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Ricardo Noblat: PSD de Kassab terá candidato a presidente na eleição de 2022

Poucos metros separam os hotéis onde estão hospedados em Brasília o ex-presidente Lula e o ex-prefeito de São Paulo e presidente do Partido Social Democrático (PSD) Gilberto Kassab.

Nos corredores do Senado, enquanto o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta depunha na CPI da Covid-19, espalhou-se a notícia de que Lula e Kassab tomariam café juntos.

Fake news. Até o início da noite, Lula não havia convidado Kassab para uma conversa ao pé do ouvido. Os dois ficarão em Brasília até amanhã. Mas se convidar, Kassab irá.

“Sou uma pessoa educada e não recusaria o convite de um ex-presidente da República”, disse Kassab a este blog. O que não quer dizer que Kassab admite apoiar Lula na eleição do ano que vem.

“O PSD terá candidato a presidente, mas não será do PT”, garante Kassab, e para por aí. Não disse se será um candidato próprio ou de outro partido. Mas não será nem Lula nem Bolsonaro.

Fundado em 2011, o PSD apresentou-se à época como um partido que não seria de direita, nem de esquerda, nem de centro. Dez anos depois, o PSD pode ser de direita, de esquerda ou de centro.

Tudo depende do momento e das alianças possíveis a serem feitas nos Estados e Municípios. Kassab prefere chamar isso de “pragmatismo responsável em favor do país”. Vá lá que seja…

O prefeito do Rio Eduardo Paes já foi do PV, PFL, PTB, PFL de novo, PSDB, PMDB e DEM. Filiou-se, ontem, ao PSD de Kassab, que poderá ser o destino de Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Parte do PSD carioca corteja o governador Cláudio Castro, filiado ao Partido Social Cristão (PSC). Mas Castro ficará onde está ou irá para onde o presidente Jair Bolsonaro mandar.

Fonte:

Metrópoles

https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/psd-de-kassab-tera-candidato-a-presidente-na-eleicao-de-2022


Fernando Exman: A CPI entre o eleitor na ponta e o poder central

Disse certa vez um experiente parlamentar a seu herdeiro político: “Brasília é um perigo porque é uma bolha. É um equívoco as pessoas acharem que Brasília é real. Em Brasília, nós estamos sempre de passagem. A pessoa não pode achar que é senador e Brasília é eterna. Ela tem que passar aqui três ou quatro dias e voltar para o mundo real toda semana, porque é de lá que a vida real a alimenta. A bolha acaba te retratando uma realidade que difere do que acontece na ponta”.

Esse ensinamento de pai para filho ocorreu num passado longínquo – bem antes de o novo coronavírus surgir, espalhar-se pelo mundo, provocar uma tragédia humanitária e o Senado instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar responsabilidades pela péssima condução do enfrentamento da pandemia no Brasil. E vale ponderar que a capital federal mudou desde então: o aumento da pobreza é perceptível para aqueles que se propõem a observar o que vem ocorrendo nas ruas, mesmo que através dos vidros fumês dos carros oficiais. O Distrito Federal também enfrenta desafios para vacinar seus habitantes.

Mas, o conselho permanece atual. Explica, em parte, a postura de governadores e de seus aliados no Senado Federal. Está evidente a divisão entre os senadores que foram escalados na CPI para defender o poder central, aqueles que pretendem atacar seus adversários locais e os que de alguma forma dão suporte político, a partir de Brasília, às administrações que atuam na ponta.

Muitos senadores e governadores, estes se convocados, demonstrarão mais preocupação com as mensagens que chegarão à tal “ponta”. É lá que o cidadão vive, morre, passa fome, vê seus familiares e amigos sofrerem. Foi onde faltaram leitos de UTI, oxigênio, equipamentos individuais de proteção. Na ponta, as doses de vacina ainda demoram a chegar.

Segundo o Ministério da Saúde, aliás, o impacto esperado das ações de vacinação só tem início após cerca de 30 dias da distribuição das doses. A estimativa considera o tempo da operação logística e o período necessário para o desenvolvimento da resposta imune da população.

Do ponto de vista político, o que se tem certeza é que o calendário eleitoral de 2022 aguarda a todos e será devidamente observado – com ou sem pandemia. E é por isso que, se convocados, governadores prestarão depoimentos olhando mais para seus Estados. Buscarão os ouvidos dos eleitores.

Para alguns deles, as pautas que determinarão o resultado das eleições do ano que vem são as iniciativas voltadas à atenção à saúde e as medidas de apoio econômico que cada um tiver adotado durante a crise. Muitos Estados lançaram seus próprios pacotes de socorro e auxílios emergenciais, uniram-se a fim de comprar equipamentos e, agora, tentam adquirir vacinas.

“A sociedade espera de quem foi eleito encontrar solução e não ficar buscando culpados ou adversários. Fomos eleitos para buscar soluções”, diz um governador. “O cidadão que está sofrendo em casa espera do seu líder uma mensagem de solução e de esperança. É isso que temos que garantir para a sociedade. Isso não é empurrar com a barriga. Por isso nós fomos buscar a vacina.”

Um outro governador reclama da demora na chegada de novas levas de imunizantes e alerta que a falta de informações atualizadas e detalhadas sobre a população, em razão de dificuldades orçamentárias para a realização do censo, é algo que preocupa. Pode haver dificuldades na execução de políticas públicas na área da saúde, inclusive durante o processo de vacinação.

Fica também claro o roteiro defendido pelos porta-vozes do Executivo. De acordo com eles, deve-se ter alternância entre as testemunhas. A ideia é poder gerar pelo menos alguns constrangimentos a governadores e prefeitos.

Elaborada a partir do Palácio do Planalto, essa estratégia pretende destrinchar as denúncias de eventuais desvios de recursos transferidos para Estados e municípios, possíveis fraudes em licitações, irregularidades em contratos, superfaturamentos e assinaturas de contratos com empresas fictícias. Ou seja, depurar como se deu o uso das verbas pelos entes federados.

Não se trata de pouco dinheiro. Um dos requerimentos apresentados pelos governistas aponta que até o fim do ano passado a Polícia Federal realizou mais de 60 operações. Investiga-se a compra de equipamentos individuais de proteção, como máscaras e aventais, a aquisição de respiradores artificiais e a assinatura de contratos para a construção de hospitais de campanha. Negócios que teriam movimentado cerca de R$ 2 bilhões, segundo o requerimento.

Essas operações policiais ganharam destaque no noticiário e foram incorporadas no discurso do presidente e de ministros. É um tema com apelo entre os eleitores de Bolsonaro, mas que, se aprofundado pela CPI, pode até acabar ajudando na reação dos gestores estaduais. Aliados dos governadores sempre questionaram se a Polícia Federal pode ter sido instrumentalizada para satisfazer interesses políticos do grupo que hoje ocupa o poder central.

“Há de se avaliar quais foram as iniciativas e o porquê dessas iniciativas, para que nós possamos ter a conclusão do que foi feito com transparência e principalmente levando em consideração as circunstâncias do momento”, afirma um governador, ponderando que não se deve falar em superfaturamento quando as condições de mercado estão distorcidas, com o crescimento da demanda mundial e redução da oferta de equipamentos e insumos relacionados à pandemia.

Pelo que se viu até agora em função da correlação de forças dentro do colegiado, dificilmente a CPI deve esmiuçar o que ocorreu nos Estados. O que deve ficar patente, porém, é que no mínimo Bolsonaro abdicou da missão de liderar a nação na luta contra o vírus. Governadores querem que ao menos a comissão produza um registro histórico, responsabilize quem faltou com a população e nomeie aqueles que tentaram buscar soluções.

Fonte:

Valor Econômico

https://valor.globo.com/politica/coluna/a-cpi-entre-o-eleitor-na-ponta-e-o-poder-central.ghtml


Malu Gaspar: Exército trabalha para descolar imagem de Pazuello de militares na CPI da Covid Visualizações: 34

O Exército vem trabalhando nos últimos dias para impedir que o depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello na CPI da Covid prejudique  a reputação da força. O comandante do Exército, general Paulo Sergio Nogueira de Oliveira, conversou sobre o assunto na segunda-feira à noite com o presidente da CPI da Covid, Omar Aziz.

Nos últimos dias, também fez chegar a Pazuello recados para que o ex-ministro não associasse sua atuação no ministério aos papéis que desempenhou no Exército. Temia-se, inclusive, que Pazuello pudesse comparecer de farda à CPI – o que foi desencorajado nas mensagens enviadas ao ex-ministro.

Pazuello tranquilizou os interlocutores e prometeu ir ao Senado à paisana. Mas o comportamento do ex-ministro nos treinamentos prévios à CPI, no final de semana, deixou os militares preocupados.

Num dos momentos de maior tensão, o ex-ministro se exasperou e começou a dizer que não iria admitir ser abandonado, por que estava cumprindo uma missão como oficial da ativa.

A expressão acendeu um alerta no Exército, preocupado com a forma como Pazuello pudesse descrever sua atuação no ministério. Foi por isso que, além de reforçar a ordem para que Pazuello não ostentasse seu vínculo com a força no depoimento, o comandante Paulo Sérgio decidiu também procurar o senador Omar Aziz.

Na conversa, na segunda-feira à noite, Aziz garantiu que a CPI ouviria Pazuello como ministro e não como general ou militar – a pessoa física e não a pessoa jurídica, como ele mesmo disse na conversa, segundo fontes próximas a Aziz.

O presidente da CPI e o comandante do Exército se conhecem há muitos anos. O senador foi governador do Amazonas quando o general era comandante da 12ª Região Militar, com sede em Manaus. O general Paulo Sérgio passou dez anos na Amazônia em diferentes funções.

Na conversa com Omar Aziz, o comandante também informou em primeira mão ao presidente da CPI que Pazuello talvez não pudesse prestar ao depoimento porque dois coronéis com quem ele tinha estado no final de semana estavam com suspeita de Covid.

Um desses coronéis é Elcio Franco, ex-secretário-executivo de Pazuello, que também acompanhou o treinamento do ex-ministro no Palácio do Planalto, no final de semana. A suspeita de Covid foi depois confirmada, e Pazuello conseguiu adiar o depoimento para o dia 19 de maio.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/comandante-do-exercito-trabalha-para-descolar-imagem-de-pazuello-de-militares-na-cpi-da-covid.html

 


Zeina Latif: Haverá apoio para aventuras?

A eleição presidencial está distante, mas contamina o cenário econômico. Mostra disso é que não cessam as pressões por mais gastos na novela do orçamento, em meio à crescente fragilidade do governo.

Difícil é distinguir o que é fruto da intenção de alavancar Bolsonaro e o que são os interesses paroquiais de parlamentares que reconhecem o risco político de ser aliado do presidente.

Os presidentes que buscam a reeleição costumam ser os favoritos nas corridas eleitorais. Contam com o poder de usar a máquina pública em seu benefício e têm maior potencial de apoio, que se traduz em arrecadação de recursos de campanha e tempo de TV.

Bolsonaro, que ainda procura um partido para chamar de seu, provavelmente não contará com as mesmas vantagens, a depender do cenário de baixa aprovação em 2022. O cacife de um político decorre de sua perspectiva de poder.

Seu ponto de partida é bem menos favorável. A avaliação positiva do governo estava em 30% em meados de março (Datafolha), inferior aos cerca de 42% dos ex-presidentes em período equivalente.

Em termos líquidos, o degrau é maior: -14% (30% menos 44% de ruim/péssimo) ante cerca de +25% dos antecessores. E a aprovação seguiu em queda, segundo a pesquisa Exame-Ideia: 23% para avaliação bom/ótimo no dia 22 de abril ante 27% em 25 de março.

O espaço para melhora adiante parece limitado. O presidente pouco conseguirá capitalizar o avanço da vacinação, pois esta nunca foi sua bandeira, pelo contrário. Além disso, a Coronavac de João Doria e a CPI da Covid poderão atrapalhar suas pretensões.

Na economia, mesmo considerando um cenário otimista de controle da pandemia até 2022 – algo improvável segundo muitos especialistas -, há limites para uma puxada do mercado de trabalho, variável chave para a aprovação de qualquer governo.

Mesmo com a renovação de medidas de socorro, não será possível repetir, nem de longe, a dose de estímulos de 2020, que totalizaram 10% do PIB, incluindo recursos do Tesouro e crédito direcionado. Vale notar que, em sua maioria, são medidas de curto alcance para preservar o consumo de famílias e evitar demissões.

Nada que gere ganhos mais perenes, como no caso de ações para treinar a mão de obra ou financiar a inserção tecnológica de pessoas e empresas. Soma-se a isso a necessária alta de juros pelo Banco Central, cujo efeito máximo sobre a economia se dará em 2022.

É verdade que o relaxamento do isolamento social irá beneficiar os segmentos de serviços que mais contratam, mas muitos indivíduos estarão à margem do mercado de trabalho por falta de qualificação adequada às exigências da tecnologia.

Difícil reverter o quadro observado em 2020, quando o número de ocupados com ensino superior completo cresceu 7,6%, enquanto os demais amargaram com o recuo de 13,2%. Está contratada a piora adicional dos indicadores de desigualdade, um combustível extra para a insatisfação social.

Adicionalmente, a busca de ganhos de produtividade pelas empresas reduz o potencial de contratações no curto-médio prazo. A indústria, por exemplo, retomou os patamares de produção pré-crise, mas pouco contratou.

Fevereiro registrou recuo de 10,8% no número de ocupados na comparação anual. O mesmo ocorreu em outros setores, como apontou Naercio Menezes Filho, no Valor.

A baixa popularidade tende a afastar mais apoiadores e aliados. Não à toa o mercado financeiro especula precocemente como seria o governo Lula.

Os mares também serão revoltos em outras frentes. Com o desgaste de Paulo Guedes, incluindo as polêmicas que pululam nas redes sociais, talvez o presidente busque outro Posto Ipiranga, repetindo o gesto de Dilma na campanha ao descartar Guido Mantega em seu segundo mandato.

Qualquer que seja o desfecho, é improvável que consiga repetir a fórmula de 2018, com um futuro ministro amealhando o apoio de investidores e empresários. Seu descompromisso com reformas afasta bons nomes.

A bronca no exterior com Bolsonaro tampouco ajuda. Constrangimentos e retaliações ao governo poderão crescer. Não haverá sua foto ao lado de líderes de países com interesses no Brasil.

São muitos pratos a equilibrar. Na falta de malabaristas competentes, cresce o risco fiscal, com terrível legado para o próximo governo. Fica a dúvida: quanto o Centrão vai topar a aventura para apoiar um candidato mais fraco do que supunha, em meio ao escrutínio de investidores?

Fonte:

O Globo

https://oglobo.globo.com/economia/havera-apoio-para-aventuras-25003196


Bernardo Mello Franco: Aposta na morte

No primeiro depoimento à CPI, Luiz Henrique Mandetta resumiu a atitude de Jair Bolsonaro na pandemia. Em vez de se guiar pela ciência, o presidente escolheu o caminho do negacionismo. Sabotou as medidas de distanciamento, receitou remédios milagrosos e tapou os ouvidos para as más notícias.

Mandetta evitou o embate direto, mas reforçou a principal suspeita da oposição. No lugar de combater o vírus, o capitão apostou na tese da imunidade de rebanho. Distribuiu cloroquina e mandou a população voltar às ruas antes da chegada da vacina. Foi uma aposta na morte, que ajuda a explicar as mais de 410 mil vidas perdidas até aqui.

O ex-ministro contou que o chefe tinha um “assessoramento paralelo”. Um dos conselheiros era o vereador Carlos Bolsonaro, suspeito de comandar a máquina de fake news do governo. Ontem o Zero Dois tuitou que o depoente deveria sair preso do Congresso. Se a CPI avançar sobre as milícias digitais, a maldição ainda pode se voltar contra ele.

Mandetta economizou nos adjetivos para Bolsonaro, mas soltou a língua ao criticar Paulo Guedes. Definiu o ex-colega como um personagem “desonesto intelectualmente” e “pequeno para estar onde está”. O ataque amplia o desgaste do ministro da Economia, que vem perdendo sustentação política e agora deverá ser convocado à CPI.

A sessão de ontem também serviu para mostrar o despreparo da tropa governista. Na véspera do depoimento, o ministro Fábio Faria enviou a Mandetta, por engano, uma das perguntas que seriam feitas pelo senador Ciro Nogueira. Ao revelar a gafe, o ex-ministro expôs mais uma trapalhada do Planalto.

Não foi a única do dia. O general Eduardo Pazuello virou piada após apresentar uma desculpa mambembe aos senadores. Ele pediu para adiar seu depoimento porque teve contato com pessoas infectadas pela Covid-19. Há poucos dias, foi flagrado sem máscara num shopping. Desprezou a ameaça do vírus, mas está morrendo de medo da CPI.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/bernardo-mello-franco/post/aposta-na-morte.html

 


Vera Magalhães: CPI não pode ser placebo

Não foi à toa que senadores até respiraram aliviados com o atestado que Eduardo Pazuello apresentou para fugir da raia e não depor hoje. A CPI da Covid, se ouvisse o ministro da Saúde responsável pelo maior número de mortes que tivemos até aqui sem nenhum preparo, como se viu nesta terça-feira, ajudaria a narrativa do governo de que não há crime, omissão nem sequer erro na condução dos protocolos de saúde.

Para que não seja um placebo de açúcar, esta CPI precisa urgentemente entender que, sem um corpo técnico consistente, não irá a lugar algum.

Na CPI dos Correios, a última de fato robusta que tivemos no Congresso, e lá já se vão 11 longos anos, a “batcaverna”, como chamávamos a assessoria técnica que carregava o piano, era a área mais frequentada por jornalistas que publicavam as informações exclusivas resultantes de quebras de sigilos, cruzamentos de saques no famoso Banco Rural etc.

Numa investigação sobre pandemia, os técnicos necessários para que os senadores não paguem mico com perguntas sem pé nem cabeça não são os mesmos de CPIs anteriores. Mais que auditores da Receita ou delegados da Polícia Federal, é preciso que presidente, vice e relator requisitem infectologistas, sanitaristas e especialistas em saúde pública e no funcionamento do SUS para auxiliá-los.

Há também que fazer uma lição de casa mínima. O Tribunal de Contas da União já produziu cinco relatórios de acompanhamento das ações do Ministério da Saúde ao longo da pandemia. O último, que detalhei no meu blog no GLOBO, tem 96 páginas e se detém sobre questões como a ausência de uma campanha de comunicação eficiente da pandemia, a falta de protocolo necessário para o tratamento da Covid-19, a ausência de testagem, a falta de rastreamento de contatos e de previsão orçamentária para fazer frente a gastos importantes no enfrentamento da emergência sanitária.

Os relatórios dizem respeito às gestões dos três ministros da Saúde anteriores a Marcelo Queiroga. Sugerem punições a eles e a subordinados. Portanto, já constataram falhas, omissões e a desobediência em implementar recomendações.

Esses textos deveriam estar na mesa de cada um dos senadores, anotados com canetas marca-texto por seus auxiliares, transformados em requerimentos de informação para a solicitação de documentos (que, aliás, estão enumerados ali) e para a cobrança de providências concretas. Nada disso foi feito até aqui.

Diante da falta absoluta de compreensão dos meandros administrativos de uma pasta complexa e capilarizada como a Saúde, e das atribuições de cada um dos entes federativos, os senadores só conseguem reproduzir a cantilena tosca segundo a qual ou a culpa é toda de Bolsonaro ou toda dos governadores e prefeitos. Assim não se avançará um milímetro, e até o despreparado e incapaz Pazuello, um general que se pela de medo de se sentar num banco de CPI, tem chance de se sair bem.

Mesmo para a oitiva de executivos da Pfizer será necessário que os integrantes da CPI estudem bem mais. É preciso estabelecer a cronologia e a cadeia de comando que levou o governo Bolsonaro a abrir mão de comprar uma vacina que já era promissora quando lhe foi oferecida, pois isso, sim, foi um ato deliberado que levou a mortes e ao atraso na imunização da população brasileira, ambos fatos mensuráveis.

Esse é o caminho para que a CPI não fique só no gogó e produza um relatório capaz de embasar uma denúncia do Ministério Público Federal e uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF). Não por outra razão, os senadores precisam atuar em consonância com o STF, onde há um inquérito em andamento sobre o tema. Uma visita do comando da CPI ao ministro-relator desse inquérito, Ricardo Lewandowski, pode estabelecer um intercâmbio de informações entre as duas instâncias que apuram o assunto.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/cpi-nao-pode-ser-placebo.html


BBC Brasil: Prejuízo de Bolsonaro à imagem do Brasil é, em parte, irreversível, diz Ricupero

Thais Carrança, BBC News Brasil

“O mundo se acostumou, durante décadas, desde o fim do governo militar, a ver que os governos que se sucediam no Brasil podiam ter prioridades distintas, mas todos tinham valores compatíveis. Todos tinham uma fidelidade aos princípios da Constituição, um engajamento em favor do meio ambiente, dos povos indígenas e dos direitos humanos”, explica Ricupero.

“Essa confiabilidade foi perdida, porque, com a experiência Bolsonaro, ainda que ela termine no ano que vem, vai ficar sempre aquela dúvida sobre o futuro do Brasil. Até que ponto o Brasil não vai ter uma recaída nesse tipo de comportamento?”.

Para Ricupero, que comandou a pasta do Meio Ambiente e da Amazônia Legal entre setembro de 1993 e abril de 1994, e esteve à frente do Ministério da Fazenda de março a setembro de 1994, sob o governo Itamar Franco (PMDB), o ultraliberalismo prometido pelo ministro Paulo Guedes nunca chegou a ser colocado em prática.

“Guedes nunca foi capaz de dar um rumo coerente à política econômica. Tanto é assim que, da equipe original dele, restam muito poucos”, diz Ricupero.

“Estamos agora com uma economia que não cresce, e em que a única coisa que cresce são os preços dos alimentos, da gasolina, do diesel, a carestia da vida. Estamos, de novo, com a pior situação econômica que se possa imaginar, que é a combinação de estagnação com inflação”, sentencia o ex-ministro.

Ricupero avalia que a notícia-crime aberta contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, no caso da defesa de madeireiros ilegais da Amazônia não deve ser suficiente para derrubá-lo.

“Os madeireiros ilegais, os mineradores ilegais e os grileiros criminosos constituem uma das bases de apoio do governo Bolsonaro. Então, ao proteger esses criminosos, Salles está, na verdade, solidificando essa base”, afirma.

Ricupero ministra nesta terça-feira (04/05), às 19h, a aula inaugural do curso “História da Diplomacia Brasileira”, que será oferecido pelo Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais). O curso terá desconto de 50% para mulheres, com o objetivo de incentivar a presença feminina no meio diplomático.

“Agora que nos livramos do [ex-ministro das Relações Exteriores] Ernesto Araújo, temos que recuperar nosso patrimônio, que durante dois anos e pouco foi espezinhado e esquecido por essa fase de pesadelo pela qual passou o Itamaraty”, diz Ricupero, quanto à relevância do curso neste momento.

“Como acontece na pandemia, é só quando nos falta o ar que respiramos, que nós valorizamos a capacidade de respirar. A mesma coisa acontece na diplomacia. Agora, estamos valorizando uma coisa que nós perdemos durante pouco mais de dois anos.”

Confira os principais trechos da entrevista.

BBC News Brasil – O senhor disse no passado que há uma contradição inerente entre uma política econômica ultraliberal e uma política externa antiglobalista. Passados mais de dois anos de governo Bolsonaro, é possível dizer que, nesse embate, o liberalismo foi o derrotado?

Rubens Ricupero – A promessa do liberalismo nunca foi aplicada nesse governo. Como nas demais áreas, é um governo sem rumos. Que tem uma inspiração vagamente liberal, mas com desvios muito frequentes.

Vê-se, por exemplo, que houve muito pouca privatização, apesar das promessas repetidas. As reformas que tinham sido anunciadas não saíram do papel. A situação fiscal, contrariamente aos postulados liberais, tem se agravado cada vez mais.

Não se pode dizer que seja uma política econômica efetivamente liberal. É uma política econômica confusa, com sinais contraditórios, e que foi atropelada pela pandemia. No começo da crise, até respondeu razoavelmente, com o auxílio emergencial. Mas depois se perdeu totalmente.

Estamos hoje com uma condição econômica que é a pior de todas, porque o país não cresce – é uma exceção no mundo, onde todas as economias estão se recuperando com um ritmo bastante vigoroso. E, ao mesmo tempo que não cresce, estamos assistindo ao agravamento da inflação. Quer dizer, voltamos à situação de estagflação que tivemos há alguns anos. É esse o resumo que se pode dar da política econômica do governo.

BBC News Brasil – O senhor tem expectativa de alguma mudança de rumo na política externa com a saída de Ernesto Araújo do Ministério das Relações Exteriores?

Ricupero – Houve uma mudança que é bem-vinda, que merece até aplauso. Porque o caso do Ernesto é que ele agravava uma situação que já era difícil. Pelos próprios postulados da política que ele adotou. Uma visão distorcida da realidade do mundo, teorias conspiratórias. Mas, além disso, ele agregava um fator pessoal: era um militante dessa seita mais lunática que nós temos, que são os seguidores do Olavo de Carvalho. Isso tudo, felizmente, acabou. Há uma sensação de alívio.

O Itamaraty, hoje em dia, tem uma atmosfera muito mais positiva do que tinha antes. E o próprio estilo dos documentos, dos pronunciamentos, melhorou bastante.

O que não mudou é a substância dessa política. Porque uma política externa não pode nunca ser dissociada da política interna. A política externa tem maior ou menor êxito, se a política interna estiver indo bem. Os grandes momentos da política externa do Brasil no passado coincidiram com momentos em que o país estava muito bem na economia, na política, no social, no cultural.

Atualmente, mesmo que a política externa tenha mudado um pouco no estilo de discurso, a política geral é muito ruim. Nós continuamos com essa crise. Com o presidente atuando como ele sempre atuou. E, sobretudo, há um aspecto que não se pode esquecer nunca: boa parte da imagem péssima que o Brasil tem no exterior vem das questões ambientais e das questões próximas a essa, como o tratamento aos povos indígenas. Ora, isso não mudou em nada.

Nós continuamos com a mesma política, ou falta de política. A devastação da Amazônia cresce, como vimos no mês de março, que foi o pior mês para o desmatamento nos últimos dez anos, apesar de ser ainda a estação das chuvas na Amazônia.

Então, devido a esses sinais que vêm do meio ambiente, da política indigenista, dos direitos humanos, da deterioração da situação social, é muito difícil que a política externa, deixada a si mesma, possa fazer alguma coisa. Pode pelo menos evitar de agravar o quadro, que era o que acontecia com o Ernesto. Mas, mais do que isso, não vejo possibilidade de acontecer.

BBC News Brasil – É possível reverter o efeito da gestão Bolsonaro sobre a imagem do Brasil no exterior? E há como recuperar nosso soft power?

Ricupero – Neste governo, não. Eu não acredito que isso possa acontecer, porque também não creio que o presidente vá mudar de personalidade, de caráter, de opinião, de grupos apoiadores.

Nada disso vai acontecer. Então, até a eleição, não vejo nenhuma possibilidade de que essa situação melhore. Depois das eleições, isso pode suceder, desde que haja a eleição de um governo mais “normal”, digamos, entre aspas. De um governo que volte a colocar o Brasil nos trilhos. E que seja capaz de adotar políticas diferentes, em meio ambiente, em povos indígenas, em direitos humanos, em igualdade de gênero, e assim por diante.

A partir de uma mudança interna, pode-se fazer um esforço para melhorar a nossa imagem externa. Isso é perfeitamente factível. Mas vai demorar muito. Vai ser um trabalho gigantesco e, eu diria que uma parte do prejuízo é irrecuperável, é irreversível. Essa parte que se devia à continuidade e à confiabilidade do Brasil e da sua política externa.

O mundo se acostumou, durante décadas, desde o fim do governo militar, a ver que os governos que se sucediam no Brasil podiam ter prioridades distintas, mas todos tinham valores compatíveis. Todos tinham uma fidelidade aos princípios da Constituição, um engajamento em favor do meio ambiente, dos povos indígenas e dos direitos humanos.

Essa confiabilidade foi perdida, porque, com a experiência Bolsonaro, ainda que ela termine no ano que vem, vai ficar sempre aquela dúvida sobre o futuro do Brasil. Até que ponto o Brasil não vai ter uma recaída nesse tipo de comportamento que nós assistimos nos últimos anos.

BBC News Brasil – O senhor chegou a prever nos anos anteriores que o Brasil poderia sofrer boicotes e represálias em suas exportações agrícolas, pela forma como Bolsonaro tem gerido a questão ambiental. Isso não só não se concretizou, como o Brasil tem exportado mais commodities agrícolas do que nunca, com a ajuda da desvalorização cambial. A necessidade global de alimentos se sobrepõe à agenda verde que as grandes potências dizem agora ser prioridade?

Ricupero – Em parte sim. O que você diz é verdade, sobretudo em relação à China e aos asiáticos. Porque, de fato, o aumento das exportações brasileiras de soja, de milho, de minério de ferro, se deveu sobretudo à China, não a outros países. Para outros destinos as exportações têm caído.

No caso da China, de fato, é um país que olha mais a sua própria demanda. Mas, mesmo aí, existe uma incerteza em relação ao futuro, porque as grandes empresas importadoras chinesas, as tradings, já anunciaram que vão começar a ter uma política de traçar a origem dos produtos que elas importam. Então, à medida que a China possa diversificar suas fontes de suprimento, haverá alternativas aos fornecedores brasileiros.

Mas as represálias que o Brasil já está sofrendo não são apenas medidas comerciais. As medidas comerciais são o último limite. É aquilo que acontece quando realmente a situação chega a um ponto muito, muito grave.

Mas a verdade é que, devido a essas políticas que o governo Bolsonaro tem seguido, o Brasil hoje já se converteu numa espécie de “pária” do mundo. Isso se vê agora na pandemia.

Há poucos dias, o jornal Washington Post publicou um artigo muito interessante comparando a solidariedade do mundo com a Índia na pandemia, com a falta de resposta em relação ao Brasil. O jornal dizia que é chocante de ver.

Os Estados Unidos estão se mobilizando, aprovaram mais de US$ 100 milhões em ajuda e medicamentos para a Índia. Alemanha, França, Inglaterra estão mandando aviões especiais, recheados de produtos de ajuda. Enquanto isso, em relação ao Brasil, não há nenhum movimento comparável, apesar de o número de mortes no Brasil ser maior do que o da Índia.

Por quê? Porque o Brasil se tornou um país rejeitado pelo mundo. Então, é óbvio que, na hora que o Brasil precisa, não existe da parte do mundo exterior, uma reação de solidariedade. E é por isso que eu diria que o castigo pelo que nós fazemos já é evidente. Não é alguma coisa que virá depois. É algo que já está acontecendo.

BBC News Brasil – O que muda para a política externa e ambiental brasileira com a chegada de Joe Biden ao poder nos Estados Unidos?

Ricupero – Muda o discurso. Vê-se isso já na carta que o presidente Bolsonaro enviou alguns dias antes da Cúpula do Clima, no dia 22 de abril.

Na carta, ele disse coisas que são o contrário do que ele vinha dizendo até então. Fala no compromisso em combater o aquecimento global. Reafirma o compromisso do Brasil do Acordo de Paris, de pôr fim ao desmatamento ilegal na Amazônia até 2030. Esse compromisso tinha sido retirado das promessas brasileiras pelo Ricardo Salles, em dezembro de 2020. O que mudou entre dezembro de 2020 e abril de 2021? A posse do Biden.

Então mudou o discurso e a promessa. Mas não mudaram as políticas, as verbas para combater o desmatamento, o desprestígio do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], as atitudes de impedir que os fiscais do Ibama cumpram o seu dever. Então, são promessas retóricas. Superficiais. Como se dizia antigamente, “para inglês ver”. Só que hoje é “para americano ver”.

BBC News Brasil – E que balanço o senhor faz da Cúpula do Clima?

Ricupero – A cúpula foi muito importante, porque mudou a agenda mundial por completo. Nós perdemos quatro anos no combate ao aquecimento global devido ao governo Trump. Então era preciso um gesto dramático para fazer com que a questão voltasse a ocupar o centro da agenda mundial. Isso foi feito pela Cúpula do Clima.

Ela não tinha o objetivo de produzir resultados negociados. Porque esses resultados terão que ser produzidos no final do ano, no mês de novembro, na reunião de Glasgow, na Escócia, quando haverá a COP-26. O passo seguinte ao Acordo de Paris.

Na reunião de Glasgow é que vamos ter que ir além, porque os compromissos de Paris somados não vão permitir atingir a meta que está no preâmbulo do acordo, que é limitar o aumento da temperatura global a apenas 1,5 grau. Atualmente, pelos compromissos de Paris, vamos ter um aumento de 4 graus. Portanto, é preciso ir muito, muito além.

BBC News Brasil – O senhor acredita que o ministro Ricardo Salles deve novamente sobreviver à crise gerada pela notícia-crime aberta contra ele no caso da defesa de madeireiros ilegais?

Ricupero – Aparentemente sim, porque os madeireiros ilegais, os mineradores ilegais e os grileiros criminosos constituem uma das bases de apoio do governo Bolsonaro. Então, ao proteger esses criminosos, ele está, na verdade, solidificando essa base.

Não vi até agora nenhum sinal de que algo mude. E, ainda que mude, só a mudança do ministro não resolve nada. Se for para trocar o Ricardo Salles por um outro general Pazuello [Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde] ou alguma pessoa parecida, não resolveria.

É preciso mudar o ministro para alguém melhor, mas mudar também a política. Ter o compromisso de querer, de fato, acabar com o desmatamento, com a mineração ilegal, com a grilagem. Voltar a prestigiar os fiscais do Ibama e do Instituto Chico Mendes. Voltar a aprovar um plano como o que a [ex-ministra do Meio Ambiente] Marina Silva aplicou e que permitiu baixar a destruição de mais de 12 mil, pra menos de 4 mil quilômetros quadrados. Esse plano existia, mas foi abandonado. Ele tem que voltar.

Então, é isso que precisaria. E não vejo sinais de que vá acontecer, infelizmente. Não há nada além de promessas vagas, imprecisas, sem nenhum compromisso objetivo.

BBC News Brasil – E como o senhor avalia a gestão de Paulo Guedes à frente da Economia?

Ricupero – É um grande desapontamento. Desde a campanha, ele sempre criou expectativas exageradas, até por causa do estilo pessoal que ele tem.

Ele, por exemplo, dizia, antes de tomar posse, que iria zerar o déficit público brasileiro em um ano. E como é que ele pretendia fazer isso? Ele pretendia privatizar e vender os imóveis do governo federal. Em cada caso, segundo ele, produziria mais de R$ 1 trilhão. Ora, tudo isso eram fantasias. Fantasias de quem nunca tinha passado pelo Ministério da Fazenda.

Quem já passou pelo ministério, como eu, sabe a dificuldade que existe para privatizar uma só companhia. Quanto mais todas. Então, tudo isso se desfez ao contato da realidade.

Ele nunca foi capaz de dar um rumo coerente à política econômica. Tanto assim que, da equipe original dele, restam muito poucos. A maioria daqueles que o acompanharam foram gradualmente deixando o governo. E muitos admitiram que faziam isso porque viram que nada daquela intenção original ia ser transformada em algo de concreto.

O balanço melhor não é o balanço que se faz com palavras, é o balanço dos fatos. E o fato é que nós agora estamos com uma economia que não cresce. Em que a única coisa que cresce são os preços dos alimentos, da gasolina, do diesel, a carestia da vida.

Nós estamos, de novo, com a pior situação econômica que se possa imaginar, que é a combinação de estagnação econômica com inflação.

BBC News Brasil – A pandemia deve resultar num retrocesso histórico na desigualdade e nos avanços conquistados por mulheres e pela população negra nas últimas décadas. O que precisará ser feito para se reverter esses retrocessos nos próximos anos?

Ricupero – Será necessário um esforço gigantesco. Porque o retrocesso não é só nessas áreas que você mencionou e que são de fato uma realidade. Há um retrocesso em algo mais surpreendente: na expectativa de vida. É a primeira vez em mais de 100 anos que a expectativa de vida no Brasil vai recuar dois anos praticamente.

A mortalidade tem sido gigantesca e, em alguns casos, a perda é irrecuperável. Por exemplo, nas tribos indígenas, boa parte da cultura tradicional, das tradições, e até do conhecimento da língua, está concentrado nos mais idosos, que são os que estão desaparecendo muito rapidamente.

É claro que uma parte dessas mortes teria sido inevitável, mas uma quantidade gigantesca de pessoas que adoeceram e morreram poderiam ter sido poupadas, se desde o início tivéssemos seguido os caminhos corretos de combate à pandemia.

Se tivesse existido uma coordenação de políticas do governo central, com Estados e municípios. Tivesse se adotado confinamento no momento certo e com o nível de rigor necessário. Se tivesse aumentado o número de testes e, uma vez comprovadas as pessoas infectadas, se tivesse feito o acompanhamento para evitar que essas pessoas infectassem outras. Se tivéssemos adotado no momento certo a decisão de comprar vacinas, quando a Pfizer, por exemplo, nos ofertou 70 milhões de doses.

Se tudo isso tivesse sido feito, o número de mortes seria muito menor. Infelizmente, perdeu-se essas oportunidades. E agora, no futuro, um novo governo terá que redobrar os esforços durante anos, para que possamos recuperar o nível em que estávamos e que perdemos. Eu não sei quantos anos vai demorar. Mas, seguramente, não serão poucos.

BBC News Brasil – Muitos economistas liberais têm defendido a necessidade de o liberalismo contemplar a questão social e ter a desigualdade como foco, para que a agenda liberal possa ganhar maior adesão na sociedade. Alguns, como Armínio Fraga, têm inclusive defendido políticas como uma renda básica para pelo menos metade da população brasileira. Como o senhor vê esse redesenho do liberalismo nacional?

Ricupero – É bem-vindo. Mostra que o liberalismo, se bem entendido, não é de forma nenhuma excludente de uma consciência social aguda.

E acho que esses economistas têm razão de que é necessário sintetizar os inúmeros programas que nós temos. Porque, para poder ter um programa como o Armínio aconselha, de renda básica, é preciso examinar bem os diferentes programas sociais que o Brasil tem – e são muitos – e avaliar quais os mais exitosos, que atingem mais a população alvo, como é o caso do Bolsa Família.

Outros programas que não são tão eficazes devem ser descontinuados, para poder concentrar os recursos e ter um programa que seja de fato coerente e bem desenhado. Que procure cobrir toda a população carente, de maneira satisfatória, mas acabando com os desperdícios, acabando com os paralelismos de vários programas que às vezes desperdiçam recurso.

Portanto, precisa de muita racionalidade. Não se vê hoje no governo capacidade de fazer isso.

E não é difícil. Olhando para o Biden, nos Estados Unidos, por exemplo, temos um bom modelo. Os americanos estão focando muito claramente nas crianças pobres, porque um dos aspectos mais graves dos problemas sociais, que tende a perpetuar a miséria, é a miséria da infância.

Então, há muitos modelos que poderiam ser adotados no Brasil. Mas é preciso convocar pessoas capazes de desenhar esses programas, para concentrar os recursos naquilo que realmente vai ter frutos imediatos.

Que é mirar nas crianças pobres, nas famílias com crianças, nas famílias que passam fome. Em todos aqueles que constituem essa gigantesca parte da população carente, que não têm um emprego regular e que sobrevivem, sabe lá Deus como, através de bicos, da economia informal, sem carteira assinada, sem direitos, sem garantia de aposentadoria, sem nada.

É isso que nós temos que fazer. Uma racionalização da política social.

BBC News Brasil – Por fim, o senhor participou no ano passado de um movimento de ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central pressionando por uma retomada verde da economia no pós-pandemia. Vimos movimentos semelhantes de ex-ministros da Saúde, do Meio Ambiente e da Educação de governos diversos, unidos contra as políticas da atual gestão. O senhor acredita que esses movimentos serão suficientes para criar um projeto alternativo ao bolsonarismo em 2022?

Ricupero – Suficientes, creio que não. Mas são necessários. São passos em direção a esse objetivo.

Isso começou, na verdade, com os ex-ministros de Meio Ambiente. O nosso grupo foi criado ainda na época da discussão do Código Florestal, no governo Dilma Rousseff [PT]. Os outros movimentos se inspiraram no nosso, inclusive esse a que eu também pertenço, de ex-ministros da Fazenda.

O que isso indica? Indica que a totalidade das pessoas que passaram pelo setor público no Brasil reprova a linha atual.

E reprova por quê? Porque esse governo é o primeiro que rompe com toda a continuidade que nós tínhamos, desde que começou a Nova República, com o final da ditadura militar, em 1985.

Desde então, todos os governos que se sucederam – uns com mais êxito, outros com menos – tinham a mesma visão, o mesmo projeto de Brasil, que é o da Constituição. Não precisa outro. A Constituição tem o projeto de Brasil que nós queremos. É preciso dar cumprimento a ela.

Esse governo se divorciou desta linha de continuidade. E inaugurou uma linha que é contrária ao espírito e, às vezes, à própria letra da Constituição.

Então nós temos que restabelecer aquele rumo claro constitucional, através de eleições que produzam um governo capaz de dar ao Brasil uma visão coerente, articulada, racional do seu futuro. E que consiga promover uma melhoria da vida das pessoas, para que elas se engajem nesse projeto. Mas isso vai depender das eleições. Enquanto elas não chegarem, nós infelizmente vamos ter que continuar a multiplicar essas tomadas de posição.

Fonte:


Everardo Maciel: Reforma tributária – Propostas subestimam impactos da tributação sobre preços

Não há nenhuma dúvida quanto à necessidade de reforma tributária, no Brasil, por várias razões, como a natureza intrinsecamente imperfeita de todos os sistemas tributários, as mudanças, cada vez mais rápidas e relevantes, nas circunstâncias econômicas e sociais, as controvérsias conceituais em razão de instabilidades na interpretação administrativa e na jurisprudência, a voracidade da burocracia tributária, etc.

Essa necessidade, todavia, não é exclusiva do Brasil. Alcança todos os países, não necessariamente ao mesmo tempo, nem com a mesma agenda de questões a solucionar.

Propostas de reforma tributária devem, precipuamente, delimitar seu objeto e eleger a forma de execução, dispensando chavões, dogmatismos, ilações insubsistentes, pretensões de recepcionar acriticamente experiências estrangeiras, estudos e pareceres encomendados por interesses privados. Além disso, devem ser precedidas de estudos, que exponham de forma clara os problemas que pretende enfrentar, as possíveis soluções e suas repercussões, a serem submetidas a debate aberto e transparente.

É como se fez no Brasil, em 1953, quando da elaboração do anteprojeto do Código Tributário Nacional.

Instituiu-se então uma comissão presidida pelo próprio ministro da FazendaOsvaldo Aranha, e integrada por qualificados tributaristas e servidores públicos, tendo como relator Rubens Gomes de Souza.

Durante nove meses, a Comissão fez inúmeras reuniões, produziu relatórios levados ao conhecimento público, examinou mais de mil sugestões, daí resultando um projeto de lei encaminhado para apreciação e aprovação pelo Congresso Nacional.

De igual modo, em 1965, foi constituída uma comissão para elaborar o anteprojeto de reforma da discriminação constitucional de rendas, presidida por Simões Lopes, presidente da Fundação Getúlio Vargas, e integrada por Rubens Gomes de Sousa, na condição de relator, e, entre outros, por Gerson Augusto da Silva, Gilberto de Ulhôa Canto e Mário Henrique Simonsen.

Essa Comissão, tomando por base estudos que remontam a 1963, elaborou o anteprojeto da Emenda Constitucional n.º 18, de 1965, que foi certamente a melhor reforma da tributação do consumo no Brasil.

Fica patente, em ambos os casos, que os projetos foram concebidos por especialistas, porém com efetiva participação do Estado, em nome da preservação do interesse público e da imparcialidade.

Espanha, em abril passado, adotou providência análoga, ao instituir comissão, integrada por tributaristas, economistas e servidores da Fazenda Pública, para analisar o sistema tributário espanhol e, até fevereiro de 2022, propor medidas visando a torná-lo mais eficiente no plano arrecadatório e mais eficaz no combate à pobreza, e, por fim, ajustá-lo ao contexto do século 21, especialmente no que concerne à atenção com a sustentabilidade e a economia digital.

Fatos recentes atestam que iniciativas tributárias movidas por mero voluntarismo, mesmo que lastreadas em teses razoáveis, podem resultar em custosas frustrações, em virtude da reação dos contribuintes.

Na França, em 2018, a elevação dos tributos incidentes sobre os combustíveis de origem fóssil gerou o movimento dos coletes amarelos (gilets jaunes, em francês), que promoveu uma trágica rebelião popular, com pessoas mortas, feridas e detidas, além de barricadas, saques e danos à propriedade pública.

No início desta semana, o governo colombiano se viu obrigado a retirar proposta de reforma tributária que, entre outras medidas, previa tributar, com uma alíquota uniforme de 19%, bens e serviços consumidos pela classe média e pelos pobres. A proposta provocou uma revolta, com 19 mortos e 700 feridos.

Esses fatos constituem um alerta para propostas de reforma tributária, no Brasil, que subestimam reações aos impactos da tributação sobre os preços, especialmente em tempos de pandemia.

Os contribuintes, dizia Maurício de Nassau em seu testamento político, são como carneiros, que se, entretanto, tosquiados até a dor se convertem em terríveis alimárias.

*Consultor Tributário, foi Secretário da Receita Federal (1995-2002)

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,propostas-de-reforma-tributaria-subestimam-reacoes-aos-impactos-da-tributacao-sobre-precos,70003705502


El País: Cancelamento do Censo 2021 é descaso do Governo e também do Congresso

DEBORA GERSHON | JOÃO FERES JÚNIOR | LEONARDO MARTINS BARBOSA

Os conflitos entre o Executivo e o Legislativo em torno do orçamento de 2021 foram por ora encerrados, mas com diversos resultados preocupantes. O orçamento foi sancionado com vetos que resultaram em cortes expressivos de recursos para políticas e programas, afetando alguns ministérios mais do que outros, a exemplo da Saúde e da Educação. Dentre as despesas cortadas no orçamento estavam aquelas destinadas à realização do Censo Demográfico em 2021.

Durante a tramitação do orçamento, o Congresso já havia reduzido o montante destinado ao Censo, inviabilizando praticamente a sua realização, não sem aviso prévio por parte da instituição responsável —o IBGE. Os vetos do Governo colocam ponto final em uma crise que se arrasta desde o final do último ano, quando o IBGE começou a manifestar preocupação com o cancelamento da pesquisa, explicitando os riscos a ele associados, como por exemplo a falta de dados atualizados para o planejamento de políticas públicas em todos os níveis da federação. Na última semana, o Ministério da Economia anunciou o adiamento da pesquisa. Contudo, no dia 28 de abril, pedido de liminar protocolado pelo governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), foi acolhido no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo ministro Marco Aurélio de Mello, revertendo a decisão da pasta e determinando que o Governo adote medidas que garantam a execução do Censo.

A decisão do ministro teve como justificativa o descumprimento, por parte do poder executivo, do dever específico, previsto na Constituição, de organizar e manter os serviços oficiais de estatística e geografia de alcance nacional (art. 21, inciso XV da CF). Tais serviços permitem à administração pública, por meio da identificação do perfil socioeconômico e demográfico da população em todo o país, formular e avaliar políticas públicas. Ademais, a interrupção da série histórica de pesquisas do Censo redunda em enorme prejuízo para a pesquisa científica em várias áreas do conhecimento, e particularmente naquelas que servem de base para o planejamento de políticas públicas, tais como demografia, geografia, sociologia, ciência política, educação, saúde pública, epidemiologia etc. No atual contexto da pandemia da covid-19, quando a gestão pública se faz ainda mais necessária, o cancelamento do Censo será desastroso.

Para além da importância dos dados censitários para a gestão pública e para a pesquisa científica, temos que levar em consideração sua importância para a gestão do federalismo. O número de habitantes de Estados, cidades e regiões é indicador utilizado para a transferência de recursos da União. Ele é também fundamental na determinação da quantidade de cadeiras das câmaras legislativas nos âmbitos nacional, estadual e municipal.

Para que se tenha ideia dos efeitos do Censo sobre a distribuição de poder em sistemas democráticos, basta observar o que ocorreu recentemente nos EUA, que têm regra semelhante à nossa para repartição de assentos legislativos por unidades federativas. Nos últimos dias, foram divulgados os dados do último censo populacional do país. Como resultado da pesquisa, seis estados ganharão novas vagas no Congresso e no colégio eleitoral, no próximo ano, dentre eles Texas, Flórida e Carolina do Norte, enquanto outros sete perderão, entre eles Nova York e Califórnia.

No Brasil, se derrubada a liminar do ministro, será a segunda vez que o Governo Bolsonaro tomará a decisão de adiar o Censo. Em 2020, a pandemia foi dada como razão. O cenário era incerto e o IBGE não tinha se preparado para adotar medidas de segurança para recenseadores e entrevistados, bem como para combinar pesquisas domiciliares com coleta de dados não presencial. Os recursos foram realocados para o combate à covid-19. Em 2021, não é esse o caso. A despeito dos avanços em termos de capacidade institucional do IBGE para execução da pesquisa em condições adversas, como as enfrentadas atualmente, o Congresso e o Governo a retiraram do orçamento.

Apesar do mérito da liminar, ao longo dos últimos dois anos ações desse tipo têm submetido o STF a críticas contundentes na Câmara e no Senado. Desta vez, todavia, não houve repercussão contrária a uma suposta interferência do Judiciário em assuntos que, supostamente, deveriam ser decididos por atores políticos com mandato popular. Dentro do Governo, a estratégia é de transferência da responsabilidade para o Legislativo, embora o Executivo tenha papel absolutamente proeminente na discussão orçamentária. No Legislativo, pesa o fato de que as negociações em torno dos cortes no orçamento não trataram o Censo, em momento algum, como um bem a ser preservado. O silêncio na tribuna é absoluto, mesmo após a deflagração do conflito entre o Executivo e o Judiciário em torno do assunto.

A fim de melhor avaliarmos o papel que o Legislativo federal teve no debate sobre o tema, fizemos uma busca em todos os discursos feitos na Câmara dos Deputados, de 1º a 30 de abril, que contivessem a palavra-chave “Censo”. A palavra foi mencionada em apenas dois discursos —dos deputados Daniel Almeida (PCdoB-BA), aliado de Dino, e Professor Israel Batista (PV-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista de Educação— dos 1.400 discursos proferidos ao longo de todo o período e coletados por nossa equipe. Ambos os discursos ocorreram no dia 28 de abril, logo após a decisão liminar de Marco Aurélio de Mello. O único parlamentar que se antecipou à decisão do ministro foi o senador gaúcho Paulo Paim (PT-RS). Ainda no dia 14 de abril, Paim criticou o Governo federal por realizar cortes no orçamento do Censo e em outras atividades governamentais durante a pandemia. O dado é alarmante, pois a maior parte dos parlamentares mais próximos das pautas da educação superior, ciência e tecnologia, e que, portanto, seriam potencialmente mais sensíveis ao tema, não se dignou a proferir palavra sobre o assunto. Em outras palavras, poder executivo e Câmara dos Deputados estão irmanados no descaso em relação ao Censo.

Mesmo do ponto de vista mais estrito da política eleitoral, a falta de empenho das forças de oposição nesta matéria é bastante surpreendente. Se o Censo ocorrer ainda em 2021, os dados vão começar a sair em 2022. Esses dados vão provavelmente revelar a população brasileira em situação de grave penúria socioeconômica e certamente serão um prato cheio para a oposição a Bolsonaro na campanha. Ao silenciar sobre o cancelamento do Censo, a oposição abre mão de um instrumento importante para qualificar o debate eleitoral no ano que vem.

A matéria ainda não está resolvida definitivamente. O Governo tem até 30 dias para responder à decisão de Marco Aurélio. Enquanto isso, o início da apreciação da decisão monocrática (individual) do ministro já foi marcada para 7 de maio pelo pleno virtual do STF. Há um clima de incerteza acerca da tendência do tribunal nesse julgamento, inclusive com comentaristas especializados apostando na reversão da decisão. Por fim, é possível que já não haja tempo suficiente para planejar esse grande levantamento estatístico de todo país para este ano. O desserviço à população e à administração pública já são imensos, mas pode piorar ainda mais se o Censo for de fato cancelado.

*Debora Gershon é cientista política. Doutora (IESP/UERJ) e mestre em Ciência Política (IUPERJ), com pós doutorado pela University of California, San Diego (UCSD) e pesquisadora do Observatório Legislativo Brasileiro (OLB).

*João Feres Júnior é cientista político. Professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ), doutor em Ciência Política pela City University of New York, Graduate Center, coordenador do Observatório Legislativo Brasileiro (OLB) e do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA).

*Leonardo Martins Barbosa é cientista político. Doutor em Ciência Política pelo IESP/UERJ. É pesquisador do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) e do Núcleo de Estudos sobre o Congresso (NECON) tendo ampla experiência em análise de cenários políticos, com foco em comportamento partidário e arena legislativa.

 

Fonte:
El País

https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-05-04/cancelamento-do-censo-2021-e-descaso-do-governo-e-tambem-do-congresso.html


O Estado de S. Paulo: Nas redes, economia afeta confiança em Bolsonaro, diz pesquisa

Vinícius Valfré, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – A confiança que usuários de redes sociais depositam no presidente Jair Bolsonaro tem registrado queda acentuada desde novembro. Apesar das contestações na forma como o presidente conduz o combate à pandemia no País, o declínio é influenciado pelo contexto econômico de fim do auxílio emergencial somado à alta da inflação.

O diagnóstico está em monitoramento feito pela AP Exata e obtido pelo Estadão. A consultoria coleta publicações nas redes que mencionam Bolsonaro desde o primeiro dia do governo e, com algoritmos e inteligência artificial, classifica as mensagens como expressões de sentimentos específicos.

O tombo nas manifestações de confiança não é influenciado pela gestão da crise sanitária porque, de acordo com o estudo, esta frustração se manifestou na oscilação de postagens que expressam medo e tristeza. Além disso, a confiança começou a oscilar negativamente em setembro, quando a alta dos preços começou a se tornar mais visível.

Naquele mês, a variação mensal da inflação havia saltado de 0,24% para 0,64%. A sequência de subidas seguiu até dezembro, com o pico de 1,35%.

Até agosto passado, as publicações em redes sociais que manifestaram confiança em Bolsonaro eram cerca de 24%. A partir de setembro, o índice desenvolvido pela AP Exata começou a registrar queda. Em novembro, ficou em 20%. Em dezembro, quando foram pagas as últimas parcelas do auxílio emergencial de R$ 300, foi a 16%.

Dados foram coletados entre 1º de janeiro de 2019 e 30 de abril de 2021 Foto: AP Exata

Nos meses seguintes, as menções a Bolsonaro que expressavam confiança continuaram baixando. Agora, o índice está em 14%. Por outro lado, postagens que expressavam medo e tristeza saltaram de 16% e 14%, respectivamente, para a casa dos 18%.

“A percepção da inflação começou no fim do ano e isso deu início ao processo de perda de confiança, que se acentuou a partir de dezembro com o fim do auxílio emergencial quando tínhamos um quadro de recessão. É um cenário explosivo para a popularidade de qualquer governo”, analisou Sérgio Denicoli, diretor da AP Exata.

Nesse cenário, a atuação do ministro Paulo Guedes atrapalhou a percepção das pessoas. “As previsões de Guedes hoje são tidas como folclóricas nas redes e as idas e vindas do presidente tiraram dele credibilidade. O desafio do governo é recuperar a confiança do eleitor”, ponderou Denicoli.

Antes mesmo de mergulhar nas polêmicas sobre o “vírus chinês” e sobre bolsa em universidades para “filho do porteiro”, o “Posto Ipiranga” de Bolsonaro vem sendo criticado por frustrar a promessa liberal que prometera quando assumiu o ministério. Estão em aberto grandes compromissos, como o de obter R$ 1 trilhão com privatizações e zerar o rombo do Orçamento.

Procurado, o Palácio do Planalto disse que não vai se manifestar sobre o levantamento.

Metodologia

A pesquisa da AP Exata contempla publicações geolocalizadas, feitas nas principais redes sociais, com menções ao presidente Jair Bolsonaro. Os dados foram coletados entre 1º de janeiro de 2019 e 30 de abril de 2021, a partir de usuários localizados em 145 cidades de todos os Estados.

A consultoria usa um amplo acervo de palavras que podem expressar emoções. A partir daí, usa inteligência artificial para fazer a chamada análise de sentimentos nas publicações feitas por internautas.

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,nas-redes-economia-afeta-confianca-em-bolsonaro-diz-pesquisa,70003704227


Folha de S. Paulo: Câmara aprova projeto que revoga a Lei de Segurança Nacional

Daniele Brandt, Folha de S. Paulo

A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (4) o projeto que revoga a Lei de Segurança Nacional e prevê punição para quem atentar contra o Estado democrático de Direito.

Após aprovação do texto-base em votação simbólica, os deputados rejeitaram sugestões de modificação ao projeto, que, agora, será submetido ao Senado.

A proposta aprovada prevê até cinco anos de prisão para quem contratar empresas para disseminar notícias falsas que possam comprometer o processo eleitoral no país.

Texto substitutivo da relatora Margarete Coelho (PP-PI), o projeto revoga a LSN, resquício da ditadura militar (1964-1985), que vem sendo usada com mais frequência nos últimos anos.

Reportagem publicada pela Folha mostrou que a Polícia Federal disse ter aberto 77 inquéritos com base na lei em 2019 e 2020, número que supera o registrado nos quatro anos anteriores, quando a corporação diz ter instaurado 44 inquéritos.

O ex-ministro da Justiça André Mendonça, hoje chefe da AGU (Advocacia-Geral da União), pediu que a PF investigasse jornalistas e opositores do governo Jair Bolsonaro, como o youtuber Felipe Neto.

Já o STF (Supremo Tribunal Federal) usou a mesma LSN para prender o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) e organizadores de manifestações antidemocráticas.

A discussão sobre a revogação da LSN foi retomada no início de abril pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Com a votação, o Congresso tenta se antecipar à análise da legislação pelo Supremo.

O substitutivo de Margarete tomou como base projeto apresentado em 2002 por Miguel Reale Júnior, então ministro da Justiça do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1995-2002).

O texto insere um título dentro do Código Penal. A relatora retirou dispositivos relacionados a terrorismo, associação discriminatória e discriminação racial, que já possuem leis próprias. Também excluiu conspiração e crimes de atentado à autoridade.

Por outro lado, ela incluiu um capítulo sobre crimes contra o funcionamento das instituições democráticas no processo eleitoral. Um dos artigos inseridos pela deputada criminaliza a comunicação enganosa em massa.

O ato é descrito como “promover, ofertar, constituir, financiar, ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos capazes de colocar em risco a higidez do processo eleitoral, ou o livre exercício dos poderes constitucionais”.

Ou seja, pune quem contratar empresa que divulgar notícia que sabe ser falsa. A pena prevista é de reclusão de um a cinco anos e multa.

Outro dispositivo inserido trata da interrupção do processo eleitoral, como no caso de ataque hacker ao sistema da Justiça Eleitoral. A punição prevista é de três a seis anos de reclusão e multa.

Além disso, a relatora incluiu o crime de violência política, que seria “restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual, ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.”

A pena prevista é de de três a seis anos de reclusão e multa, além da pena correspondente à violência.

Margarete incluiu dispositivo que afirma não ser crime a manifestação crítica aos Poderes constituídos, nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, reuniões, greves, aglomerações ou qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais.

Essa era uma preocupação da oposição, que temia ter o direito de protestar tolhido.

O projeto também criminaliza a incitação à animosidade entre as Forças Armadas ou entre elas e Poderes legitimamente constituídos, as instituições civis ou a sociedade.

Além disso, Margarete acrescentou um dispositivo sobre abolição violenta do Estado democrático de Direito, que seria a tentativa, com emprego de violência ou grave ameaça, de abolir o Estado de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos Poderes constitucionais.

É o que buscaram, por exemplo, apoiadores do então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, com a invasão do prédio do Capitólio, em janeiro. A pena prevista é de quatro a oito anos de reclusão, além da pena correspondente à violência.

A relatora estipulou ainda aumento das penas se o crime for cometido por funcionário público, que perderia o cargo ou função pública, ou por militar.

Na discussão do projeto, bolsonaristas criticaram a votação e disseram que o debate havia sido açodado. “É uma lei que deve ser estudada, é fato, mas da forma açodada que essa lei vem para este plenário, nós não podemos aceitar”, disse Carlos Jordy (PSL-RJ).

“Se o objetivo da nova Lei de Segurança Nacional, ou Lei do Estado democrático de Direito, um termo que foi expressamente prostituído para poder alegar todo tipo de questões que estejam violando a própria democracia. Se é para torná-la melhor, ela deveria estar sendo melhorada, aprimorada. Da forma como está, traz consigo diversos dispositivos ruins da antiga Lei de Segurança Nacional e também traz questões muito piores para a nova legislação.”

Já a oposição defendeu a revogação da lei.

“Temos que acabar com a Lei de Segurança Nacional, aquilo que ainda vem da época sombria da nossa história que este país viveu, infelizmente, da ditadura, que alguns ensaiam, estimulam condutas para que volte e defendem como se aquilo fosse o melhor dos mundos, como se aquele período fosse democrático, não tivesse sido violento”, afirmou o deputado Alencar Santana (PT-SP) .

“Com base nessa lei, muitas pessoas foram punidas, injustamente. Eu acho que esse novo marco que nós podemos aprovar hoje é condizente com o Estado democrático que nós defendemos. O Judiciário vai ter melhores parâmetros para poder agir quando provocado. Não é justo que legislações como essas ainda sejam utilizadas”, acrescentou Santana.​

A votação dos destaques expôs um racha na esquerda. O PSOL considerou o texto aberto. “Sabemos bem, como esses tipos penais abertos, e aí eu quero me permitir divergir dos meus colegas da oposição, podem levar à criminalização, sim, de movimentos sociais”, afirmou a líder do partido na Câmara, Talíria Petrone (RJ).

“Sabemos o quão seletivo é o estado penal, que cada vez mais é reforçado por esta Casa e cada vez mais é utilizado para perseguir os mesmos corpos de sempre.”

O deputado Orlando Silva (PC do B-SP) divergiu e negou que a lei fosse ser instrumento para perseguir o movimento social.

“Não seríamos nós que iríamos escrever uma lei que perseguisse os movimentos sociais. Sem autorização, quero dizer que o PT também não o faria, o PSB também não o faria, o PDT, a Rede e tantos outros partidos, só para falar do nosso campo citei alguns deles, nós nunca iríamos subscrever uma lei que perseguisse movimentos sociais”, disse.

Silva disse que entendia a dificuldade de o PSOL explicar por que votou com o governo e o PSL, “mas o argumento não pode ser que a lei pode ser instrumento para perseguir movimento social”.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/05/camara-aprova-texto-base-de-projeto-que-revoga-a-lei-de-seguranca-nacional.shtml


Vinicius Torres Freire: Reforma tributária mexe no bolso, mas pode morrer na praia poluída de Bolsonaro

Em uma reforma tributária que preste, alguns tipos de empresas vão pagar mais imposto, outras menos, assim como os consumidores de bens e serviços afetados. O objetivo é uniformizar o quanto possível o custo dos tributos. A uniformização de carga tributária por setor ou empresa e a simplificação de normas será tanto maior se incluir impostos centrais para estados (ICMS) e municípios (ISS). Quanto menos uniformizar e simplificar, menos a reforma vai prestar.

As contas dessas perdas e ganhos nem foram detalhadas, embora se estime que serviços como saúde, educação, telecomunicações e serviços profissionais (como advocacia e consultorias, a depender do regime: se não estão no Simples) devam pagar mais, seja na mudança parcial proposta pelo governo seja na mudança geral que vinha sendo analisada pela Comissão Mista do Congresso.

Com dinheiro na mesa, a discussão engrossa. Se houver rolo político anterior mesmo ao debate de quem paga a conta e quanto, o caldo engrossa e entorna. Voltou a entornar nas últimas três semanas e nesta terça-feira (4) escorreu pelo chão.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-SE), que entre outras coisas quer ser o líder-mor do governo no Parlamento, por ora deu fim à Comissão Mista que unificava projetos (de Câmara e Senado) de uma reforma ampla, geral, que trata de todos os impostos relevantes e inclui estados e municípios na mudança. Lira quer tocar a reforma de Paulo Guedes ou do governo, embora Jair Bolsonaro não tenha ideia do que se trata e tende a fazer alguma besteira assim que começar a ouvir queixas de setores afetados. Ainda mais se for relembrado de que, no fim do caminho da reforma de Guedes tem uma espécie de CPMF.

Em tese, o “imposto sobre transações” de Guedes, jamais explicado, serviria para reduzir impostos sobre a folha salarial de empresas, carga que seria redistribuída pela sociedade, em particular, diz gente do governo, sobre setores novos ou que pagam pouco de imposto. Na proposta original do governo, “fatiada”, também tem pedaços de reforma do IR da pessoa física, com redução geral de alíquota e fim de isenções para saúde e educação —justo, mas rolo na certa.

aversão a alguma CPMF pode acabar com a reforma do governo que não trata de PIS/Cofins. O assunto, então, estaria morto até 2023, pelo menos.

Lira deu seu tiro na reforma geral quando o parecer sobre a emenda constitucional, aliás bem razoável, era lido pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).

Guedes não quer a reforma geral. Quer aprovar a mudança e simplificação do PIS/Cofins, que vem de Michel Temer.

Embora ainda dê rolo (quem paga a conta), é de fato mais simples fazer essa mudança (em termos técnicos e legislativos). Tem também a vantagem de, talvez, mudar um pouco de assunto na política, dominado pela CPI da Covid. A cortina de fumaça deve ser furada, mas o governismo atropelado pela CPI não tem alternativa. Nem mesmo a ameaça dos comícios golpistas bolsonarianos do final de semana recebeu atenção.

Uniformizar impostos é necessário para que se tenha uma economia de mercado funcional. Impostos definem custos e, pois, podem distorcer investimentos. Trocando em miúdos bem simples e grossos, um investimento pode ser decidido não porque é rentável (com uso eficiente do capital), mas porque recebe algum favor (redução de impostos).

Jogar fora as emendas constitucionais da reforma tributária é desperdiçar um trabalho de anos. Mas tal reforma exige acordos sociais, econômicos e políticos complexos. Logo, não parece coisa de governo Bolsonaro.

Fonte:
Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2021/05/reforma-tributaria-mexe-no-bolso-mas-pode-morrer-na-praia-poluida-de-bolsonaro.shtml