conhecimento
Pensar sem medo
Anna Carolina Venturini*, Folha de São Paulo
A educação possibilita aos cidadãos avaliar, criticar e propor formas de aprimoramento das instituições políticas e democráticas. Porém, em regimes políticos autoritários ou marcados por um processo de erosão democrática, é historicamente comum que a educação e seus desdobramentos —como a liberdade acadêmica e a autonomia universitária— sejam atacadas na tentativa de silenciar a oposição e alinhar a produção do conhecimento científico a interesses políticos.
Mais uma vez, como ocorreu na ditadura militar, é isso o que observamos no Brasil: o estudo e a salvaguarda da liberdade acadêmica enfrentam uma série de dificuldades, qualificadas em 30 tipos de violações, de acordo com estudo do Laut (Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo) feito a partir de tipologia desenvolvida pelo Global Public Policy Institute (GPPi) em 2018.
A preocupação com esse cenário de autoritarismo motivou o Laut a produzir a pesquisa "Pensar sem medo" —uma série de relatórios que situa eventos recentes no país relacionados ao declínio democrático a partir de informações sobre a liberdade acadêmica no mundo. As análises buscam fornecer ferramentas para que se avance na resposta a uma pergunta crucial: quais fatores devemos monitorar para proteger a liberdade acadêmica da onda autoritária no Brasil?
O contexto também incentivou o desenvolvimento de um estudo para coleta de informações, em uma parceria do Observatório do Conhecimento, do Laut e do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Por meio da pesquisa nacional on-line intitulada "A liberdade acadêmica está em risco no Brasil?", foram mapeadas interferências institucionais no livre exercício do trabalho de docentes e pesquisadores vinculados a institutos de pesquisa e instituições de ensino superior (IES) públicas e privadas. A análise das 1.116 respostas dá indícios de que a liberdade acadêmica está ameaçada no Brasil, sobretudo no que diz respeito à docência e à produção de conhecimento científico.
O monitoramento dos casos de violação da liberdade acadêmica e da autonomia universitária demanda a coleta de diferentes tipos de dados e a utilização de metodologias de análise específicas, já que muitos não chegam ao conhecimento do público em geral e não ganham destaque na mídia. Por isso, no último relatório do Laut, "Violações à liberdade acadêmica no Brasil: caminhos para uma metodologia", é lançado um olhar microscópico para a educação universitária brasileira a partir da análise das respostas de algumas questões da pesquisa nacional, conjuntamente com os casos analisados no relatório "Retrato dos ataques à liberdade acadêmica no Brasil", com objetivo de identificar os tipos de violações ocorridas no país nos últimos anos como base na tipologia desenvolvida do GPPi.
O estudo do Laut mostra que a realidade brasileira apresenta numerosos casos, em sua maioria nos últimos dois anos, de repressões brandas e duras ao ambiente universitário, científico e aos acadêmicos.
Aponta que alguns casos de violações são específicos da realidade do país, como, em nível nacional, a nomeação arbitrária dos reitores e dirigentes das Ifes (Institutos Federais de Ensino Superior) por entes externos às universidades. Já no âmbito das violações individuais, os exemplos incluem investigações administrativas e procedimentos disciplinares contra docentes e discentes, mas também ações criminais que vêm sendo mobilizadas para intimidar críticas acadêmicas a instituições e atores políticos.
Os últimos anos foram marcados por violações sistemáticas de liberdades fundamentais e do aumento do controle e vigilância de qualquer voz que seja dissidente, crítica ou contrária a atos e ideologias do governo. Não há como pensar o ensino superior e a pesquisa científica sem liberdade acadêmica. Sem essa liberdade fundamental, não há como cultivarmos o pensamento crítico e livre de interferência política, essencial para o aprimoramento das instituições e de uma sociedade democrática.
Texto publicado originalmente em Folha de São Paulo.
Bienal Internacional do Livro de Brasília terá exposição de 400 mil títulos
Bienal*
Com o tema “A transformação acontece aqui”, a 5ª Bienal Internacional do Livro de Brasília (Bilb), antes chamada de Bienal Brasil do Livro e da Leitura (Bilb), será realizada de 21 a 30 de outubro e retomará o seu formato presencial após dois anos paralisada por causa da pandemia da covid-19. Em 12 mil metros quadrados no Pavilhão do Parque da Cidade, o evento reunirá 100 expositores – entre livrarias, distribuidoras e editoras de todo o país –, com exposição de 400 mil títulos. A previsão é movimentar R$ 11 milhões por meio da venda de livros.
O público deverá acessar o site oficial da bienal para retirar o ingresso eletrônico de acesso à área de visitação, onde poderá participar de palestras, debates, masterclass, lançamento de livros e noite de autógrafos com a presença dos maiores autores internacionais, nacionais e locais. Durante a semana, o horário de funcionamento da bienal será das 9h às 22h e, aos sábado e domingos, das 10h às 22h.
Nesta edição, o evento homenageará a escritora brasileira Miriam Alves, assistente social com quatro décadas de literatura, e a mexicana Laura Esquivel, roteirista e escritora do Como água para chocolate, que conquistou reconhecimento internacional – o livro está hoje traduzido em 35 línguas, foi adaptado ao cinema e vendeu 3,6 milhões de exemplares.
“Um dos nossos focos é criar um ambiente em que a troca de experiências entre leitores e escritores possam favorecer o diálogo, o conhecimento e as vendas de maneira que todos fiquem satisfeitos”, afirma a diretora-geral, Suzzy Souza. Ela explica que o público da 5ª Bilb vai mergulhar em uma programação cultural bastante diversificada, dividida em seis eixos temáticos: autores, mercado, música, HQs, crianças e multimeios.
A Bilb tem entre os seus objetivos a democratização do livro e seu amplo uso como meio de difusão da cultura e transmissão do conhecimento; o estímulo à produção de autores brasilienses e do hábito da leitura, em especial dos jovens; e a oferta de negócios entre mercado editorial nacional e local. A importância do projeto foi reconhecida pela Câmara Legislativa. Desde 2016, a bienal integra o calendário oficial de eventos do Distrito Federal, por meio da lei 5.702.
Considerada a maior feira literária do Centro-Oeste, a Bilb também será realizada na Semana Nacional do Livro e da Biblioteca (Lei 5.191, de 18 de dezembro de 1966), amplamente comemorada em todo território nacional no período de 23 a 29 de outubro e que visa promover a leitura, o livro e as bibliotecas.
A bienal também conta com uma ampla área para visitação e seminários sobre educação e serviço social. O evento oferece, ainda, atividades artísticas e culturais para 12 mil alunos das escolas públicas e privadas do DF que já têm visitação agendada no calendário da Bilb.
Outra grande atração da bienal é o palco show, um ambiente exclusivo que, durante a feira, terá rica e vasta programação musical, com apresentações de artistas locais e nacionais. Os cantores Hamilton de Holanda e Roberta Sá farão show no dia 21 de outubro no local, e a cantora e compositora Céu, no dia seguinte. Para ter acesso a essa área da bienal, o público deve acessar o site e adquirir seu ingresso eletrônico para shows musicais.
A 5ª Bilb é uma realização da InterCult Produções e do Instituto Levanta Brasil, com direção-geral de Suzzy Souza e Henrique Senna. O evento também tem trabalho articulado com os curadores nacional, Paulliny Tort; internacional, José Rezende Jr.; e de HQ, Pedro Brandt.
A bienal
Ao longo das quatro edições anteriores, o projeto recebeu mais de 1,5 milhão de visitantes, dentre os quais cerca de 200 mil eram estudantes das redes pública e particular de ensino do Distrito Federal. O público teve a oportunidade de assistir a palestras e debates de mais de 470 escritores brasileiros e estrangeiros.
Além disso, a bienal lançou 600 livros de mais de 60 países, com 120 seminários e debates, além de apresentações de 161 artistas e grupos brasileiros.
Além do público em geral, o mercado editorial e literário foi muito beneficiado pela bienal, nas quatro edições anteriores. Editoras e revendedoras participantes comercializaram mais de 600 mil livros. No total, alunos e professores da rede pública do DF também movimentaram cerca de R$ 7 milhões com vale-livro.
Texto publicado originalmente no portal da Bienal.
Dia Internacional dos Povos Indígenas foca no papel da mulher
ONU News*
Este 9 de agosto é o Dia Internacional dos Povos Indígenas. O tema deste ano é o papel das mulheres indígenas na conservação e transmissão dos conhecimentos tradicionais.
Em mensagem de vídeo, o secretário-geral da ONU, António Guterres, lembra que elas são as guardiãs de sistemas tradicionais de alimentação e remédios naturais.
Desenvolvimento sustentável e voz das mulheres
Para Guterres, são também as mulheres indígenas que transmitem as línguas e as culturas dos povos indígenas e defendem o meio ambiente e os direitos humanos.
O chefe da ONU afirma que sem dar voz às mulheres indígenas será impossível alcançar equidade e sustentabilidade como previsto na Agenda 2030 de desenvolvimento sustentável.
A ONU News ouviu a indígena e filósofa brasileira, Cristine Takuá, que falou do estado de São Paulo, sobre a data.
"Se hoje existem florestas, é porque os indígenas são guardiões, grandes sabedores, que dialogam com os espíritos, com as montanhas, os rios, as árvores, com todos os seres, animais, vegetais e minerais. O dia 9 de agosto deve ser lembrado como uma forma de resistência. Uma resistência onde todas as avós, todas as mães, no momento do parto, trazem as crianças ao mundo com uma sabedoria ancestral."
A ONU Mulheres lembra que a transmissão do conhecimento indígena é passada de geração a geração pelas mulheres como um valor imensurável.
Exploração de recursos indígenas sem autorização
E apesar do compromisso internacional para preservar e proteger a cultura e tradições indígenas, ainda existe exploração desses recursos. Em alguns países, objetos sagrados dos indígenas são usados, ameaçados ou patenteados para uso comercial sem autorização.
Para a agência da ONU, é preciso criar regimes legais para garantir que as mulheres indígenas possam ser beneficiadas de seu próprio conhecimento com reconhecimento internacional, evitando o uso ilegal por terceiros.
Por isso, as mulheres indígenas têm que ser parte do processo de decisão de como sua própria herança é usada, mantida e gerenciada.
Biodiversidade e perspectivas
Em março, a Comissão sobre o Estatuto da Mulher encorajou Estados-membros a assegurar que as perspectivas de todas as mulheres e meninas indígenas e rurais fossem levadas em consideração.
A agência da ONU afirma que o conhecimento tradicional dos indígenas tem potencial na erradicação da pobreza, na segurança alimentar biodiversidade e para expandir o desenvolvimento sustentável.
*Texto originalmente publicado no ONU News. Título editado
Batalha de poesias – Slam DéF retoma apresentações presenciais
João Vítor*, com edição da coordenadora de Mídias Sociais da FAP, Nívia Cerqueira
Depois de dois anos sendo realizada de forma online, a batalha de poesias Slam-DéF volta a acontecer presencialmente. O evento está marcado para o próximo sábado (23/7), a partir das 9h30, no Conic, loja 52, no hall de entrada Biblioteca Salomão Malina, mantida pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP).
As inscrições acontecerão presencialmente, por ordem de chegada com premiação de R$100 e troféu para o vencedor. Além da batalha de poesias, a biblioteca promoverá uma feira de troca de livros para quem doar um agasalho em bom estado. As arrecadações serão destinadas a uma instituição de caridade.
O coordenador do Slam-Déf, Will Júnio celebra a retomada presencial do projeto na biblioteca e diz que a poesia “tem tudo a ver com leitura", estando ligada à linguagem e comunicação verbal e não verbal.
Confira, abaixo, galeria de fotos:
Para o poeta carioca Raulf Henrique Gomes Jatobá, de 19, mais conhecido como Jatobá, a poesia dá propósito à vida. “É uma das formas de inspirar outras pessoas e democratizar o acesso ao conhecimento, à arte e à cultura”, afirma.
Jatobá foi o vencedor da edição do mês de junho e lamenta a ausência neste evento presencial, pela distância e questões financeiras, mas ressalta a importância do evento presencial. “Faço parte dessa história lindíssima e vocês também fazem parte da minha”, destaca.
Sobre o Slam-DéF
O slam nasceu em Chicago, Estados Unidos, nos anos 1980. Chegou ao Brasil duas décadas depois. No Distrito Federal, começou em 2015, com o Slam-DéF, que também atua no Entorno. O grupo integra pessoas de qualquer idade, cor, raça, etnia e orientação sexual.
Interessados podem solicitar mais informações por meio do WhatsApp oficial da Biblioteca Salomão Malina (61 98401-5561).
Serviço
Batalha de Poesias Slam-DéF
Dia: 23/7/2022
Horário: 9h30
Onde: Hall de entrada da Biblioteca Salomão Malina, localizada no SDS, Bloco P, ED. Venâncio III, Conic, loja 52, Brasília (DF).
Realização: Slam-DéF, em parceria com Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
*Integrante do programa de estágio da FAP sob supervisão.
Evandro Milet: O futuro é o conhecimento, a educação, a tecnologia, e não mais o petróleo
O episódio recente da mudança do presidente da Petrobras trouxe o problema do petróleo para as redes sociais com comentários desinformados, além de raivosos naturalmente, como é praxe nesse ambiente.
Um comentário dizia que o Brasil é autossuficiente em petróleo e não precisaria seguir preços internacionais. Se conseguisse refinar e usar todo o petróleo que produz, isso seria verdade, mas não é. Quando o Brasil construiu refinarias, principalmente entre 1950 e 1980, não produzia petróleo, mas necessitava de combustível para enfrentar o crescimento do número de veículos. As refinarias foram então construídas para processar petróleo leve importado do Oriente Médio. Quando o país descobriu petróleo, este era mais pesado, e as refinarias não processavam.
Os novos campos do pré-sal já têm óleo mais leve, mas mesmo assim o Brasil precisa exportar e importar petróleo e derivados pela capacidade e tecnologia de processamento das misturas de leve e pesado de cada refinaria. E, claro, que paga a importação no dólar vigente e no preço do barril do mercado. Se a Petrobras comprar pelo preço internacional e vender com preço subsidiado no mercado interno vai ter prejuízo. Isso aconteceu no governo do PT para segurar a inflação e gerou um prejuízo de R$ 100 bilhões à empresa. Junto com os investimentos políticos errados em novas refinarias e a corrupção, a empresa quase quebrou, com uma dívida de 140 bilhões de dólares, que vem sendo reduzida.
A recuperação passa por vender ativos menos rentáveis como algumas das refinarias e redes de postos e se concentrar na altamente lucrativa produção do pré-sal. O problema agora é saber o apetite de possíveis compradores de refinarias, desconfiados que o representante-mor do acionista controlador da Petrobras, o Presidente da República, pode interferir nos preços de derivados.
Quem vai comprar uma refinaria se o concorrente pode baixar o preço do produto artificialmente? Os produtores de etanol, por sua vez, ficam perdidos com o preço atrelado à gasolina. Empresários que montaram operações de importação de derivados, liberada desde 2002, como ficam com essa concorrência com preços artificiais?
Há outras consequências: milhares de investidores prejudicados com a queda das ações da Petrobras, inclusive fundos de pensão de trabalhadores e fundos em geral, do mundo todo, que passam a desconfiar de investimentos no país. Compradores de papéis da Petrobras, no Brasil e no exterior pedirão mais juros nas próximas vezes, aumentando a dívida. Fora a desconfiança geral sobre a segurança jurídica e política de investir no Brasil.
A intervenção de Bolsonaro na Petrobras afugentou os investidores estrangeiros — que sacaram 9,2 bilhões de reais da bolsa de valores, sendo 6,8 bilhões de reais somente num único dia. Consequência, sobre o dólar, da lei da oferta e da procura: o dólar aumenta, o diesel aumenta, a inflação aumenta e a cobra morde o rabo. “Era mais barato dar 100 bilhões de reais aos caminhoneiros”, disse o ministro da Economia, Paulo Guedes, a um integrante da pasta (Veja).
Mas quem ganha com a venda de refinarias e a importação de petróleo e derivados? Ganha o consumidor que vai se beneficiar da concorrência aberta e certamente do aumento de produtividade e novos investimentos pelos novos proprietários. Surgirão até mini-refinarias privadas para atendimento localizado.
Mas, diriam alguns estacionados na década de 1950, o petróleo não é estratégico? Não mais. Se o Brasil não extrair esse petróleo rapidamente, em não muitos anos vai ficar com o mico. O mercado vai reduzir o preço do petróleo gradativamente antes de acabar a era do petróleo. Aliás, como se sabe, a idade da pedra não acabou por falta de pedra.
Se algum país quiser prejudicar o futuro dos Estados Unidos é melhor jogar uma bomba no Vale do Silício do que em algum poço de petróleo. O futuro é o conhecimento, a educação, a tecnologia e não mais petróleo, substituído aos poucos pelas energias alternativas, com preço caindo rapidamente com novas tecnologias de equipamentos e baterias.
Tratemos de aproveitar os anos que restam ao petróleo para desenvolver uma cadeia de fornecedores de equipamentos e serviços que podem migrar depois para outros setores e aproveitar os royalties e participações especiais para investir em educação, tecnologia, infraestrutura e energias alternativas, que se viabilizam com o preço alto de combustíveis fósseis, como o meio ambiente pede.
Oscilações bruscas do preço de combustíveis, que sempre acontecem nesse mercado, podem ser atenuadas em articulações não histéricas, respeitando a governança corporativa da Petrobras, pela redução de carga fiscal, mecanismos inteligentes de compensação e estratégia antecipada de mudança de perfil das empresas de transporte, da tecnologia usada nos veículos e da composição de meios logísticos.
Interferir em preços de mercado nós já vimos quando caçavam boi no pasto no Plano Cruzado. Não dá certo.
Cristovam Buarque: Afogamento e fuga
Em 1995, nasceram 3,1 milhões de crianças no Brasil. Em 2017, 30 mil delas continuam analfabetas por não terem entrado ou terem abandonado a escola antes de aprender a ler. Cerca de 2,6 milhões concluíram o ensino fundamental. Apenas dois milhões terminaram o ensino médio e dessas, não mais do que 600 mil adquiriram conhecimento suficiente para enfrentar os desafios da sociedade do conhecimento onde viverão, falando línguas estrangeiras, dominando Matemática, Informática, Geografia, História, Literatura, Filosofia.
Pouco mais de 720 mil (49%) estão no ensino superior e, considerando a atual taxa de evasão/abandono nesse nível educativo, não chegará a 355 mil (11,5%) o número daquelas 3,1 milhões de crianças que, até o ano de 2022, concluirão o ensino superior. As avaliações mostram que a qualificação profissional desses graduados deixa muito a desejar. O aumento no número de vagas não teve correspondência no aumento do número e da qualidade do ensino médio. Apenas 17 mil (0,55%), no máximo, farão cursos de pós-graduação e terão condições de serem alguns dos raros cientistas de que o Brasil tanto carece.
Destes nascidos em 1995, o Brasil não terá mil como cientistas de nível internacional trabalhando com ciência. A perversidade dessa pirâmide é suficiente para mostrar o despreparo do Brasil para ingressarmos com eficiência no século XXI, com a economia global baseada no conhecimento. Ainda pior, boa parte dos nossos raros talentos científicos estão emigrando para países onde poderão desenvolver melhor suas atividades profissionais e terão melhores condições de vida para si e para suas famílias.
Entre o nascimento e a vida adulta, o Brasil afoga milhões de seus cérebros na infância e adolescência, e está provocando a fuga dos poucos que conseguem avançar até o último nível do conhecimento formal e do exercício da atividade científica. A dificuldade criada por estes dois fatos, afogamento e fuga de cérebros, mostra uma sociedade imediatista nos propósitos e sem vocação para o desenvolvimento intelectual. Os brasileiros se revoltariam se tomassem conhecimento de que nossos governos estão omissos diante da destruição de parte de nossas minas e deixando que países estrangeiros levem uma parte de nossos minérios.
Entretanto, nenhuma indignação é manifestada, e nada é feito para impedir essa realidade. Assistimos passivamente ao afogamento e fuga, sem ao menos percebermos que estamos perdendo nosso ouro do século XXI: o conhecimento, a ciência, a tecnologia e a cultura que nossos cérebros poderiam criar. Permitimos que levem a verdadeira e permanente riqueza: a inteligência de nossas crianças que deixamos de desenvolver e a inteligência de nossos doutores que partem para o exterior. Não teremos futuro se não formos capazes de aproveitar os cérebros de todas as nossas crianças, de mantê-los aqui em plena atividade profissional e de trazer de volta os nossos cientistas que emigraram para outros países, dando-lhes todas as condições de trabalho.
Alberto Aggio: Unesp, 40 anos e uns tantos sinais
Meio ano se passou e mesmo em meio à turbulência política que nos acompanha cotidianamente, dentro e fora do País, não podemos deixar de lembrar que uma de nossas mais importantes universidades, a Unesp, completa 40 anos. Não é muito tempo para que uma universidade alcance a maturidade e por ela seja reconhecida, se tivermos como parâmetro as mais importantes universidades do mundo. A Unesp é filha e protagonista de um tempo vertiginoso que tem conduzido o País pelos caminhos da modernidade, cujo saldo, apesar de problemas de toda ordem, é largamente positivo. Depois de 40 anos é justo saudar o percurso realizado por essa universidade que, ao consolidar o seu perfil multicâmpus, se tornou modelo para instituições de ensino superior que foram criadas depois dela em outros Estados.
Por suas origem e trajetória, a Unesp representa o êxito e as vicissitudes do processo de modernização do Estado de São Paulo. Hoje ela está presente em 24 cidades por meio de 29 faculdades e institutos, que abrangem todas as áreas do conhecimento e oferecem 155 cursos de graduação a cerca de 37 mil alunos, além de 146 programas de pós-graduação a outros 13.500 alunos, sendo 112 deles em nível de doutorado. Abriga em seus quadros cerca de 3.800 docentes e 6.700 servidores técnico-administrativos. Seus professores participam de centenas de pesquisas e são responsáveis por parte significativa da produção científica do País.
A Unesp guarda em si os elementos essenciais que compõem a visão que o mundo moderno reserva à universidade – essa notável sobrevivente do medievo europeu, ainda legitimada entre nós. No centro dessa visão está o entendimento de que uma universidade deve afirmar-se na justa relação entre o ideal do conhecimento e uma instituição organizada para sua produção. Essas duas dimensões muitas vezes andaram juntas na História e outras vezes se distanciaram, chegando a segunda a se sobrepor à primeira por questões religiosas, ideológicas ou por imposição de regimes autoritários.
Como ideal, a universidade nutre-se da inquietação de homens e mulheres dedicados às ciências, ao pensamento, às artes, à investigação. Mas essa instituição também é uma relação social que se funda e se reproduz tendo como base aquilo que a sociedade demanda dos que procuram saber mais, buscam conhecer melhor a realidade material e espiritual dos homens, seus desafios e limites. Ela forma profissionais que procuram responder às suas necessidades e, ao mesmo tempo, se esforçam para superar o conhecimento já produzido.
A universidade não pode viver sem uma íntima conexão com os problemas do seu tempo. Ela precisa apurar a sua percepção a respeito das demandas da sociedade, dialogar com ela, mas também refletir criticamente sobre seus impasses e descaminhos. Como instituição, deve procurar ainda estabelecer novas orientações organizacionais quando isso se impuser como uma necessidade.
Criada e consolidada a partir dessa perspectiva, a Unesp seguiu o modelo das grandes universidades públicas multifuncionais, vocacionadas para a unidade entre ensino e pesquisa. No mundo ocidental, esse tipo de universidade, nem sempre gratuita, é essencialmente mantida com recursos governamentais. Atualmente, há um reconhecimento quase generalizado de que esse modelo deve passar por reformas. A autonomia acadêmica e financeira parecem ser duas teses já assimiladas. No entanto, há questões que precisam ser enfrentadas, tais como sua expansão, os critérios de acesso, a modernização de sua gestão e, por fim, o problema do seu financiamento. No Brasil, a questão do financiamento é reconhecidamente dramática em função da gritante desigualdade social, da injustificada gratuidade para determinados segmentos sociais, além das determinações constitucionais.
Por quase um século a adoção daquele modelo possibilitou que o País produzisse um conhecimento de alta qualidade, que não pode ser negligenciado. Nas últimas décadas a universidade assumiu uma tarefa cidadã da maior relevância, tornando-se parte integrante das lutas para fazer avançar a democracia na sociedade brasileira.
Como resultado, a universidade foi gradativamente se tornando de massa, aberta cada vez mais à cidadania e preocupada com o bem comum. A essas afirmações veio a somar-se o paradigma da sociedade do conhecimento como mais uma referência importante da nossa contemporaneidade. Mas todas essas mudanças foram acompanhadas de transformações sociais marcadas por intenso processo de individuação, que acabaram produzindo uma espécie de mescla paradoxal de democratização social e de imposição do mundo dos interesses privados, sem que ainda possamos saber qual deles vai vingar ou que combinação entre eles poderá emergir no futuro. Tudo isso invadiu o espaço acadêmico, alterando a sociabilidade universitária.
Não há dúvida que a universidade brasileira e a Unesp, em particular, seguiram um curso democrático e republicano nos últimos tempos, obedecendo aos anseios da sociedade. Um processo de mão dupla que instituiu no País uma universidade ideológica e politicamente plural, aberta a vocações diferenciadas e atenta às necessidades da comunidade em que atua.
São 40 anos de uma história positivamente inconclusa e aberta. Contudo, dado o estado de ruínas que o País vivencia, os riscos de uma regressão não estão fora do radar. Corporativismos e ideologismos ancilosados e anacrônicos, que povoam o ambiente universitário, são cada vez mais ameaçadores, visíveis na Unesp e em suas coirmãs. Não é demais lembrar que, em termos éticos, racionais e profissionais, é imperioso impedir a fratura entre o ideal do conhecimento e a instituição que o alberga. Trata-se de um requisito essencial para que a universidade continue a ser produtivamente desafiada pelo seu presente. (O Estado de S. Paulo – 05/07/2016)
Alberto Aggio é historiador e professor titular da Unesp