passado. Há pouco menos de 30 anos, em 1989, o Brasil experimentava um clima de grande euforia cívica com a primeira eleição direta para a Presidência da República desde o fim do regime militar. Com a redemocratização e a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, a efervescência política que tomou conta do país trouxe otimismo e uma grande esperança à sociedade.
Na disputa presidencial de 1989, da qual honrosamente participei como candidato pelo PCB – foi um dos momentos mais marcantes e uma das grandes emoções que tive em mais de 40 anos de vida pública –, houve entre nós aqueles que defendiam a união das forças do campo democrático em torno de uma candidatura à Presidência, provavelmente a de Ulysses Guimarães, do PMDB, reconhecido como símbolo maior da luta pelas Diretas e o “Senhor Constituinte”. Uma das vozes que se levantou nesse sentido foi a de Luiz Werneck Vianna, cientista social e até hoje um arguto observador e analista da realidade brasileira, que nos alertava para os riscos de uma pulverização de candidaturas naquele pleito.
Infelizmente, naquele momento, talvez influenciados pela comoção nacional e envolvidos emocionalmente em uma histórica campanha que nos dava a oportunidade de retomar o contato mais próximo com o povo brasileiro, seus problemas e a dura realidade da população, não ouvimos os alertas que foram feitos e nos dispersamos.
Fui candidato pelo PCB, Leonel Brizola saiu pelo PDT, Mário Covas foi lançado pelo PSDB, Fernando Gabeira disputou pelo PV, entre muitos outros postulantes à Presidência, totalizando mais de duas dezenas de candidaturas ao Palácio do Planalto.
Todos conhecem o resultado de tamanha pulverização. Foram ao segundo turno as duas figuras que supostamente desafiavam o “status quo” e eram consideradas “outsiders”: Collor, candidato pelo pequeno PRN, e Lula, do PT, ainda muito distante do figurino “paz e amor” adotado em sua campanha vitoriosa de 2002.
Nenhum deles demonstrava qualquer preocupação com a montagem de um governo de coalizão ou de uma base parlamentar sólida que lhes desse sustentação no Congresso Nacional, algo primordial no presidencialismo brasileiro.
Collor sofreu um processo de impeachment e deixou a Presidência em 1992, em meio a uma série de acusações e denúncias de corrupção que o atingiram e a seu governo.
Para 2018, tenho defendido que não podemos repetir os mesmos equívocos de 1989. No ano que vem, como naquela eleição, o risco de haver uma forte pulverização de candidaturas é muito elevado.
Os alertas feitos naquela oportunidade devem ser ouvidos agora, ainda que com atraso: temos de buscar a unidade de todas as forças democráticas do país para evitarmos, ao fim e ao cabo, uma nefasta polarização entre os extremos do espectro político, personificados nas figuras de Lula e Jair Bolsonaro.
Tenho insistido na importância de que as conquistas obtidas durante o governo de transição, sobretudo no aspecto econômico (como a queda da inflação e da taxa básica de juros, a diminuição gradativa do desemprego, o aumento do poder de renda das famílias, o crescimento do PIB etc), não podem ser colocadas em risco por uma eventual disjuntiva entre essas duas alternativas políticas no segundo turno de 2018.
Nossa missão é oferecer aos brasileiros uma candidatura virtuosa que unifique o centro democrático e seja capaz de enfrentar e derrotar tanto uma esquerda atrasada e reacionária que apoia abertamente a ditadura de Maduro na Venezuela, por um lado, quanto uma extrema-direita igualmente populista e de corte claramente fascista que defende a ditadura militar e as torturas por ela praticadas, por outro.
Apesar de algumas similitudes entre 1989 e 2018, é importante considerarmos uma diferença fundamental: naquele primeiro momento pós-redemocratização, o Brasil estava imerso em uma grande euforia e vivia um clima de otimismo.
Hoje, o que existe é um desânimo absoluto da população e a descrença generalizada em relação à classe política, fruto de todo o desmantelo e a corrupção que marcaram os 13 anos dos governos petistas de Lula e Dilma.
Esse sentimento gera, inclusive, uma perigosa repulsa à política e aos políticos indistintamente, o que é sempre temerário do ponto de vista democrático. Apesar de todos os problemas, a política é o instrumento pelo qual as sociedades podem mudar os seus destinos. Fora da política, não há outro caminho possível além da barbárie.
Lamentavelmente, em meio a esse cenário de terra arrasada que fermenta um caldo de desilusão, os discursos populistas à esquerda e à direita, inclusive formulados por aqueles que pregam estultices como a intervenção militar no Brasil e o fechamento do Congresso, encontram terreno fértil para prosperar junto aos mais incautos.
É contra essa corrente autoritária e antidemocrática que devemos nos erguer. Temos um ano pela frente e, até lá, precisamos aprovar as reformas de que o Brasil precisa, concluir a transição que nos levará às próximas eleições e construir uma candidatura forte, competitiva e representativa de todas as forças democráticas, à esquerda e à direita, que convirjam para o centro.
Que as lições de 1989 ecoem em 2018, evitando a repetição de erros do passado e mobilizando os brasileiros a recuperarem o mesmo entusiasmo daquele período.