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Adriana Fernandes: Bolsonaro foi o gatilho para movimento fura-teto na véspera da votação da PEC

Presidente deixou, mais uma vez, a equipe econômica isolada dentro do governo, ao pedir pela retirada do Bolsa Família do teto

O presidente Jair Bolsonaro foi um dos principais patrocinadores da proposta de exclusão do programa Bolsa Família do limite do teto de gastos na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do auxílio emergencial.

O chefe mandou. Essa foi a razão pela qual vários senadores governistas passaram a cravar entre terça-feira e ontem a aprovação da medida com a ajuda também de outros senadores, inclusive da oposição, que sempre foram contrários à regra que limita o crescimento das despesas à variação da inflação.

A coluna apurou que o presidente pressionou muito para que a proposta fosse incluída na PEC, enquanto a equipe do seu ministro da EconomiaPaulo Guedes, e o presidente do Banco CentralRoberto Campos Neto, se desdobravam na busca de apoio do mercado financeiro e de congressistas para enterrar a proposta.

A posição de Bolsonaro foi o gatilho que faltava para os senadores embarcarem nesse movimento fura-teto na véspera da votação da PEC.

A empolgação foi grande. Fontes relataram que as propostas para deixar o programa fora do teto variaram entre R$ 35 bilhões (o orçamento do programa previsto para 2021), R$ 60 bilhões até chegar em R$ 150 bilhões para 2021 e 2022.

A meta de déficit das contas do governo de R$ 247,1 bilhões para 2021 teria que subir no mínimo para R$ 282,1 bilhões. Como retratou o economista Caio Megale, da XP, o céu é o limite.

O movimento do presidente deixou mais uma vez a equipe econômica, incluindo também o BC, isolada dentro do governo. Por trás, a intenção política é abrir espaço no Orçamento para obras e os pedidos de ampliação de emendas.

O problema detectado de antemão é o que mostram números recentes obtidos pela reportagem do Estadão/Broadcast apontando um buraco de R$ 17 bilhões no limite do teto de gastos no Orçamento de 2021. Ou seja, seria preciso arrumar esse espaço no teto. Em relação à meta fiscal, as projeções apontam uma necessidade de arrumar R$ 20 bilhões.

O complicador é que o projeto de Orçamento foi enviado sem folga no teto, com as despesas batendo o limite previsto para este ano, de R$ 1,48 trilhão. Os parlamentares receberam esses números e viram a encrenca que será 2021 sem margem orçamentária para fazer quase nada.

O mercado entrou em polvorosa ao longo do dia com a Bolsa derretendo mais de 3% e o dólar perto de R$ 5,75 até que o presidente da CâmaraArthur Lira, garantisse, pelo Twitter, que o teto seria respeitado, enquanto o ministro palaciano Luiz Eduardo Ramos, articulador político do governo, atribuía a articulação para tirar despesas do teto a uma mera especulação no mercado financeiro. Ninguém acreditou.

Em meio ao tumulto e desorganização, alguns senadores também começaram a ficar incomodados de ficarem expostos sozinhos no movimento fura-teto sem Bolsonaro botar as caras no carimbo da medida. 

Diante da possibilidade de derrota no Senado, Guedes, que tem defendido com unhas e dentes a PEC com as medidas de controle de despesas, conhecidas como gatilhos, foi até o Tribunal de Contas da União se reunir com o ministro Bruno Dantas que alertara para o risco de a PEC desfigurar o teto de gastos e o texto constitucional com outras medidas aprovadas no afogadilho.

Dantas chegou a recomendar a edição de uma MP sem a necessidade da PEC para o pagamento do auxílio.

Ao insistir em acoplar o auxílio à aprovação de reformas que só terão efeitos entre 2024 e 2025, o ministro Paulo Guedes cometeu, na avaliação de muitos políticos experientes, um erro estratégico por conta da piora da pandemia, ampliando o seu desgaste depois da troca de comando da Petrobrás.

O episódio da Petrobrás não só enfraqueceu a posição de Guedes nas negociações da PEC como marcou um ponto de mudança de política do governo.

Bolsonaro tomou gosto de enfrentar o mercado. Só não colocou na conta até agora que, da véspera da demissão de Roberto Castello Branco até essa semana, o dólar já mudou de patamar: saltou de R$ 5,41 para um patamar em torno de R$ 5,70.

O irônico dessa crise é que o IBGE divulgou ontem uma queda do PIB de 4,1% em 2020, um dado positivo diante do estrago da pandemia no ano passado. Se não fosse a postura do presidente, muitos governadores e prefeitos, na condução da crise sanitária, a vacinação estaria a todo vapor e a economia em recuperação. O que vemos é mortes, colapso no sistema de saúde e desorganização na economia. Continuamos também sem auxílio e com milhões de pessoas esperando esse socorro que não chega.


Roberto Macedo: Prossegue a tragédia do PIB brasileiro

Quanto a políticas públicas em contrário, confesso meu pessimismo

O relatório do IBGE sobre o produto interno bruto (PIB) do quarto trimestre e do ano de 2020, divulgado ontem, é mais um amontoado de más notícias e outro retrato da tragédia por que passa o PIB brasileiro. Este caiu 4,1% em 2020, principalmente como resultado do impacto da covid-19.

Logo que a covid surgiu, houve previsões de queda próximas de 9% A política econômica governamental moveu-se em sentido contrário, como no auxílio emergencial e no crédito, mas uma queda de 4,1%, mesmo supondo que poderia ter sido pior, é por si mesma muito alta. E lamentável. Aliás, o relatório aponta que foi a pior taxa desde que a série dados foi iniciada em... 1996 (!). E mais: o PIB per capita, ou por habitante, caiu ainda mais, 4,8%, pois a população segue aumentando.

Em retrospecto, em 2020 as taxas trimestrais, relativamente ao trimestre imediatamente anterior, foram de -2,1% no primeiro, -9,2% no segundo, 7,7% no terceiro, e 3,2% no quarto. Esse movimento de descida e subida costuma ser chamado de recuperação em V, mas ele veio com sua haste direita sem voltar à mesma altura da haste esquerda. Assim, fazendo essa altura no último trimestre de 2019 igual a 100, em 2020 o PIB caiu para 89 no ponto mais baixo do V e alcançou 98,8% no alto de sua haste direita com as taxas positivas verificadas nos dois últimos trimestres do ano. Também se pode dizer que o PIB passou por uma recessão no primeiro semestre de 2020, que foi interrompida no segundo, mas sem voltar ao valor que tinha no final de 2019. Além disso, por conta desse V a média do PIB em 2020 ficou bem abaixo da média de 2019, o que levou a essa queda de 4,1%.

É importante colocar essa taxa no contexto mais amplo da tragédia do PIB brasileiro. Voltando à década passada, desde 2015 o PIB entrou num buraco do qual não saiu até hoje. No detalhe o relatório mostra isso, mas não há referência ao assunto na notícia do documento. Um dos gráficos do relatório apresenta um índice do PIB trimestral entre o primeiro trimestre de 1996 e o quarto de 2020, e percebe-se que o valor mais alto ficou lá atrás, no primeiro trimestre de... 2014! Ou seja, sete anos depois ainda não voltamos a ele. Em 2015 começa um movimento lembrando um U bem rebaixado e estendido, mas cuja haste direita não retornou ao mesmo nível marcado pela esquerda em sua ponta. Isso define uma depressão, algo mais longo do que as duas recessões ocorridas durante o mesmo movimento, a de 2015-2016 e a da covid-19.

Venho insistindo em apontar essa depressão ainda em curso, mas o noticiário, a classe política e mesmo vários economistas parecem ignorá-la, ou negligenciar a busca do seu enfrentamento. Aliás, influenciados pelo que se passa nos países desenvolvidos, muitos economistas brasileiros focados na economia como um todo concentram sua atenção na chamada macroeconomia, que foca principalmente em movimentos cíclicos ou de curto prazo. Questões de longo prazo são negligenciadas. Além da referida depressão, merece destaque o fato de que desde a década de 1980 a economia brasileira está em estagnação ou cresce abaixo do seu potencial, e muito pouco se fala disso.

Com dados do PIB desde 2014, incluídos os de 2020, estimei que ele precisaria crescer um total perto de 7% a partir de 2021 para voltar ao seu valor de 2014, o que tomaria cerca de três anos aumentando perto de 2,4% ao ano, e com muitas incertezas pelo caminho. Assim, para ao final voltar ao PIB de 2014, tomaria nove anos! Ou seja, quase uma década para voltar a um PIB que o Brasil já havia alcançado antes!

Passo agora a uma visão setorial do último ano. Um gráfico do relatório abrange 12 subsetores da economia, oito mostraram desempenho negativo em 2020, com destaque para o subsetor de outras atividades de serviços e o de transporte, comunicação e correio. O primeiro teve a maior queda, de 12,1%, e o segundo caiu 9,2%, resultados condizentes com o maior impacto da crise da covid-19 nesses subsetores. Entre os que cresceram, destacaram-se o de atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados (4%) e o de atividades imobiliárias exceto construção (2,5%). Este último teve queda de 7,8%, a terceira entre as maiores.

Enfim, esse é um quadro trágico do péssimo estado da economia brasileira. Quanto a políticas públicas em sentido contrário, confesso meu pessimismo com o cenário à frente. 2021 pode até mostrar um crescimento do PIB próximo de 3%, mas principalmente pelo fato de que 2020 teve média muito baixa, bastando a economia não cair mais este ano para mostrar algo até acima dos 2,4% citados. Bolsonaro não se interessa pelo assunto e até mesmo atrapalha com suas propostas, como ao interferir em estatais, gerar incertezas e desencorajar investidores. E a covid-19 voltou até com mais força, e sem um forte retrocesso também agravará a situação da economia. Mas, nesse mau contexto, pessoalmente hoje me sinto melhor, pois vou sair para tomar a vacina com que sonhava.

*Economista (UFMG, USP E HARVARD), professor sênior da USP. É Consultor Econômico e de Ensino Superior


Vinicius Torres Freire: PIB foi até melhor do que se esperava, mas Bolsonaro estraga surpresa

Investimento produtivo caiu pouco; mortes de Covid e os dedos do presidente são ameaça para 2021

O resultado do ano seria um desastre histórico certo e óbvio, “recorde”, por causa da epidemia. Mas a economia andou um pouquinho melhor do que o esperado no final do ano horrível de 2020. Um tanto mais impressionante, o investimento caiu pouco –trata-se aqui da despesa em novas construções, casas, instalações produtivas, máquinas, equipamentos etc.

Caso a economia mantivesse o ritmo de produção do último trimestre de 2020 ao longo de todo este 2021, o crescimento seria algo em torno de 3,7% ao final deste ano. Seria uma estagnação, trimestre ante trimestre. Mas, como o trimestre final de 2020 foi muito melhor do que o restante do ano desastroso, na média 2021 seria melhor.

Vai manter o ritmo?

Difícil saber, mas o ano começou fraco: a economia sentiu o fim do auxílio emergencial, mais do que o previsto pelos economistas. A nova onda de morticínio da epidemia já fez estragos no primeiro trimestre e terá efeitos também pelo menos ainda em abril –o setor mais danado da economia em 2020 foi o de serviços, que não vai se recuperar enquanto o vírus estiver livre para matar, com ou sem restrições de movimento. A vacinação é tardia. Se houvesse governo, pois, seria possível crescer mais do que 3,7% e quase recuperar pelo menos o que se perdeu em 2020.

O resultado mais notável do PIB do ano passado, vamos repetir, foi a queda até pequena do investimento (0,8%). No pior momento da recessão de 2016, por exemplo, o investimento chegou a cair 16,3% no primeiro trimestre daquele ano (na taxa acumulada em quatro trimestres). Por falar no terror de 2016, o crescimento da economia acumulado em quatro trimestres foi tão ruim ou pior do que o do 2021 em três trimestres (chegando a diminuir 4,5%).

Os auxílios emergenciais, o aumento da oferta de crédito, nos bancos e em parte facilitado pelo Banco Central, e a “reabertura” da economia a partir de outubro evitaram desastre ainda maior. Outra contribuição importante veio do comércio exterior (valor das exportações menos importações), que contribuiu positivamente com 1,2 ponto percentual para o PIB. As exportações não tinham tamanha peso no PIB pelo menos desde ao ano 2000.

Quais os problemas para 2021? Aqueles sabidos por qualquer pessoa adulta e sensata: o governo de Jair Bolsonaro deixa passar a boiada assassina do vírus e a vacinação ainda é lerda. De efeito menos visível para o observador comum, há a gestão entre incompetente e estúpida da economia. Se deixarem estourar as contas do governo e Bolsonaro continuar a “meter o dedo”, fazer intervenções demagógicas e contraproducentes, dólar e taxas de juros subirão ainda mais.

O choque de preços de commodities (grãos, petróleo) e de alimentos em geral, multiplicado ainda pela alta do dólar, chutou a inflação para cima. O IPCA acumulado em 12 meses deve chegar perto de 7% em meados do ano. Pode ser um choque temporário. Logo, o Banco Central não precisaria reagir de modo muito agressivo, elevando os juros rapidamente, embora no atacado de dinheiro do mercado as taxas tenham explodido.

Mas o choque de preços pode não ser temporário. A intervenções estúpidas do governo e a má gestão geral da política econômica podem fazer com que o dólar permaneça nas alturas (ainda mais se continuar a tendência de fortalecimento da economia americana e de altas de juros por lá). Os juros subiriam. A inflação comeria ainda mais poder de compra.

O medo da epidemia e de que o governo cometa mais tolices causa insegurança e desconfiança de consumidores e empresas. Seria mais um freio no PIB. O nome do risco é Bolsonaro.​

Renda média do brasileiro regride a 2009

A renda do brasileiro regrediu ao nível de 2009. Quer dizer, o PIB (Produto Interno Bruto) per capita de 2020 foi similar ao daquele ano da década passada. PIB per capita: o valor da produção ou da renda dividido pela população. Na verdade, a situação socioeconômica é pior: há mais desemprego e pobreza.

No ano passado, o PIB per capita diminuiu 4,8%. Baixas piores do que essa haviam ocorrido apenas em 1983 (recessão final da ditadura militar) e 1990 (recessão do Plano Collor).

Vai demorar para que a renda média volte pelo menos ao nível registrado no ano de 2014 (anterior ao do início da grande recessão, último ano do primeiro mandato de Dilma Rousseff).

Se o Brasil crescer 3,5% neste 2021 e 2,5% nos anos seguintes, o PIB (renda) per capita volta ao valor de 2014 apenas em 2026. Mais do que uma década perdida em termos de PIB, sem contar os desastres sociais e a degradação da capacidade produtiva (crescimento mínimo da infraestrutura, desqualificação dos trabalhadores, atraso tecnológico etc.)

Por que apenas 2,5% de crescimento ao ano, no futuro visível? Seria mais ou menos a capacidade atual de a economia brasileira crescer. Para ser mais, teria de haver aumentos de eficiência e/ou capacidade de investimento. É um chute informado, digamos. Pode ser que a capacidade básica ou média de crescimento tenha diminuído nestes anos.


Ribamar Oliveira: É facultativo, pero no mucho

Estado ou município que não fizer ajuste não terá aval da União

Muitos analistas e mesmo parlamentares reclamaram de um artigo da PEC 186, em votação no Senado ontem, que torna facultativo o acionamento de medidas de ajuste quando as despesas de um Estado ou de um município superarem 95% de suas receitas correntes. A conclusão de muitos é que, se o ajuste é facultativo, nenhum governador ou prefeito vai disparar os gatilhos das medidas, todas impopulares. O artigo pode se tornar, portanto, letra morta.

Há, no entanto, um detalhe que pode ter passado despercebido. A PEC estabelece que, se um Estado ou município estiver com suas despesas correntes superiores a 95% de suas receitas correntes, não poderá receber garantias da União ou de outro ente da federação ou fazer operação de crédito com a União ou outro ente da federação. Estão ressalvados somente os financiamentos destinados a projetos específicos, celebrados na forma de operações típicas das agências financeiras oficiais de fomento.

A proibição vai durar até que todas as medidas de ajuste elencadas na PEC 186 tenham sido adotadas, de acordo com declaração do respectivo Tribunal de Contas. As medidas abrangem proibição de concessão de aumento, reajuste, vantagem ou adequação de remuneração de servidor, criação de cargo ou função, realização de concurso público, alteração de estrutura de carreira, criação de despesa obrigatória e adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação.

O governador ou o prefeito que estiver gerindo um Estado ou um município em situação pré-falimentar poderá até não adotar medidas de ajuste, como, aliás, tem sido uma prática usual no Brasil. Mas, a partir da aprovação da PEC 186, ele não terá mais garantia da União para fazer operação de crédito. E não existe investimento público sem financiamento.

O comando que está sendo colocado na Constituição obriga, de forma indireta, o governador ou prefeito a ajustar suas contas, sob pena de nunca mais ter direito a aval da União ou de outro ente da federação para obter financiamento. E, sem o aval, eles não conseguem crédito no mercado ou, quando o fazem, é com taxa de juros proibitiva. Assim, acionar os gatilhos é facultativo, pero no mucho - para usar uma expressão dos hermanos argentinos e uruguaios.

O Tesouro Nacional utiliza a relação entre despesa corrente e receita corrente, entre outros indicadores, para calcular a capacidade de pagamento de Estados e municípios. De acordo com a análise da capacidade de pagamento (Capag) realizada pelo Tesouro em 2019, apenas 11 Estados possuiam nota A ou B, as quais permitem que o ente receba garantia da União para novos empréstimos.

O Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais, relativo a 2019, mostra que em 12 Estados as despesas correntes superavam 95% das receitas correntes. Ou seja, estes são os candidatos a acionarem os gatilhos das medidas de ajuste fiscal, caso a PEC 186 seja aprovada. Os Estados de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul tinham, em 2019, despesas correntes superiores a 100% de suas receitas correntes, de acordo com o Tesouro. Isto significa que os governadores não tinham receita suficiente para quitar suas contas e estavam atrasando pagamentos.

Ao inscrever no texto da Constituição a proibição de que Estados em situação pré-falimentar recebam aval da União, a PEC 186 evita o que ocorreu em passado recente, quando a ex-presidente Dilma Rousseff autorizou empréstimos para Estados com Capag indicando nota C e D. Na época, o governo disse que a intenção era permitir que os Estados aumentassem os seus investimentos. O resultado dessa política, no entanto, foi uma ampliação das despesas com os servidores.

Como a proibição estará no texto constitucional, os Estados não terão condições de pressionar o presidente da República, por meio de senadores e deputados, para obter aval para empréstimos ou financiamentos de bancos públicos, como aconteceu no passado. Esta mudança não é pequena. E poderá ser decisiva como estímulo para que governadores e prefeitos de Estados e municípios em situação pré-falimentar façam o dever de casa, ou seja, ajustem as contas.

Há na PEC um limite prudencial para os Estados e os municípios. Toda vez que as despesas correntes ultrapassarem 85% das receitas correntes, o governador ou o prefeito poderá adotar medidas de ajuste. Mas, para isso, terá que submetê-las ao Legislativo. Os deputados estaduais ou os vereadores terão um prazo de 180 dias para se pronunciar sobre as medidas. Se elas forem rejeitadas ou não apreciadas no período, elas perderão eficácia, mas os atos praticados terão validade durante o período em que vigoraram. Algo parecido com o que ocorre, atualmente, com as medidas provisórias, editadas pelo presidente a República.

Numerosas sugestões

A PEC 186 veda a vinculação de todas as receitas públicas a órgão, fundo ou despesa pública. Mas abre numerosas exceções. Foram excluídas as taxas, contribuições, doações, empréstimos compulsórios, repartição de receitas com Estados e municípios, receitas vinculadas ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), prestação de garantias na contratação de operações de crédito por antecipação de receita e receita destinada por legislação específica ao pagamento de dívida pública.

A nota técnica 7/2021, da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados, explica que as taxas, contribuições e empréstimos compulsórios são vinculadas por sua natureza jurídica, assim como a repartição de receitas com entes federados. A nota, de autoria dos consultores José Cosentino Tavares, Eugênio Greggianin e Ricardo Volpe, estima que, após todas as exclusões, o governo vai poder liberar R$ 72,9 bilhões.

Esta desvinculação vai ser, certamente, de grande ajuda para o governo administrar a dívida pública neste ano. Os recursos desvinculados dos Fundos, que ficam no caixa único do Tesouro no Banco Central, poderão ser usados no pagamento da dívida pública.


Maria Cristina Fernandes: Calamidade Pública S.A.

Bolsonaro faz escola com propostas que se desviam da covid

A publicidade da nova transação imobiliária do senador Flávio Bolsonaro não estava no roteiro com o qual o presidente Jair Bolsonaro se preparava para enfrentar o momento mais dramático da pandemia.

A ideia era não mexer em time que está ganhando, o do presidente, claro, capaz de manter inertes as instituições contra seu desgoverno na pandemia. E repetir a estratégia do ano passado, no recrudescimento da covid-19, quando jogou o verbo e a Polícia Federal pra cima dos governadores.

Desta vez, parecia óbvio que a nova travessura do primogênito dificultaria sua tentativa de demonstrar que o desespero dos governadores vem do desvio de recursos. A nova morada do senador, no entanto, não foi capaz de baixar o tom do presidente. É assim que ele desvia do assunto. Puxando uma briga ruidosa com os governadores.

Encontrou em João Doria o parceiro ideal para a encenação. Sem espaço no seu próprio partido, o governador de São Paulo investe na polarização com o presidente, mimetizando-o. Endurece o isolamento para cativar os insatisfeitos com o bolsonarismo, mas excetua os cultos religiosos para cativar a mesma plateia do presidente.

A entrada dos presidentes da Câmara e do Senado na mediação com os governadores é útil para Bolsonaro porque canaliza parte das insatisfações. Na carona da mediação, amaciou-se a resistência à fila dupla na vacinação. No mesmo projeto do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) com o qual foi reapresentada a prerrogativa de Estados e municípios de comprar vacina, abriga-se a aquisição pelo setor privado depois de esgotada a vacinação de grupos prioritários.

A mediação com os governadores também amplia os aliados com os quais o presidente da Câmara espera contar para forçar o teto de gastos para além do auxílio emergencial.

Bolsonaro faz escola. Se baixa decreto para ampliar a posse de armas, Lira cria grupo de trabalho para mudar a legislação eleitoral. Ambos têm em comum a capacidade de se valer de um país em choque pelas quase 2 mil mortes diárias para propor temas que nada têm a ver com a urgência do país.

As iniciativas de Lira obedecem a três grandes eixos: aumentar o controle parlamentar sobre o Orçamento, reduzir a competitividade eleitoral e mitigar o controle sobre a atividade parlamentar.

A investida tem método. A começar pelo próprio projeto pessoal de Lira. O deputado renovou seu mandato graças a liminar que o blindou da Lei da Ficha Limpa. Reeleito, trabalhou na adesão do seu bloco a Bolsonaro com o mesmo afinco dedicado ao desmonte do entulho lajavatista.

Avançou uma casa ao conseguir que Augusto Aras desfizesse a denúncia que o próprio procurador-geral da República havia feito. E andou mais duas com o arquivamento de uma das denúncias no STF. Mas a luta continua.

Ainda lhe resta mudar a Lei da Ficha Limpa e a da Improbidade. Para isso, ganham celeridade no Congresso tanto o grupo de trabalho que revisará a legislação eleitoral, comandado pelo PP, quanto o projeto de lei que suaviza a lei da improbidade administrativa, relatado pelo PT.

Uma das opções do deputado em 2022 é a disputa pelo governo de Alagoas. Para isso, precisa limpar seu nome. Se largar o mandato para disputar uma eleição majoritária, o foro dos crimes pelos quais hoje responde como deputado desce para a primeira instância em Brasília, onde subsistem juízes como Vallisney Oliveira.

A sorte de Lira é que ele não está só. Uma das missões do PL, por exemplo, aliado de primeira hora de Lira e partido do indefectível ex-deputado Valdemar Costa Neto, é recuperar a elegibilidade do ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, condenado em duas instâncias por esquema de distribuição de propinas, e marido da nova presidente da Comissão Mista de Orçamento, Flávia Arruda (PL-DF).

O fracasso na PEC da Impunidade não desanimou Lira. Tem à mão uma pauta ecumênica, capaz de ampliar seu apoio na Casa. Basta ver o que está em curso com as tentativas de jogar o maior número de despesas possíveis para fora do teto de gastos. Ao tirá-las do teto, sobraria espaço para aumentar os valores das emendas com as quais os parlamentares esperam se reconduzir em 2022.

Se não for bem sucedido no aumento das dotações para emendas, Lira tem uma carta na manga para aumentar a execução daquelas que o Congresso conseguir aprovar. O presidente da Câmara investe no fim da intermediação das emendas pela Caixa Econômica Federal. É uma das demandas mais ecumênicas da Casa.

Até 2019, todas as emendas tinham a intermediação da CEF. No fim daquele ano, foi aprovada uma emenda constitucional que nasceu pelas mãos da então senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) em 2015 e foi relatada pelo deputado Aécio Neves (PSDB-MG) na Câmara.

Por esta mudança constitucional, o parlamentar pode optar por mandar os recursos de suas emendas individuais pela Caixa ou diretamente para os municípios. Mas os parlamentares querem mais. Pretendem estender a possibilidade de mandar diretamente para a prefeitura também para as emendas de bancada e de comissão.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2021 foi aprovada com este dispositivo. O presidente o vetou e agora o Congresso se prepara para derrubá-lo. Os parlamentares alegam que a burocracia da CEF é gigantesca e retarda a liberação.

Como se trata do primeiro Orçamento pós-eleições municipais de 2020, os parlamentares estreitaram laços com prefeitos que ajudaram a eleger e que, agora, se arregimentarão para a renovação dos mandatos dos deputados e senadores em 2022. Por isso, quanto menos travas, melhor.

Nos cálculos da própria Associação dos Engenheiros e Arquitetos da CEF, leva seis anos entre a aprovação de uma emenda e total liberação pelo banco, o que ultrapassa o mandato parlamentar.

Quando o dinheiro vai diretamente para o município fica mais difícil mapear o destino da verba que hoje deixa rastros nas plataformas do Ministério da Economia ou do Senado. No lugar da tríade de instituições que fiscaliza a aplicação dos recursos (Tribunal de Contas da União, Ministério Público Federal e Controladoria-Geral da União) entrariam combalidos tribunais estaduais de contas.

É esse o pulo do gato da execução das emendas ao Orçamento em 2021, ano que será atravessado de cabo a rabo pela pandemia. É a sociedade anônima da calamidade pública que dá as cartas.


Bruno Boghossian: Versão original de Bolsonaro ficou mais perigosa na pandemia

Presidente continuará a fazer estragos enquanto estiver ali

No dia em que o Brasil registrou 1.840 mortes em 24 horas, o presidente da República começou a manhã com seu esporte favorito: dar de ombros para a pandemia. “Criaram pânico, né? O problema está aí, lamentamos. Mas você não pode viver em pânico”, disse a apoiadores, no Palácio da Alvorada.

O discurso é o mesmo do início da crise do coronavírus. Em março do ano passado, em seu primeiro pronunciamento na TV para falar da doença, Jair Bolsonaro disse que não havia “motivo para pânico”. Nas semanas seguintes, vieram a “gripezinha”, o “e daí?” e o “não sou coveiro”.

O Brasil descobriu cedo o tamanho do estrago que um presidente poderia fazer numa pandemia mortal. Desde o início, Bolsonaro incentivou aglomerações, fez campanhas de desobediência a medidas de proteção, divulgou informações falsas sobre a Covid-19, distribuiu remédios ineficazes contra a doença e atrapalhou a aquisição de vacinas.

Nada mudou no curso da tragédia. O vírus se espalhou, e o país conheceu uma nova onda de colapso dos sistemas de saúde, mas o presidente continuou o mesmo. A diferença é que a atitude desumana e a incompetência absoluta dos integrantes do governo tornaram o avanço da doença cada vez mais dramático.

O atraso na imunização e a constante sabotagem às medidas de restrição implantadas nos estados sufocaram as redes hospitalares e deixaram o ambiente livre para o surgimento de variantes que podem ser ainda mais perigosas do que a versão original do vírus.

Também ficou mais perigosa a versão primitiva de Bolsonaro, que insiste em propagar mentiras para desencorajar o uso de máscaras e investe contra governadores que tentam amenizar o desastre.

Ninguém deveria esperar outro comportamento do presidente. Por 12 meses, autoridades aceitaram suas delinquências e se limitaram a corrigir seus erros ou obrigar o governo a cumprir suas funções. Foi pouco. Enquanto estiver ali, Bolsonaro continuará a fazer estragos.


Mariliz Pereira Jorge: Impeachment ou morte

Bolsonaro segue seu roteiro de morte sem ser perturbado.

Bolsonaro segue seu roteiro de morte sem ser perturbado. Na terça (2), ofereceu um almoço no Palácio do Planalto a autoridades. Talvez para celebrar o recorde de óbitos em um dia pela Covid-19. "Estava alegre e descontraído", contou o deputado Fabio Ramalho (MDB-MG). Tirou foto do convescote. Só faltou soltar um "foda-se a vida", como já fez uma blogueira, e postar nas redes sociais.

O prato principal foi leitão, embora saibamos que o que Bolsonaro têm servido numa bandeja diariamente é o pescoço do brasileiro. Nesta quarta, o presidente voltou a debochar da catástrofe que vivemos. Disse a apoiadores que a imprensa o considera "o vírus", que os veículos de comunicação criaram "pânico".

O "pânico", eu digo a Bolsonaro, é este: vacinamos menos de 4% das pessoas, as filas nas UTIs, desastre no PIB, intervenção nas estatais, brasileiros mais pobres, ministros fantoches, 260 mil mortes, um país sequestrado por um delinquente.

O Brasil definha a cada dia que Bolsonaro permanece como líder. Uma bússola quebrada que nos jogou num precipício no qual não paramos de despencar. Parlamentares batem na tecla de que não há clima para o afastamento do presidente. Quantas vidas serão perdidas até que o Congresso sinta o cheiro de mortandade que assola o país?

Mudam os presidentes da Câmara e do Senado, renovam-se as notas de repúdio. Para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a conduta nefasta de Bolsonaro são "exageros retóricos", "comportamentos pessoais condenáveis". Para Arthur Lira, que comanda a Câmara, nem isso. Está mais preocupado em garantir imunidade para a classe.

Ou as instituições afastam Jair Bolsonaro da Presidência ou condenarão um país inteiro à morte: uma parte do país pela devastação que a Covid-19 deixará, mas uma parte ainda maior que herdará terra arrasada pela incompetência e arrogância de Jair Messias Bolsonaro.


Maria Hermínia Tavares: A farra do centrão

Arthur Lira deve pensar que é um bom momento para passar a sua boiada

Na hora em que a morte é mais rápida que as vacinas, o presidente da Câmara e chefe do centrão, deputado Arthur Lira (PP-AL), decidiu trazer a reforma política de volta à agenda do Congresso.

Talvez imaginando que este seja um bom momento para passar a sua boiada, criou duas comissões destinadas a produzir uma pretensiosa revisão da legislação eleitoral e partidária, com mudanças na forma de escolha dos representantes, na propaganda e financiamento de campanhas e no papel da Justiça Eleitoral.

Assim reassume o seu lugar à mesa de debates o fim do sistema de voto proporcional de lista aberta, que distribui as cadeiras no Legislativo entre as legendas segundo a proporção de votos recebidos por elas, uma a uma, respeitada a preferência do eleitor pelos candidatos que compõem as listas partidárias. Em seu lugar, entraria o "distritão", apelido dado ao sistema que os especialistas denominam, com uma ponta de pedantismo, "voto único não transferível". Nele, as cadeiras nas Câmaras e Assembleias iriam para os mais votados, em seus distritos eleitorais, cujos limites, aqui, coincidiriam com os estados da Federação.

Forma raramente adotada de sistema majoritário, hoje, existe apenas na Jordânia, no Afeganistão e em paragens exóticas como Vanuatu e Ilhas Pitcairn. Seus efeitos mais notórios são limitar a representação das minorias e estimular os partidos a apostar em candidatos com grande potencial de votos: pastores, celebridades de TV e formadores de opinião nas redes sociais.

Além disso, o pacote representa um robusto retrocesso nas regras recém-aprovadas para reduzir o número de partidos representados no Legislativo. Pois propõe a revogação da cláusula de desempenho, pela qual cada legenda deve obter ao menos 2% dos votos em nove estados —ou eleger 11 candidatos—, e a volta das coligações nos pleitos para a Câmara e Assembleias Legislativas. Uma e outra coisa estimulam a multiplicação de legendas, fazendo do Brasil um caso extremo de fragmentação partidária.

Finalmente, muitas propostas intentam enfraquecer a Justiça Eleitoral, guardiã eficiente e indispensável da integridade do processo, sem a qual a democracia desaba.

Propostas de reforma política foram recorrentes no país. Por discutíveis que fossem, sempre miraram a melhoria da competição eleitoral e da capacidade de governar. A iniciativa do presidente da Câmara só pretende favorecer os interesses miúdos dos partidos idem que sustentam um governo de ainda mais baixa estatura. É a farra do centrão, que debilita a ordem democrática enquanto a Covid faz a sua parte.

*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap


Luiz Carlos Azedo: Mortes, recessão e desemprego

O negativismo de Bolsonaro em relação ao distanciamento social, à eficácia das vacinas e ao uso adequado de máscaras aumenta as dificuldades para combater o vírus

As notícias não são boas, porque a recessão, o desemprego e as mortes por covid-19 avançam. Mesmo assim, o presidente Jair Bolsonaro vive num mundo só dele, que talvez não seja compartilhado nem pela maioria de seus seguidores, cujo negacionismo em meio à crise sanitária não chega a ponto de se recusar a tomar uma vacina. Em vez de liderar o combate à pandemia, Bolsonaro ataca governadores e prefeitos que tentam conter sua expansão. “Criaram pânico, né? O problema está aí, lamentamos. Mas você não pode entrar em pânico. Que nem a política, de novo, do ‘fique em casa’. O pessoal vai morrer de fome, de depressão?” — disse Bolsonaro, ontem, a apoiadores, em frente ao Palácio da Alvorada, em Brasília.

Como sempre acontece quando se vê diante de dificuldades, o presidente terceiriza responsabilidades e se faz de vítima: “Para a mídia, o vírus sou eu”. Ontem, o Brasil registrou 1.910 mortes por covid-19 nas últimas 24 horas, um novo recorde desde o início da pandemia, e mais 71.704 novos casos, segundo informou o Ministério da Saúde. O número de óbitos pela doença chegou a 259,2 mil, e o total de casos aumentou para 10,718 milhões. O cenário é de colapso iminente do Sistema Único de Saúde (SUS) na maioria dos estados. Em Santa Catarina, por exemplo, dezenas de pessoas morreram por falta de UTI; casos graves estão sendo transferidos para o Espírito Santo.

A transmissão da doença está sendo homogênea e mais rápida do que a vacinação; o estoque de contaminados aumenta exponencialmente, sem leitos suficientes nas UTIs para internação, inclusive na rede privada. Entretanto, a narrativa de Bolsonaro é obsessivamente eleitoral, responsabiliza governadores e prefeitos pela recessão e o desemprego, por causa das medidas de distanciamento social. Explora o senso comum das pessoas que querem manter seus empregos ou atividades produtivas como se não houvesse amanhã.

A causa da recessão e do desemprego em todo o mundo é a pandemia da covid-19, que somente pode ser combatida de forma eficaz e definitiva com a vacinação em massa da população. O negativismo de Bolsonaro em relação ao distanciamento social, à eficácia das vacinas e ao uso adequado de máscaras aumenta as dificuldades para combater o vírus, a recessão e o desemprego, porque tira do eixo de coordenação da política de saúde pública o Ministério da Saúde e estimula a população a reproduzir atitudes temerárias em relação ao vírus, como aglomerações, abraços e apertos de mão, sem o uso correto de máscaras.

Auxílio emergencial
Com 4,1% de recessão em 2020, o Brasil saiu do ranking das 10 maiores economias do mundo e caiu para a 12ª colocação, segundo levantamento da agência de classificação de risco Austin Rating. Em 2019, o Brasil ficou na nona posição. Fomos superados por Canadá, Coreia e Rússia. São raros os momentos da história em que o Brasil andou para trás. Mesmo durante a hiperinflação, no governo Sarney, todos os indicadores sociais melhoraram. Recentemente, isso somente ocorreu durante a recessão do governo Dilma Rousseff (PT), que foi afastada pelo impeachment.

Bolsonaro subestima o que está acontecendo. É uma fuga da realidade. Com base nas projeções do FMI para 2021, a Austin estima que o Brasil pode cair para a 14ª posição no ranking das maiores economias do mundo, sendo superado também por Austrália e Espanha, considerando um cenário otimista de alta de 3,3% do PIB brasileiro deste ano e uma taxa de câmbio média de R$ 5,24 por dólar.

A contrapartida para evitar um desastre maior na economia é a aprovação do auxílio emergencial, sobre cuja necessidade há um amplo consenso, mas existem muitas divergências quanto às condições em que isso pode ser feito. Ontem, em nota técnica, o Ministério da Economia alertou o Congresso Nacional de que a prorrogação do auxílio emergencial sem respeitar os limites fiscais “tem o potencial de deteriorar a trajetória inflacionária, reduzir a atividade econômica e aumentar o desemprego”. Entretanto, isso ‘e estimulado por Bolsonaro, cujas decisões intempestivas e intervencionistas na economia estão “fritando” o ministro Paulo Guedes, o que também agrava a crise.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-mortes-recessao-e-desemprego/

Rosângela Bittar: O Teorema Lula

Lula virou político de novo e restabeleceu o que parecia superado: a polarização

Desafio à esfinge: o que houve de determinante, em tão curto espaço de tempo, que levou o ex-presidente Lula a assumir sua candidatura à Presidência da República? Num dia ele lançou Fernando Haddad, despachando-o para liderar caravanas. Quinze dias depois, sem revogar a primeira ordem, declarou de viva-voz o que todos entenderam como um alto lá. Será ele mesmo o candidato. 

No primeiro movimento, o ex-presidente pretendeu tranquilizar o Supremo Tribunal Federal quanto à sua submissão à Lei da Ficha Limpa. Não seria candidato mesmo se lhe fosse favorável o julgamento, esta semana, relativo à suspeição do juiz Sérgio Moro no caso do triplex do Guarujá. 

Duas semanas se passaram e eis que o ministro Ricardo Lewandowski permitiu acesso da defesa aos diálogos entre os promotores da força-tarefa e o juiz da Lava Jato. São 10% as transcrições do grampo que se referem a Lula, agora em exame pelo ministro Gilmar Mendes, o relator do processo. 

Os advogados puderam constatar a extensão do comprometimento não apenas de Sérgio Moro, como do coordenador Deltan Dallagnol e até do então procurador-geral Rodrigo Janot. Verificaram que a Justiça teria dados suficientes para considerar Lula vítima de perseguição. Constataram que os que o prenderam admitiam não ter provas ou certezas. 

Ampliaram-se, então, as expectativas, até aí limitadas ao triplex. Agora seria possível rever também o caso do sítio de Atibaia. Anuladas as sentenças, recuperados os direitos políticos, Lula poderia ser candidato. Aí se precipitou, surpreendendo até quem esperava estabelecer com o PT uma aliança mais ampla ao centro e à esquerda. 

O que fará a seguir ainda está em análise. Poderá pedir a extensão dos argumentos do triplex para o sítio. Se não for possível, a defesa ingressará com novo pedido de habeas corpus específico. 

Desde que saiu da prisão, o ex-presidente só se manifestava para louvar a preservação da sua potência sexual, anunciava planos de casamento com Janja e sugeria uma vida reclusa em paradisíaca praia da Bahia. 

De repente, uma mudança e tanto. Lula virou político de novo e restabeleceu o que parecia superado: a polarização. O presidente Jair Bolsonaro exultou. Vinha projetando o fantasma do ex-presidente como adversário, agora o tinha na realidade. E a Lula sempre interessou o confronto com Bolsonaro. Ambos querem uma disputa de recíproca rejeição acreditando, cada um, que o outro tem pior conceito na praça. 

Este cenário é responsável pela ressurreição, nestes recentes episódios nada espontâneos, do aviso do general Villas Bôas ao STF sobre a inconveniência de restaurar os direitos eleitorais de Lula. Um episódio de dois anos atrás, subitamente atualizado pela edição do livro de memórias do ex-comandante, com novas revelações. Entre elas a de que o Alto Comando do Exército referendou a pressão que exerceu sobre a Suprema Corte. 

Desta vez, com um agravante: a explosão do apoio aos militares do núcleo de extremistas que sustentam Bolsonaro. Até como pretexto para mais uma vez agredirem o Supremo, o saco de pancadas do grupo. 

Uma frente que expõe a geleia geral de obscurantismo, negacionismo, diversionismo, golpismo e provocação. 

Como se o tempo tivesse dado uma meia-volta, volver. 

Tal enredo ainda não está consolidado. Nada impede que o STF contorne polêmicas e adote uma solução híbrida. Reconheceria a suspeição do juiz Sérgio Moro, mas não restabeleceria os direitos políticos de Lula, que permaneceria inelegível. E já houve precedente desta combinação: a decisão de Lewandowski, agora com sinais trocados, no impeachment da ex-presidente Dilma. Foi deposta, mas sem perder seus direitos políticos. 

Estará permeando este julgamento a animosidade jamais superada dos militares com a esquerda. Perfeitamente correspondida. 


Luiz Carlos Azedo: A política como negócio

O senador Flávio Bolsonaro acaba de comprar uma casa no Setor de Mansões Dom Bosco, um dos mais valorizados da capital, no valor de R$ 5,7 milhões

Max Weber, em sua antológica palestra A política como vocação, divide os políticos em duas categorias: os que vivem para a política e os que vivem da política. No primeiro caso, estão aqueles que veem a política como bem comum; no segundo, como negócio. As duas espécies se digladiam na democracia, faz parte do jogo na ordem capitalista. Mas no Brasil é diferente: todos dizem defender o bem comum, ninguém assume que está na política para defender interesses empresariais. Como temos um pé no Oriente, em razão de nossas raízes ibéricas, muitos estão na política para formar patrimônio.

Parece o caso do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que acaba de comprar uma casa no Setor de Mansões Dom Bosco, um dos mais valorizados da capital, no valor de R$ 5,7 milhões. O imóvel tem área total de 2,4 mil metros quadrados. O registro em cartório da aquisição do imóvel revela que houve o pagamento de R$ 2,87 milhões à vista, além do valor da parcela do financiamento, entre R$ 18,7 mil e R$ 21,5 mil. Para justificar a operação, o filho primogênito do presidente Jair Bolsonaro disse que vendeu um apartamento na Barra da Tijuca (RJ) e a franquia de sua loja de chocolates para dar a entrada no imóvel na capital federal.

Um blogueiro gozador, rapidamente, fez as contas, comparando o valor do imóvel com a quantidade de Nhá Benta (merengue coberto por chocolate), equivalentes aos R$ 6 milhões: 182.370 caixas de 90 gramas, de acordo com os preços da loja virtual da Kopenhagen. O financiamento obtido no Banco de Brasília (BRB) para aquisição do imóvel foi bem camarada. Pelas regras do sistema financeiro habitacional, a prestação não pode ultrapassar 30% da renda bruta. Do valor total do imóvel, R$ 3,1 milhões foram financiados, em 360 parcelas, a uma taxa de juros de balcão efetivos de 4,85% ao ano. No cartório em Brazlândia, onde foi registrada a operação de compra e venda, consta que Flávio Bolsonaro tem renda de R$ 28,3 mil e sua esposa, R$ 8,6 mil.

A notícia da compra do imóvel pegou de surpresa os aliados do presidente Jair Bolsonaro, pois o senador tem direito a apartamento funcional. Logo, repercutiu nas redes sociais, porque o imóvel havia sido anunciado por corretores e havia abundância de imagens em vídeo da mansão na internet (https://youtu.be/TrzNkaBgYE4). Recentemente, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por 4 votos a 1, havia anulado a quebra de sigilo das contas do senador, que é investigado no escândalo das “rachadinhas” da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, supostamente, por ter movimentado cerca de R$ 2,3 milhões. De acordo com a denúncia do Ministério Público, o dinheiro teria sido lavado com aplicação em uma loja de chocolates no Rio, da qual o senador era sócio, e em imóveis.

Preconceitos

Para o senso comum, as pessoas ricas poderiam se dedicar inteiramente à política de forma genuína, pois não teriam interesses econômicos nela. As pessoas que vivem da política seriam aquelas que veem na política sua profissão. Essa é uma visão preconceituosa, que não é bem o que Max Weber quis dizer, porque dá margem à ideia de que pessoas ricas estariam mais habilitadas a entrar na política, pois não roubariam, enquanto uma pessoa pobre não poderia fazer o mesmo, pois veria na política um meio de garantir sua vida financeira.

O que Weber quis dizer é que políticos que vivem para a política atuam em defesa do bem comum, não importa se são ricos ou pobres. A remuneração de um parlamentar existe exatamente para permitir que um assalariado possa exercer seu mandato sem pôr em risco a sobrevivência de sua família. De igual maneira, há pessoas que entram na política não porque vão ganhar um alto salário como deputado, por exemplo, mas, sim, porque esse cargo lhe permitirá participar da cúpula do poder, com a possibilidade de tomar decisões que favoreçam um grupo específico ao qual pertence ou ao qual deva favores, o que é legítimo na democracia. Mas também há inúmeros casos de homens ricos que estão na política para fazer seus próprios negócios e que se notabilizaram como políticos corruptos.

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Merval Pereira: Caindo pelas tabelas

Por onde quer que se pegue, o Brasil está literalmente descendo a ladeira, caindo pelas tabelas das principais estatísticas internacionais. A começar pelo combate à pandemia da Covid-19, passando por questões internas que nos afastam assustadoramente do mundo ocidental civilizado. Em números absolutos, temos o desonroso segundo lugar no mundo, com mais de 255 mil mortes por Covid-19.

Mesmo quando colocado em termos proporcionais, o número no Brasil fica entre os 30 países mais atingidos dos 178 com mais mortes por Covid-19 para cada 100 mil habitantes. Também na comparação proporcional, houve mais mortos no Brasil do que na Argentina, Alemanha e Rússia. Com relação à vacinação em massa, a estimativa é de que só será alcançada em meados de 2022, segundo a Economist Intelligence Unit.

A plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford, indica que o Brasil aplicou, até o momento, 3,97 doses para cada 100 habitantes. O país com a maior taxa de vacinação no mundo é Israel, com 93,5 vacinados para cada 100 habitantes. Não por acaso, o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, faz propaganda na televisão para estimular a vacinação, e o presidente brasileiro usa suas lives na internet para propagar o negacionismo, falar contra o uso de máscaras e sobre os pretensos perigos da vacinação.

Essa calamidade do combate à pandemia no Brasil se refletirá certamente na medição do Índice de Desenvolvimento Humano feito pelo Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento (Pnud), que avalia a saúde, a educação e o padrão de vida dos países. O Brasil perdeu cinco posições no ranking mundial na última medição, passou do 79º para o 84º lugar entre 189 países. Perdemos também duas posições na América Latina, ficando atrás de Chile, Argentina, Uruguai, Peru e Colômbia.

Com relação à educação, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, em inglês) registrou em 2019 ligeiro avanço dos estudantes brasileiros, que seguem, no entanto, entre os 20 piores colocados entre as 80 nações avaliadas em Ciências, Matemática e Leitura. Com todos esses resultados, ainda acrescentamos à nossa desdita um Congresso que propõe acabar com a verba obrigatória no Orçamento para Educação e Saúde, e um governo que, ao mesmo tempo que tenta ser admitido na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), desdenha medidas de boa governança exigidas de seus membros, como valorização da democracia e dos direitos humanos, até regras de proteção ao meio ambiente e no combate à corrupção.

Na questão ambiental, retrocedemos 20 anos em dois no governo Bolsonaro. O Brasil, que já sediou congressos fundamentais e teve protagonismo internacional na discussão da proteção ambiental, hoje tornou-se um pária. A batalha contra a corrupção vai sendo gradualmente perdida por decisões jurídicas e parlamentares. Já não há pudor em debater mudanças em temas como nepotismo, improbidade administrativa ou impunidade parlamentar. Ou em defender alterações na Lei de Ficha Limpa.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, anuncia agora uma reforma política “profunda”, que pretende amenizar a legislação de cláusulas de barreira para atuação plena no Congresso dos partidos, acabar com a proibição de coligações nas eleições proporcionais e certamente amenizar as barreiras a candidatos condenados, como estava na versão original da PEC da Impunidade.

Os partidos que não conseguirem atingir as metas em 2022 para a eleição da Câmara perderão pela primeira vez o direito de ter financiamento público, tempo no rádio e televisão de propaganda eleitoral e até mesmo estrutura de gabinete e presença em comissões e na Mesa da Câmara.

Essa é uma tentativa de repetir uma experiência já vivida. As cláusulas de barreira foram aprovadas em 1995, para vigorar dez anos depois. Teoricamente, os partidos teriam tempo suficiente para se organizar. Em 2006, esses mesmos partidos entraram no Supremo Tribunal Federal contra as novas regras, e os ministros acataram os apelos em nome de “defender as minorias”. Chegamos aonde chegamos.