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Ricardo Noblat: Bolsonaro, sem compromisso com o que diz e faz

A arte de enganar

De tanto ir e vir, dizer algo hoje e amanhã o seu oposto, o presidente Jair Bolsonaro criou as condições para escapar impune aos efeitos do seu comportamento errático. Salvo um bando cada vez menor de jornalistas incômodos, ninguém se espanta mais com o que ele diz ou faz. O país limita-se a observar entediado.

Normalizou-se o absurdo. Em novembro último, descobriu-se que um total de 7 milhões de testes da Covid-19 mofava em armazéns de Guarulhos, na Grande São Paulo, e que seu prazo de validade expiraria no final de dezembro. O que fez o Ministério da Saúde? Prorrogou o prazo para o final de abril próximo. Simples.

Agora, incapaz de aplicá-los em sua totalidade, decidiu doar parte dos testes ao Haiti. Um gesto humanitário de um governo que pouco se importa com a preservação de vidas, como cansou de demonstrar ao longo da pandemia. Dos 7 milhões de testes, os armazéns ainda acumulam 5 milhões. Melhor doá-los, pois.

Quem mais do que Bolsonaro pregou contra a vacinação e desqualificou as vacinas pondo em dúvida a sua eficácia? Quantos milhões de brasileiras não tomaram horror à vacina por acreditarem na palavra do presidente da República? Por que se vacinarem se Bolsonaro já disse e repetiu que não se vacinará?

Mas, em entrevista à Rede Bandeirantes de TV, Bolsonaro revelou que está sendo realizada uma votação entre seus irmãos para decidirem se vacinam ou não a mãe, Olinda Bonturi Bolsonaro, de 93 anos. E que ele votou a favor “mesmo com uma vacina que não está comprovada cientificamente”.

Se não há comprovação científica por que ele como presidente da República não se opôs à liberação de vacinas pelo Ministério da Saúde? E por que mesmo admitindo que drogas como a cloroquina e outras carecem de comprovação científica, no entanto as recomendou para tratamento precoce da doença?

No final de janeiro passado, Bolsonaro descartou a volta do pagamento do auxílio emergencial aos brasileiros mais pobres atingidos pela pandemia “porque isso quebraria o país”. Na entrevista à Band, afirmou que a volta do pagamento do benefício “é para ontem”, embora possa trazer “problema” para a economia.

Nada demais. Está em linha com ele mesmo. Não jurou que se fosse eleito não governaria com o Centrão e nem lotearia cargos entre os partidos? Rendeu-se ao Centrão para ganhar o comando da Câmara e do Senado e tentar se reeleger. Prometeu combater a corrupção e acabou com a Lava Jato.

Pelos filhos encrencados com a Justiça, fará qualquer coisa. José Vicente Santini, amigo dos garotos, foi demitido por Bolsonaro em 28 de janeiro de 2020 de um cargo na Casa Civil por ter viajado sem necessidade para o exterior em um avião da FAB. Foi para dar exemplo de que o seu era e seria um governo austero.

– Inadmissível o que aconteceu, tá? Já está destituído da função. Decisão minha. O que ele fez não é ilegal. Mas é completamente imoral – decretou Bolsonaro à época.

No dia seguinte, a nomeação de Santini para outro cargo na Casa Civil foi publicada em edição extra do Diário Oficial. Como pegou mal para ele, Bolsonaro mandou anular a nomeação. Finalmente, ontem, Bolsonaro nomeou Santini para secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República. Que tal?

ACM Neto recusa paternidade do novo ministro da Cidadania

Para não dar razão a Rodrigo Maia

Estava tudo acertado entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente do DEM, ACM Neto. Uma vez que os candidatos de Bolsonaro às presidências da Câmara e do Senado fossem eleitos, o ex-chefe de gabinete de ACM Neto, João Roma, seria nomeado ministro da Cidadania no lugar de Onyx Lorenzoni.

Roma é baiano e filiado ao partido Republicanos, que apoiou ACM Neto duas vezes para prefeito de Salvador, e o apoiará ano que vem para o governo da Bahia. Ele e ACM Neto são amigos de longa data. Roma filiou-se ao Republicanos a conselho do ex-prefeito, que costuma distribuir amigos por vários partidos.

Ocorre que a eleição de Arthur Lira (PP-AL) para presidente da Câmara provocou o rompimento entre o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) e ACM Neto. Maia acusa ACM Neto de ter entregado em uma bandeja sua cabeça a Bolsonaro, comprometendo a posição de independência do partido em relação ao governo.

O Republicanos quer Roma como ministro. Roma quer ser ministro. Bolsonaro aceitou nomeá-lo. Agora, é ACM Neto que não quer para não dar razão a Maia.


Cristina Serra: A praga do jornalismo lava-jatista

A operação corrompeu e degradou amplos setores do jornalismo

Quando começou, em 2014, a Lava Jato gerou justificadas expectativas de combate à corrupção. Revelou-se, no entanto, um projeto de poder e desmoralizou-se em meio aos abusos e ilegalidades cometidas por Moro, Dallagnol e a força-tarefa.

Além de afrontar o ordenamento jurídico e ajudar a corroer a democracia, a Lava Jato também corrompeu e degradou amplos setores do jornalismo; em alguns casos, com a ajuda dos próprios jornalistas, como a Vaza Jato já havia mostrado e agora é confirmado nas conversas liberadas pelo ministro do STF, Ricardo Lewandowski.

Relações promíscuas entre imprensa e poder não são novidade. No caso da operação, contudo, as conversas mostram que repórteres na linha de frente da apuração engajaram-se no esquema lava-jatista e atuaram como porta-vozes da força-tarefa, acumpliciados com o espetáculo policialesco-midiático.

Jay Rosen, professor de jornalismo da Universidade de Nova York, cunhou o termo "jornalismo de acesso" para definir como jornalistas sacrificam sua independência e abandonam o senso crítico em troca do acesso a fontes, que passam a ser tratadas com simpatia e benevolência. A Lava Jato é um caso extremo de "jornalismo de acesso", no qual repórteres aceitaram muitas convicções sem as provas correspondentes.

Colaboraram com o mecanismo de delações e vazamentos seletivos, renunciaram à obrigação ética de fazer suas próprias investigações e fecharam os olhos para os métodos da força-tarefa. Nas empresas, tiveram retaguarda. O jornalismo corporativo participou abertamente do projeto lava-jatista.

Em março de 2016, por exemplo, Moro vazou o conteúdo do grampo que captou ilegalmente conversas entre a então presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula. O grampo, que sabidamente atendia a interesses político-partidários, foi reproduzido por muitos veículos sem a necessária crítica quanto a isso.

A relação pervertida entre poder e imprensa fere a dignidade da profissão. É uma praga a ser sempre evitada e combatida.


Hélio Schwartsman: Réquiem para a Lava Jato

Aras oficializou a morte simbólica da operação

Se eu fosse um político corrupto, estaria celebrando. A sangria foi finalmente estancada. Ao não renovar o mandato da força-tarefa de Curitiba, o procurador-geral da República, Augusto Aras, oficializou a morte simbólica da Lava Jato.

O defunto é um daqueles personagens complexos, cuja perda é lamentada, mas cujos podres todos comentam no velório. Aliás, os maus hábitos da vítima, notadamente a hýbris do ex-juiz Sergio Moro e de procuradores de Curitiba, foram em larga medida responsáveis por seu passamento.

Se o magistrado tivesse se comportado como a lei preconiza, não haveria margem para as contestações que acabaram por minar o prestígio da operação e poderão reverter algumas de suas condenações. E é assim que tem de ser. O devido processo legal, que inclui o direito de não ser julgado por um juiz documentadamente parcial, é ponto inegociável no Estado de Direito.

O que torna o ocaso da Lava Jato especialmente lastimável é o fato de que não teria sido difícil chegar a resultados muito próximos aos que ela gerou sem que o magistrado estabelecesse um relacionamento promíscuo com a acusação. Os esquemas de corrupção eram reais, e as leis da física e o mecanismo das delações premiadas teriam sido mais do que suficientes para encontrar as provas.

O problema com a corrupção é que ela funciona bem. Na verdade, é a segunda melhor forma de organização da sociedade. É menos eficiente do que um sistema no qual tudo ocorra de acordo com regras impessoais, mas é superior a um regime no qual tudo fica sujeito ao capricho de autoridades ou, pior, a um no qual as "concorrências" se resolvem à bala. É por funcionar que é difícil acabar com ela.

Ao deixar que a Lava Jato morra de morte melancólica, o Brasil perde mais uma oportunidade de fazer a transição do time das republiquetas para o de países um pouco mais sérios. Quem sabe tenhamos mais sorte na próxima vez.


Igor Gielow: Doria faz ofensiva para unir PSDB, expulsar Aécio e receber parte do DEM

Com plano de pavimentar candidatura em 2022, tucano chama cúpula do partido para jantar

Preocupado com o racha no PSDB apresentado na eleição da Câmara dos Deputados, quando boa parte do partido apoiou o candidato de Jair Bolsonaro à presidência da Casa, o governador João Doria (SP) decidiu apresentar um ultimato à cúpula tucana.

Em jantar na noite desta segunda (8) no Palácio dos Bandeirantes, Doria irá colocar na mesa a proposta de expurgar o partido do grupo de Aécio Neves (MG) e de absorver dissidentes do DEM ligados ao ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

O deputado do PSDB mineiro é visto pelo entorno do governador como o motor do governismo latente no partido e principal obstáculo interno para a candidatura de Doria, hoje maior rival de Bolsonaro em cargo eletivo, à Presidência no ano que vem.

A proposta será servida de entrada no Bandeirantes, já que foi informada no convite aos comensais desta noite. Na prática, ela coloca o partido alinhado à tese da postulação de Doria em 2022, reforçando sua posição no momento em que até aqui aliado DEM rachou e assumiu ares neobolsonaristas.

A alternativa, pela lógica, seria a saída de Doria do PSDB. Mas seus aliados não consideram essa hipótese provável hoje.

A contrariedade com o mineiro é partilhada pela ala histórica do partido, a velha guarda liderada por Fernando Henrique Cardoso. O ex-presidente e outros integrantes do grupo, como o senador José Serra (SP) e o ex-senador Aloysio Nunes Ferreira (SP), foram convidados para o jantar.

Devem participar membros da cúpula tucana, como o presidente do partido, Bruno Araújo, e o líder do partido na Câmara, Rodrigo de Castro (MG), que é próximo de Aécio.

O plano de Doria havia sido delineado já na véspera da eleição no Congresso, ocorrida na segunda passada (1º), quando ficou clara a implosão do DEM.

O partido de Rodrigo Maia deixou naquele domingo (31) o apoio ao candidato dele à sua sucessão, Baleia Rossi (MDB), que também era o nome de Doria na disputa com Arthur Lira (PP-AL), o rei do centrão apoiado pelo Planalto.

A desistência do DEM, patrocinada pelo presidente da sigla, ACM Neto, quase levou o PSDB junto. Na noite de domingo, Bruno Araújo ligou para Doria e o informou que seria muito difícil segurar o partido no bloco de apoio a Baleia.

No começo da madrugada de segunda, os deputados Rodrigo de Castro, Carlos Sampaio (SP) e Eduardo Cury (SP) foram à casa de Lira anunciar que o partido deveria ficar independente —na prática, liberando os cerca de 15 ou 20 de 31 deputados que votariam de qualquer forma no líder do centrão.

Maia entrou em ação e contatou Aécio, visto como apoiador dos deputados. O mineiro argumentou que os deputados estavam votando porque a torneira de emendas parlamentares do Planalto havia secado para eles nos dois últimos anos, mas disse que trabalharia para o PSDB se manter nominalmente no bloco de Baleia.

Esse relato dá matizes à crise na segunda cedo, quando só transparecera que Doria e FHC haviam trabalhado para que o partido ficasse no bloco. Para seus interlocutores, foi uma prova de que Aécio não teria operado para Lira.

Mas, na visão dos aliados do governador paulista, o gesto de Aécio foi apenas um ato de respeito prestado a Maia na despedida do cargo.

No domingo (7), Doria recebeu o ex-presidente da Câmara e o seu vice-governador, Rodrigo Garcia, que também é do DEM. Ambos foram convidados para integrar o PSDB, algo que o tucano confirmou em entrevista coletiva nesta tarde de segunda.

"Ficaremos muito felizes se eles aceitarem", disse. "Fez bem o PSDB em convidar Rodrigo Maia para entrar no partido. Presidiu corretamente a Câmara e é bom quadro político. Tomara que aceite", escreveu FHC no Twitter no começo da noite.

No caso de Garcia, a possibilidade é bastante grande, já que o DEM deixou de ser um partido com o qual Doria conta para 2022.

O tucano tem um compromisso de deixar o cargo para que Garcia dispute a reeleição como governador. Apesar de estar no DEM/PFL desde 1994 e hoje comandar o partido no estado, sempre trabalhou com os tucanos.

De quebra, se ele estiver no PSDB, são tolhidas as eventuais pretensões de Geraldo Alckmin, com quem Doria almoçou recentemente, de voltar a disputar o Bandeirantes. A aliados, contudo, o ex-governador cita que considera quem estiver na cadeira e puder concorrer é o "candidato nato".

Garcia já foi sondado por Baleia para migrar para o MDB, mas esse movimento parece muito difícil. O partido já apoia o governo Doria e teve a vaga de vice da chapa vitoriosa de Bruno Covas (PSDB) na capital paulista ofertada pelo tucano em nome de um acerto em 2022.

ACM Neto ainda está tentando convencer Garcia a ficar no DEM. Ele marcou para esta terça (9) uma visita a ele e a Doria para discutir o assunto, mas as chances são baixas.

Já a realidade de Maia é algo diferente. Entrar no PSDB significaria dar o controle partido no Rio, seu estado, para o deputado. Mas ele colocou como condição para tal um processo que chamou de purificação da sigla.

Entre outros nomes que devem migrar para o PSDB está o de Luiz Henrique Mandetta, o ex-ministro da Saúde demitido por Bolsonaro devido a divergências no manejo da pandemia.

O embate entre Doria e Aécio, que quase foi eleito presidente no segundo turno em 2014 e caiu em desgraça após a divulgação do áudio em que pedia dinheiro para o empresário Joesley Batista, é antigo.

O governador considera o mineiro um fardo político incontornável em termos de imagem, além de rival na política interna da sigla.

O paulista buscou a expulsão do mineiro da sigla, mas foi derrotado na Executiva Nacional. Depois, viu o deputado quase emplacar um nome seu, Celso Sabino (PA), na liderança do partido na Câmara.

A força de Aécio na bancada, apesar de seu ostracismo público, é grande e transcende o PSDB. Mas ele sofreu reveses recentes: Sabino está com o pedido de expulsão da sigla em análise pela Comissão de Ética do partido.

Aí entra a confluência com a velha guarda do PSDB, tradicionalmente pouco afeita a Doria e que acalenta desde 2018 uma candidatura do apresentador Luciano Huck à Presidência.

Com o "embaixador" de Doria em Brasília Antonio Imbassahy de mediador, os dois grupos concordam que é preciso isolar Aécio e talvez mais seis deputados —preferencialmente os expulsando do PSDB.

O vácuo seria ocupado por nomes ligados a Maia e a Garcia egressos do DEM e que estão irritados com a condução de ACM Neto.

A guerra ficou escancarada em uma entrevista concedida por Maia ao jornal Valor Econômico nesta segunda, na qual disse que o ex-prefeito de Salvador entregou "a cabeça do partido para Bolsonaro".

O baiano retrucou nesta tarde, dizendo à Folha que o deputado "se encastelou no poder conquistado e, agora, demonstra surpreendente descontrole".

Doria namora o que seus aliados chamam de "DEM do bem", avessos à aproximação com o centrão e o Planalto.

Há resistências contra esse movimento na bancada federal. Um aliado de Aécio afirma que pelo metade do partido na Câmara não concorda com o que chama de "exibicionismo" do tucano paulista, ainda que reconheça seu peso relativo pela cadeira que ocupa e pelo protagonismo no combate à pandemia do novo coronavírus.

Esse deputado afirma, contudo, que prefere ver uma disputa interna no PSDB entre Doria e Eduardo Leite, o governador gaúcho que já foi especulado para tal missão pela velha guarda.

Com o racha instalado no partido, contudo, o tempo corre para que os tucanos se decidam. Na avaliação de seus aliados, a projeção nacional dada pelo patrocínio da vacinação contra a Covd-19 deu a Doria o carimbo que faltava para suas pretensões presidenciais.


Pedro Venceslau: PSDB tenta filiar Maia e virar frente de oposição

Sigla faz ofensiva para atrair ex-presidente da Câmara e seu grupo político a fim de se fortalecer como bloco e se contrapor aos planos de reeleição do presidente em 2022

Com a intenção de liderar a construção de uma frente de centro contra presidente Jair Bolsonaro na eleição presidencial de 2022, o PSDB faz uma ofensiva para filiar o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ), que traria para a sigla seu grupo político. O assunto foi tema de um encontro, no domingo, 7, em São Paulo, que reuniu Maia, o governador João Doria (PSDB) e o vice-governador, Rodrigo Garcia (DEM), na residência do tucano em um bairro nobre da capital.

Depois da derrota do aliado Baleia Rossi (MDB-SP) na disputa pela presidência da Câmara, Maia bateu de frente com o comando do DEM e acusou a sigla de traição por liberar seus deputados a se alinhar com o Palácio do Planalto. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, nesta segunda-feira, 8, Maia disse que deixará a legenda. “Estarei em um partido que será oposição ao presidente Bolsonaro”, afirmou.

Isolado no Congresso após a vitória de Arthur Lira (Progressistas-AL) para a chefia da Câmara com apoio do Palácio do Planalto, Maia decidiu investir seu capital político nas eleições de 2022. Pelo menos quatro partidos o convidaram e ofereceram amplo espaço interno: PSDB, MDB, PSL e Cidadania.

No encontro com Doria, Maia disse que a eleição da Câmara afastou o DEM do projeto presidencial de Luciano Huck, que o partido se “esfacelou” ao optar pelo adesismo e que não tem a pretensão de disputar um cargo executivo em 2022. O ex-presidente da Câmara e o vice-governador confirmaram que pretendem deixar a legenda.

Garcia sinalizou que vai se filiar ao PSDB para disputar o governo paulista em 2022, quando Doria deve deixar o cargo para concorrer na eleição presidencial. Com esse movimento ele impediria uma disputa interna entre os tucanos, já que vai governar São Paulo por pelo menos oito meses, caso Doria deixe o cargo.

Maia, no entanto, deixou claro que ainda não tomou uma decisão e considera a possibilidade de aceitar o convite de outro partido, sendo o PSL o mais consistente. O ex-presidente da Câmara disse não ter pressa em definir seu destino, até porque um anúncio precoce enfraqueceria sua posição de articulador. 

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso elogiou a ofensiva no Twitter. “Fez bem o PSDB em convidar Rodrigo Maia para entrar no partido. Presidiu corretamente a Câmara e é bom quadro político. Tomara que aceite”, escreveu FHC, presidente de honra do PSDB. 

Entre dirigentes tucanos, a leitura é de que nenhum outro partido pode oferecer a Maia uma ampla estrutura como o PSDB. Além disso, o deputado passaria a comandar o partido no Rio de Janeiro e teria posição de destaque na executiva nacional. “Maia tem uma ligação forte com vários prefeitos e lideranças. Ele traria muitos quadros para o partido. Seu objetivo é construir uma frente”, disse o empresário Paulo Marinho, presidente do PSDB-RJ.

Para o deputado federal Otávio Leite (PSDB-RJ), Maia teria “todo o espaço político” na sigla. “Maia tem tapete vermelho no PSDB”, disse. A eventual ida de Maia para o PSDB, avaliam tucanos, poderia reestruturar o partido no Rio, onde não elegeu sequer um vereador na capital em 2020. Nesse novo quadro, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, também poderia seguir Maia e trocar o DEM pelo PSDB.

Como Maia não demonstrou interesse em disputar um cargo majoritário, o nome preferido dos tucanos para o governo fluminense ou o Senado em 2022 é o do advogado Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Os tucanos avaliam que uma aliança entre Maia, Santa Cruz e Paes seria determinante para enfrentar o bolsonarismo em sua base de origem.

Para Doria, a decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de lançar o ex-prefeito Fernando Haddad como pré-candidato do PT e a vitória dos aliados de Bolsonaro no Congresso anteciparam o debate eleitoral de 2022, o que forçou o PSDB a se posicionar de maneira clara e contundente. 

“Maia continua sendo uma grande referência na articulação de um amplo movimento democrático de proteção do Brasil e dos brasileiros”, disse. “Ontem (domingo, 7), recebi a visita (de Rodrigo Maia) em minha residência e o convidei (a se filiar). Ele vai analisar. Essa não é uma decisão que ele vai tomar de imediato. Ficou claro para mim que ele deixará o DEM”, afirmou Doria em entrevista coletiva ontem no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo. 

Presidente do Cidadania, partido que também convidou Maia, o ex-deputado Roberto Freire avaliou que ele terá um papel central nas eleições de 2022. “Ele se firmou como uma liderança democrática importante e uma referência de oposição.” Para deputados próximos a Maia, o Cidadania não teria musculatura para recebê-lo. Procurada, a assessoria de Maia afirmou que ainda não há decisão sobre seu futuro político. 


Eliane Cantanhêde: DEM, PSDB e MDB desarticularam a oposição e a resistência institucional

DEM, PSDB e MDB desarticularam a oposição e a resistência institucional

Em baixa nas pesquisas e na sociedade, mas em alta na política e no Congresso, o presidente Jair Bolsonaro promove alianças tácitas com praticamente todo o leque partidário, desde o PT e o centro até a extrema direita e os aproveitadores de sempre. Resultado: é incrível como tudo parece andar para trás, de marcha à ré.

A Lava Jato e o ex-juiz Sérgio Moro se transformam nos grandes vilões do Brasil. Em simbiose com o Centrão, o bolsonarismo raiz se infiltra em vistosos cargos do Congresso. A pauta conservadora, de armas e excludente de ilicitude, domina o debate nacional. Até as discussões sobre auxílio emergencial deixaram de ser movidas pela tragédia social e a preocupação econômica para atender interesses políticos.

Esse processo rumo ao atraso não é novidade, mas teve grande impulso com as eleições para as presidências da Câmara e do Senado e vive seu melhor momento com a súbita perda de relevância de Rodrigo Maia, a implosão humilhante do DEM, a estridente decadência do MDB e a falta de rumo e de juízo do PSDB, um partido sem líderes.

Bolsonaro tem todos os defeitos que nós sabemos e só não vê quem não quer, mas ele não é fraco, não. O capitão, que subjugou os generais e cooptou os escalões inferiores das Forças Armadas, também desarticulou a oposição política e a resistência institucional. O caminho está livre para tocar o projeto de Jair, Eduardo, Carlos e Flávio Bolsonaro, sob inspiração do tal guru.

Governos, parlamentos e entidades estrangeiras, fundos de investimentos internacionais, ex-ministros, ex-chanceleres, ex-presidentes do Banco Central, centenas de padres católicos e pastores batistas, anglicanos, presbiterianos indignam-se com o que ocorre no Brasil, mas a realidade anda para um lado e a política vai na direção oposta.

Quem vai botar o pé na porta quando Bolsonaro atacar a democracia e as instituições? Arthur Lira, o presidente da Câmara que é líder do Centrão e cheio de problemas no Supremo? DEM, PSDB e MDB, que venderam a alma ao diabo e os votos por verbas, cargos e promessas de ministérios?

E quem vai garantir maioria pró-Lava Jato, já oscilante, no Supremo? O presidente Luiz Fux faz a parte dele, mas até quando um Alexandre de Moraes terá respaldo para segurar as investidas golpistas que vêm do outro lado da Praça dos Três Poderes?

O cenário é preocupante e DEM, PSDB e MDB têm grande responsabilidade nisso. Para além dos ataques estéreis entre Rodrigo Maia e ACM Neto, vamos aos fatos: DEM levou longos anos construindo uma imagem, renovando suas lideranças, equilibrando o liberalismo econômico com foco social e, assim, conquistou força e destaque na política nacional. Na hora decisiva para o País, porém, demoliu tudo num estalar de dedos.

DEM e PSD do ex-prefeito Gilberto Kassab surgiram do racha do PFL, que tantos serviços prestou à redemocratização. Agora, tantos anos depois, eles voltam a se encontrar na mesma raia, que não é pragmática, só oportunista. Se Bolsonaro está forte politicamente e leiloando cargos, estão com ele. Se mais adiante tropeçar e despencar nas pesquisas, pulam fora.

ACM Neto tem pedigree, não é amador e não erraria de forma tão primária. Logo, é um risco calculado que não faz jus, digam o que quiserem, à história do PFL nem ao legado de Jorge Bornhausen, Marco Maciel e Guilherme Palmeira. E o mais triste é que os novos dissidentes não têm saída. PSDB? MDB? É trocar seis por meia dúzia.

Tudo sempre pode mudar, mas, neste momento, o tal candidato de centro é quase uma piada e Bolsonaro dá risadas ao se preparar para enfrentar o PT em 2022. Ou melhor, para enfrentar o próprio Lula. O caminho já poderá ser aplainado, hoje, pela Segunda Turma do Supremo.


Denise Rothenburg: O teste da base do governo na Câmara será o auxílio reduzido

Ao colocar a proposta de autonomia do Banco Central (BC) para abrir sua gestão na Câmara, o presidente Arthur Lira (PP-AL) optou pelo tema que estava mais maduro, de forma a dar o discurso de sucesso no diálogo entre os Poderes da República. Mas, nos bastidores, todo mundo diz que a proposta não pode ser considerada um teste da base fiel ao presidente e, sim, a sinalização da Câmara de que, ali, a prioridade do presidente da Casa será a agenda econômica, sem a qual a perspectiva de sucesso eleitoral no futuro estará prejudicada.

Lira, assim como Jair Bolsonaro, sabe que, logo ali na frente, passados os temas mais fáceis, como a autonomia do BC, a coisa vai apertar. O grande teste será o auxílio de R$ 200. A oposição vai tentar elevar esse valor cortando despesas em obras que o governo deseja mostrar em 2022. Lira foi eleito com a ajuda do Palácio do Planalto para ajudar na construção dos consensos dentro daquilo que o governo deseja. Se a base aliada desandar, corre o risco de o presidente da República colocar a culpa no colo do presidente da Câmara. Bolsonaro já fez isso com Rodrigo Maia lá atrás. E nada garante que não repetirá a dose.

Reforma a conta-gotas

Bolsonaro não fará a reforma ministerial no ritmo que desejam os partidos, nem do jeito que eles pediram. E há um motivo para isso: deixar a turma com a expectativa de poder e não desagradar aqueles que o apoiam desde a campanha presidencial.

Teste de fidelidade
O presidente foi, inclusive, aconselhado a esperar passar o feriado de carnaval para anunciar o novo ministro da Cidadania. Assim, já estará resolvida a Comissão Mista de Orçamento e a Comissão de Constituição e Justiça. Há quem diga que, se houver uma rejeição ao nome da deputada Bia Kicis (PSL-DF) na CCJ, o mal-estar será grande.

Ficamos assim
Antes de colocar a autonomia do BC em votação, Lira tem encontro marcado com líderes dos partidos de oposição para estabelecer um acordo de procedimentos.

Termômetro
Lira quer aproveitar para medir como está a disposição dos oposicionistas em aceitar um valor menor do auxílio emergencial, de forma a não comprometer ainda mais as contas públicas. Ocorre que, depois de, no ano passado, a Câmara fechar o auxílio em R$ 500 e Bolsonaro subir para R$ 600 apenas para levar a melhor no eleitorado, ninguém da oposição acredita em acordo com o presidente.

Curtidas

Estica e puxa/ A transferência da instalação da Comissão Mista de Orçamento (CMO) para amanhã (10/2) foi lida como um sinal de que Elmar Nascimento (DEM-BA) não desistiu do cargo.

Nem vem/ Em conversas reservadas, porém, os mais próximos a Arthur Lira dizem que o nome é Flávia Arruda (PL-DF) e ponto. Não é uma questão pessoal e, sim, de proporcionalidade. O PL é maior que o DEM e Arthur, que brigou por Flávia em dezembro, não vai ceder agora.

Sem álibi/ O deputado João Roma (Republicanos-BA) está numa sinuca de bico. Apontado como um nome para o Ministério da Cidadania, ficará mal no seu partido se for chamado e recusar o cargo. Se aceitar, fica mal com o presidente do DEM, ACM Neto. Se João Roma for ministro, a indicação será atribuída a Neto, o que dará mais munição para o grupo do partido incomodado com o governo, enfraquecendo a posição do presidente da legenda como independente. É aquela velha história do sujeito que passou por um beco no momento do crime, na hora do crime, mas jura que é inocente.

Por falar em enfraquecimento…/ Os deputados podem até permanecer no DEM, mas alguns nomes começam a olhar para a porta de saída. Na lista, estão o vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, que não apoiará Bolsonaro, e o prefeito do Rio, Eduardo Paes. Mas ninguém fará qualquer movimento agora. A ordem é tentar segurar esse pessoal na legenda. Paes, por exemplo, que acabou de assumir, precisa de paz para trabalhar.


Arquivo S: Há 130 anos, primeira Constituinte da República teve queixas da Igreja e ausência do povo

Depois da Proclamação da República, o Brasil só voltaria à plena legalidade em 24 de fevereiro de 1891, quando os senadores e deputados reunidos longe da cidade entregaram ao país a sua Carta republicana

Ricardo Westin, Agência Senado

Em 18 de novembro de 1889, três dias após a derrubada de D. Pedro II pelos militares, o jornalista republicano Aristides Lobo escreveu, num célebre artigo publicado no jornal Diário Popular, que não houve povo nesse episódio histórico: “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada [militar]”.

O Brasil passou a ser conduzido pelo governo provisório do marechal Deodoro da Fonseca e só voltaria à plena legalidade em 24 de fevereiro de 1891, um ano e três meses depois da Proclamação da República, quando os senadores e deputados reunidos no Congresso Constituinte entregaram ao país a sua primeira Carta republicana. A promulgação da Constituição de 1891 completa 130 anos neste mês.

Documentos da virada de 1890 para 1891 guardados hoje nos Arquivos do Senado e da Câmara dos Deputados mostram que tampouco houve povo nesse segundo momento decisivo da história nacional, no qual o Congresso Constituinte desenhou os novos contornos institucionais do Brasil.

— Sinto a minha alma partida quando olho para estas galerias e não vejo o elemento que nos deveria cercar, o elemento popular — queixou-se, num discurso, o deputado Aristides Zama (BA).

A feitura da Carta de 1891 foi bem diferente da construção da Carta de 1988, vigente hoje e marcada pela intensa contribuição popular.

No fim do século 19, os constituintes se reuniram no Paço de São Cristóvão, praticamente na zona rural do Rio de Janeiro. Para percorrer os 6 quilômetros entre o Centro e São Cristóvão, as carruagens levavam duas horas e meia.

— O governo não deveria ter cogitado em pôr o Congresso no deserto, impedindo o povo de ver como os seus representante tratam de seus altos interesses — criticou Zama. — Nós devíamos estar trabalhando lá no coração da cidade, de modo que o homem do povo que tivesse uma hora vaga pudesse entrar no Congresso Constituinte Nacional. O povo está daqui afastado. Afastaram-no a distância, a dificuldade, o elevado preço do transporte. Quereis fazer a República e afastais o povo dos lugares em que pode e deve aprender o que é uma democracia?

Para o deputado e pintor Pedro Américo (PE), outro crítico da localização remota do Paço do São Cristóvão, houve segundas intenções nessa escolha:

— Há quem diga que o Congresso reúne-se longe da cidade para evitar as assuadas [vaias] populares.

Reforçava essa hipótese o fato de o Paço de São Cristóvão não dispor da estrutura adequada para abrigar ao mesmo tempo os 205 deputados e os 63 senadores do Congresso Constituinte. O local fora construído como residência. Até D. Pedro II ser expulso do país, em 1889, São Cristóvão havia sido a morada da dinastia de Bragança. Os constituintes reclamavam que o ambiente era um “forno” e que a acústica era péssima, o que lhes exigia “pulmões de ferro” na hora de discursar.

— Se nos mandassem para a Índia [discutir a Constituição], também iríamos muito caladinhos? — continuou Pedro Américo, indignado. — Seja a antiga Câmara [dos Deputados] ou qualquer outro edifício, o que é necessário é nos mudarmos para lugar menos impróprio do que este palácio, o qual seria muito mais apropriado para servir de museu histórico nacional ou simplesmente para as reuniões festivas e solenes do Congresso.

Paço de São Cristóvão: o antigo palácio imperial abrigou o primeiro Congresso Constituinte da República.
Paço de São Cristóvão: o antigo palácio imperial abrigou o primeiro Congresso Constituinte da República. 
AUGUSTO STAHL / AGÊNCIA SENADO

O natural, de fato, era que os constituintes se reunissem na Câmara da época imperial ou então no Senado, ambos desativados e localizados no Centro, mas tal possibilidade já estava descartada. O marechal Deodoro sabia que parte considerável dos habitantes do Rio — incluindo os antigos escravos beneficiados pela Lei Áurea — era partidária da Monarquia e, como tal, poderia atrapalhar os planos do governo republicano caso decidisse comparecer em massa e fazer algum tipo de pressão sobre o Congresso Constituinte.

O movimento republicano sempre foi minúsculo e jamais conseguiu angariar a mesma adesão popular que o movimento abolicionista. O próprio Deodoro era monarquista convicto e só se juntara na última hora aos conspiradores de 1889. A popularidade de D. Pedro II era tamanha que o embarque da família imperial no navio que a levou para o exílio ocorreu de madrugada, enquanto o Rio dormia. Assim, o Governo republicano evitou conflitos e manifestações a favor do imperador.

— Queria que a República não tivesse medo do povo, que não fizesse como certos domadores de feras, que só acariciam as jubas do leão quando ele está açaimado [amordaçado]. Somos muito engraçados: lisonjeamos o povo de longe, mas, quando temos de encontrar com ele, fugimos — discursou o deputado Francisco Badaró (MG). — Se o povo brasileiro estivesse nesta Casa palpitante como está no interior do país, a obra sairia diferente.

O medo do povo também pode ser depreendido de um dos primeiros artigos da Constituição de 1891, o que determinou a transferência da capital para o centro do país. Foi a primeira vez que a nova capital apareceu numa lei. Segundo historiadores, isso se explica principalmente pela preocupação que o primeiro Governo republicano tinha em relação à possibilidade de se formar no Rio algum movimento pela restauração monárquica.

No entanto, a consolidação da República ao longo dos anos seguintes faria o preceito constitucional da mudança da capital ser esquecido, para só sair do papel em 1960, com a inauguração da Brasília.

D. Pedro II, o imperador deposto, e Deodoro da Fonseca, o primeiro presidente.
D. Pedro II, o imperador deposto, e Deodoro da Fonseca, o primeiro presidente.
MATHEW BRADY E IRMÃOS BERNARDELLI / AGÊNCIA SENADO

A Constituição de 1891, promulgada pelos senadores e deputados constituintes 15 meses após a derrubada de D. Pedro II, estabeleceu as bases políticas sobre as quais o país se ergue até os dias de hoje: a República, o presidencialismo, os três poderes e o federalismo.

Até 1889, as bases eram bem diferentes. Como Monarquia parlamentarista, o Brasil tinha imperador e primeiro-ministro. Havia o poder oderador, que era exercido pelo monarca e prevalecia sobre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Diferentemente dos atuais estados, as antigas províncias eram meros braços do governo central e quase não tinham autonomia política e financeira. Nem sequer escolhiam seus próprios presidentes (como se chamavam os governadores).

Entre as raras vozes da sociedade que conseguiram se manifestar na Constituinte de 1890-1891, estiveram o Apostado Positivista e a Igreja Católica, ambos por meio de carta. Os seguidores do positivismo (filosofia na época em voga que pregava que só a ciência garantiria o progresso da humanidade) recomendaram aos parlamentares que ficassem atentos para não cair em “utopias comunistas”. Os religiosos, por sua vez, não gostaram de ver o catolicismo perdendo o status de religião oficial do Brasil e os subsídios dos cofres públicos.

“A separação violenta, absoluta e radical não só entre a Igreja e o Estado, mas entre o Estado e toda religião, perturba gravemente a consciência da nação e produzirá os mais funestos efeitos, mesmo na ordem das coisas civis e políticas. Uma nação separada oficialmente de Deus torna-se ingovernável e rolará por um fatal declive de decadência até o abismo, em que a devorarão os abutres da anarquia e do despotismo”, escreveu o arcebispo primaz do Brasil, D. Antônio de Macedo Costa.

Os católicos não foram ouvidos. Além da separação entre Igreja e Estado, a Constituição de 1891 determinou que o casamento religioso não teria mais validade pública, apenas o casamento civil.

O Senado também passou por mudanças. Os senadores deixaram de ser vitalícios e passaram a ter mandato limitado. O Supremo Tribunal, que no Império era quase decorativo, ganhou poderes e pôde julgar processos políticos.

Charge mostra chegada de 1891 e da Constituição.
Charge mostra chegada de 1891 e da Constituição.
BIBLIOTECA NACIONAL DIGITAL / AGÊNCIA SENADO

De acordo com o cientista político Christian Lynch, da Fundação Casa de Rui Barbosa e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o Governo republicano recorreu a vários artifícios para ter controle sobre o conteúdo da Constituição que seria aprovada:

— Primeiro, a eleição para o Congresso Constituinte foi regida por uma legislação fraudulenta, que impediu a entrada de todos que fossem adversários do novo regime, como os monarquistas, os parlamentaristas e os unitaristas [opositores do federalismo]. Depois, o Governo enviou um projeto de Constituição pronto e deu aos constituintes parcos três meses para aprová-lo, o que restringiu as discussões e dificultou as modificações. Por fim, os constituintes automaticamente se tornariam senadores e deputados ordinários, sem nova eleição, após a dissolução do Congresso Constituinte. Isso foi ruim porque eles perderam a liberdade de decidir. Estando com o mandato garantido pelos próximos anos, não faria sentido que mudassem as regras do jogo político em seu prejuízo. Jamais, por exemplo, aprovariam uma Constituição prevendo o Poder Legislativo unicameral. No fim das contas, o Congresso Constituinte fez pouco mais que carimbar o projeto do Governo provisório.

Apesar de a escravidão ter sido abolida apenas três anos antes, o Congresso Constituinte não tocou na complicada situação dos antigos escravizados, que foram libertados sem ganhar nenhum tipo de compensação ou apoio do poder público. A escravidão foi citada, por exemplo, quando um constituinte parabenizou o Governo por incinerar todos os registros públicos relativos à posse de escravizados e também quando um político de Campos (RJ) afirmou que a Lei Áurea havia levado sua cidade à ruína econômica.

Alguns parlamentares chegaram a questionar se o povo teria condições intelectuais para, pelo voto direto, escolher os presidentes da República.

— O voto direto traz o país constantemente sobressaltado por ocasião das eleições, às quais concorre grande massa de povo ignorante, e não raro são os distúrbios e desordens que provoca, o que se economiza perfeitamente com o voto indireto, dando-se a faculdade eletiva a um eleitorado escolhido — argumentou o deputado Almeida Nogueira (SP).

— No Brasil, como em toda parte, qualquer que seja o sistema preferido, quem governa não é a maioria da nação. É a classe superior da sociedade, uma porção mais adiantada e, conseguintemente, mais forte da comunhão nacional — acrescentou o deputado Justiniano de Serpa (CE).

Apesar desse tipo de raciocínio, a Constituição de 1891 entrou em vigor prevendo a eleição direta para presidente. Grande parte dos ex-escravizados, contudo, foi alijada desse direito, já que a Carta republicana negou o voto aos analfabetos, como já faziam as leis do Império desde 1881. O deputado Lauro Sodré (PA) tentou, sem sucesso, permitir que os iletrados votassem:

— Estamos em uma fase social que se acentua pela elevação do proletariado. Se lançarmos os olhos para os povos civilizados, havemos de ver que em todos eles se vai levantando a grande massa. Chamem-na socialismo, niilismo ou fenianismo, um só é o fenômeno social: o advento do Quarto Estado. Não posso dar o meu voto a este verdadeiro esbulho com que se tenta ferir todos os que não sabem ler nem escrever, ainda que trabalhem tanto na obra do progresso da nação quanto aqueles que tiveram a fortuna de aprender a assinar o seu nome.

As províncias do Império, que se transformaram nos estados da República.
As províncias do Império, que se transformaram nos estados da República.
BIBLIOTECA DO SENADO / AGÊNCIA SENADO

As oligarquias estaduais aproveitaram o Congresso Constituinte para, na adoção do federalismo (transformação das províncias em estados), tentar obter o máximo possível de liberdades, prerrogativas e benesses. Sugeriu-se que o Governo federal assumisse as dívidas de todos os Estados, que os Governos locais tivessem o poder para abrir bancos emissores de papel-moeda e que cada governador indicasse um ministro para o Supremo Tribunal Federal. Outra ideia debatida foi a liberdade para que os estados criassem suas próprias leis civis, processuais, comerciais, eleitorais e até penais.

— Os crimes de homicídio, de roubo e de furto hão de ser crimes de homicídio, de roubo e de furto no Rio Grande do Sul, no Pará, em Minas, no Amazonas e em toda parte, mas a penalidade pode diversificar. No Rio Grande do Sul, onde o povo é dado à indústria pastoril, infelizmente há em abundância o furto de gado e lá nós precisamos punir mais gravemente esse delito do que puniriam os pernambucanos, os mineiros e os alagoanos, para evitar sua reprodução — argumentou o deputado Cassiano do Nascimento (RS).

À exceção dos códigos processuais estaduais, nenhuma dessas ideias vingou. Em compensação, as oligarquias conseguiram incluir na Constituição a criação dos Judiciários estaduais (antes só havia o Judiciário nacional) e a concessão das terras devolutas aos Estados (antes pertenciam à União).

— As antigas províncias, feudos da Monarquia, aqueles territórios estéreis onde dominavam o imperialismo e o niilismo, aquelas províncias verdadeiramente esfarrapadas e nuas, como se fossem mendigas, aí surgem, como que mudando de sexo, transformadas em estados — festejou o senador Américo Lobo (MG).

Trecho inicial da Constituição de 1891.
Trecho inicial da Constituição de 1891.
ARQUIVO DO SENADO / AGÊNCIA SENADO

A partilha do dinheiro público também mobilizou as oligarquias estaduais. Dos poucos embates ocorridos nos três meses do Congresso Constituinte, esse foi o mais renhido. No Império, a autonomia financeira das províncias era quase nula. Elas não tinham poder sobre o dinheiro arrecadado em seus territórios pelo Governo central, que fazia a seu critério a distribuição dos recursos. No Congresso Constituinte, os Estados mais ricos buscaram acabar com essa dependência. São Paulo, por exemplo, que não gostava de ver as volumosas somas geradas pela exportação do seu café sendo aplicadas em outros cantos do Império, agiu para ter o controle de todo o dinheiro.

— Diante da decadência que se abateu sobre o Nordeste na década de 1870, em razão da crise do açúcar, a Monarquia passou a redistribuir para as províncias nordestinas o dinheiro dos tributos arrecadados em São Paulo. Por esse motivo, a Monarquia era popular no Nordeste e impopular em São Paulo. Os paulistas, que se viam como a locomotiva que puxava os 20 vagões das demais províncias vazios, abraçaram a ideia do federalismo republicano porque não queriam mais perder dinheiro — explica o cientista político Christian Lynch.

A bancada do Rio Grande do Sul apresentou uma proposta radical de federalismo: a arrecadação tributária passaria para as mãos dos Governos locais, e a União se tornaria dependente de uma mesada paga pelos Estados.

— Se dermos aos Estados toda a autonomia, mas não lhes dermos renda, isso equivalerá à liberdade da miséria — argumentou o deputado Júlio de Castilhos (RS). — A federação, para ter realização efetiva, completa, satisfatória, depende da devolução aos Estados não somente dos serviços que lhes competem, mas também da devolução das rendas que no regime decaído [Monarquia], o qual tanto combatemos, eram absorvidas quase que totalmente pelo governo central.

— Neste momento em que se tratamos de organizar os estados, se me afigura como que uma cena de família em que os filhos da casa, chegados à maioridade, deixam o teto paterno para constituírem em separado suas famílias. Os Estados, antigas províncias, vão neste momento, depois de sua independência, adotar um novo regime que deve produzir sua grandeza e felicidade — comparou o senador Ramiro Barcellos (RS).

Ruy Barbosa e Júlio de Castilhos: adversário na questão do federalismo.
Ruy Barbosa e Júlio de Castilhos: adversário na questão do federalismo.
FUNDAÇÃO CASA RUI BARBOSA E VIRGÍLIO CALEGARI / AGÊNCIA SENADO

Para os adversários da ideia, esse federalismo extremado fortaleceria tanto certos Estados que poderia levá-los a desejar o separatismo, comprometendo a União.

— O que se está propondo é uma confederação de republiquetas — criticou o senador José Hygino (PE).

— Os estados brasileiros têm tido nesta Casa tantos defensores quantos são os seus representantes. A União, porém, a pátria comum, parece que não tem advogado — lamentou o senador Ubaldino do Amaral (PR), acrescentando que, caso os estados em algum momento se recusassem a transferir os impostos, o governo federal não teria como custear o Exército, a Marinha, as embaixadas no exterior, o serviço de correios e a segurança interna.

Para o senador Ruy Barbosa (BA), a União estaria fadada à morte se passasse a depender das “migalhas” dos estados:

— Os estados são órgãos; a União é o agregado orgânico. Os órgãos não podem viver fora do organismo assim como o organismo não existe sem os órgãos. Separá-los é matá-los. Não vejamos na União uma potência isolada no centro, mas a resultante das forças associadas disseminando-se equilibradamente até as extremidades. Fora da União, não há conservação para os estados.

Por uma margem apertada, 123 votos contrários e 103 favoráveis, a proposta da bancada gaúcha foi derrotada. O federalismo previsto na Constituição de 1891 garantiu recursos equilibrados para a União e o conjunto do estados. A estes últimos coube, entre outros, o imposto de exportação — justamente o principal pleito de São Paulo.

Charge da Revista Ilustrada mostra desejo de federalismo no fim do Império.
Charge da Revista Ilustrada mostra desejo de federalismo no fim do Império.
BIBLIOTECA NACIONAL DIGITAL / AGÊNCIA SENADO

Aristides Lobo, o jornalista que descreveu o povo assistindo “bestializado” ao golpe de Estado de 1889, elegeu-se deputado pelo Distrito Federal (na época o Rio de Janeiro) e participou da elaboração da Constituição de 1891. O artigo ficou tão famoso já na época que, no Congresso Constituinte, ele ouviu colegas avaliando que o adjetivo “bestializado” era exagerado e jurando que o povo havia, sim, ajudado a derrubar a Monarquia. Lobo discordou:

— O acontecimento deu-se no meio de uma população surpresa pela oscilação revolucionária. Esse é o aspecto natural da questão.

Na tribuna do Paço de São Cristóvão, o deputado Serzedello Correia (PA) fez uma avaliação semelhante à de Aristides Lobo:

— A República devia vir como veio: calma, silenciosa, de modo que as tropas percorreram as ruas em triunfo e as crianças continuavam a brincar no colo de suas mães.

Terminado o Congresso Constituinte, os parlamentares deixaram o improviso do Paço de São Cristóvão e se mudaram para o Centro do Rio de Janeiro. Os senadores passaram a trabalhar no mesmo prédio do Senado imperial e os deputados, no mesmo prédio da Câmara imperial. São Cristóvão se transformou no Museu Nacional — o mesmo que seria devastado em 2018 por um incêndio.

A reportagem, publicada originalmente aqui, faz parte da seção Arquivo S, resultado de uma parceria entre o Jornal do Senado, a Agência Senado e o Arquivo do Senado brasileiro. Reportagem e edição: Ricardo Westin | Pesquisa histórica: Arquivo do Senado | Edição de fotografia: Pillar Pedreira | Edição de multimídia: Bernardo Ururahy


O Estado de S. Paulo: Réu na linha sucessória não é 'o melhor para o País', afirma Fux

Presidente do Supremo Tribunal Federal fala sobre situação de Arthur Lira e diz que impeachment de Bolsonaro seria um 'desastre' para o Brasil

Rafael Moraes Moura e Andreza Matais, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, avalia que não é o "melhor quadro para o Brasil" ter um réu na linha sucessória da Presidência da República. Em entrevista ao Estadão, Fux foi questionado sobre a situação do novo presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), que responde a denúncias na Corte por corrupção passiva e organização criminosa – ainda em análise de recursos.

"Eu acho que realmente uma pessoa denunciada assumir a Presidência da República, seja ela qual for, é algo que até no plano internacional não é o melhor quadro para o Brasil", afirmou o ministro.

Segundo na linha sucessória, Lira pode ser impedido de substituir o presidente Jair Bolsonaro e o vice Hamilton Mourão. Um precedente do tribunal já impediu o então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), de ocupar interinamente a cadeira no Planalto por ser réu na época.

Em sua primeira entrevista após a abertura do Ano Judiciário, Fux disse que o impeachment de Bolsonaro seria "um desastre" para o País.

O deputado Arthur Lira pode, eventualmente, substituir Bolsonaro e Mourão, mesmo com denúncias já recebidas pelo STF?

Nessas questões limítrofes, você tem duas posições. Uma que entende que, se já teve a denúncia recebida, e a nossa Constituição elege a moralidade no âmbito da política e das eleições como um valor principal, ele não possa assumir. E tem outro aspecto importante, a ação penal não teve ainda a eficácia de torná-lo réu porque há (em análise) embargos de declaração (um tipo de recurso) que impedem que a decisão (de tornar Lira réu) seja considerada definitiva.

E qual a opinião do senhor?

Eu falo em geral, abstrato. Pelo princípio da moralidade, eu entendo que os partícipes da vida pública brasileira devem ter ficha limpa. Sou muito exigente com relação aos requisitos que um homem público deve cumprir para a assunção de cargos de relevância, como a substituição do presidente. Eu acho que, realmente, uma pessoa denunciada assumir a Presidência da República, seja ela qual for, é algo que até no plano internacional não é o melhor quadro para o Brasil.

O STF tem tido um papel fundamental no sistema de freios e contrapesos. Com dois aliados de Bolsonaro no comando do Congresso, o protagonismo da Corte vai ser ainda maior?

É preciso que o Parlamento se autovalorize e saiba exercer as suas competências, em vez de empurrar para o Supremo uma função que não é dele. O Parlamento tem de procurar resolver os seus problemas.

Mas um Congresso alinhado a Bolsonaro não pode obrigar o Supremo a exercer ainda mais esse papel de contraponto?

Bem ou mal, o presidente foi eleito com 60 milhões de votos. Por que não se permitiu a reeleição (na cúpula do Congresso) agora, muito embora tanto Davi Alcolumbre quanto Rodrigo Maia tenham sido bons na função que exerceram? Porque, se o STF abrir a brecha da violação da Constituição, realmente nós perdemos todos os critérios. Aquela ação não deveria nem ter chegado ao Supremo.

A atuação do governo na pandemia reforçou o discurso a favor do impeachment de Bolsonaro. Qual a opinião do senhor?

O impeachment é um processo político que o Supremo não pode nem se intrometer no mérito. Mas, em uma pós-pandemia, em que o País precisa se reerguer economicamente, atrair investidores e consolidar a nossa democracia, eu acho que seria um desastre para o País. O Brasil não aguenta três impeachments. O Brasil tem de ouvir o povo e o povo é ouvido através de seus representantes que estão no Parlamento. Acho que o impeachment seria desastroso.

O senhor vê mobilização popular para o impeachment?

Pela leitura acadêmica e histórica que a gente faz, você verifica que o impeachment é uma situação política que também depende muito da mobilização social. 

Bolsonaro já disse que, sem voto impresso, “nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos”, em referência à invasão do Capitólio. No Brasil, as instituições serão fortes para evitar qualquer tipo de golpe?

Não tenho a menor dúvida. Eu não acredito que ocorra 10% do que aconteceu nos Estados Unidos. Uma minoria inexpressiva não vai ter apoio. Absolutamente, não. Em conversas espontâneas, os generais têm uma posição muito firme de que a democracia brasileira não pode sofrer nenhum tipo de moléstia. Todos eles. Eu acho o voto impresso uma coisa muito antiquada, completamente desnecessária, porque as urnas são superseguras. E o voto impresso gera uma despesa bilionária para o Brasil. A palavra do Supremo está dada (contra o voto impresso). Uma despesa bilionária, depois da decisão do Supremo, é inaceitável. Não tem sentido.

Bolsonaro repete que não pode fazer nada para enfrentar a pandemia porque foi impedido pelo STF. Não é um equívoco?

O que o STF disse foi o seguinte: todas as Unidades da Federação têm responsabilidade em relação à pandemia. É uma gestão compartilhada, mas tem um aspecto maior, porque a Constituição atribui à União uma competência de coordenação nos casos de calamidade pública. O STF nunca eximiu o governo federal, absolutamente. Ninguém exonerou ninguém de responsabilidade.

O STF virou uma espécie de bode expiatório dos negacionistas, que tentam culpar a Corte pelos efeitos da pandemia?

Houve má interpretação da decisão judicial por parte do estafe do governo. O Supremo tem função precípua de esclarecer aquilo que efetivamente julgou. A decisão ficou tão clara que não houve embargos de declaração do aparato jurídico do governo, que é muito bom. Foi uma decisão claríssima.

O senhor enxerga má-fé ou uma tentativa de usar isso politicamente?

Enxergo como uma percepção alternativa de uma ciência que foi preconizada até alhures pelo (então) presidente dos Estados Unidos (Donald Trump), alguns líderes mundiais também. Em um primeiro momento, eram contra o lockdown, contra o isolamento, e pagaram preço caro por isso. 

É preciso uma apuração rápida no inquérito que investiga se houve omissão do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, no colapso da rede pública de Manaus?

É preciso deixar bem claro que o Supremo absolve inocentes e condena culpados. Não se tem ainda elemento para se formar uma convicção. O que houve, no meu modo de ver, foi o fator-surpresa, porque alguns países também foram surpreendidos com falta de oxigênio.

Esse inquérito deveria ser prioridade?

A prioridade no momento é decidirmos tudo que possa influir na questão da saúde. Saúde primeiro, e depois a verificação de fatos ilícitos que ocorreram de maneira despudorada. Na verdade, era inimaginável, num momento de pandemia, que os homens públicos ainda tivessem a ousadia de cometer ilícitos diante dessa dor e desse flagelo da população.

Um dos pontos destacados para investigar Pazuello é a distribuição de hidroxicloroquina, medicamento sem eficácia comprovada. Isso não pode ser crime?

A grande verdade é que autoridades médicas do País, até médicos famosos, disseram que passaram pela doença e tomaram hidroxicloroquina. Eu fiquei doente e não tomei. Tive uma covid caprichada. Levei três, quatro meses para voltar a me exercitar, e ainda não estou no auge, não.

O senhor defende a volta do auxílio emergencial?

Tem de haver uma Justiça caridosa, e uma caridade justa. Nós hoje estamos pagando o preço de termos deixado 50 milhões de brasileiros à deriva. Isso era para ter sido visto há muito tempo. Não dá para ser feliz sem pensar no outro. Foi o consumo dessa gente que recebeu o auxílio emergencial que movimentou a economia. Se eu pudesse imaginar a possibilidade de o Brasil continuar com esse auxílio, eu seria superfavorável. É temerário nesse momento deixar essas pessoas à deriva. Nós já as deixamos há muito tempo.

Os escândalos de corrupção não cessam no País. Não é frustrante?

Quando terminou o julgamento do mensalão, eu dizia ‘o Brasil nunca mais vai voltar a ser o que era’. Depois da Lava Jato, eu falei, ‘bom, agora realmente o Brasil nunca mais vai voltar a ser o que era’. Agora, esse flagelo da corrupção, que desmoraliza o Brasil, parece que está introjetado na cultura de determinadas pessoas, porque a falta de amor à coisa pública é aberrante. É inaceitável que uma pessoa queira maximizar suas rendas através do desvio de bens públicos.

A Lava Jato nunca foi tão atacada quanto agora. Teme pelos resultados obtidos na investigação?

A Lava Jato trouxe transformações sem precedentes para o Brasil, que passou a ser respeitado internacionalmente pela atuação contra desvio de dinheiro público. É verdade que, ao longo dos últimos anos, esse movimento teve perdas. Mas o País já mudou. E, na minha avaliação, o combate à corrupção não vai retroceder.

O Judiciário acaba sendo um grupo privilegiado perante o País. O senhor defende uma reforma administrativa que também envolva a magistratura?

Tem de haver uma reforma com relação ao tamanho do Estado. O Estado é muito grande e as despesas públicas são muito grandes. Eu acho que a reforma administrativa tem de obedecer ao princípio da igualdade, tem de obedecer ao princípio da isonomia. O que é ruim para o Brasil tem de afastar para todo mundo também.

O que o senhor acha da ideia do presidente Jair Bolsonaro de escolher um nome “terrivelmente evangélico” para o STF?

Isso é uma prerrogativa do presidente da República. Agora, o Supremo é um tribunal pluri-religioso, tem gente de todas as religiões aqui. O que faria um juiz, terrivelmente evangélico, num colegiado de dez não evangélicos? É preciso ter em mente que, depois da assunção ao cargo, a independência jurídica do membro do Supremo é absolutamente olímpica.


O Globo: Centrão investirá em projetos contra o legado da Lava-Jato

Fazem parte dessa agenda não propagandeada ainda a proibição de buscas em escritórios de advocacia

Bruno Góes e Natália Portinari, O Globo

BRASÍLIA - Fora da lista de projetos citados como prioritários pelo presidente Jair Bolsonaro, em um documento direcionado a deputados e senadores, uma pauta “oculta” deverá ganhar corpo no Congresso, impulsionada pela ascensão do centrão. Aliados do presidente da Câmara, Arhur Lira (PP-AL), e até integrantes da oposição enxergam o novo momento como propício para o avanço de propostas que afrouxam a punição para crimes associados ao mau uso de dinheiro público e à corrupção. Fazem parte dessa agenda não propagandeada a limitação da punição em casos de improbidade administrativa e lavagem de dinheiro, além da proibição de buscas em escritórios de advocacia.

Na outra ponta, duas Propostas de Emenda à Constituição — a da prisão após a condenação em segunda instância e a que extingue o foro privilegiado — seguirão a passos lentos, na mesma toada da gestão do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Uma das prioridades do centrão é um projeto que diminui o alcance da lei de improbidade administrativa e elimina a forma “culposa” — sem intenção — do ato. De acordo com o relatório do deputado Carlos Zarattini (PT-SP), já entregue, as violações que não gerassem prejuízos ao Erário ou enriquecimento ilícito deixariam de ser enquadradas como improbidade.

— Essas matérias não estão na lista de prioridades do governo, então podem entrar na pauta caso os líderes (partidários) queiram. Pessoalmente, sou a favor de mudar a lei de improbidade, para incluir só o que causa prejuízo ao Erário. Hoje, qualquer coisa é improbidade, e as penas são muito altas — diz o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).

Liberação das armas e escola em casaveja quais são os projetos prioritários de Bolsonaro

Zarattini frisa que, com as mudanças, a lei vai continuar a permitir o bloqueio de bens e suspensão de direitos políticos daqueles que cometem improbidade:

— A lei não pode ser tão ampla. Há casos em que há condenações mesmo sem ter havido irregularidades.

No ano passado, a Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal classificou as alterações pretendidas como “um dos maiores retrocessos no combate à corrupção e na defesa da moralidade administrativa”.

Em 2020, a Câmara criou ainda uma comissão de juristas para discutir a tipificação da lavagem de dinheiro. Nos primeiros debates, advogados fizeram sugestões para amenizar as punições previstas na lei e tornar mais difícil a condenação por lavagem, que passaria a exigir um crime antecedente.

Aliados de Lira ouvidos pelo GLOBO avaliam que esse tema deve caminhar mais lentamente — ainda não há previsão de quando o colegiado vai voltar a se reunir —, mas que há boas chances de avanço. Quando os encontros forem retomados, é provável que o número de pessoas envolvidas no debate seja reduzido, o que facilitaria o andamento.

Também no fim do ano passado, a Câmara aprovou a urgência da proposta que impõe obstáculos a mandados de busca e apreensão em escritórios de advocacia. O projeto, portanto, pode ir a plenário a qualquer momento.

O texto torna praticamente inviolável o escritório ou local de trabalho do advogado. Não poderão ser expedidas buscas com fundamento em indício, depoimento ou colaboração premiada, sem a presença de provas periciadas e validadas.

— Não agrada 100% a todos, mas tem espaço para consenso e votação. É preciso buscar o que a Constituição já estabelece para proteger o exercício da advocacia, mas não é respeitado — diz o deputado Paulo Abi Ackel (PSDB-MG).

Atuação anti-moro

Crítico da Lava-Jato e réu em duas ações penais no Supremo Tribunal Federal (STF) — ele nega os crimes —, Lira sempre foi um dos parlamentares mais empenhados no Congresso a impor obstáculos à pauta do ex-ministro Sergio Moro. Em 2019, atuou para aprovar a Lei do Abuso de Autoridade e para modificar pontos do pacote anticrime, proposto por Moro. Agora, a avaliação no Congresso é que há consenso para a aprovação de uma quarentena eleitoral para juízes, integrantes do Ministério Público e policiais. Para o cientista político Carlos Pereira, professor da FGV, o pacote de intenções do centrão não necessariamente encontrará apoio majoritário entre os parlamentares.

— É fundamental lembrar que a situação do governo com o centrão não é majoritária, nada garante que a última vitória será reproduzida e convertida em políticas concretas no Parlamento. Acredito ser muito mais fácil a progressão de pautas econômicas, alinhadas à centro-direita, do que temas sobre costumes ou mesmo conectados com a Lava-Jato.

(Colaborou Filipe Vidon) 


Folha de S. Paulo: Acordo com centrão não é sólido, diz Santos Cruz

Para Santos Cruz, falta um plano de ação que dê sentido à aliança com o bloco no Congresso

Ricardo Balthazar, Folha de S. Paulo

Ex-ministro de Jair Bolsonaro, o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz acha que a aliança construída pelo Palácio do Planalto com os partidos políticos que dão as cartas no Congresso terá vida breve se não houver mudanças no governo e no comportamento do presidente.

Para Santos Cruz, que chefiou a Secretaria de Governo por seis meses e foi demitido após sofrer críticas do escritor Olavo de Carvalho e dos filhos de Bolsonaro, falta um plano de ação que dê substância aos acertos feitos com os políticos do centrão que passaram a comandar a Câmara dos Deputados e o Senado.

"Se a motivação principal [do acordo com o centrão] é a reeleição do presidente, o pessoal vai ter que pensar mais no Brasil", diz o ex-ministro. "O governo precisa mostrar uma capacidade de organização e planejamento que até hoje não demonstrou, e oferecer tranquilidade ao país."

Santos Cruz tornou-se um crítico ácido do governo Bolsonaro após sua demissão, mas acha que não existem condições para viabilizar um processo de impeachment e afastá-lo do cargo. "O melhor para o país é o presidente eleito governar", afirma o general. "Mas ele também tem que entender isso."

Desde o início da pandemia do coronavírus, o ex-ministro tem passado a maior parte do tempo recolhido numa chácara a 40 quilômetros de Brasília, indo até a capital apenas para compromissos eventuais. Fez melhorias na estrada que leva à propriedade, na cerca e no galpão. "Trabalho não falta", diz.

Como o sr. viu a aliança do presidente Bolsonaro com o centrão? 

Na época em que buscava cativar os eleitores, ele falava barbaridades do centrão. Tratava o grupo como uma aglomeração de pessoas que não tinham compromisso nenhum e só se preocupavam em preservar a própria impunidade. Agora, ele faz uma virada como essa aí. Há uma incoerência, e fica difícil estabelecer uma relação de confiança quando você faz esse tipo de coisa.

A verdade é que o governo não se preparou para fazer alianças. Negociação política não é crime. Mas você tem que negociar políticas públicas, não benefícios particulares. Na realidade, o que houve foi uma compra. Vão gastar bilhões de reais com as emendas dos parlamentares. Então não me parece uma coisa consistente, porque a influência do dinheiro é muito pesada. Uma negociação política desse tipo, para gerar confiança, precisa se sustentar em outros princípios, para produzir algo mais sólido.

O que acha que Bolsonaro fará com a base de apoio formada no Congresso? 

Um alinhamento maior entre o Executivo e o Legislativo obviamente traz vantagens e pode viabilizar algumas coisas, mas vamos ter que esperar para ver. Falta pouco mais de um ano e dez meses para o governo acabar. Se a motivação principal é a reeleição do presidente, o pessoal vai ter que pensar mais no Brasil. Precisa mostrar uma capacidade de organização e planejamento que até hoje não demonstrou, e oferecer tranquilidade ao país.

A pandemia ainda não acabou. Há muita coisa a fazer, mas a gente fica até hoje escutando mensagens contra a vacinação, como se tudo se transformasse numa disputa política. Essas coisas têm que parar. [O presidente] tem que saber falar com a população, e não só com os extremistas à sua volta. Ele não soube conduzir o processo. Agora tem que ajustar tudo isso se quiser a reeleição.

O acordo com o centrão garante proteção contra o avanço dos pedidos de impeachment que se acumulam contra Bolsonaro? 

Se o objetivo é esse, pode ser que tenha conseguido alguma proteção, temporariamente. Esse tipo de aliança, quando depende de um fluxo de recursos desse porte, como se falou nesses dias, não sei até onde é confiável. Infelizmente, tem gente que daqui a pouco vai querer mais e mais e mais. O modelo não é baseado em fidelidade e harmonia de objetivos, mas no dinheiro. Então, não sei até onde vai essa garantia.

Existem condições para abertura de um processo de impeachment agora? Precisa ter base jurídica, embasamento contra a autoridade. Há vários pedidos na Câmara dos Deputados. Não li, mas imagino que sejam sustentados por considerações nesse sentido. Você tem uma perda de apoio popular do presidente, mas não tão significativa que leve a essa situação. As condições não existem neste momento.

O afastamento do presidente seria desejável? 

Nunca é desejável. Até pode ser, se você tiver uma pessoa desequilibrada no cargo. Aí tem que impedir que prossiga, por uma questão de saúde mental. Mas no geral não. Temos eleições a cada quatro anos, e dá para corrigir qualquer coisa no voto.

O melhor para o país é o presidente eleito governar. Mas ele também tem que entender isso. Se está fazendo alguma coisa errada, dá uma corrigida. Se está falando demais, fala menos. Se está se comunicando de forma belicosa, baixa a bola.

Agora, se [o presidente] faltar, não tem segredo. A linha sucessória está prevista em lei, tem gente responsável por tocar para frente. Não vejo problema nenhum se ele ficar, ou se ele sair. O país não vai parar por causa disso. Passa por aquele trauma e vai em frente. Já tivemos duas vezes essa situação, e o Brasil andou.

O general Luiz Eduardo Ramos, que assumiu a Secretaria de Governo após sua saída, teve papel destacado nas articulações com o centrão. Que consequências terá para o país a volta dos militares à política? 

A população vê os ministros que são generais como generais, não como ministros. Isso não é bom, porque compromete a imagem institucional das Forças Armadas. No Exército, a gente sabe que não tem ninguém envolvido com a negociação com o centrão. Mas, para a população, parece que tem. A quantidade de militares no governo é muito grande e alimenta essa percepção.

O Ramos fazer essa articulação está na função dele. Eu não gosto desse tipo de articulação. Gosto de articulação política, mas não dessa qualidade, baseada em recursos financeiros, e principalmente com um grupo que o próprio governo criminalizava. Seria desconfortável para mim.

Quando a imagem da instituição é comprometida, ela se torna responsável pelos erros e pelos acertos, e muito mais pelos erros. As Forças Armadas são instituições de Estado. Podem dar suporte a políticas públicas, levar oxigênio para Manaus, completar a estrada onde a ponte caiu, mas não participam da rotina política. Ainda mais essa, baseada em bate-boca, extremismo, discursos na churrascaria.

Acha que o prestígio das Forças Armadas junto à população será abalado? 

Não. A queda de popularidade do presidente resulta do seu comportamento político e do mau desempenho. Pode haver algum reflexo, mas a instituição militar é tão sólida que acho que não foi arranhada.

Nem pelo mau desempenho do general Eduardo Pazuello como ministro da Saúde? 

Ele deve ser avaliado como ministro, não como general. Ele não exerce função militar. Pegou o bonde andando, assumindo uma estrutura que já vinha funcionando mal. A administração da pandemia é falha desde o início, porque o governo não assumiu a liderança do processo.

De vez em quando o pessoal fala que está cumprindo uma missão. Missão coisa nenhuma. Você só está cumprindo uma missão quando as Forças Armadas te dão uma tarefa. Quando é como foi no meu caso, ou no dele, ou qualquer outro que foi convidado para participar do governo e aceitou, o problema é seu. Não tem nada a ver com a instituição.

Quando Pazuello assumiu o cargo e foi criticado por sua inexperiência na área, seus defensores justificaram a escolha apontando a formação militar e sua especialidade, logística. 

É verdade, mas a logística militar é completamente diferente da logística civil. E ali o problema não era esse. A questão é de política pública de saúde. Ele podia ter segurado a parte logística se continuasse como secretário executivo do ministério, mas ao se tornar ministro passou a ser o responsável pela política de saúde. Aí é que a coisa dá zebra.

O que justificou a reaproximação da cúpula das Forças Armadas com Bolsonaro durante a campanha eleitoral, após décadas de desconfiança por causa do seu histórico de indisciplina? 

O presidente Bolsonaro percebeu ali que estávamos no fim de um ciclo iniciado pelos governos do PT e investiu nisso. A aproximação não foi só com as Forças Armadas. Foi com os eleitores, a sociedade. Ele falou tudo que a população queria ouvir, trouxe esperança, criou boa expectativa. Mas seu comportamento no governo tem sido lastimável. Ele não tinha ideia de como fazer, e por isso a prática é diferente do discurso.

Foi mesmo uma surpresa? Na campanha eleitoral, ele nunca escondeu o que era. 

Sem dúvida. Mas uma coisa é levar as coisas na brincadeira e fazer grosserias para capturar a atenção do eleitor numa campanha. Quando você ganha e assume a função, você tem responsabilidade num nível muito maior e tem que dar o exemplo.

Você pode emocionar uma parte do eleitorado quando diz que bandido bom é bandido morto. Quando assume, tem que ter um plano de segurança pública. Tem que seguir a lei, verificar o orçamento, aperfeiçoar as instituições, mesmo que sua política seja para valorizar o policial e aumentar sua proteção.

Por que, apesar de tudo isso, a oposição continua tão desarticulada? 

O PT se manteve na liderança por muito tempo e só tinha um líder, o ex-presidente Lula. Na hora que ele caiu, ficou sem liderança. Quem ainda fala no PT e em Lula todo dia são os bolsonaristas. O PT tem até que agradecer a propaganda. Mas o partido perdeu a eleição e não consegue mais se organizar como centro da oposição. O que não é bom, porque precisamos de uma oposição ativa, que faça o contraponto [ao governo]. Sem isso, e com todo esse dinheiro, vão passar o trator por cima. Foi o que ocorreu agora na Câmara e no Senado.

No início da pandemia, quando Bolsonaro fez ameaças aos outros Poderes e disse que tinha os militares a seu lado, havia algum risco de ruptura institucional? 

De jeito nenhum. Alguns parlamentares, o pessoal civil, a imprensa e parte da população podem ter essa sensação, vendo que tentaram arrastar o Exército como arma para ameaçar. Mas foi puro blefe. Não tem nada disso.

Teve até jurista defendendo a tese de que o Exército podia ser o moderador dos Poderes. Invenção pura. O que existe é a Constituição, e a obrigação que os Poderes têm de se ajustar. Fechem a porta e discutam até chegar a um acordo. As Forças Armadas não têm nada a ver com isso.

RAIO-X

Carlos Alberto dos Santos Cruz, 68
General da reserva do Exército, foi ministro da Secretaria de Governo de janeiro a junho de 2019. No governo Michel Temer, foi secretário de Segurança Pública do Ministério da Justiça. Comandou tropas da Organização das Nações Unidas (ONU) em missões para estabilização do Haiti e do Congo


Correio Braziliense: 'Vacina imediatamente para todos os brasileiros', defende Pacheco

Adepto da melhor tradição política mineira, o senador do DEM confia no diálogo para superar entraves nacionais como o acesso a vacinas, a definição de um auxílio aos desassistidos e as medidas para estimular o crescimento econômico

Denise Rothenburg, Guilherme Peixoto, Bertha Maakaroun e Carlos Marcelo, Correio Braziliense

Rodrigo Pacheco (DEM-MG) nunca viveu dias tão intensos. Eleito presidente do Senado Federal com amplo leque de apoios circunstanciais em 1º de fevereiro, acumulou compromissos ao longo da semana. Em Brasília, reuniu-se com o também recém-eleito presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), e o minisro da Economia, Paulo Guedes. Na sexta-feira, de volta a Belo Horizonte, “peregrinou” por diversas instituições: esteve com o governador Romeu Zema (Novo) e o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD). Foi à Assembleia Legislativa e passou pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Depois, visitou a seccional estadual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). No fim do dia, no seu escritório em BH, respondeu perguntas de jornalistas do Correio Braziliense e do Estado de Minas. Na visão dele, o tripé de prioridades para o próximo biênio já está traçado: saúde, assistência social e crescimento econômico.

Pacheco quer imunização imediata contra covid-19 a todos os brasileiros. Ele reconhece a necessidade de dar apoio aos vulneráveis e crê que a definição dos termos da transferência de renda precisa ocorrer de modo ágil. “Se isso se dará em um novo programa análogo ao auxílio emergencial ou em incremento do Bolsa Família, é uma decisão que será tomada o mais rapidamente possível pelo Congresso, junto à equipe econômica do governo”, disse. Uma das reformas econômicas em pauta é a tributária, que o comandante do Congresso estima entregar em outubro. “A distribuição de renda precisa existir no país, mas passa por um protocolo fiscal e por um sistema tributário mais justo”, explicou. O pacote de mudanças, que engloba alterações na máquina pública e Propostas de Emenda à Constituição (PECs), é visto por Pacheco com olhos esperançosos. “Temos que ter compromisso com as futuras gerações. Medidas amargas e antipáticas precisam ser tomadas para corrigir distorções”, acredita Pacheco.

Em tempos em que os limites da democracia são testados e pressionados por narrativas da extrema direita, Rodrigo Pacheco é enfático ao assinalar o modo que conduzirá a presidência do Congresso Nacional, em “defesa intransigente do estado democrático de direito”. Este foi um dos temas centrais em seu discurso de posse. Apesar disso, contudo, ele considera não haver, neste momento, ameaça concreta contra a estabilidade democrática. “Pelo menos assim considero. As instituições estão fortalecidas e em funcionamento. A democracia está na essência do Brasil hoje”, pontuou, garantindo reação imediata do Congresso caso se configurem situações em contrário. Ele promete buscar a “pacificação” da sociedade, entre instituições e da classe política, adotando, para isso, os fundamentos da ciência, os fundamentos econômicos, sociais e os princípios da Constituição Federal. “Não há muito segredo nisso: é obedecer a Constituição, fazer com que as instituições cumpram seus papéis sem interferir no papel das outras e que respeitemos as posições de cada qual”, afirmou.

Admirador confesso de Juscelino Kubitschek, Pacheco elegeu-se deputado federal em 2014, assumindo pela primeira vez um cargo de representação popular. Quatro anos depois, conquistou a cadeira do Senado Federal. Obteve apoio pluripartidário e circunstancial de partidos da esquerda à extrema direita para dirigir o Congresso Nacional, interlocução esta que pretende manter na condução dos trabalhos legislativos. Nesse sentido, é cuidadoso ao abordar temas que polarizam o debate, como, por exemplo, a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, proposta pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), para investigar as ações do governo federal ante a pandemia. “Randolfe apresentou um requerimento com 31 assinaturas, cumprindo as exigências constitucionais e regimentais. Há a necessidade de se avaliar o fato determinado do requerimento, algo que, como presidente do Senado, ainda não fiz”, afirmou, assinalando que foi aprovado pelo plenário requerimento de Rose de Freitas (MDB-ES) convidando o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, a ir ao Senado nos próximos dias para dar explicações necessárias sobre as políticas do Ministério da Saúde no enfrentamento à pandemia.

Em seus últimos pronunciamentos, o senhor destacou a necessidade de pacificação na política, chegando a fazer uma intervenção do tipo na abertura dos trabalhos do Congresso, diante de manifestações de deputados contra e a favor do presidente Bolsonaro, que estava ao seu lado. Qual a origem dessa guerra? O que há para ser pacificado?

O que precisa ser pacificado é o Brasil, a sociedade, as instituições e a classe política. Há um nível de acirramento, que deveria ser normal da democracia — atrito, divergência —, mas, infelizmente, isso se potencializou. Um atrito de rispidez, de intolerância, de desrespeito à divergência e de não compreender as diferenças. O caminho para a solução de muitos problemas é a ciência, os fundamentos econômicos, sociais, os princípios e a Constituição Federal. O que faz com que isso esteja interligado é um ambiente de pacificação, compreensão e respeito às divergências. Não consigo atribuir, exatamente, a gênese disso. A primeira eleição que tive, em 2014, já foi muito acirrada e polarizada, à beira do desrespeito. De lá para cá, o que acontece na política brasileira é muito esse desrespeito. Mas não é só essa intolerância e disputa muito acirrada da classe política.

Tem algo mais?

É, também, a dificuldade de compreensão dos poderes, de que cada um tem o seu papel — e que têm de ser cumpridos, (pois são) constitucional e legalmente previstos, sem interferir no poder do outro. O ambiente de pacificação deve ser buscado dentro da compreensão de que os poderes são autônomos, livres, e têm que conviver harmoniosamente. Não há muito segredo nisso: é obedecer a Constituição, fazer com que as instituições cumpram seus papéis sem interferir nas outras e que respeitemos as posições de cada qual. Sempre haverá caminhos para solucionar quando não há consenso. Vamos buscar sempre o consenso. Se não há consenso, há os caminhos para estabelecer a vontade da maioria.

Em seu discurso aos senadores, antes da eleição para a Mesa, há ênfase aos princípios constitucionais, à soberania, à cidadania e ao pluralismo, além de defesa intransigente do estado democrático de direito. Há, em sua avaliação, risco às instituições democráticas para que sua defesa intransigente volte à pauta?

Não há ameaça concreta ao estado democrático de direito no Brasil. Pelo menos assim considero. As instituições estão fortalecidas e em funcionamento. A democracia está na essência do Brasil hoje. Se houvesse riscos concretos à democracia, o Congresso Nacional reagiria prontamente. A defesa do estado democrático de direito tem que ser falada insistentemente, justamente para que não surjam riscos concretos. É uma tecla em que temos que bater constantemente. No dia a dia do Senado, temos que incutir, nos projetos, a lógica de defesa da Constituição, que é fundamental

Há previsão para a conclusão da reforma administrativa?

A reforma administrativa está na Câmara dos Deputados. Houve uma opção, entre as casas legislativas, de que a Câmara deveria iniciar essa discussão. Um ponto muito importante: não se pode ter um discurso demonizando servidores públicos ou achando que eles são os problemas do Brasil. Não são. Na verdade, os servidores públicos são a solução dos problemas do Brasil. Quem está fazendo o enfrentamento no dia a dia da pandemia, especialmente àqueles que não têm condições de pagar médicos e hospitais particulares, são os servidores do Sistema Único de Saúde (SUS). Não podemos achar que o funcionalismo é a causa do problema. É preciso ter respeito ao funcionalismo, mas, por outro lado, é preciso exigir produtividade, que o serviço público seja ambiente de competitividade, busca por resultados e jornadas de trabalho efetivas.

O que é preciso mudar então?

A reforma administrativa busca corrigir algumas distorções que existem no sistema brasileiro, que é muito inchado em termos de serviço público, e buscar otimizar para que o servidor seja bem valorizado, mas dentro de uma estrutura em que o país não tenha, a partir de sua arrecadação, uma carga de despesas com pessoal além do possível. Um outro ponto que deve ser discutido na Câmara é se isso deve alcançar quem já está no serviço público. É um caminho para entender a reforma administrativa no Brasil, com efeito doravante. Essa é só uma percepção. O que vai valer é a decisão da maioria do plenário da Câmara e, depois, do Senado.

A reforma vai atingir todos os setores ou certas castas não serão atingidas, como nas mudanças previdenciárias?

A lógica é que isso alcance o funcionalismo em geral. Essa é uma decisão que deve ser amadurecida em ambiente próprio: as comissões e os plenários de Câmara e Senado. Por mais que eu tenha percepções e entendimentos pessoais sobre diversos temas do Brasil, o presidente do Senado não pode impor suas vontades à maioria. Há um colégio de líderes, escolhidos pelos integrantes dos partidos, o plenário e as comissões temáticas. O presidente do Senado tem que cuidar muito para não impor sua vontade e interferir no processo legislativo.

O senhor crê que a reforma administrativa pode impulsionar a criação de um programa de transferência de renda?

Temos que ter compromisso com as futuras gerações. Medidas amargas e antipáticas precisam ser tomadas para corrigir distorções. Não que as distorções únicas estejam passíveis de correções apenas na reforma administrativa. Há a reforma tributária, o aprimoramento de reformas já feitas, outros projetos, as PECs Emergencial, dos Fundos Públicos e do Pacto Federativo, além da relação entre os entes federados. O destravamento da pauta do Senado e da Câmara e o amadurecimento servirão para ter equilíbrio fiscal — não gastar mais que o arrecadado —, ter um sistema tributário transparente, desburocratizado e simplificado, um serviço público eficiente, baseado em meritocracia, e que não seja demonizado, mas valorizado, e encontrar soluções para o Brasil. A distribuição de renda precisa existir no país, mas passa por um protocolo fiscal e por um sistema tributário mais justo.

Eduardo Bolsonaro divulgou que o presidente vai anunciar, esta semana, três decretos sobre porte e posse de armas. Essa pauta é urgente no Senado? Qual é a prioridade dos senadores ante os 35 itens enviados pelo Planalto?

A pauta prioritária do Senado haverá de ser definida pelos líderes partidários na primeira reunião, que acontecerá na terça-feira, às 10h. Minha percepção é de que a prioridade da pauta do Senado deve ser baseada no trinômio saúde pública, desenvolvimento social e crescimento econômico. Ou seja: vacina imediatamente para todos os brasileiros, e todos os procedimentos para permitir que as vacinas cheguem aos brasileiros. O desenvolvimento social é a preocupação que temos com a camada muito vulnerabilizada, que precisa de assistência social. Se isso se dará em um novo programa análogo ao auxílio emergencial ou em incremento do Bolsa Família, é uma decisão que será tomada o mais rapidamente possível pelo Congresso, junto à equipe econômica do governo. O crescimento econômico são as pautas que precisam ser estabelecidas para que o Brasil seja um ambiente seguro de investimentos, com segurança jurídica e estabilidade econômica, social e política.

Por que o senhor menciona estabilidade política?

Neste momento, a estabilidade política é muito importante. A eleição das duas Mesas do Congresso alinhadas entre si e colaborativas reciprocamente com o governo e o Supremo Tribunal Federal (STF), obviamente resguardando a independência dos poderes, é algo muito importante para um caminho de crescimento econômico, gerando o mais importante para uma nação civilizada: emprego e renda por meio da força de trabalho. Esse trinômio deve ser foco imediato de atuação. As outras pautas, legitimamente defendidas por partidos, blocos e senadores — e o Poder Executivo e Bolsonaro também têm suas prioridades —, mas o sentimento do Senado é avaliar cada item e proposta vinda dos senadores, da Câmara, do Executivo e do STF. (As armas de fogo) já foram discutidas no primeiro biênio da legislatura no Senado, em relação ao decreto que acabou sendo revogado. É uma pauta do presidente e dos senadores. Ela deve ser discutida no colégio de líderes para avaliar se deve ser pautada ou não, mas se eu disser que isso é prioridade em momento de pandemia, estaria mentindo. Ela pode ser prioritária em algum momento para senadores, e vamos ter toda a receptividade em pautá-la se for o caso, mas neste momento o foco é o enfrentamento à pandemia.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) colheu assinaturas em prol da criação de CPI para investigar as ações do governo federal ante a pandemia. Se a comissão for aberta, como será a postura do Senado?

Randolfe apresentou um requerimento com 31 assinaturas, cumprindo as exigências constitucionais e regimentais. Há a necessidade de se avaliar o fato determinado do requerimento, algo que, como presidente do Senado, ainda não fiz. Não examinei o requerimento de instalação dessa CPI específica. Na sessão de quinta-feira, um requerimento de Rose de Freitas (MDB-ES) foi aprovado em plenário convidando o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, a ir ao Senado nos próximos dias, em data a ser definida brevemente, para que possa, ele, dar as explicações necessárias sobre as políticas do Ministério da Saúde no enfrentamento à pandemia. Esse é um primeiro ato importante.

O senhor, se fosse contaminado pela covid-19, se trataria com ivermectina e cloroquina?

Se contraísse a covid-19, e nós todos, infelizmente, estamos suscetíveis a isso, obedeceria ao médico que eu procurasse e me receitasse o procedimento adequado. Sou advogado. Se fosse médico, poderia me automedicar. Como não sou, confiaria plenamente no médico que procurasse.

Os mais recentes pedidos de impeachment de Bolsonaro consideram a omissão do governo no combate à pandemia e o receituário de medidas preventivas desqualificadas pela ciência. Há elementos para que esses pedidos prosperem?

Impeachment é algo muito grave, sério e um instituto que não pode ser banalizado. Temos dois episódios de impeachment na história recente do Brasil que foram tristes. (O impedimento) demonstra fragilidade da democracia e da República. É algo que tem que ser analisado com muita responsabilidade. Tem o apelo político, mas também o apelo jurídico. Não me permitiria apreciar nenhum pedido de impeachment, que definitivamente não os conheço em suas inteirezas, por uma razão muito simples: o presidente do Senado e do Congresso tem que ter muita responsabilidade nessa apreciação, haja vista que a análise de admissibilidade do impeachment cabe à Câmara dos Deputados e a seu presidente. Portanto, não opinarei sobre hipóteses de impeachment.

A gravidade da pandemia foi então uma fatalidade?

Independentemente desses pedidos, a pandemia atingiu o Brasil e o mundo de maneira surpreendente, muito severa e trágica. Não há um país ou um estado da federação brasileira que tenha só acertado. Sinceramente, não há qualquer comprovação científica do que deveria ser tomado há um ano sobre a pandemia. Há um estado de incertezas que nos faz ter compreensão de que a sanha de achar culpados a qualquer custo deve dar lugar a um ambiente em que a ciência prevaleça e amadureça, e que façamos um enfrentamento mais inteligente ao que nos exige o momento: facilitar, o máximo possível, o acesso à vacina. É uma obrigação do Estado e um direito do cidadão ter acesso às vacinas. De onde quer que venham, certificadas pela Anvisa, que sejam colocadas à disposição da sociedade.

O DEM, partido ao qual o senhor pertence, está em crise. Enquanto ACM Neto é cotado para ser vice de Bolsonaro em 2022, Rodrigo Maia pensa em deixar a legenda. Qual é a sua posição?

Não me permito discutir projetos eleitorais de 2022, nacional ou estadual, sentando na cadeira de presidente do Congresso. Não vou apreciar essa questão (candidatura no próximo pleito) neste momento. O foco é o mandato de presidente do Senado. Serei o mais colaborativo possível em relação aos outros poderes, obviamente resguardando a independência do Senado, além de buscar ajudar o governo a executar políticas públicas.

Arthur Lira disse que não tem protagonismo de uma Casa nas reformas e afirmou que a Câmara vai tocar a reforma administrativa, e o Senado, a PEC Emergencial. Pareceu, a alguns políticos, que ele tentou marcar uma posição. O senhor, por seu turno, estima oito meses como prazo de entrega da tributária. Qual reforma sai primeiro?

A reforma administrativa está na Câmara. Lira se comprometeu a dar andamento a ela. No Senado, há a PEC Emergencial, a PEC dos Fundos Públicos, recursos bilionários que podem ser alocados no Tesouro para pagar a dívida pública e, eventualmente, sustentar a assistência social que o Brasil precisa. E (também) a PEC do Pacto Federativo, que busca desvincular e descentralizar a política pública e orçamentos para estados e municípios, para facilitar o emprego dos recursos diretamente ao cidadão. Estamos chamando isso, junto com a equipe econômica do governo, de protocolo fiscal. (O pacote) demonstra que o Brasil tem responsabilidade fiscal, vai buscar corrigir as distorções do orçamento e combater o déficit público. Elas tramitarão concomitantemente na Câmara e no Senado.

E a reforma tributária?

A reforma tributária está em uma Comissão Mista. O que estipulamos, na reunião com Lira, foi um cronograma possível. A comissão entrega o parecer até o final de fevereiro, ele é apreciado, e se inicia por uma das casas legislativas, que terá entre três e quatro meses para deliberar, vai à outra Casa e a gente, então, amadurece uma reforma tributária no Brasil. Não é algo simples. A reforma tributária talvez seja a reforma mais complexa que temos para fazer, mas a política é a arte de escolher. Temos que, à luz da técnica, de fundamentos econômicos e ouvindo especialistas, escolher uma opção para arrecadação tributária do Brasil, de modo que o sistema que queiramos adotar seja o melhor possível.

Então não há como cravar quando todo o protocolo fiscal ficará pronto?

Ele será trabalhado como prioridade, mas, obviamente, depende do sentimento. Não é uma vontade pessoal do presidente do Senado. Deve ser trabalhado com o colégio de líderes, que se reunirá na terça-feira, às 10h.

Especialistas creem que a criação de um imposto único tende a concentrar, ainda mais, a renda na União. Qual a sua opinião?

Sobre o mérito dessas propostas, é responsável da minha parte, como presidente do Senado, reservar as instâncias de comissões, Câmara e Senado. A proposta prevê o Imposto Sobre Valor Agregado (IVA) ou o Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS). Em uma proposta, há a lógica de unificar impostos federais. Na outra, também ICMS e ISS — aí, tem que identificar a forma de repartição. A opção tem que ser dentro de uma lógica que não sacrifique mais o contribuinte e que se busque fazer, no Brasil, a simplificação, a desburocratização e o combate à sonegação. Há instrumentos próprios para isso. Temos que simplificar o sistema tributário. Não necessariamente haverá redução de encargos, mas pode haver substituição de tributos. São hipóteses que vão ser trabalhadas por técnicos. É uma reforma em que vai haver divergências. Não há como não haver divergências. Só não pode haver algo que signifique quebras de setores inteiros ou prejuízos muito acentuados a um estado em favor de outro.

Os parlamentares bolsonaristas contarão com o seu apoio para colocar em pauta a redução de poderes do STF? O que acha dessa política de enfrentamento de poderes, que mobiliza as redes sociais?

A oposição de ideias é válida e faz parte da democracia. O enfrentamento por si só, sem ideias consistentes, é só um acirramento absolutamente desnecessário que vai contra tudo o que prego: a pacificação das instituições. Não serei defensor, necessariamente, de um grupo ‘A’ ou ‘B’ de deputados. Como presidente do Congresso, vou atender todos os 513 deputados nas boas ideias que tenham. Assim como os outros 80 senadores nos bons propósitos que tenham. Não há adesão ideológica ao grupo ‘A’ ou ‘B’. Penso sempre no bem do Brasil.

O senhor citou duas vezes, em seu discurso de posse e na abertura dos trabalhos do Congresso, o nome de Juscelino Kubitschek. Por que a evocação de Juscelino?

Na minha opinião, foi o maior político da história brasileira. E, orgulhosamente, um mineiro. Pautou-se pela ética, pela decência e pela ideia de desenvolvimento do Brasil. Trouxe a interiorização, industrializou o país e abriu o Brasil para o mundo com uma lógica muito inteligente. Ele fez o que fez como prefeito de BH e presidente da República: a Pampulha e, depois, Brasília. Juscelino Kubitschek deve ser sempre lembrado, cultuado, e seu exemplo sempre sentido pelos que estão na política. Temos que ter um guia. Nosso guia político, em Minas Gerais, na minha opinião, deve ser Juscelino Kubitschek.

Como deseja ser lembrado quando deixar a presidência do Senado?

Pretendo deixar o legado de alguém que honrou suas tradições, suas origens e o estado de Minas Gerais. Que buscou dar soluções ao Brasil em um momento de crise sem precedentes, com uma pandemia que será histórica e lembrada por séculos mundo afora. E estávamos ali a defender a república, o federalismo e o estado democrático de direito, com amor à divergência, buscando encontrar soluções por meio da conciliação das diferenças. (Colaborou Luiza Rocha)