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Vinicius Torres Freire: As mentiras da elite sobre polarização de Bolsonaro e Lula

Bolsonaro não pode ser um polo porque não tem substância alguma além do terror

Jair Bolsonaro tentou sabotar todas as providências de contenção de gastos da mudança “Emergencial” da Constituição, aquela que vai autorizar também o novo auxílio emergencial. De efeitos práticos maiores nas contas do governo, a PEC Emergencial vai impedir o aumento de gastos com servidores públicos por alguns anos e aumentar alguns impostos. Na verdade, a emenda vai exigir que se cancelem algumas reduções especiais de tributos para indivíduos e empresas, por meio de lei. Se a lei pegar, haverá um aumento de impostos de cerca de 0,2% do PIB por ano.

Bolsonaro queria cancelar tudo isso, mas até a noite desta terça-feira (9), os deputados haviam decidido deixar a PEC como foi aprovada no Senado (onde já havia sido amputada e lipoaspirada).

Esse é o presidente e futuro candidato à reeleição comprometido com as “reformas” e o “ajuste fiscal”? Esse que não fez abertura comercial. Nenhuma privatização. Quase nenhuma concessão de empreendimento à iniciativa privada que não tivesse sido já preparada no governo Michel Temer. No seu governo, fez-se uma reforma da Previdência (em parte sabotada por Bolsonaro) que era consenso do establishment e que não contou com oposição popular quase nenhuma, nem da esquerda semimorta.

Esse é o candidato de um dos extremos da “polarização” que haverá caso Lula da Silva seja candidato em 2022, diz o clichê de burrice sórdida que escorre da boca dos povos dos mercados desde a segunda-feira.

Bolsonaro não é coisa alguma além de um projeto de tirano. Não é um contraponto ao “esquerdismo” do PT porque, afora o horror, é um vazio. Quem o sustenta no poder, a elite econômica quase inteira, por colaboracionismo, outras ações e omissão, não tem mais desculpa alguma de desilusão quanto ao liberalismo do capitão da extrema direita, ideia que sempre foi grotesca. A elite colaboracionista ou omissa ora está na posição de ter contratado um capanga que saiu do controle, um dos capatazes que chamou para manter o PT longe do poder. 

O lulismo-petismo, de resto, foi um projeto suave de incorporação de pobres ao universo do consumo, de chegada minoritária de algumas minorias ao poder, de imobilismo na reforma econômica e social de fundo, combinados a uma vasta distribuição de subsídios e outras proteções ao capital, fundos que financiaram a formação de conglomerados e oligopólios, fora a roubança, parte muito menor do jogo.

Ainda assim, boa parte da elite pagou e talvez ainda pague qualquer preço para manter o PT (ou equivalente) ao largo, mesmo que o custo seja Bolsonaro. Na melhor das hipóteses, gostaria de enfrentar o bolsonarismo com um vazio à esquerda, como se a vaga no segundo turno fosse conquistada por WO (ou por essas decisões escabrosas da Justiça). Mas mesmo quando Lula estava expulso de campo, mesmo a parte melhorzinha dessas elites foi incapaz de articular ou apoiar qualquer candidatura ou movimento político alternativo, o nome fantasia que tivesse, “centro”, “centro direita”. Agora mesmo dá corda para o interesse provisório do centrão, o que por ora dá corda para Bolsonaro.

A direita menos incivilizada do Brasil é incapaz de ganhar eleições nacionais desde 1998 —aliás, foi por isso que começou a apoiar o tumulto odiento em 2013 e, principalmente, depois da derrota de 2014. Desde então e até hoje, criou a situação que, de modo mendaz, chama de intolerável: alimenta o terror de Bolsonaro e faz o que pode para implodir qualquer esquerda. ​


Elio Gaspari: Lula candidato

O caroço migrou para a elegibilidade do ex-presidente

O ministro Edson Fachin sacudiu o coreto das autoridades anulando as sentenças de Curitiba contra o ex-presidente Lula, devolvendo-lhe os direitos políticos. Hoje, Lula pode ser candidato a presidente no ano que vem.

O voto de Gilmar Mendes na Segunda Turma ilustrou a suspeição de Sergio Moro. Com a decisão de Fachin, o caroço migrou para a elegibilidade de Lula e para o previsível desconforto que isso provoca em quem o detesta. Numa frase: “Esse não pode”.

Lula poderá vir a ser condenado por um novo juiz, mas a sentença ficará com cheiro de gol feito durante o replay.

O “esse não pode” já custou caro ao Brasil. Em 1950, o jornalista Carlos Lacerda escreveu:

—O sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar.

Getúlio foi eleito, tomou posse, governou até agosto de 1954, matou-se e entrou na História. A revolução que Lacerda queria só veio dez anos depois.

Lacerda tinha credenciais para vencer a eleição de 1965. Fazia um governo estelar no falecido Estado da Guanabara, mas deveria disputar com o ex-presidente Juscelino Kubitschek, que dera ao Brasil “50 anos em cinco”. Até os primeiros meses de 1964, circulavam dois tipos de “esse não pode”. A esquerda não queria uma vitória de Lacerda, e uma parte da direita não queria a volta de Kubitschek.

Depois da deposição de João Goulart, a base militar da nova ordem não admitia entregar o poder a JK. Lacerda gostou da ideia, e o ex-presidente foi cassado. Por quê? Corrupção. (A sinopse diária que a Central Intelligence Agency deu ao presidente Lyndon Johnson no dia 13 de junho de 1964 contou que o presidente Castello Branco via na proscrição de JK o caminho para um governo “democrático e honesto”. Ele já havia dito que mostrar as provas “seria embaraçoso para a Nação”.) Não era bem assim.

Dias antes, fritando JK, o general Golbery do Couto e Silva, conselheiro de Castello, dividiu uma folha de papel em colunas e listou as “vantagens” e “desvantagens” da cassação de Juscelino Kubitschek. Intitulou-a com a sinceridade que se dá aos papéis pessoais: “Motivação real — Impedir que JK, fortalecido pela campanha contrária, enfrente a Revolução”. E, assim, Juscelino foi banido da vida pública por dez anos. Quando ele morreu, num acidente de estrada, seu funeral se transformou na maior manifestação popular ocorrida no país desde 1968, quando as ruas foram esvaziadas pelo AI-5.

Sem o “esse não pode”, em 1965 os eleitores brasileiros teriam votado em Lacerda ou JK. Nunca na História republicana o Brasil teve dois candidatos tão qualificados. Nem antes, nem depois. Passados os anos, nas duas turmas do “esse não pode”, muita gente qualificada reconhecia que qualquer um dos dois teria feito melhor do que se fez. (Lacerda, que defendeu a cassação de JK, dormiu preso num jirau de quartel em dezembro de 1968 e tornou-se uma alma penada na política nacional.)

O “PT não” colocou Jair Bolsonaro na Presidência. Os eleitores podiam ter colocado Geraldo Alckmin, Ciro Gomes ou João Amôedo, mas quem teve mais votos foi o capitão.

Falta mais de um ano para a eleição do ano que vem. Bolsonaro quer um novo mandato, e as inscrições estão abertas.


Bruno Boghossian: Manobras refletem covardia do STF com fantasmas da Lava Jato

Por anos, operação usou métodos questionados pelo tribunal sem ser incomodada

Num voto de 102 páginas, Gilmar Mendes disse que a força-tarefa da Lava Jato criou "o maior escândalo judicial" do país. O Supremo conhece há tempos os métodos da operação, mas só se dispôs a passar a história a limpo agora, sete anos depois que a investigação começou.

As últimas 48 horas dão pistas dos motivos do atraso. A manobra de Edson Fachin para evitar o julgamento da suspeição de Sergio Moro reflete a covardia do tribunal na hora de enfrentar os fantasmas da operação. Já o movimento de Gilmar ao reabrir uma ação que dormiu em sua gaveta por dois anos é um exemplo dos desvios da política interna da corte.Fachin agiu de surpresa na segunda (8) e anulou os processos da Lava Jato em Curitiba contra Lula. O objetivo do ministro ficou claro no dia seguinte, quando ele citou a própria decisão para tentar barrar o julgamento de uma das ações que questionam a atuação de Moro como juiz.

A estratégia de Fachin só pode ter como base a convicção de que o STF aceitaria uma decisão de alta relevância como artimanha para enterrar outro tema espinhoso. Com tudo o que se sabe atualmente sobre a operação, parte dos ministros ainda se recusa a esmiuçar a atuação da Lava Jato e de seus personagens.

O segundo capítulo ocorreu na terça (9), quando Gilmar reabriu o julgamento da ação que contesta o trabalho de Moro. Desde 2018, o ministro dava sinais de que era favorável à defesa do ex-presidente, mas segurou o voto por temer uma derrota.

A mudança na composição da Segunda Turma, a revelação das mensagens da Lava Jato pelo site The Intercept Brasil e a trama de Fachin mudaram o ambiente. Gilmar citou a condução coercitiva de Lula para dizer que a operação tinha um "modelo hediondo" e chamou a quebra de sigilo de advogados do petista de "coisa de regime totalitário".

Os adjetivos encobrem o fato de que Moro tomou aquelas decisões em 2016, à luz do dia, e demorou a ser incomodado pelos tribunais. Teve tempo para continuar os processos e virou até ministro da Justiça.


Rosângela Bittar: A tragédia e a ópera bufa

 O eleitorado poderá optar pelo bom senso. Que ainda não tem nome nem rosto

Duas insistentes questões estão postas. 

Primeira: há cinco anos, a tese processual sobre o foro da Lava Jato foi levantada. Por que ressurgiu, logo agora? A decisão do ministro Edson Fachin, invocando-a, ocorreu quando o seu colega Gilmar Mendes já se preparava para relatar, na Segunda Turma do STF, o que fez ontem, a ação que contesta a imparcialidade do juiz Sérgio Moro no julgamento dos processos do ex-presidente Lula. 

Fachin atropelou Gilmar. Aproveitando uma sonolenta tarde de segunda-feira, 8 de março, o surpreendeu com sua decisão monocrática. Precipitou-se para não perder a chance de ser o autor da última palavra. 

Na concepção do seu voto, Lula ganha a vantagem de reaver seus direitos políticos, com a possibilidade de se candidatar, graças à anulação das sentenças proferidas em Curitiba. E Moro se livra do julgamento da parcialidade. Já na linha de Gilmar, ao votar pela suspeição de Moro, são beneficiados, além de Lula, parlamentares e empresários condenados pelo juiz. 

A segunda questão: ao contrário da primeira, não terá resposta imediata. O que significam estas decisões para os que propõem uma alternativa ao confronto Lula-Bolsonaro na sucessão de 2022? 

Os dois candidatos caracterizam o confronto radical. A polarização já está nas ruas e nas redes, mas ainda não está na política. A conjuntura é nova, mas não definitiva. Um quadro em processo de construção, portanto, ainda instável. 

O centro é uma hipótese com quatro ou cinco nomes. Terá mais trabalho, agora, para se colocar e arrebatar o eleitorado. Quem sabe, num cenário otimista, pode-se descobrir, ao longo da campanha, que os brasileiros estão saturados da intransigência eleitoral que explora o ódio e a rejeição. 

Na eleição disputada por Collor e Lula, em 1989, nenhum dos dois era protagonista. No início, as apostas se concentravam nos grandes e conhecidos nomes da política, como Ulysses Guimarães e Leonel Brizola. Na eleição de 2018, Jair Bolsonaro contava que, depois de 30 anos como deputado do baixo clero, sua candidatura a presidente era uma forma de sair de cena bem, transferindo espaço político aos filhos. 

O subconsciente do eleitor, como se diz, é indevassável. Até que surja o nome mágico. 

Lula tem condições de atrair parte do centro se o PT raivoso deixar. Dominado pela ala Gleisi Hoffmann, o lulismo primitivo tem aversão a empresários, imprensa e partidos. Como se dará com o centro? Bolsonaro ainda pode mitigar o negacionismo com que trata a pandemia, e reconquistar apoiadores que perdeu pela crueldade na gestão da atual catástrofe sanitária. Terá de abandonar o papel macabro de “presidente de cemitério”, como definiu com precisão o jurista Miguel Reale Júnior. 

O centro terá sobrevida, também, se os extremos, ao partirem para a guerra de extermínio, assustarem o eleitorado. A disputa da rejeição depende de como Lula será considerado. Pela amostra da repercussão internacional da decisão de lhe restituir os direitos políticos, é possível ter uma ideia. Voltará como um injustiçado e perseguido? O eleitorado pode achar pouco a devolução da elegibilidade para quem ficou preso mais de um ano? 

Por outro lado, Bolsonaro está sendo rejeitado até por movimentos de direita. Tentará esgotar sua reserva de cinismo para se transformar em garoto propaganda da vacina, que renegou com sarcasmo? 

Não há fórmula pronta para os destinos do centro. Esta história a que estamos assistindo não se desenvolve como um roteiro de cinema, em que os papéis do mocinho, do vilão, do juiz e do promotor são carimbados. A realidade política mistura tudo. O eleitorado, entre a tragédia e a ópera bufa, poderá optar pelo bom senso. Que ainda não tem nome nem rosto. 


Ricardo Noblat: O que o futuro pode reservar para Lula e Bolsonaro

O presidente e seu labirinto

O que está em julgamento no Supremo Tribunal Federal não é se há provas ou não de que Lula roubou e deixou que roubassem enquanto foi presidente da República. Isso já foi julgado na primeira, na segunda e na terceira instâncias da justiça que concluíram que sim.

Está em julgamento se na primeira instância, mais especificamente na 13ª Vara Federal de Curitiba, à época comandada pelo juiz Sergio Moro, houve dolo no recolhimento das provas. E se Moro e os procuradores da República prevaricaram.

Edson Fachin, ministro relator da Lava Jato no Supremo, entende que o juízo natural dos processos sobre o tríplex do Guarujá e o sítio de Atibaia não era a 13ª Vara Federal de Curitiba – de resto, como sempre advogou a defesa de Lula sem jamais ter sido ouvida.

Por isso, Fachin anulou as condenações de Lula nos dois processos, remetendo-os a um juiz federal do Distrito Federal ainda não designado. Caberá ao juiz aceitar ou não as provas coletadas em Curitiba, pedir novas investigações ou arquivar os processos.

O plenário do Supremo, em breve, se debruçará sobre a decisão de Fachin para confirmá-la, reformá-la ou revogá-la. Deverá fazê-lo também sobre o que vier a decidir a Segunda Turma do tribunal que julga um pedido de Lula para que declare Moro suspeito.

O ministro Kássio Nunes, membro da Segundo Turma, pediu vista do processo e o julgamento foi suspenso. Dos cinco ministros da Segunda Turma, dois (Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski) votaram pela suspeição de Moro. Fachin votou contra.

A ministra Cármen Lúcia, que estava com seu voto pronto, preferiu esperar que Nunes devolva o processo e revele seu voto. Ela quer votar por último. Os pais de Nunes estão internados em um hospital com a Covid. Faltou-lhe tempo para preparar seu voto.

Em resumo, esses são os fatos. Uma vez que Fachin anulou as condenações de Lula, o ex-presidente deixou de ser ficha suja, recuperou seus direitos políticos e pode ser candidato no ano que vem. Aqui entram em cena as considerações políticas.

Se chegar às vésperas das próximas eleições sem ter sido condenado outra vez na primeira instância e na segunda, Lula é o candidato favorito a enfrentar o presidente Bolsonaro no segundo turno. Hoje, pelo menos, são eles que detêm maior capital político.

O PT teve um dos dois candidatos mais votados em todas as eleições presidenciais desde o fim da ditadura. Lula disputou e perdeu no segundo turno em 1989, 1994 e 1998. Ganhou em 2002 e 2006. Elegeu Dilma em 2010 e 2014. Haddad perdeu em 2018.

Naquele ano, preso em Curitiba, Lula liderou com algo como 40% as pesquisas de intenção de voto até um mês e meio antes da eleição. Bolsonaro estava na faixa dos 20%. Haddad teve pouco tempo para fazer campanha, mas foi para o segundo turno.

Se Lula for candidato em 2022, até lá a política se encarregará de apresentá-lo como o presidente que deixou o cargo com mais de 80% da aprovação – o que é verdade. E para que não voltasse ao poder, foi vítima de um juiz e de procuradores mal intencionados.

Um juiz convidado para ministro da Justiça antes que Bolsonaro, o maior beneficiado com a condenação de Lula, tivesse sequer sido eleito. Mensagens trocadas pelo juiz com os procuradores revelariam mais tarde que houve conluio entre eles.

Lula lembrará os bons tempos dos seus governos para compará-los com os maus tempos do governo Bolsonaro. É possível que tente se portar como capaz de reconciliar o país radicalmente dividido desde a deposição de Dilma e a eleição do atual presidente.

Bolsonaro deve estar preocupado a essa altura. Já não é mais tão popular como foi, e sabe que daqui para frente será só pedreira para ele – pandemia em alta, vacinas por ora em baixa, auxílio emergencial por poucos meses, governo sem dinheiro, quebrado.

Apesar de tudo isso, navegava sem enxergar quem ameaçasse sua reeleição. Agora, enxerga. E não terá facada a seu favor nem horário de propaganda gratuita só para ele. Para manter a imagem de político destemido, terá que debater suas escassas ideias.

Convenhamos: não será fácil para ele. E poderá ser fácil para quem o enfrente.

PSDB apressa-se a definir seu candidato a presidente

A mesma receita insossa

Se para nada tivesse servido, a possível candidatura de Lula à sucessão do presidente Jair Bolsonaro obrigou o PSDB a se apressar, na tentativa de encontrar um nome que possa uni-lo e – quem sabe? – unir a centro-direita. Aqui ainda é assim: a direita tem medo de se apresentar como tal.

O candidato do PSDB será escolhido em prévias já marcadas para outubro próximo. Elas deverão ser disputadas pelos governadores João Doria (São Paulo) e Eduardo Leite (Rio Grande do Sul). Até lá poderá surgir um novo nome, mas não é provável. Sonha o PSDB em atrair o apoio de outros partidos, como o DEM.

Sua aposta é que uma eleição como a de 2018 jamais se repetirá por sua atipicidade. Terá mais chances o candidato com maior apoio de partidos, maior tempo de propaganda no rádio e na televisão, que melhor saiba usar as redes sociais e que tenha o discurso certo na hora certa.

É o feijão com arroz que Bolsonaro estragou.

As prévias sempre poderão ser adiadas, a depender da pandemia.


Bernardo Mello Franco: Eleição sem tapetão

A anulação das sentenças de Sergio Moro recoloca Lula no centro da corrida ao Planalto. É um lugar que ele ocupa desde 1989, quando os brasileiros recuperaram o direito de votar para presidente.

Lula perdeu três eleições, venceu outras duas e foi impedido de concorrer pela sexta vez em 2018. A um mês e meio das urnas, ele liderava a disputa com 39% das intenções de voto. O segundo colocado, Jair Bolsonaro, aparecia com 19% no Datafolha.

Nove dias depois, o Tribunal Superior Eleitoral barrou a candidatura do petista com base na Lei da Ficha Limpa. Bolsonaro assumiu a ponta e se elegeu com o pé nas costas, sem ir a debates e sem apresentar um plano de governo.

Nesta segunda-feira, o Supremo reconheceu que a condenação que afastou Lula das urnas foi irregular. O ex-presidente saiu do jogo pela caneta de um juiz que não tinha competência legal para julgá-lo.

Assim que a eleição terminou, o doutor abandonou a toga e se juntou à equipe do candidato vencedor. Sua adesão ao governo escancarou a utilização da Justiça como instrumento de um projeto de poder.

Ontem o ministro Gilmar Mendes perguntou qual país democrático aceitaria como ministro da Justiça o ex-juiz que afastou o principal adversário do presidente eleito. O Brasil aceitou.

A anulação das sentenças de Moro não repara o que ocorreu em 2018, mas abre caminho para uma eleição com menos interferência judicial em 2022. É uma boa notícia para uma democracia ameaçada por surtos autoritários.

A volta de Lula ao palanque ainda inspira muitas dúvidas. A primeira é se o ex-presidente vai endurecer o discurso ou retomar o figurino conciliador que o levou ao poder. A segunda é se ainda haverá espaço para uma candidatura competitiva na geleia geral que se intitula como “centro”.

Por enquanto, o único fato concreto é que Bolsonaro ganhou um adversário forte. Pesquisa divulgada no domingo pelo Ipec mostrou que o ex-presidente é, neste momento, o único político a superar o capitão em potencial de votos para 2022.

Quem embarcar na tese de que a candidatura Lula ajuda Bolsonaro arrisca comprar gato por lebre — ou pagar por vacina e levar cloroquina.


Vera Magalhães: Paredão falso no STF

Na segunda-feira, a expectativa era de que a coalizão de governadores e a intervenção branca do Congresso no Plano Nacional de Imunização poderiam suprimir poderes para a dupla Bolsonaro-Pazuello sabotar o país e dar algum rumo para o Titanic desgovernado no qual estamos enfiados rumando céleres para 3.000 mortes diárias por covid-19. Mas o Supremo Tribunal Federal decidiu que havia coisas mais urgentes para tratar.

Do nada, o ministro Edson Fachin acordou de um sono de quatro anos em que é o relator da Lava-Jato na Corte e, alarmado, constatou: a 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba não era, vejam só, o foro adequado para julgar o ex-presidente Lula. Foi tudo um lamentável engano, pelo qual ele infelizmente ficou preso, aliás em Curitiba, por 580 dias. Com o voto do próprio Fachin, esse distraído.

Metade das 46 páginas da decisão extemporânea do ministro é gasta para ele explicar o inexplicável: por que agora? E qual a extensão de sua decisão? Ele não diz. Talvez ainda não saiba.

Diante do inesperado, o ministro Gilmar Mendes resolveu abrir sua gaveta, espanar o pó e tirar de lá o HC da defesa de Lula que arguia a suspeição de Moro. O mesmo que Fachin esperava que fosse parar no triturador de papel diante da sua decisão.

Não só não foi como ele ameaça ficar isolado na Segunda Turma, uma vez que até a ministra Cármen Lúcia dá sinais de que votará com Gilmar, contra Moro.

Por que Fachin se expõe a tanto desgaste? Qual o cálculo de que anéis poderiam ser dados e dedos poupados com essa lambança?

E Gilmar Mendes, que nesta terça-feira repetiu a performance indignada de sempre contra a Lava-Jato, por que então aguardou mais de um ano com esse HC em seu gabinete? Se de um dia para outro já tinha um voto tão sólido e volumoso?

Nada para de pé na conduta do STF, em ziguezague há cinco anos na Lava-Jato, ao sabor não do Direito, mas das circunstâncias políticas.

Ou não foi o mesmo Gilmar que concedeu liminar para sustar a nomeação do mesmo Lula para a Casa Civil como forma de — vejam só! — escapar da jurisdição do mesmo Moro, lá em 2016?

Sim, sua mudança foi sendo gradativa ao longo dos anos, e veio antes da Vaza Jato. Mas a demora em trazer o caso da suspeição de Moro à Turma evidencia um cálculo político e colabora para que agora, no momento dramático da pandemia, em que o país deveria estar focado, com o STF, com tudo, em exigir vacinas do governo federal, estejamos acompanhando esse BBB de palavrório inalcançável e personagens pouco carismáticos.

Aproveitando que estávamos todos brincando de juristas e traçando cenários para o ainda distante 2022 a partir do advento do Lula livre, Bolsonaro emplacou duas de suas cheerleaders mais negacionistas, Bia Kicis e Carla Zembelli, em comissões importantes da Câmara.

A mesma Câmara que ainda discutia na noite de terça um auxílio emergencial que já deveria ter voltado a ser pago, pois no mundo real, esse cuja existência o Supremo preferiu começar a semana sublimando, tem gente morrendo de fome ou de falta de leito em hospital. Uma situação sinistra à qual chegamos por inépcia absurda e criminosa dos Poderes.

À mais alta Corte do país numa democracia cabe assegurar a segurança jurídica e ter a última palavra para garantir que os demais Poderes não exorbitem suas atribuições e respeitem a Constituição.

Ao exibir ao país suas entranhas e suas vaidades, seu casuísmo com casos sérios que dizem respeito ao nosso passado e ao nosso futuro, suas Excelências jogam água no moinho dos golpistas que clamam contra o Judiciário e se fragilizam para cobrar do Executivo suas obrigações no enfrentamento da pandemia. Que deveria ser a única preocupação de todas as autoridades, mas não é.


Alon Feuerwerker: A corrida dos anti

O andamento dos trabalhos na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal sobre a suspeição do então juiz Sergio Moro vai desenhando o cenário para 2022. Uma advertência: no realismo fantástico da política brasileira fazer previsões com um ano e meio de antecedência é uma loteria. Aqui tudo literalmente pode acontecer, inclusive o contrário. Exemplos recentes não faltam.

Mas, a consolidar-se o cenário atual, o quadro das eleições estará desenhado. Daqui até o final do primeiro turno a disputa mais feroz será dentro de cada campo. Do centro para a direita, o discurso corrente vai ser sobre o risco de Jair Bolsonaro ser derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva num eventual segundo turno. E aparecerão os candidatos a salvador da pátria.

Do centro para a esquerda, a narrativa tentada será a mesma, de sinal trocado: o risco de Lula perder para Bolsonaro no segundo turno. Ou seja, de um lado e do outro os candidatos apresentar-se-ão menos pelo que são de fato e mais pela (suposta) capacidade de bater o dito mal maior. E isso não chega a ser novidade na política, muito menos na brasileira.

Aqui já fomos movidos pelo antimalufismo (Montoro, Tancredo), pelo antilulismo de primeira geração (Collor e Fernando Henrique), pelo antitucanismo (Lula, Dilma) e pelo antilulismo e antipetismo de segunda geração (Bolsonaro). E chegamos onde chegamos. Talvez a política seja só isso mesmo, talvez o eleitor esteja mesmo mais interessado em saber quem vai derrotar.

Mas vale o registro.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


O Estado de S. Paulo: Após tumulto, Bia Kicis é eleita presidente da CCJ da Câmara

Há forte resistência da oposição e de parte do centro em relação ao nome da parlamentar por sua postura radical e antijudiciário

Camila Turtelli, O Estado de S.Paulo

Brasília – A deputada Bia Kicis (PSL-DF) foi eleita presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nesta quarta-feira, 10, por 41 votos a favor e 19 contra.  Ex-procuradora do Distrito Federal, ela é alvo de um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) sob suspeita de organizar atos antidemocráticos no ano passado. 

A sessão para sua eleição começou tumultuada, com uma confusão gestada desde sua indicação para a presidência do colegiado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e seu partido. Há forte resistência da oposição e de parte do centro em relação ao nome da parlamentar por sua postura radical e antijudiciário.

A deputada Fernanda Melchiona (PSOL-RS) tentou se candidatar ao comando do colegiado para fazer um contraponto a Kicis, mas teve a tentativa negada pelo ex-presidente da comissão, o deputado Felipe Francischini (PSL-PR), que, no início da sessão, comandava os trabalhos do dia. 

Melchiona tinha tentando na Justiça barrar a candidatura de Kicis, mas o juiz Itagiba Catta Preta Neto, da Justiça Federal de Brasília, negou conceder liminar para barrar o registro. Na ação, ela argumentava que uma eventual ascensão da colega ao cargo abre a "possibilidade concreta" para "perseguição política, censura, criminalização política, sob o véu ilusório de suposta legalidade".

A negativa da candidatura de Melchiona para concorrer contra Kicis gerou tumulto. Enquanto Francischini presidia virtualmente, por vídeo, Melchiona e outros deputados da oposição tentavam fazer questões de ordem (pedidos para falar e questionar o rito regimental). “Quem comete inúmeros crimes não pode ser presidente da CCJ da Casa”, disse Melchiona, que chamou a deputada também de “uma das maiores atacadoras da Constituição Federal”: “Gente que ́passa tempo nas redes sociais atacando o lockdown. Pelo artigo 39, eu tenho direito a ser candidata. O senhor não pode indeferir minha candidatura por causa de acordo feito com o Arthur Lira".

Francischini parecia não ouvir os protestos, por uma questão técnica na transmissão. Com isso, as vozes passaram a se sobrepor e já não era possível mais entender as falas. As comissões vão funcionar com restrição de pessoas nas salas. Jornalistas não podem acompanhar as sessões presencialmente devido à pandemia. 

No meio da confusão, Francischini foi destituído do comando da sessão e, quem assumiu foi o deputado Mauro Lopes (MDB-MG), que manteve a negativa da candidatura de Melchiona. 

O deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), que ameaçava concorrer como avulso, desistiu da tentativa antes mesmo da sessão iniciar.

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Rubens Barbosa: O governo Biden e o Brasil

As relações com os EUA começaram de forma tranquila, mas estamos apenas no início

O tom das relações entre o Brasil e os EUA, no início do governo Biden, foi definido pelas recentes declarações das porta-vozes da Casa Branca e do Departamento de Estado de que “a prioridade é manter o diálogo e buscar oportunidades para trabalhar conjuntamente com o governo brasileiro nas questões em que haja interesse nacional comum, pois existe uma relação econômica estratégica entre os dois países e o governo Biden não se vai limitar a tratar de áreas em que haja discordância, seja em clima, direitos humanos, democracia ou outros”. A atitude do governo dos EUA pode ser explicada pela decisão da Casa Branca de adotar uma postura inicial firme e assertiva em termos de política interna (combate à pandemia, vacinação, imigração) e uma posição cautelosa em política externa (acordo nuclear com o Irã, China, Rússia) para não confrontar seus críticos republicanos.

Nessa primeira fase do relacionamento com o Brasil, Washington decidiu adotar uma atitude de não confrontação, até mesmo na resposta de Joe Biden a Jair Bolsonaro, e iniciar conversas sobre diversos temas das relações bilaterais. Não deixa de ser uma atitude pragmática de ambos os lados e, do ponto de vista do governo brasileiro, a percepção de algum avanço. O governo americano, no entanto, não está alheio às manifestações públicas de grupos de pressão pedindo medidas duras contra o Brasil. O documento assinado por ex-ministros e negociadores norte-americanos critica a política ambiental brasileira e pede medidas contra o Brasil caso não haja mudança nas políticas de proteção da Amazônia e de mudança de clima. O trabalho Recomendações sobre o Brasil ao Presidente Biden, encaminhado por professores norte-americanos, brasileiros e diversas ONGs, faz duros reparos à política ambiental, a direitos humanos, democracia e pede a suspensão da cooperação com o Brasil em diversas áreas, como defesa, comércio exterior, meio ambiente e outras.

O presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado também enviou carta ao presidente Bolsonaro e ao ministro Ernesto Araújo pedindo explicações e retratação de declarações julgadas favoráveis à invasão do Congresso em Washington. Por fim, um grupo de deputados norte-americanos enviou correspondência ao Senado pedindo a suspensão de programas de cooperação na área de defesa por problemas com os quilombolas no Centro de Lançamento de Alcântara. O conteúdo dos documentos e dessas correspondências, combinado com o anúncio da política ambiental pelo presidente Biden, com referência específica à Amazônia, causou preocupação pelos eventuais impactos no Brasil.

Do lado do governo brasileiro houve três ações para tentar evitar medidas concretas contra o País: a carta de Bolsonaro a Biden em que manifesta a “disposição” de continuar “nossa parceria em prol do desenvolvimento sustentável e da proteção do meio ambiente, em especial a Amazônia, com base em nosso Diálogo Ambiental, recém-inaugurado”; o telefonema do ministro Araújo com o secretário de Estado Blinken; e a reunião telefônica entre o chanceler, o ministro do Meio Ambiente e John Kerry, responsável pelos EUA. O setor privado também se manifestou com nota da Câmara Americana de Comércio e da US Chamber sobre as perspectivas favoráveis do intercâmbio comercial.

Uma segunda fase dos entendimentos começa a esboçar-se com os convites para a participação do Brasil, em nível presidencial, das conferências sobre clima e sobre democracia (em que terá destaque a questão dos direitos humanos), em abril, além da Cúpula das Américas. Nesses encontros, os assuntos mais importantes no contexto das relações bilaterais e hemisféricas deverão ser tratados e, dependendo da posições defendidas por Bolsonaro, começarão a aparecer as diferenças de políticas entre Brasília e Washington, em especial em mudança de clima e preservação da Floresta Amazônica.

Na terceira fase de negociação bilateral, Washington deverá reagir à posição brasileira, em especial quanto ao pedido de recursos financeiros para controlar o desmatamento. No telefonema entre Kerry, Araújo e Salles houve concordância em iniciar encontros regulares para examinar formas de colaboração mútua para preservação da Floresta Amazônica. O problema reside no fato de Bolsonaro e Araújo desejarem acreditar que, a partir das políticas apoiadas por Donald Trump, o diálogo com os EUA evoluirá com Biden em “atmosfera de total confiança e entendimento recíproco” e “as boas relações começaram pela discussão sobre meio ambiente e mudança de clima”. E que a “parceria vai continuar”, como mencionado na carta a Biden, o que poderá não ocorrer, dependendo da reação do governo brasileiro (defensiva ou com ajuste na retórica e algumas medidas, com resultados positivos verificáveis) às propostas americanas.

Todd Stern, um dos negociadores dos EUA, antecipou a posição de Washington nos próximos meses. “Os EUA usarão toda a força da diplomacia para conseguir atingir a meta: parar o desmatamento”. E mais: “Sem a Amazônia intacta o Acordo de Paris é impossível”.

As relações com os EUA, que começaram tranquilas, terão muitos outros capítulos em 2021. Estamos só no início.

PRESIDENTE DO IRICE


Folha de S. Paulo: Ataques de Bolsonaro a Lula com fala sobre 'bandalheira' reforçam polarização prevista para 2022

Assessores palacianos preveem enfrentamento eleitoral e apostam no antipetismo e em destaque de casos de corrupção de gestões petistas

Ricardo Della Coletta e Daniel Carvalho, Folha de S. Paulo

Após o reestabelecimento dos direitos eleitorais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente Jair Bolsonaro disse que o ministro Edson Fachin (STF) é ligado ao PT, falou em “bandalheira” dos governos petistas e afirmou que os brasileiros não querem a volta do ex-mandatário ao poder.

As declarações do presidente foram na linha do que assessores palacianos preveem num eventual enfrentamento eleitoral entre Bolsonaro e Lula em 2022: a aposta no antipetismo e na polarização com a esquerda, com destaque para os casos de corrupção que marcaram as administrações petistas.

"As bandalheiras que esse governo [do PT] fez estão claras perante toda a sociedade. Você pode até supor a questão do sítio em Atibaia, do apartamento, mas tem coisa dentro do BNDES que o desvio chegou na casa de meio trilhão de reais, com obras fora do Brasil", afirmou Bolsonaro ao chegar ao Palácio da Alvorada. As falas foram transmitidas pela rede CNN Brasil.

"Os roubos, desvios na Petrobras, foram enormes, na ordem de R$ 2 bilhões que o pessoal na delação premiada devolveu. Então foi uma administração realmente catastrófica do PT no governo”, acrescentou.

"Eu acredito que o povo brasileiro não queira sequer ter um candidato como esse em 2022, muito menos pensar numa possível eleição dele".

Bolsonaro ressaltou ainda a reação negativa do mercado, com queda da bolsa e alta do dólar, e disse que todos sofrem com a decisão judicial. O mandatário também investiu contra Fachin, que expediu a decisão que anulou as condenações de Lula.

"O ministro Fachin sempre teve uma forte ligação com o PT, então não nos estranha uma decisão nesse sentido. Obviamente é uma decisão monocrática, mas vai ter quer passar pela turma, não sei, ou plenário [do STF] para que tenha a devida eficácia", declarou.

Ele defendeu que os demais ministros da corte revertam a decisão que reabilitou os direitos de Lula. O ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro foi ministro da Justiça e da Segurança Pública do governo Bolsonaro, mas pediu demissão no ano passado acusando o presidente de tentativa de interferência na Polícia Federal.

Fachin foi indicado para o Supremo pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2015.

Nesta segunda, o ministro concedeu habeas corpus para declarar a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar quatro processos que envolvem Lula —o do triplex, o do sítio de Atibaia, o de compra de um terreno para o do ex-presidente e o de doações para o mesmo instituto.

Lula está, portanto, com os direitos políticos recuperados e pode se candidatar a presidente em 2022.

Na decisão desta segunda, Fachin argumentou que os delitos imputados ao ex-presidente não correspondem a atos que envolveram diretamente a Petrobras e, por isso, a Justiça Federal de Curitiba não deveria ser a responsável pelo caso. Na prática, ele devolveu os processos envolvendo à estaca zero.

Auxiliares de Bolsonaro destacam reservadamente que a decisão de Fachin —se mantida até o final do próximo ano— estabelece as bases de um processo eleitoral altamente polarizado entre Lula e Bolsonaro.
Conselheiros palacianos opinam que esse cenário tende a sufocar qualquer candidato de centro.

Também dizem que fere de morte a montagem de uma “frente ampla” contra o bolsonarismo.

Alguns aliados avaliam como positivo esse quadro: um postulante de centro no segundo turno poderia reunir apoios de diferentes segmentos, desde da direita desiludida com o estilo radical do mandatário quanto a esquerda.

Mas outros conselheiros pontuam que a recolocação de Lula no tabuleiro eleitoral pode deixar Bolsonaro numa situação incômoda.

Se por um lado permitiria ao presidente reeditar um discurso calcado no antipetismo e no medo da volta da esquerda, Lula é visto como um adversário bem mais competitivo do que o ex-candidato a presidente pelo PT em 2018, Fernando Haddad. Bolsonaro derrotou Haddad em segundo turno, com 55,13% dos votos contra 44,87%.

Além do mais, um Lula bem posicionado nas pesquisas de opinião de primeiro turno poderia atrair para sua coligação partidos de centro que hoje orbitam o Palácio do Planalto.

Por último a rejeição afetaria os dois postulantes. Lula tem o flanco exposto do antipetismo, mas Bolsonaro já não será um candidato de primeira jornada e terá o desgaste de quatro anos no poder, com uma pandemia que paralisou o país e deixou milhares de mortos.

Em outra entrevista concedida nesta segunda, para a Rede Bandeirantes, Bolsonaro deu nova ênfase a escândalos de corrupção da era petista.

“É muito ruim para o Brasil porque, a partir do momento que você diga que o Lula, [que] foi tudo anulado no tocante a ele, é sinal de que não houve petrolão, não houve roubalheira em várias estatais, em bancos oficiais como o BNDES, não houve nada isso”, disse o presidente.

“O governo do Lula funcionava, diferentemente do meu, na base da compra. Era uma festa. Você lembra, naquele tempo dele era muito comum, de acordo com o que estava sendo votado [no Congresso], uns partidos perderem ministérios, outros ganharem. Assim como bancos oficiais, assim como estatais, diretorias das mesmas. Essa fase de governar que ele fazia lá atrás, coisa que nós não fazemos aqui”, concluiu.

Questionado, Bolsonaro disse que “não tem problema” enfrentar Lula, mas voltou a bater na tecla na necessidade do voto impresso —uma bandeira do bolsonarismo, que ecoa teorias, sem provas, de fraude na urna eletrônica.

“Não tem problema. Gostaria de enfrentar qualquer um, se eu vier candidato, com um sistema eleitoral que pudesse ser auditado, no caso aí um voto impresso ao lado da urna eletrônica, e não apenas este voto eletrônico que está aí, porque muita gente, cada vez mais, reclama dele. E nós queremos umas eleições onde não deixe dúvidas. A preocupação nossa é enorme no tocante a isso aí.”


César Felício: Lula está de volta ao jogo

Anulação das condenações do petista, em tese, poderia ser comemorada pelo presidente Jair Bolsonaro

A decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na 13ª Vara Federal recoloca o petista na vida pública, deve levá-lo à sexta candidatura presidencial em 2022 e, em tese, poderia ser comemorada pelo presidente Jair Bolsonaro.

Ficaria desde já praticamente definido o segundo turno da eleição. Lula, com alta rejeição, concorrendo virtualmente sem alianças. Bolsonaro, com alta rejeição e a sustentação do centrão, por conveniência política, e do mercado, por exclusão.

Nestas circunstâncias - a da eleição se converter em um duelo de rejeições - Bolsonaro tem mais margem de manobra, por contar com todo o instrumental disponível a um presidente candidato à reeleição.

A carreira política de Lula é tão longa que o ex-presidente já encarnou vários papéis. Ele já foi o artífice do aliancismo, em 2002 e 2006, quando se compôs com setores do empresariado e da política presidencial. Já teve uma aliança limitada à esquerda, em 1998, quando Leonel Brizola se rendeu a ser vice em sua chapa. Caprichou na veia messiânica em 1994, antes de ser atropelado pelo Plano Real e por Fernando Henrique como a solução de todos os males do país. E viveu a fase radical em 1989, na sua primeira tentativa.

O Lula de 2022 tende a ser mais parecido com o do início da sua caminhada. Não pelo radicalismo, mas pelo isolamento. É uma candidatura em primeiro lugar de resgate histórico, de fazer prevalecer a narrativa que o país foi vítima de golpes entre 2016 e 2018 para alijá-lo da cena política.

Dele pode se repetir em parte o que Talleyrand falou a respeito de Luis XVIII, o Bourbon restaurado no trono da França após a queda de Napoleão Bonaparte: nada esqueceu e nada aprendeu. Que nada esqueceu é o que tudo indica. O ex-presidente, pelas suas colocações desde que saiu da prisão, parece mais disposto a promover um ajuste de contas do que promover uma conciliação nacional. Nada aprender, no sentido dado por Tallleyrand, é repetir as mesmas práticas que levaram à sua derrocada. Isso o tempo ainda dirá.