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Adriana Fernandes: Entre armas e livros, continua sendo melhor apostar na segunda opção

 Entre armas e livros, continua sendo melhor apostar na segunda opção

Reportagem desta semana do Estadão, “Receita diz que só rico lê, e livro pode perder isenção com unificação tributária”, viralizou e levou a uma série de relatos emocionantes nas redes sociais de brasileiros que nasceram em famílias de renda mais baixa e que se viraram para ter acesso à leitura. A discussão sobre o fim da imunidade para livros foi inserida no contexto do projeto de reforma tributária do governo, mas no Brasil de hoje esse é um assunto muito mais político do que de natureza tributária.

Um país que tem o orçamento público capturado por demandas políticas de cunho eleitoreiro. Com governo e parlamentares que não tiveram coragem de fazer cortes importantes nas renúncias tributárias de setores com grande influência em Brasília.

A incoerência fica ainda mais escancarada por um presidente da República que adotou corte de tributos para incentivar a compra de armas e videogames, além de ampliar incentivo para as multinacionais de refrigerantes na Zona Franca de Manaus. Medidas que drenaram a arrecadação em plena pandemia.

A polêmica surgiu porque a Receita, para justificar o projeto que cria a Contribuição Social sobre Bens e Serviços, a CBS, disse que a isenção aos livros pode acabar com a justificativa de que a maior parte é consumida pelas famílias com renda superior a dez salários mínimos. O certo teria sido o projeto retirar o incentivo ao livro e destinar o aumento da arrecadação para uma política de incentivo aos mais pobres. 

A pergunta que muitos se fizeram depois de ler a reportagem foi: por que os livros?

A resposta é complexa e com vários pontos de vista. De um lado, aqueles que defendem o fim da isenção com o argumento de que os mais pobres bancam o consumo dos mais ricos. De outro, os que acham que a medida vai dificultar ainda mais o acesso aos livros pelos mais pobres.

Com a controvérsia instalada, a pesquisadora portuguesa Rita de La Feria, que já fez a reforma em São Tomé e Príncipe, Índia e vários outros países, entrou em campo nas redes sociais em defesa do projeto do governo. “Uma manchete alternativa (e verdadeira) seria: com a reforma tributária, os mais pobres vão deixar de subsidiar o consumo dos mais ricos. Fica a sugestão.”

Rita ainda disparou outro conselho: “Muitos de nós (eu inclusive) têm uma relação emotiva com livros. Mas o sistema tributário não deve refletir emoções, apenas dados.” 

Patrocinador da PEC 45 de reforma tributária, o deputado Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara, alertou que a defesa da isenção aos livros era uma narrativa bonita, mas distorcida num falso dilema de um país em que os pobres financiam os ricos num Estado que não existe para reduzir as desigualdades.

No modelo tributário ideal, esses argumentos são todos muito válidos. O subsídio financeiro, via orçamento, destinado às políticas públicas, sem dúvida, é bem mais eficiente do que o tributário, que banca os ricos - assim como os livros acontece com os produtos da cesta básica. Que, aliás, o projeto da CBS não ataca.

No Brasil de hoje, porém, essa verdade não é tão certa. O setor privado captura dinheiro público por meio de incentivos muito mais robustos do que a isenção dada aos livros. E com impacto muito maior na arrecadação. Um exemplo desse método foram as tentativas frustradas de mudar a tributação de fundos exclusivos de investimentos dos super-ricos. Não tem jeito disso avançar no Congresso. Medida que garantiria hoje muito mais do que os R$ 10 bilhões calculados na última vez que se tentou emplacar a mudança, em 2018.

O enredo é sempre o mesmo. Acaba-se com o incentivo ao livro, mas ficam tantos outros. Defendidos ferozmente por lideranças políticas que não vão deixar que esse modelo tributário tão perfeito na teoria se aplique por aqui na prática. Na hora da votação, sempre tem uma listinha bem grande de exceções.

A briga feroz pelas emendas parlamentares, que divide o governo e se estende há duas semanas, é a maior prova disso. Não houve até agora nenhuma única ação para cortar incentivos ou aumentar tributos dos mais ricos para elevar a arrecadação e diminuir o endividamento público.

É por essas e outras razões que a reforma tributária faz água. Entre armas e livros, continua sendo melhor apostar na segunda opção.


Carlos Pereira: Desgastar o governo via CPI é estratégia esperada e legítima da oposição

Enquanto o impeachment é o instrumento político da maioria, a Comissão Parlamentar de Inquérito é o que resta à minoria para expor as potenciais mazelas da atual gestão

O ministro do STF Luís Roberto Barroso determinou que o Senado instalasse a CPI da Covid em reação a um mandado de segurança impetrado pelos senadores Alessandro Vieira e Jorge Kajuru, ambos do partido Cidadania. Neste sentido, não houve interferência indevida do STF no Legislativo ou ativismo judicial como sugere o presidente Jair Bolsonaro.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), fez uso do argumento do juízo de conveniência e oportunidade ao interpretar como inconveniente a instalação da CPI da Covid em plena pandemia que já matou quase 350 mil pessoas no Brasil. Mas o que foi realmente conveniente ao senador foi a decisão liminar de Barroso, pois permitiu que Pacheco não se desgastasse politicamente com Bolsonaro, que atuou ativamente na sua recente eleição para presidir o Senado. A procrastinação de Pacheco em instalar a CPI sob o argumento de distensionar o ambiente político foi, na realidade, estratégica. Não cabia ao presidente do Senado a inação, pois os requisitos constitucionais para a sua instalação já tinham sido cumpridos pela minoria.

O caminho mais “curto” para a oposição deixar para trás esta condição e virar governo é expor até as vísceras as vulnerabilidades do governo de plantão o mais cedo possível. Sugerir autocontenção ou esperar responsabilidade de quem está na oposição implica aumentar o tempo em que este grupo minoritário continuará nesta posição indesejável.

Enquanto o impeachment, seja do chefe do Executivo ou de ministros da Suprema Corte, é o instrumento político da maioria, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) é o que resta à minoria para expor as potenciais mazelas do governo.

CPI e impeachment têm requisitos e seguem ritos procedimentais distintos. Se o governo não consegue implementar impeachment de ministro da Suprema Corte é porque o governo não dispõe de maioria legislativa para tanto e, portanto, essa ameaça simplesmente não é crível.

A composição de todas as comissões no Congresso, sejam elas permanentes ou especiais, como uma comissão parlamentar de inquérito, obedece à regra da proporcionalidade, levando-se em consideração o número de cadeiras ocupadas por partidos na Casa. Portanto, se o presidente da República, que raramente dispõe sozinho de maioria legislativa, monta e gerencia adequadamente uma coalizão majoritária no Congresso, não tem o que temer de uma CPI, pois a preferência do presidente tenderia a sempre prevalecer em qualquer comissão legislativa.

Os receios e potenciais problemas para o presidente Bolsonaro se devem ao fato de ele não dispor, até o momento, de uma coalizão majoritária. O Centrão proporciona apenas uma maior minoria. Ou seja, é uma coalizão fundamentalmente “negativa”, com capacidade de bloquear iniciativas legislativas não desejáveis pelo Palácio do Planalto. Além do mais, os termos de troca e os propósitos de sua coalizão minoritária com o Centrão ainda não estão claros. Não é, portanto, uma coalizão majoritária com poder de gerar governabilidade, mas apenas de sobrevivência.

* Cientista Político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE)


João Gabriel de Lima: As cores da ‘Concertación’ brasileira

Que o manifesto propicie uma conversa madura entre liberais, social-democratas e desenvolvimentistas

 “Chile, la alegria ya viene.” Quem assistiu ao filme No, que concorreu ao Oscar de 2013, não esquece o refrão. Ele foi mote de uma campanha histórica. Em 1988, um plebiscito decidiria se o ditador Augusto Pinochet deveria, ou não, continuar em sua cadeira até 1997. A população torpedeou o autocrata com um rotundo “No!”. Foi um raro – e belo – momento em que uma democracia derrubou uma ditadura pelo voto.

O que se seguiu foi igualmente histórico. Socialistas e democratas-cristãos, adversários de décadas, se uniram com o intuito de consolidar a democracia, juntando partidos de esquerda e de direita. O arranjo, conhecido como “Concertación”, durou mais de 20 anos, como lembra o cientista político argentino Andrés Malamud, especialista em América Latina e personagem do minipodcast da semana. O logotipo do movimento era um arco-íris. 

É inevitável pensar na “Concertación” ao ler o Manifesto pela Consciência Democrática, assinado por seis presidenciáveis. Há apelo à convergência e defesa intransigente dos regimes de liberdade. A união de todos, no entanto, não é óbvia. Entre os signatários há tendências políticas de amálgama difícil. 

João DoriaEduardo LeiteJoão Amoêdo e Luiz Henrique Mandetta integram a centro-direita. Em alguma medida, os quatro estiveram com Jair Bolsonaro ou se beneficiaram dos votos de seu eleitorado em 2018. O rompimento implícito no manifesto mostra que o campo “azul” quer se reconstruir bem longe do presidente. Um dos quatro nomes acima poderá representar a tendência liberal em 2022.

Ciro Gomes não pertence ao mesmo clube. Seu programa de governo – que já foi até publicado em livro – é de matriz desenvolvimentista. Ele vai disputar a centro-esquerda com Lula, a quem pediu nesta semana que desse um “passo atrás”. É difícil imaginar Lula cedendo a cabeça de chapa a Ciro, mas o fato mostra que ambos disputam o campo “vermelho”. Ciro evocou o caso argentino, em que Cristina Kirchner, em 2019, topou ser vice de Alberto Fernández, de modo a unificar as diversas alas do peronismo – outro episódio lembrado por Malamud no minipodcast.

Luciano Huck ainda não decidiu se será candidato. Em entrevista recente ao Estadão, um de seus mentores, o ex-governador capixaba Paulo Hartung, situou o apresentador na centro-esquerda. Para ele, Huck partiria em busca do eleitor social-democrata. Um eleitor que gostava do PSDB progressista de Fernando Henrique nos anos 1990 e aprovou o Lula da “Carta ao Povo Brasileiro” – com os ortodoxos Palocci, Meirelles e Marcos Lisboa na equipe econômica. Seria o candidato “lilás”. 

O governo Bolsonaro fracassou em diversas áreas-chave, entre elas a gestão da pandemia – o que levou, inclusive, à determinação de abertura de uma CPI anteontem, com assinaturas de senadores do PSDB ao PT. É natural que enfrente não apenas uma, mas várias oposições, da centro-direita à centro-esquerda.

Se é difícil que as cores de nossa democracia se juntem no tal arco-íris, que o manifesto ao menos sele, como sugere o jornalista Pedro Venceslau no Estadão, um “pacto de não agressão”. Que propicie uma conversa madura entre liberais, social-democratas e desenvolvimentistas – os três grupos que há 30 anos disputam corações e mentes em nosso debate, e que hoje se opõem a Bolsonaro. Num cenário otimista, em 2022 o Brasil começará a emergir dos escombros. Cabe às oposições trazer propostas concretas para reconstruir um país devastado.


Marco Antonio Villa: Democratas, ação!

Se a política criminosa de Bolsonaro persistir, o País pode chegar a julho com meio milhão de óbitos devido à Covid-19

A narrativa — palavra da moda — construída pelos adversários do enfrentamento do projeto criminoso de poder bolsonarista é a de que o presidente da República tem um mandato legítimo. Até aí, ninguém discorda. Porém, isto não dá a ele o direito de confrontar sistematicamente com a Constituição. O voto não é um passaporte para ilegalidades. Tem seus limites estabelecidos constitucionalmente. Argumentam também que ele tem apoio popular. Difícil concordar.

Nas eleições de outubro os seus candidatos perderam nos principais colégios eleitorais. Nas pesquisas de opinião a impopularidade não para de crescer. As tentativas de mobilização de rua fracassaram. Reuniram algumas dezenas de fanáticos. Já o apoio empresarial é a cada dia menor. Os grandes grupos econômicos se afastaram do governo como ficou demonstrado no manifesto de economistas e empresários e por manifestações em entrevistas e eventos. Bolsonaro não tem partido político e nem uma base sólida no Congresso Nacional. No panorama externo o País continua isolado, um Estado-pária, sem apoio de nenhuma nação importante e atacado sistematicamente, especialmente, pelo desastre no campo ambiental.

Se observarmos ainda o plano interno, a economia vive um péssimo momento. No ano passado a recessão foi de 4,1%. A recuperação em “V”, como prometida por Paulo Guedes, não aconteceu como era prevista.

O primeiro semestre já está perdido. Teremos um longo período de crescimento tímido do PIB e o cenário mais viável — se nada for feito — é que a primeira metade desta década já está comprometida, isto quando a década que findou em 31 de dezembro de 2020, fechou como a pior das últimas quatro. Sem o entendimento do que significa este momento da história do capitalismo, o Brasil não vai conseguir retomar o crescimento econômico necessário para o enfrentamento dos grandes problemas nacionais.

Sem ser catastrofista, deve ser agregado a este quadro dramático a pandemia, a mais grave crise sanitária da história do Brasil. O massacre que estamos assistindo passivamente deve atingir no início do próximo mês 400 mil mortos. E se a política criminosa de Bolsonaro persistir, segundo os especialistas, o País pode chegar a julho com meio milhão de óbitos. Bolsonaro não mais governa. Manter o impasse político dá uma sobrevida a ele no Congresso, mas deixa o Brasil despedaçado. É uma ilusão imaginar que Bolsonaro vai mudar. É um genocida e golpista: pensa que está certo. Mas quando o pólo democrático da política brasileira vai agir? Está esperando o quê?


Ricardo Noblat: Sem Exército para chamar de seu, Bolsonaro agora ataca o STF

Um suicida político em ação

Sequer foram cicatrizadas ainda as feridas abertas por sua tentativa de intervir nas Forças Armadas, o presidente Jair Bolsonaro decidiu abrir outras – desta vez com o Supremo Tribunal Federal. Deve haver alguma lógica em ações que só fazem enfraquecê-lo. Se não há, é porque ele é mesmo estúpido.

O ministro Luís Roberto Barroso, em resposta à provocação feita por dois senadores, decidiu que o Senado deve instalar a CPI da Covid, instrumento previsto na Constituição que garante voz à minoria parlamentar. O pedido de CPI respeitou todos os requisitos previstos. E o Supremo assim agiu em outras ocasiões.

Uma delas foi em 2007 quando obrigou a Câmara a instalar a CPI do Apagão Aéreo. Lula era então presidente da República, e Bolsonaro deputado federal. O governo tudo fez para que não houvesse CPI, e Bolsonaro tudo fez para que houvesse. À época, em entrevista, ele disse:

– Por que o governo teme a CPI? Eu não tenho dúvida do superfaturamento de obras em aeroportos. Se quiser me acusar de leviano, eu respondo: ‘Abra a CPI que eu provo lá’.

Bolsonaro não viu interferência descabida do Supremo em outro poder por causa disso. Agora, que o presidente da República é ele, vê, como proclamou ontem:

– Não há dúvida de que há interferência do Supremo em todos os Poderes. No Senado tem pedido de impeachment de ministros do Supremo. Não estou entrando nessa briga. Será que a decisão tem que ser a mesma para o Senado botar em pauta o pedido de impeachment de ministro do Supremo?

O que uma coisa tem a ver com a outra? Nada. Cabe ao Senado, não ao Supremo, pôr em pauta pedido de impeachment de ministros de tribunais superiores. Impossível que Bolsonaro não saiba. Se não sabe, seus assessores jurídicos poderiam esclarecê-lo. Mas não, o que ele quer é criar confusão.

Escolheu Barroso como alvo, assim como na semana passada seu alvo foi o general Edson Leal Pujol, comandante do Exército, que se recusou a deixar que a política entrasse nos quartéis. Para livrar-se dele, Bolsonaro demitiu o ministro da Defesa. Pujol e os comandantes da Marinha e da Aeronáutica acabaram saindo.

 “Falta-lhe [a Barroso] coragem moral e sobra-lhe imprópria militância política” – bateu Bolsonaro abaixo da linha da cintura. E o que conseguiu? Que os demais ministros do Supremo se unissem em torno da decisão tomada por Barroso, assim como partidos políticos, governadores de Estado e juristas em geral.

Conseguiu que Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, que engavetou o pedido da CPI da Covid, se apressasse em declarar que respeitará a decisão de Barroso, como se tivesse outra opção. Em entrevista à Folha de S. Paulo, Pacheco prometeu que não mexerá “um milímetro” para barrar a atuação da CPI.

“Uma vez instalada, todas as condições lhe serão dadas para que funcione bem e chegue a conclusões”, afirmou. “É importante que ela cumpra sua finalidade na apuração de responsabilidades”. E foi além ao dizer que Bolsonaro não contribui para o combate à epidemia com seu discurso negacionista:

– Para bom entendedor, um pingo é letra. Quando ele [Bolsonaro] prega qualquer tipo de negacionismo, eu vou criticar o negacionismo e consequentemente estou criticando a fala dele.

Era Pacheco que dizia que, a seu juízo, “e por conveniência”, não era hora de abrir a CPI. Quem o diz agora é Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara e aliado de Bolsonaro tanto quanto Pacheco é. Lira trocou “conveniência” por “ocasionalidade” e repetiu o Pacheco de antes da decisão de Barroso:

– A CPI não nasce à toa. Tem de ter um fato determinado e tem de ter as assinaturas. E ela tem de ter a ocasionalidade. Eu comungo da ideia de que esse não é momento de se encontrar culpados, de se apontar o dedo para ninguém.

O momento seria do quê? Segundo Lira, “de se correr atrás de vacina, esteja ela onde estiver, e apontar seringa e agulha no braço dos brasileiros. Esse é o momento. Daqui a dois, três meses, esses culpados estarão morando em outro lugar, estarão apagadas as provas, estarão escondidas as evidências? Não”.

Conversa mole para enganar os trouxas. Ao governo, cabe correr atrás de seringas, agulhas e vacinas para imunizar milhões de brasileiros vítimas da pandemia. Isso não impede que o Senado, desde agora, investigue os escandalosos erros cometidos até aqui e que transformaram o Brasil numa ameaça aos outros países.


Vladimir Safatle: A segunda fase do regime militar

O Brasil acaba de apresentar ao mundo mais uma de suas invenções, a saber, um regime militar sem golpe. Mas devemos ainda falar em regime militar porque temos, inicialmente, a ocupação do Estado pelo aparelho militar e seu ideário

O Brasil tem certa vocação para a invenção. Fomos um país criado a partir de um experimento econômico: o latifúndio escravocrata primário exportador. Em nenhum outro lugar do globo tal experimento foi desenvolvido em tão larga escala. 35% de todos os sujeitos escravizados na África e direcionados às Américas aportaram aqui. Fomos também os responsáveis, no século XIX, pela junção singular entre escravismo e economia integrada ao “liberalismo concorrencial”. Mais próximo, conseguimos criar uma ditadura militar primorosa na arte de durar. A mais longa ditadura militar da América no ciclo que começa nos anos 60, capaz de entender que só duraria se preservasse algum nível de pantomima democrática. Tínhamos eleições, partido de oposição, Congresso em funcionamento na maior parte do tempo, tortura, livros de Marx vendidos nas bancas, corpos desaparecidos, estupros de opositoras, censura. Tudo ao mesmo tempo.

Há de se admirar essa engenharia brasileira do terror de Estado. Ela conseguiu preservar todas as peças do dispositivo empresarial-militar, mesmo durante trinta anos de período pós-ditadura. Ela conseguiu ainda preservar toda a força de terror administrada pelas polícias e suas milícias contra as populações vulneráveis em sua guerra civil cotidiana. Elementos fundamentais do aparato jurídico institucional criado sob ditadura continuaram vigentes. O Brasil mostra como nenhum outro país que desenvolvimento capitalista é outro nome para guerra de espoliação máxima, de medo e de depredação contra uma natureza que não se submete facilmente à condição de propriedade privada.

Dentro dessa tecnologia de poder, o Brasil acaba de apresentar ao mundo mais uma de suas invenção, a saber, um regime militar sem golpe militar. O que temos atualmente é algo muito próximo a um regime militar que não usou golpes militares clássicos para ser implementado. Entenda-se por “clássico” nesse contexto, ocupações de poder feitas através do deslocamento de tropas e uso explícito da violência.

Mas devemos ainda falar em regime militar porque temos, inicialmente, a ocupação do Estado pelo aparelho militar e seu ideário. Por mais que a narrativa vendida seja outra, Jair Bolsonaro é a encarnação direta do ideário militar nacional. Para além dos mais de 7.000 militares na gestão do Estado, desde o Ministério da Saúde, até as Comunicações e a Petrobrás, temos o deslocamento das Forças Armadas para o centro do poder com o intuito de garantir as condições para um processo brutalizado de acumulação primitiva, de espoliação de terras e concentração de renda.

O Brasil assiste a uma nova fase de concentração de renda, e a ameaça de sublevação popular que normalmente acompanha tais momentos, exige das Forças Armadas sua presença direta no Estado, a fim de intensificar a guerra civil contra populações vulneráveis. Essa concentração volta em seus moldes tradicionais, como o colonialismo interno que leva a predação da natureza, escondida sob a capa do desenvolvimento, para espaços cada vez mais amplos. Colonialismo que intensifica os incêndios contra povos originários e florestas.

Processo que, por sua vez, exige a mobilização contínua da perseguição e pressão de setores com potencial de sublevação, no que vemos a utilidade da eterna luta contra o comunismo (o único inimigo que, no século XX, efetivamente foi capaz de usar a guerra contra quem gerencia a guerra civil social). Por fim, as Forças Armadas ocupam o Estado tendo em vista a militarização da vida social, seja através da generalização extensiva de “formações militares” (segundo o projeto de paulatinamente transformar escolas públicas em escolas militares), seja através da organização armada e generalizada de grupos paramilitares de apoio.

Mas isso que nos anos sessenta obrigou a organização de um golpe clássico de Estado foi imposto agora através de uma lógica extremamente astuta de “custo menor”. São sucessões de operações relativamente regionais que, paulatinamente, deslocam o poder para o horizonte gerencial militar, fazendo com que ele avance mesmo que pareça não estar lá. Como já se disse mais de uma vez, uma das maiores astúcias do diabo é levar-nos a acreditar que ele não existe.

Primeiro, era necessário impedir que a eleição de 2018 ocorresse. O custo de uma simples suspensão de eleições presidenciais seria enorme, arcaico, desnecessário. Mas havia algo mais astuto: um tuíte, um simples tuíte das Forças Armadas ameaçando o Poder Judiciário caso o candidato indesejável pudesse concorrer. Além do tuíte, um processo jurídico “contra a corrupção” capaz até mesmo de anexar depoimentos de pessoas que nunca deram depoimento algum. Um processo incensado por setores hegemônicos da imprensa e seus interesses inconfessos pela radicalização do processo de acumulação primitiva da classe trabalhadora espoliada. Assim, a eleição estaria assegurada no bom e velho modelo da República Velha onde os embates já estavam decididos de antemão. Afinal, para que um golpe clássico se a possibilidade de preparar resultados favoráveis está à mão?

Mas a ocupação do Estado exigiria o abandono dos aliados que acreditavam que seriam convidados para sentar à mesa principal da gestão do poder. Como na ditadura militar, quando os civis descobriram que haviam se tornados atores secundários através do veto a Pedro Aleixo ocupar a presidência da República, todos aqueles que pavimentaram esse caminho foram enterrados sob o asfalto que eles mesmos esquentaram. De Eduardo Cunha aos degenerados da Lava Jato, da própria imprensa ao “centro democrático”: todos foram deixados para trás até que acordássemos em um regime militar em pleno século XXI.

Ainda na lógica do “custo menor” havia dois problemas a resolver. O primeiro era a censura. Mas “censura” é, mais uma vez, algo arcaico, custoso e, principalmente, desnecessário. O poder só procura censurar quando teme a força da palavra. Melhor seria operar através de uma “usura” da palavra. Tirar a força da palavra, criar paralisia em seu uso, ao invés de simplesmente censura-la. Uma paralisia criada pela inversão constante de seu significado. Usar “liberdade” para descrever a indiferença em relação ao genocídio de Estado diante da pior pandemia da história recente, usar “ditadura” para descrever exigências mínimas de solidariedade social diante da catástrofe, usar “coragem” quando se quer mostrar o descaso com quem não pode ter acesso ao sistema privado de saúde para sobreviver, usar “doutrinação” onde outros falam de pensamento crítico. Há de se lembrar que era George Orwell quem fazia os habitantes da Eurásia gritarem: “ignorância é força, liberdade é escravidão”.

Se 30% da população participasse dessas estratégias de usura da palavra o processo político estaria paralisado. E não seria difícil contar com esses 30%. Quem conhece a história brasileira sabe que eles nunca faltariam ao seu dever. Enquanto isto, o resto perderia seu tempo a espera de “frentes amplas” que nunca aconteceriam (basta ver quem foi apoiar o candidato do governo nas eleições para a presidência da Câmara) ou discutindo eliminações do BBB na semana em que o Banco Central ganharia sua “autonomia”, ou melhor, sua definitiva servidão aos interesses mais brutais da elite rentista, esses mesmos interesses que são a base da realidade material que sustenta o eixo das formas gerais de espoliação (imaginar que nossa emancipação viria sob formas administradas pela indústria cultural e sua estrutura monopolista articulada aos interesses maiores da elite empresarial ... isso talvez explique o que ocorre quando conceitos como “indústria cultural” são abandonados em prol de práticas que se recusam a problematizar os meios de enunciação).

Mas havia um segundo problema a resolver. Um regime militar não aceita ser deposto. E este ponto volta agora em sua tensão efetiva, principalmente depois da possibilidade de Lula concorrer à presidência novamente. O Brasil conhece atualmente um conflito entre o que poderíamos chamar de “direita oligárquica” (a saber, esse grupo dirigente que deriva das oligarquias locais e seus representantes, a começar pela oligarquia paulista) e uma “extrema-direita popular” (que vem da longa história do fascismo brasileiro). O horizonte convergente de interesses permite a esses dois grupos sentarem-se à mesma mesa quando necessário. Mas tomado o poder, eles também entram em choque, como se mostrou ao longo da história nacional.

deslocamento de Lula para o centro do jogo eleitoral não foi exatamente resultado de uma pressão popular irresistível, de um clamor irrefreável, mas de uma manobra arriscada de setores da direita oligárquica no poder para conter Bolsonaro em sua escalada fascista, como fizeram em junho quando Queiroz foi enfim “encontrado” em um sítio em Atibaia e o primeiro “enquadre” foi dado.

Com a vitória de Bolsonaro pelo controle da Câmara e do Senado e com sua liberdade absoluta de operação, era necessário um segundo enquadre, e ele foi dado através da ressurreição do único político com estatura eleitoral compatível com Bolsonaro e que parecia capaz de fazer, efetivamente, uma aliança de centro no Brasil com alguma estabilidade. Exatamente nesse momento, o poder Judiciário brasileiro “descobriu” que, afinal, o processo contra Lula era uma aberração jurídica e que ele nunca teve direito efetivo de defesa. Lula apareceu como o único capaz de fazer uma efetiva aliança de centro porque os outros fazem apenas acordos entre oligarcas sem muita densidade popular. Já ele opera por uma versão do “sindicalismo de resultados” que parecia poder funcionar no começo desse século. Por isso, falar em “polarização” chega a ser um desrespeito à inteligência nacional. Lula é a última figura capaz de tentar operar políticas de grande aliança no Brasil. Ele é exatamente o contrário de toda e qualquer “polarização”. Seu governo não nos deixa mentir.

No entanto, como foi dito anteriormente, um regime militar não aceita ser deposto. Em manifestações inéditas na vida política nacional, o dia seguinte ao anúncio de possibilidade de Lula concorrer foi marcado por declarações de militares dizendo ver a volta do ex-presidente como algo inaceitável. O que demonstra como caminhamos para um cenário de confronto e tensão. Quando a ditadura militar foi implementada em 1964, o “centro democrático” (sempre ele) se preparava pela eleição nos próximos anos: Juscelino era o nome principal nessa operação. Tal eleição nunca veio. Sessenta anos depois, os militares aprenderam a fazer isso muito melhor. Eles descobriram que o vocabulário da “inexistência” é muito mais sutil, se habilmente manipulado. Há de se estar preparado para isto.

Vladimir Safatle é professor titular do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo.


Alon Feuerwerker: Bolsonaro enfrenta a maldição do terceiro ano

E Jair Bolsonaro acaba de topar com o primeiro obstáculo realmente relevante no caminho para concluir seu mandato e tentar um novo: a Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado sobre a Covid-19. Ou melhor, a CPI sobre as ações federais na Covid-19. Tem sido rotina nos terceiros anos dos quadriênios presidenciais. É quando invariavelmente aparece alguma barreira que vai demandar esforço e concentração redobrados, se o mandatário não quiser ficar pelo caminho.

Em 1992, Fernando Collor topou com as acusações do irmão. Elas desencadearam a CPI que acabou levando ao impeachment. Fernando Henrique Cardoso teve esse tipo de problema nos dois terceiros anos de seus dois mandatos. Acusação de compra de votos para a reeleição em 1997 e ameaça de uma CPI da Corrupção em 2001. Luiz Inácio Lula da Silva recebeu pela proa os torpedos de Roberto Jefferson em 2005. E Dilma viu em 2013 a emergência das “jornadas de junho”.

Que deram a largada para a deposição dela em 2016. Nem a reeleição em 2014 interrompeu o processo.

Deve ter algo de coincidência, mas é prudente não desprezar a possibilidade de o ano imediatamente anterior às eleições presidenciais despertar os instintos mais primitivos dos políticos. No caso atual, Bolsonaro cuidou bastante bem de estreitar a porteira para acusações de corrupção, habitualmente usadas nessas ocasiões. Mas não teve o mesmo cuidado para reduzir a margem de manobra dos adversários no assunto da pandemia.

Na Covid-19, o presidente foi dobrando a aposta a cada rodada. Poderia ter ficado contra o isolamento social, mas a favor do afastamento. Ou contra o afastamento e compensar isso apresentando-se como radical defensor das vacinas. Mas preferiu a crítica a tudo, com exceção do tratamento medicamentoso já aos primeiros sintomas. Que está sob fogo cerrado da maioria da comunidade médica. Ainda que uma parte relevante apoie a linha de Bolsonaro.

Recentemente, reposicionou-se no assunto vacinal, mas continua carregando com ele um evidente déficit de imagem no tema.

A aposta de Bolsonaro parece ter se baseado na premissa de que teríamos uma onda da epidemia aqui no Brasil, e quando ela entrasse na descendente a preocupação das pessoas com a própria situação econômica prevaleceria, e aí o presidente colheria os frutos de ter desde o começo advertido sobre o risco de ruína material dos indivíduos, das famílias e das empresas. Por causa do que sempre atacou como radicalismo no isolamento social.

Essa linha de ação e comunicação pagou-se em algum grau, tanto que Bolsonaro mantém um núcleo resistente de apoiadores em torno de 30%. Mas, na medida em que a primeira onda não foi a única, e quando a segunda apresenta picos de mortalidade várias vezes a da anterior, o medo e a angústia com a doença continuam dominantes. E agravaram-se. E o presidente está evidentemente ilhado no núcleo fiel. Este é forte, mas minoritário.

É a situação clássica propícia para a ofensiva adversária. Uns escaparam (FHC, Lula), outros naufragaram (Collor, Dilma). O tucano safou-se na primeira vez porque o povão achava que a economia ia bem, e na segunda porque tinha base parlamentar, e ninguém queria a sério interromper seu mandato. O petista sobreviveu porque era popular e porque os inimigos ficaram com receio de uma guerra aberta de rua contra ele.

Veremos nas próximas semanas e meses que variáveis dessas vão prevalecer agora para Jair Bolsonaro.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


César Felício: Bolsonaro e os ungidos do Senhor

Presidente deve redobrar aposta conservadora

Na Assembleia de Deus - Ministério de Madureira no Parque Jandaia, em Guarulhos, só se admitiu a presença no culto do domingo a quem se apresentou de máscara e com álcool gel. Foi feito um rodízio para cumprir o protocolo de se garantir a lotação de apenas 25% da capacidade do templo. O frequentador é convidado por mensagem de aplicativo a comparecer. Quem vai em um culto, precisa aguardar uma semana para ser chamado de novo. Antes, havia fiéis que batiam ponto no templo todos os dias. A empolgação de cantos de louvor não existe mais, para evitar a emissão de partículas de aerosol.

É muito difícil convencer um religioso praticante que, mesmo com a adoção de todos estes cuidados, não há segurança sanitária para se promover a aglomeração em um evento fechado. Como de fato não há, por mais protocolos que se adotem.

A ilusão de que se pode driblar o vírus com cautelas, profilaxias e precauções, no entanto, é por demais persuasiva. E para os fiéis, há uma estrada aberta para se acolher como verdadeira a narrativa de que não passam de preconceito contra os religiosos os bloqueios à realização de cultos, referendada por governadores, prefeitos, ministros do Supremo Tribunal Federal e pelo consenso do entendimento científico,

O julgamento dessa semana no Supremo Tribunal Federal, portanto, reforça a estratégia bolsonarista de que existe um movimento “cristofóbico”. Estratégia na qual, por motivos diversos, se incorporam o ministro Kassio Nunes Marques, o advogado-geral da União e o procurador geral da República.

O presidente se apoia no Centrão, nos militares e no mercado para governar, não raro colaborando para jogar estes grupos um contra o outro. Para ganhar eleição, entretanto, ele depende do fundamentalismo cristão. É um conceito que transcende o protestantismo: abarca também movimentos leigos conservadores da Igreja Católica e as correntes denominadas “carismáticas” do catolicismo.

Houve um tempo, o da hegemonia na Câmara dos Deputados de Eduardo Cunha, em que os interesses do fundamentalismo cristão iam para a linha de frente do Parlamento. O lobby fundamentalista teve mais sucesso, entretanto, em barrar a agenda dita progressista e identitária do que propriamente em impulsionar a pauta conservadora.

Com o advento de Bolsonaro, este lobby deixou de dar o tom no Congresso, ao menos por agora, e cresceu sua influência de modo excepcional no Executivo. Começa a ofensiva este ano sobre o Judiciário, da qual a polêmica sobre os templos abertos é o primeiro movimento.

Um dos mecanismos de fidelização é a ocupação de espaços estratégicos. O antropólogo Ronaldo Almeida, livre-docente da Unicamp e especialista no tema, está mapeando o aparelhamento da máquina pública pelo fundamentalismo cristão. O mapeamento é parte de uma pesquisa que em breve aparecerá com mais detalhes em publicações especializadas.

É enganoso tomar como exibição de força evangélica apenas o fato de terem hoje cinco ministros na Esplanada (Luiz Eduardo Ramos, Onyx Lorenzoni, Milton Ribeiro, Damares Alves e André Mendonça). Nem todos deste grupo estão onde estão por serem evangélicos.

Chama mais a atenção de Almeida a qualidade dos espaços ocupados. Por meio do MEC e do ministério de Damares, o fundamentalismo tem como tocar sua pauta de modo transversal. Na Funai, os evangélicos conquistaram a área que cuida de indígenas isolados, ponto nevrálgico para a expansão missionária na região Norte.

No próximo ano, o da eleição presidencial, ninguém segura Bolsonaro, acredita Almeida. Ele procurará avançar com a agenda conservadora com toda força que tiver, para sedimentar seu apoio no segmento que em 2018 entregou a ele dois de cada três votos.

“Ele não vai parar um instante sequer de tentar fidelizar este público”, aposta o antropólogo. Até porque existem rachaduras no apoio fundamentalista a Bolsonaro, já perceptíveis a olho nu.

“A pandemia traz um problema para Bolsonaro entre os evangélicos, porque há uma incidência maior de mortes exatamente nas áreas em que a concentração de fiéis é maior. Quando Bolsonaro muda de tom em relação às vacinas, também está de olho nisso”, comenta o reverendo André Mello, da Igreja Presbiteriana da Aliança, em Florianópolis. Há lideranças evangélicas morrendo.

Bolsonaro chegou ao poder retratado por fiéis como um ungido do Senhor. E em um ungido do Senhor não se toca, e nem se cobra ao Altíssimo pelo fato de pessoas por vezes tão destituídas de mérito terem recebido o chamado para este papel. Ao ungido do Senhor se obedece. Só há um detalhe: o ungido do Senhor pode perder esta condição.

Mello afirma que em sua rede de contatos são frequentes as comparações de Bolsonaro com o rei Saul. É uma comparação simplesmente terrível no meio evangélico. Pelas mãos do profeta Samuel, Saul foi ungido para ser o primeiro rei do povo de Israel. Antes de receber a unção, Saul era apenas um pastor da menor tribo dos judeus que andava em busca de alguns jumentos perdidos. A autoridade de Saul foi aceita porque provinha de Deus, mas o monarca pecou contra o Senhor. Soberbo, ele envolveu Israel em guerras inúteis contra vizinhos poderosos e passou por cima da autoridade dos profetas, sem demonstrar arrependimento. Perdeu a condição de ungido, que foi transferida para Davi. Israel passou a estar sob juízo do Senhor. Nada poderia dar certo para o povo escolhido nas mãos do rei errado.

A metáfora indica que nada, nem mesmo o apoio evangélico, é monolítico ou incondicional. Cultivar essa base precisa ser um esforço permanente do presidente.

Doria

Por motivos que ainda não estão claros, o governador paulista João Doria não colhe dividendos em sua imagem depois do inegável sucesso de sua administração em produzir uma vacina que tem se mostrado eficaz, até o momento, contra a pandemia. A pesquisa Ipespe divulgada pelo Valor, se confirmada por futuros levantamentos, debilita dramaticamente sua articulação para concorrer à Presidência.


Maria Cristina Fernandes: Rejeição empresarial a presidente se mantém ascendente

Propaganda de apoio do PIB nacional com jantar em São Paulo foi tiro que saiu pela culatra

Se o jantar oferecido pelo dono da empresa de segurança Gocil, Washington Cinel, ao presidente da República tinha por objetivo propagandear o apoio desfrutado por Jair Bolsonaro no meio empresarial, o tiro saiu pela culatra. Grupos de WhatsApp de grandes empresários e investidores amanheceram indignados com a percepção vigente sobre o encontro. A avaliação é de que o Palácio do Planalto foi bem sucedido em passar a percepção, que asseguram equivocada, de que Bolsonaro tem apoio na elite econômica do país. A reunião, dizem, limitou-se a um punhado de empresários e banqueiros que responde a um dos critérios ou a ambos: são do núcleo duro raiz do bolsonarismo e estão sempre a assediar o presidente de plantão. A casa que sediou o jantar é um reflexo simbólico desta percepção. Vizinha do ex-deputado Paulo Maluf, nos Jardins, em São Paulo, a casa um dia pertenceu a um dos grandes industriais do país, José Ermírio de Moraes, e hoje é do empresário da segurança privada, ramo que cresceu junto com violência decorrente da falta de rumos do país.

A posição do grande empresariado e da grande finança estaria bem mais refletida, na visão deste interlocutor, em iniciativas como a Coalizão Brasil e a Concertação pela Amazônia, motivadas pelos equívocos da política ambiental brasileira, ou mesmo o apoio ao manifesto dos economistas por saídas para a pandemia. Essas mobilizações reúnem CEOs de grupos como Itaú, Klabin, Gerdau, Amaggi, Natura, Ambev, Gávea e Marfrig. Jantares do gênero são comuns em momentos de descrença sobre o apoio empresarial a um presidente em crise, mas a baixa representatividade do encontro de quarta-feira saltou aos olhos. A política dos “campeões nacionais” e a fartura do BNDES poupou a ex-presidente Dilma Rousseff de quóruns tão pouco representativos, o que não a impediu de cair.

A tentativa do presidente da República de ressuscitar o antipetismo para fisgar de volta o apoio empresarial perdido, diz este interlocutor, tampouco surtirá efeito. Entre aqueles que, de fato, ditam os rumos da economia nacional, este discurso não adiciona um único voto para o presidente da República em 2022. Uma parte deles reconhece que se o PT estivesse no poder o país não teria afundado tanto e a grande maioria recebe esse discurso do presidente da República como um estímulo redobrado para a busca por uma terceira via. A presença do ministro Paulo Guedes tampouco sensibilizou os empresários que ficaram de fora do jantar. Se o ministro da Economia já não empresta prestígio ao presidente da República, a recíproca também é verdadeira. Guedes hoje é visto como ministro de um país imaginário onde todos gostariam de viver, mas que, infelizmente, ninguém acredita existir senão em seus devaneios.

Apesar do incômodo gerado pelo jantar, cuja divulgação teve o empenho pessoal de ministros palacianos, não haverá mobilizações adicionais para mostrar o azedume com este governo. E o principal motivo é a pandemia. Os CEOs críticos ao bolsonarismo estão recolhidos em suas casas porque temem aquilo que o presidente despreza, a agressividade da covid-19. Cresce, porém, neste grupo, a percepção de que Bolsonaro, no limite, chegará a 2022.

O cerco da imprensa internacional a Bolsonaro reflete-se no comportamento dos parceiros internacionais desses empresários. Edições das duas principais publicações financeiras do mundo, “The Economist” e “Financial Times”, mostraram que o dano à imagem internacional do presidente é irreversível. A revista trouxe uma charge contestando que a resposta brasileira à pandemia seja conduzida por um cabeça-oca, mas sim por um “ignorante, teimoso e arrogante”. Já o jornal da City londrina trouxe uma reportagem sob o título “Bolsonaro mais isolado do que nunca” em que uma dirigente da Organização Pan-Americana de Saúde reportou preocupação com o espraiamento das variantes brasileiras por 15 vizinhos das Américas. É a percepção do Brasil como ameaça global que cresce no mundo e preocupa os grandes empresários brasileiros.

Não há, por outro lado, percepção sobre saídas fáceis à vista. Há empresários deste meio que se aproximaram do vice-presidente Hamilton Mourão por conta de sua atuação no Conselho Nacional da Amazônia mas não há qualquer mobilização real para apear o presidente da República do poder por conta da percepção de que o Congresso quer mantê-lo no cargo. O artigo do vice-presidente publicado na terça-feira, 6, no jornal “O Estado de S. Paulo” (“O que os brasileiros esperam de suas Forças Armadas”) foi lido como uma manifestação clara de que Mourão não endossou o comportamento de Bolsonaro na recente crise militar e que subscreve a atuação estritamente constitucional das Forças Armadas em defesa das instituições nacionais.

Um dos empresários descrentes do bolsonarismo diz ter sido procurado por ministro de origem militar em busca de sua percepção sobre a conjuntura. O constrangimento do ministro ante seu pessimismo lhe deixou a impressão de que os militares deste governo têm a consciência de que estão em nau à deriva. Ante reclamações de que o Supremo Tribunal Federal estica a corda com o presidente, este empresário responde que o limite da tensão, na verdade, foi alargado lá atrás pelo ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas com o tuíte ameaçador sobre o julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com o beija-mão promovido pelo mesmo general aos pré-candidatos à Presidência da República em 2018. Este empresário não mantém contato com o vice-presidente Hamilton Mourão. Tem a convicção de que, assim como o ex-ministro do TSE Herman Benjamin estava com a razão quando dizia que a chapa Dilma Rousseff-Michel Temer deveria ter sido cassada por excesso de provas, é preferível dois impeachments em cinco anos a um crime de responsabilidade por dia.


Ricardo Noblat: Em um único dia, Bolsonaro é derrotado duas vezes no STF

Vem aí a CPI da Covid para acuar o governo

O fracasso do governo do presidente Jair Bolsonaro no combate à Covid-19 subiu à cabeça de Marcelo Queiroga, o quarto ministro da Saúde em menos de um ano.

Anthony Fauci, o mais respeitado imunologista americano e conselheiro do presidente Joe Biden, disse que o Brasil virou uma “ameaça mundial” porque a pandemia aqui só faz crescer.

Em visita a Porto Alegre, perguntado a respeito, Queiroz estufou o peito, imitou a arrogância do seu chefe, e respondeu assim:

– Ele [Fauci] deve cuidar dos Estados Unidos. Do Brasil, cuido eu.

Bolsonaro amou a resposta de Queiroga logo no dia em que o vírus matou no país mais 4.190 pessoas. Foi o segundo dia com mais mortes desde o começo da pandemia.

A quarta-feira havia sido um dia ameno para Bolsonaro. Ele fez o que mais gosta: viajar, falar o que lhe vem à cabeça sem ser contestado, e arrancar aplausos dos seus devotos.

Esteve em Chapecó, em Santa Catarina, em Iguaçu, no Paraná, e em São Paulo onde jantou com empresários amigos escolhidos a dedo e que acabaram por ovacioná-lo.

A quinta-feira foi um dia pesado para Bolsonaro. Não pela morte de tanta gente, mas porque ele colheu duas derrotas importantes no Supremo Tribunal Federal.

A primeira: por 9 votos contra 2, o Supremo decidiu que governadores e prefeitos podem fechar templos e igrejas enquanto durar a pandemia. Bolsonaro queria o contrário.

A segunda derrota: o ministro Luís Roberto Barroso mandou que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), instale de imediato a CPI da Covid.

Cumpridas as exigências da Constituição (número mínimo de apoiadores, definição do fato a ser investigado e prazo de funcionamento), a CPI é direito da minoria parlamentar.

Todos os requisitos foram cumpridos desde janeiro último, mas Pacheco, eleito presidente do Senado com o apoio de Bolsonaro, recusou-se a instalar a CPI para não criar embaraços ao governo.

Ontem mesmo, antes de Barroso anunciar sua decisão, Pacheco afirmou:

– Considero que a CPI da pandemia neste momento vai ser um ponto fora da curva. Além disso, pode ser o coroamento do insucesso nacional do enfrentamento da pandemia.

No seu despacho, Barroso ensinou a respeito de CPIs:

– Trata-se de garantia que decorre da cláusula do Estado Democrático de Direito e que viabiliza às minorias parlamentares o exercício da oposição democrática.

Simples assim. O que levou Pacheco a retrucar que, a seu juízo, e por razões de conveniência, a CPI não deveria sair da gaveta, mas que decisão da justiça é para ser cumprida, e ele a cumprirá.

Ora, era o que faltava. Não cumprir? Agora, resta ao governo escalar a maior e a mais confiável bancada de senadores aliados seus para se defender na CPI e atrapalhar seu funcionamento.

Custará caro. Ninguém trabalha de graça para governo numa CPI. Só o faz em troca de muito dinheiro, de cargos e de outros favores inconfessáveis. Sempre foi assim e sempre será.

Bancada de Bolsonaro no STF aumenta com adesão de Toffoli

A partir de julho serão três ministros

Era certo que a bancada de ministros bolsonaristas no Supremo Tribunal Federal se resumiria a dois ministros até o fim de 2022 – Nunes Marques, que já está por lá ocupando a vaga aberta com a saída de Celso de Mello, e outro a ser indicado pelo presidente a partir de julho próximo e que sucederá a Marco Aurélio Mello.

Mas, não. Descobriu-se, ontem, que Bolsonaro contará com três – um deles, José Antônio Dias Toffoli, que surpreendeu seus colegas ao votar junto com Nunes Marques pela abertura de templos e igrejas durante a pandemia da Covid. Toffoli não justificou seu voto. Limitou-se a dizer que acompanharia Nunes Marques.

Toffoli sabia que seria derrotado. O placar final foi de 9 a 2. Não se incomodou com isso. Está com Bolsonaro para o que der e vier. Encantou-se por ele antes mesmo de Bolsonaro ser candidato a presidente. À época em que foi assessor parlamentar do PT na Câmara, entre 1995 e 2000, os dois conversavam muito.

Foi Lula que fez de Toffoli ministro do Supremo em 2009. Toffoli havia passado no teste de fidelidade ao PT como consultor jurídico da Central Única dos Trabalhadores (CUT), advogado de três campanhas presidenciais de Lula, subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil e Advogado-Geral da União.

Sua recente passagem pela presidência do Supremo coincidiu com os dois primeiros anos de Bolsonaro presidente. Renasceu e se fortaleceu a amizade entre os dois. Toffoli virou uma espécie de assessor informal de Bolsonaro dando-lhe conselhos e, sempre que pôde, facilitou a vida dele dentro do tribunal.

Orgulha-se Toffoli de ter evitado em 2020 uma crise institucional que quase deflagrou um golpe militar. Ele ajudou a salvar o Brasil e a evitar a queda de Bolsonaro. A indicação de Nunes Marques para ministro passou por seu crivo. Foi quando Bolsonaro o visitou em casa, sendo recebido com um caloroso abraço.


Murillo de Aragão: O preço das decisões erradas

O governo federal foi lento e confuso nas respostas à pandemia

A essa altura dos acontecimentos, devemos ponderar sobre os erros que nos levaram a mais de 340 000 mortos pela Covid-19. Sem alarde nem radicalismos. A coleção de erros é enorme. Começa com erros estratégicos, por parte de todos os atores públicos e privados, e chega a erros táticos. Nesse rol se inclui a sociedade, que teima em não se conscientizar dos riscos. O ponto inicial reside no fato de que o mundo inteligente já sabia da gravidade do problema em janeiro de 2020. O mundo político brasileiro, porém, só reconheceu a gravidade do tema em março.

O segundo erro estratégico foi cometido pelo governo federal, ao não coordenar uma ação conjunta com governadores, prefeitos, Judiciário e Legislativo. Prevaleceram o conflito, as egotrips e, sobretudo, a descrença de que o problema era muito sério.

O terceiro erro estratégico foi não optar pela compra das várias vacinas que estavam em desenvolvimento. O governo federal apostou apenas na AstraZeneca, cujo processo de produção é insuficiente para nossos desafios. Fica a questão: por que a Fiocruz, berço do partido sanitarista, não propôs uma compra abrangente de vacinas de várias procedências até que o Brasil dominasse a produção?

“A compra maciça de vacinas é a melhor política para a retomada da economia”

Obviamente, terminamos dependendo da rejeitada CoronaVac, do Instituto Butantan, e da escassa, até agora, vacina da AstraZeneca. Se hoje, em pleno abril de 2021, ainda estamos decidindo se compramos ou não a vacina russa, imaginem se o governo de São Paulo não tivesse tomado a decisão de negociar e produzir vacina no ano passado? E as mortes prosseguem.

No campo da narrativa, o governo federal se mostrou confuso. Lento nas respostas e descrente das consequências da “gripezinha”. Não houve palavras de liderança. Os sucessivos comandos do Ministério da Saúde foram, cada um a seu tempo, espetaculosos, erráticos e com um processo deliberativo lento. Deveriam ter imposto uma ação abrangente de pré-compra de vacinas e, em coordenação com a Anvisa, uma liberação expedita das doses. Em janeiro, a Anvisa fez um espetáculo midiático para autorizar o uso emergencial de vacinas. Àquela altura, o Brasil já deveria estar vacinando, e não fazendo midiatismo em torno da obrigação de fazer de forma correta o que estava fazendo errado.

Governadores e prefeitos demoraram a reagir quanto à imposição do distanciamento social. O exemplo trágico do Amazonas resultou no caos da saúde pública no estado. Também desmontaram hospitais de campanha país afora sem um horizonte claro do fim da pandemia e não se preparam para o pior, quando o pior já se apresentava, no fim do ano passado. Politicamente, Bolsonaro cometeu um grave erro ao não assumir a liderança no combate à pandemia. O Brasil deseja um líder que Bolsonaro ainda não quer ser.

Se tivesse comprado milhões de vacinas, o Brasil poderia ter vacinado o dobro ou o triplo do que vacinou até o início deste mês. Gastos com a compra em massa de vacinas seriam uma pequena parcela do que será despendido com o auxílio emergencial. A aquisição maciça de vacinas é a melhor política para a retomada da economia. Estamos chegando tarde e a conta em vidas está aumentando.

Publicado em VEJA de 14 de abril de 2021, edição nº 2733


Luiz Carlos Azedo: Duas derrotas num só dia

Bolsonaro anunciou um novo remédio para o tratamento da covid-19, a proxalutamida, medicamento utilizado para tratamento de câncer de próstata e de mama

O presidente Jair Bolsonaro sofreu duas derrotas ontem, ambas no Supremo Tribunal Federal (STF). Uma foi a decisão acachapante do plenário da Corte em favor de governadores e prefeitos que determinarem o fechamento temporário de templos religiosos para combater a propagação da pandemia da covid-19, durante os períodos de rígido distanciamento social, cujo resultado foi 9 a 2. A outra, a liminar do ministro do STF Luís Roberto Barroso a favor do mandado de segurança dos senadores Alessandro Vieira (SE) e Jorge Kajuru (GO), do Cidadania, determinando a imediata instalação da CPI da Covid-19 pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que vinha empurrando o assunto com a barriga há 65 dias.

CPIs são uma prerrogativa da oposição, desde que tenham número mínimo de subscrições para instalação, o que é o caso. O que muda com a instalação da CPI é que o presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga e, principalmente, seu antecessor, o general Eduardo Pazuello, passarão a ter muitas dores de cabeça em razão de tudo o que ocorreu durante a pandemia até agora. Na lógica da oposição, a CPI é a banda de música dos pedidos de impeachment. O negacionismo de Bolsonaro tem um histórico de atitudes e medidas contra a política de isolamento social, mas também contra a compra e produção de vacinas, o uso de máscaras etc. É um prato cheio para a responsabilização criminal pelo elevado número de mortes que vem ocorrendo.

Rodrigo Pacheco segurou a instalação da CPI enquanto pôde, pressionado por Bolsonaro e pelo Centrão, mas contrariou os seto- res da oposição, inclusive os que o apoiaram. Com seu estilo conciliador e habilidoso, manobrou demais e acabou provocando mais uma intervenção do Supremo no Congresso. Agora, a oposição tem prerrogativas constitucionais e regimentais para fazer uma devassa no Ministério da Saúde. Como a base do governo é majoritária no Senado, o Palácio do Planalto tentará controlar a CPI, voltando-a contra governadores e prefeitos, mas isso fará com que o cacife dos partidos de Centrão aumentem nas negociações com o presidente da República.

Vacinas
Em sua live semanal, ontem, Bolsonaro voltou a criticar o isolamento social e defendeu “outras medidas” para combater a pandemia do novo coronavírus. Aproveitou para anunciar um novo remédio para o tratamento da covid-19, a proxalutamida, medicamento utilizado para tratamento de câncer de próstata e de mama. “É uma possibilidade. Um outro possível remédio que estará à disposição de todo o Brasil. Esperamos que dê certo”, disse. Também defendeu o exercício físico, que segundo ele, aumenta em oito vezes a velocidade de recuperação da doença.

Enquanto Bolsonaro flerta com o curandeirismo, a covid- 19 continua avançando no Brasil. Registrou 4.249 óbitos e 86.652 novos casos nas últimas 24 horas, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Com isso, o número de mortos pela doença chegou a 345.025, e o total de casos aumentou para 13.279.857. Na quarta-feira, foram registrados 3.829 óbitos e 92.625 novos casos. Ou seja, por falta de vacinas e isolamento social adequado, a escalada da pandemia continua.

Para complicar a situação, há 12 dias o Instituto Butantan não produz novas vacinas por falta de insumos. Ontem, reconheceu que a remessa de matéria-prima da CoronaVac está atrasada, mas anunciou que já foi liberada na China e deverá chegar a São Paulo até 20 de abril. O princípio ativo da vacina era para ter chegado ontem. De acordo com o Butantan, o lote de 3 mil litros de insumos é suficiente para a produção de 5 milhões de doses da vacina. Uma segunda remessa, com mais 3 mil litros, está prevista para chegar até o final do mês. O atraso não vai impactar as entregas previstas ao Ministério da Saúde: 46 milhões até o final de abril. O Butantan já disponibilizou 38,2 milhões de doses ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) e ainda possui cerca de 3,2 milhões de vacinas no controle de qualidade, que devem ser liberadas até o dia 19 de abril.

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