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El País: Morte de Paulo Gustavo catalisa ódio contra Governo Bolsonaro por má gestão da pandemia

Joana Oliveira, El País

“Paulo Gustavo não morreu de covid-19. Paulo Gustavo morreu de Brasil.” Essa é uma das milhares de mensagens que têm circulado nas redes sociais desde a noite de terça-feira, quando o país recebeu a notícia do falecimento do humorista de 42 anos, que deixou o marido, Thales Bretas, e dois filhos de um ano e nove meses. Ele estava internado em um hospital do Rio de Janeiro para se tratar da doença desde 13 de março e tornou-se uma das mais de 411.000 vítimas fatais da pandemia no país, mortas por “uma doença para a qual já existe vacina”, como não deixaram de lembrar os fãs do artista. A morte de Paulo Gustavo, um ator e humorista de personagens icônicos, como Dona Hermínia, que fazia rir e era apreciado nos mais diversos lados do espectro político, catalisou a dor coletiva e o ódio pela perda de quase meio milhão de brasileiros. A avaliação mais frequente é que ao menos parte das mortes seriam evitáveis caso o Governo Federal, sob comando de Jair Bolsonaro, tivesse adotado as medidas necessárias na gestão da pandemia, como a compra em massa de vacinas já no ano passado.

O humorista querido pelo país faleceu no mesmo dia em que o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta deu testemunho da política negacionista de Bolsonaro durante a maior crise sanitária dos últimos 100 anos em depoimento de estreia da CPI da covid-19. A CPI já levantou que o Governo brasileiro recusou pelo menos 11 ofertas formais de fornecimento de vacinas contra essa doença —levando em conta os episódios em que há provas documentais da omissão governamental. Nesses casos, o Ministério da Saúde simplesmente ignorou as ofertas, sem dar resposta aos fornecedores. Nesse pacote estão, por exemplo, 70 milhões de doses do imunizante da Pfizer que poderiam ter sido compradas entre agosto e setembro do ano passado.

“Hipócrita”, “verme”, “canalha”, “maldito”, “desgraçado”, “genocida”, “assassino”. Esses foram alguns dos termos usados por famosos, políticos da oposição e anônimos para responder ao presidente após ele publicar nas redes sociais uma mensagem de condolência pela morte de Paulo Gustavo. “Meus votos de pesar pelo passamento do ator e diretor Paulo Gustavo, que com seu talento e carisma conquistou o carinho de todo Brasil. Que Deus o receba com alegria e conforte o coração de seus familiares e amigos, bem como de todos aqueles vitimados nessa luta contra a covid”, escreveu Bolsonaro.

Em meio aos adjetivos nada elogiosos, surgiam comentários que lembravam muitas das vezes em que o presidente minimizou a gravidade da pandemia, a demora para firmar acordos para a compra de vacinas, as aglomerações que ele promoveu e das quais participou, sua recusa em usar máscaras, a falta de adoção de medidas restritivas e de promoção do distanciamento social, a propaganda da cloroquina como tratamento precoce contra covid-19, mesmo sem eficácia cientificamente comprovada, e uma longa lista de discursos e ações. Na CPI que investiga a gestão da pandemia, Mandetta disse ter a impressão de que o Governo Bolsonaro apostava na teoria da imunidade de rebanho ―que supõe a proteção de uma comunidade quando um percentual da população já tem anticorpos― para superar a pandemia.

O escritor Paulo Coelho, mundialmente reconhecido, foi um dos que, sem citar nomes, responsabilizou diretamente o presidente e seu Governo pela morte de Paulo Gustavo. “Assassinos de Paulo Gustavo: quem dizia ‘é só uma gripezinha’; ‘não passa de 200 mortes’; ‘cloroquina resolve’; ‘gente morre todo dia’; ‘lockdown destrói o país’; ‘máscara nos faz respirar ar viciado’; ‘eu obedeço o comandante’. E por aí vai. Canalhas da pior espécie”, publicou em uma rede social.

Nesta quarta-feira, a jornalista e apresentadora Fátima Bernardes deu voz em seu programa matinal Encontro com Fátima (Rede Globo) à raiva que acompanha a tristeza pela morte do humorista, uma morte que reaviva a dor da perda das outras mais de 400.000 pessoas. “Hoje é um dia de luto pelo Paulo Gustavo, mas também por todos os outros que se foram por conta dessa doença terrível que é a covid-19. E pela forma como essa pandemia vem sendo administrada, infelizmente, aqui no nosso país. Dói muito saber que muitas pessoas, muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas. Cadê a vacina, o respeito ao distanciamento, ao uso de máscara? Cadê uma campanha forte e firme de alerta e informação da população?”, questionou ela. “Nós não estamos só tristes, estamos indignados, nós estamos revoltados. É muito ruim quanto a tristeza e a indignação se misturam à raiva”, acrescentou.

Enquanto a CPI avança no Senado, onde o Governo enfrenta as pressões da oposição, a frustração borbulha nas redes e, em menos de 24 horas, começaram a surgir comentários sobre a organização de protestos na rua contra Bolsonaro. Os administradores do perfil Qual máscara?, uma iniciativa que recompila e distribui informações baseadas em evidências sobre proteção contra a covid-19 e que soma mais de 200.000 seguidores no Instagram e no Twitter, comprometeu-se a distribuir máscaras PFF2 (de alta proteção) para manifestações ao ar livre, a fazer um material informativo para os atos e arrecadar doações para que eles aconteçam.

Nesta mesma quarta-feira, Bolsonaro voltou a menosprezar o uso de máscaras contra a propagação do coronavírus. Durante um ato para falar sobre a inauguração de obras no país, criticou os jornalistas que, segundo ele, “se preocupam apenas em dizer que o presidente está circulando sem máscaras”. “Já encheu o saco isso, pô!”, arrematou.

Fonte:

El País

https://brasil.elpais.com/brasil/2021-05-05/morte-de-paulo-gustavo-catalisa-odio-contra-governo-bolsonaro-por-ma-gestao-da-pandemia.html


Malu Gaspar: CPI da Covid revela homens ainda menores do que pensávamos

‘Um homem pequeno para estar onde está’ foi a expressão usada por Luiz Henrique Mandetta no depoimento à CPI da Covid. O ex-ministro da Saúde se referia ao ex-colega da Economia, Paulo Guedes, que o acusou de “pegar R$ 5 bilhões” e não comprar vacinas quando elas ainda nem existiam. Mandetta falou só de Guedes, mas bem poderia ter usado o aposto para outros personagens.

No momento em que Mandetta se apresentava à CPI, homens de confiança do presidente da República trabalhavam nos bastidores para ajudar outro ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, a escapar do próprio depoimento. Estavam alarmados com o que viram no treinamento aplicado a ele no final de semana. O general que, no poder, se acostumou a dar entrevistas coletivas em que só falava o que queria e não respondia a pergunta nenhuma tremeu diante da simulação de um pelotão agressivo de senadores ávidos por um embate.

Acuado, o mesmo Pazuello que dias antes circulava sem máscara num shopping center de Manaus, despreocupado com a pandemia, escondeu-se atrás do Exército. Coube a um general assinar um ofício avisando à CPI que ele não compareceria, por ter tido contato com coronéis contaminados com o coronavírus.

O ex-ministro da Saúde não apresentou atestado médico, nem lhe ocorreu fazer um teste para eliminar a hipótese de contaminação e se liberar para prestar esclarecimentos à CPI o mais rapidamente possível. Mas ganhou duas semanas para tomar coragem e responder às perguntas dos senadores.

No dia seguinte, diante de plateia amiga no Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro adotou postura combativa. Disse que estava pronto para garantir por decreto “o direito de ir e vir”, contra medidas de isolamento social determinadas por governadores. Em mais uma de tantas indiretas contra o Supremo Tribunal Federal, disse que, se baixar o tal decreto, “não será contestado por nenhum tribunal, porque ele será cumprido”.

No mesmo tom ameaçador de sempre, chamou de canalha “aquele que é contra o tratamento precoce e não apresenta alternativa” e criticou o pedido da CPI para que informasse onde esteve nos finais de semana em que circulou pelos arredores de Brasília sem máscara e sem tomar cuidados preventivos contra a disseminação do coronavírus. “Não interessa onde eu estava. Respeito a CPI, estive no meio do povo, tenho que dar exemplo”, afirmou o presidente, exaltado. “Vou continuar andando em comunidades em Brasília.”

Não parecia o mesmo Bolsonaro que, há duas semanas, telefonou ao governador de Alagoas, Renan Filho, pedindo para ajudá-lo no diálogo com seu pai, o relator da CPI, Renan Calheiros. Ou que, em visita fora da agenda, perguntou ao antecessor José Sarney: “O Renan é mesmo muito amigo do Lula?”. Embora se tratasse de uma pergunta inútil — ou alguém acredita que Sarney responderia que “sim, são muito amigos, falam sempre ao telefone, tocam de ouvido”? —, foi uma indagação reveladora dos contornos que o espírito combativo do capitão assume nos bastidores.

Na CPI, em público, o que se viu foram senadores recitando perguntas já enviadas prontas pelo governo ou por médicos pró-cloroquina, enquanto os ex-ministros Mandetta e Nelson Teich demonstravam claramente que houve, sim, uma concertação do Palácio do Planalto contra o isolamento social, pela adoção do tratamento precoce como política pública e de confronto às recomendações preconizadas pela ciência.

“A verdade, ela vai triunfar!”, proclamou em defesa do tratamento precoce o senador Eduardo Girão, que é empresário e ex-presidente de clube de futebol, mas fala como se entendesse de assuntos médicos. E que se proclama independente, mas atua como integrante da tropa de choque de Bolsonaro.

Sim, todos queremos que a verdade triunfe. É muito cedo, porém, para dizer que é isso o que acontecerá. Difícil, também, prever se a CPI da Covid resultará mesmo em punição aos responsáveis pelos fracassos e desídias que custaram milhares de vidas nesta pandemia. Mais arriscado ainda seria antever se haverá vontade política para produzir um impeachment.

Mas já é possível adaptar ao momento atual um velho ditado popular — aquele que diz que é quando a maré baixa que se vê quem está sem roupa. A CPI da Covid ainda está começando, mas uma coisa ela já conseguiu. Agora que a maré baixou bastante, a gente constata que os homens pequenos são ainda menores do que conseguíamos ver.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/cpi-da-covid-revela-homens-ainda-menores-do-que-pensavamos.html


Maria Hermínia Tavares: Sem lastro nem rumo

Em 29 de março passado, a insanidade finalmente deixou o Ministério das Relações Exteriores de braços dados com aquele que a alçara a princípio norteador da atuação internacional do país. A diplomacia brasileira parece ter encontrado a normalidade sob comando de um titular discreto e treinado nas boas práticas do ofício. Pelo menos tem as suas digitais o discurso do presidente na Cúpula de Líderes pelo Clima. Foi o seu primeiro pronunciamento para o mundo que não agrediu a língua ou a lógica, embora encharcado de compromissos mais que duvidosos.

Os atributos do Itamaraty, porém, estão longe de dar conta do necessário para reconstruir a imagem do país e a sua política externa. O prestígio que o Brasil conquistara lá atrás sucumbiu sob o peso do descalabro ambiental e da tragédia sanitária —ambos promovidos por um desgoverno que, de um lado, flerta com o ilícito devastador do patrimônio amazônico e ameaça as populações originárias; e, de outro, desorganiza a política de saúde e estimula comportamentos que só fazem agravar a pandemia.

Talvez as evidências mais claras de seus efeitos estejam nas falas dos eurodeputados, de esquerda e de direita, na recente sessão do Parlamento Europeu dedicada à crise da Covid-19 na América Latina. Desde os tempos da ditadura militar não se ouviam críticas tão implacáveis a Brasília—evidenciando que a reconstrução da imagem nacional dependerá mais do que de discursos e da boa praxe diplomática.

Políticas externas consequentes espelham, de uma forma ou de outra, os projetos que norteiam os objetivos nacionais e as políticas que lhes dão vida: o que se quer para o país dentro e além de suas fronteiras.A ideia de uma nação democrática, menos pobre e iníqua, apta, enfim, a obter benefícios de suas trocas com o mundo vertebrou a diplomacia tanto dos governos do PSDB como do PT. A de Fernando Henrique, mais otimista em relação aos ganhos a extrair da globalização; a de Lula, mais inclinada aos arranjos entre países emergentes. Ambas dispostas a explorar estratégias multilaterais para fortalecer o protagonismo internacional do país e abrir oportunidades de crescimento interno.

O morador da “casa de vidro” não tem —nem nunca teve— projeto ou políticas que mereçam esses nomes. Seu alvo sempre foi destruir o que se logrou sob a democracia da Constituição de 1988; atiçar os ódios de que se nutrem os seus seguidores fiéis; disseminar preconceitos e crendices —e, naturalmente, beneficiar sua família e seus asseclas. Nada que sirva para dar lastro a uma política externa coerente, que dirá governar.

*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/maria-herminia-tavares/2021/05/sem-lastro-nem-rumo.shtml


Mariliz Pereira Jorge: A morte é política

Como não politizar a morte se a política adotada pelo governo federal na pandemia continua a enterrar milhares por dia? Quanto mais demorarmos a vacinar a população contra a Covid-19, mais gente morrerá. Escrevi isso no dia 9 de dezembro, quando o país chegava a 180 mil óbitos e testemunhávamos a primeira pessoa no mundo a ser imunizada, uma britânica de 90 anos.

O texto seguia: a incompetência, o desdém e a demora do governo, na figura do presidente, serão culpados por todas as mortes que poderiam ser evitadas com uma vacina. De lá para cá, mais do que dobramos o número de vidas perdidas, e a CPI em curso deve mostrar o que eu disse na ocasião: Bolsonaro é um genocida.

Como não politizar a morte se a política adotada pelo governo federal na pandemia continua a enterrar milhares por dia? É resultado da gestão assassina que ignorou as medidas básicas que poderiam ter protegido a população.Com quase 415 mil mortos e vacinação em marcha lenta, Jair Bolsonaro segue empenhado em boicotar as poucas maneiras de evitar que a doença continue a devastar o país. Em menos de 24 horas, diz que a obrigatoriedade do uso de máscara “já está enchendo o saco”, sugere que a China faz guerra biológica e volta a ameaçar com decreto as medidas de isolamento adotadas pelos estados.

Nesta terça (4), quando o país inteiro se comoveu com a perda do ator Paulo Gustavo, a tragédia brasileira mais uma vez ganhou um rosto e luto coletivo. Mistura-se à tristezaa revolta contra o governo. A partida do comediante, jovem e brilhante, é o retrato do negacionismo de Bolsonaro. Assim como a de outros milhares, poderia ter sido evitada com uma vacina, se não fosse o desprezo que Bolsonaro tem pela vida, pela ciência, pelas instituições.

A melhor prova é que o Brasil registrou queda no número de óbitos de profissionais da saúde e de idosos que foram vacinados. Paulo Gustavo morreu porque pertencia ao mesmo grupo de risco que todos nós: o de brasileiros governados por um delinquente.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marilizpereirajorge/2021/05/a-morte-e-politica.shtml


Fabio Graner: Reforma tributária exige debate, não tumulto

Ofuscado pelo tumulto gerado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, o relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) sobre a reforma tributária merece ser amplamente discutido pelo Congresso e pela sociedade. O texto mostra uma evolução importante em relação às PECs originais (45 e 110), porém, nasce com algumas lacunas que também precisam ser debatidas, entre elas não atacar a questão da baixa tributação sobre renda e patrimônio.

O substitutivo apenas tangencia o assunto ao reforçar na Constituição o princípio da progressividade fiscal, garantindo sua aplicação no imposto sobre heranças e doações (ITCMD) e no IPVA.

Ao Valor Ribeiro diz que não se trata de omissão. Como as duas PECs originais são centradas na tributação de consumo, seu relatório teve foco nisso, justifica. “Até porque muita coisa de renda pode ser por lei, infraconstitucional. Eu me referi à renda e patrimônio, reforcei o caráter de progressividade. Nós registramos isso e deixamos aberto para os parlamentares fazerem essa contribuição e, se todos entenderem que é devido, não serei eu que vou dizer que não é. Pelo contrário.”

O relator vai receber nos próximos dias sugestões para seu texto, que, pelo calendário da comissão, pode ter uma nova versão contemplando as contribuições no próximo dia 11.

A despeito de Lira ter anunciado a extinção das comissões, o relator mantém o tom diplomático e diz acreditar que seu texto conseguirá ser bem-sucedido no Congresso. “Eu vejo possibilidade de avançar. Os presidentes das duas casas, Rodrigo Pacheco [Senado] e Arthur Lira, disseram que a reforma tributária era prioridade. Reforma tributária é o que eu defendo. Ajustes tributários são outra coisa, não se tem impacto na economia como na reforma”, disse, em crítica indireta à tese de fatiamento do governo. “Eu defendo reforma ampla e confio na liderança dos presidentes para que esse tema possa avançar.”

Ribeiro destaca no relatório a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) em duas fases, iniciando-se com a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) do governo federal por dois anos e no terceiro ano incorporando o ICMS e o ISS. Esse desenho, admite, foi feito para atender a equipe econômica.

Ele disse ter recebido muitos retornos positivos. “Acho que é importante a mudança estrutural na tributação do consumo. Isso vai de fato transformar o país. Hoje acho que temos um texto para ser debatido. Temos uma legislação única que tributa o consumo e não mais bens e serviços de forma diferenciada”, afirmou.

Ex-secretário da Receita Federal, o professor da FGV Marcos Cintra elogiou o relatório, mesmo não sendo simpático à tese de um IVA nacional. Para ele, o texto corrigiu problemas de “falta de realismo” na PEC 45. “Ele manteve o que tinha de bom na PEC 45, crédito financeiro, tributação no destino, unificação administrativa, e tirou o que era irrealista, como a universalidade, ao abrir exceções para o Simples, Zona Franca de Manaus, autorizar regimes especiais e permitir alíquotas menores para setores como saúde e educação.”

Cintra, porém, elogia a decisão de Lira e avalia que, com extinção das comissões, a PEC 45 está morta e abriu-se espaço para a CBS e o Imposto de Renda avançarem na Câmara, pois não há necessidade de quórum constitucional. Além disso, avalia, o relatório de Ribeiro pode tramitar sem problemas no Senado e avançar no Congresso, se conseguir apoio.

Para o advogado Luiz Gustavo Bichara, sócio de escritório do mesmo nome, o substitutivo, “embora bem feito, parece ter acolhido pouquíssimas manifestações dos setores empresariais”. Ele cita que não foram acatadas algumas sugestões relativas à compensação de créditos tributários acumulados no passado e critica regra de que os novos créditos do IBS só existirão após a comprovação do pagamento do tributo na etapa anterior (fornecedor). “Eu diria que aqueles que pagam a conta não foram muito ouvidos. E isso é particularmente grave num momento em que a recuperação econômica nem começou ainda.”

Há muitos aspectos de mérito ainda a se analisar do texto. Porém, não podemos escapar da tentativa de entender o embate político que Lira trouxe para a luz do dia. O chefe da Câmara anunciou que a comissão mista estava extinta ainda durante a leitura do texto. Para além da descortesia política, o mais grave foi que ele adicionou incerteza sobre o destino de uma reforma absolutamente necessária e sobre a qual já repousa justificado ceticismo, diante de décadas de fracassos.

Seus aliados apontam que a intenção de Lira seria acelerar o processo reformista. Isso porque o tema agora foi para o plenário, o que daria a ele maior controle sobre seus próximos passos. Se isso for verdade, ganha força a tese de reforma fatiada sem mudanças imediatas na Constituição e que priorize a CBS e as mudanças no Imposto de Renda, como ainda defendem o governo e o próprio Lira.

Uma das questões importantes é saber se as ações mais recentes do parlamentar não deixam rastro de mágoa e contrariedade que inviabilizaria essa alternativa. Na terça mesmo ficou claro que sua decisão não foi bem recebida por boa parte dos seus pares.

O presidente do Senado se posicionou pela continuidade da comissão e parlamentares dela também reagiram, lembrando que a discussão no colegiado era parte de um acordo. Ontem, os secretários estaduais de Fazenda emitiram nota contra a extinção da comissão mista e defenderam a continuidade dos trabalhos. A decisão de Lira, segundo a nota, foi desrespeitosa.

Cientista político e sócio da Hold Assessoria Legislativa, André Cesar avalia que o presidente da Câmara agiu movido por interesse em retomar o protagonismo perdido com a CPI da Pandemia, por rivalidade política com o grupo do seu antecessor, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), e pelo sonho de aparecer para o mercado financeiro como grande artífice da reforma. Para ele, a atitude deixa sequelas que dificultam o avanço dessa reforma. “Ele não combinou com os russos e a coisa ficou mal construída”, disse, apontando risco de o Senado engavetar a reforma fatiada.

A dúvida que persiste é se a série histórica de fracassos da reforma tributária prevalecerá ou se, como na Previdência, a inércia será quebrada. Nessa disputa, construir pontes ajuda muito mais do que movimentos bruscos e imprevisíveis.

Fonte:

Valor Econômico

https://valor.globo.com/brasil/coluna/reforma-tributaria-exige-debate-nao-tumulto.ghtml


Ricardo Noblat: Carlos Bolsonaro, o Zero Dois, pinta o pai outra vez para a guerra

Basta de intermediário! Por que não o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), o Zero Dois do presidente Jair Bolsonaro, para Secretário de Comunicação Social do governo do pai?

Licenciar-se do mandato não lhe faria tão mal assim. Ele é vereador desde que se elegeu pela primeira vez, com 17 anos, e Bolsonaro o levou pela mão para que tomasse posse.

É difícil que outro filho de Bolsonaro demonstre tanto amor por ele quanto Carlos. Só Carlos concordou em disputar um mandato de vereador para derrotar a própria mãe, também candidata.

Às vezes, temperamental como é, Carlos some do radar do pai e se nega a atender seus telefonemas. É quando Bolsonaro fica mais desesperado e se rende a todas as suas vontades.

Mas logo os dois fazem as pazes, e Carlos volta a grudar no pai, principalmente quando ele precisa de ajuda. Como agora, alvo de uma CPI e com a popularidade em queda.

Carlos é o responsável pela mudança de tom do discurso de Bolsonaro de poucos dias para cá. Convenceu-o a radicalizar outra vez para manter unida sua tropa de apoio.

Por isso, Bolsonaro voltou a bater na China, indiretamente no Supremo Tribunal Federal, e ameaçar com uma crise institucional. Conversa mole para enganar bolsonaristas, mas funciona.

Bom filho, bom pai, que, ontem, o citou em público:

“Na minha eleição, meu marqueteiro não ganhou milhões de dólares fora do Brasil. Ele é um simples vereador, o Carlos Bolsonaro. Há ainda o Tércio Arnaud e o Mateus Sales. São pessoas perseguidas, como se tivessem inventado um gabinete do ódio.”

O gabinete do ódio eles inventaram, sim. Serve para defender Bolsonaro, infernizar a vida dos seus adversários e distribuir notícias falsas nas redes sociais.

A expressão “gabinete do ódio” não é da autoria deles, mas do jornal O Estado de São Paulo, que a usou pela primeira vez. Sempre que Carlos é convocado pelo pai, é hora de relâmpagos e trovoadas.

Fonte:

Blog do Noblat/Metrópoles

https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/carlos-bolsonaro-o-zero-dois-pinta-o-pai-outra-vez-para-a-guerra


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O presidente da República e o comandante do Exército não podem ter a mesma expectativa em relação ao depoimento do ex-ministro da Saúde na Comissão Parlamentar de Inquérito. Para tirar a CPI das suas costas, interessa a Jair Bolsonaro mostrar a autonomia de Eduardo Pazuello, como general do Exército, nas condutas ora investigadas. Ao general Paulo Sérgio de Oliveira, convém o inverso. Que, na condição de militar agregado ao serviço civil, fique claro que Pazuello cumpriu ordens do presidente da República. Se o Palácio do Planalto fracassou em treinar o ex-ministro para enfrentar os senadores e o Ministério da Defesa encaminhou o pedido de adiamento de sua presença na CPI, foi o Exército quem negociou com o presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), o depoimento daquele que hoje é adido à Secretaria-Geral da corporação.

A permanência de Pazuello na ativa e a produção maciça de hidroxicloroquina pelos laboratórios do Exército arrastaram a corporação para a vala bolsonarista. Nos dois lados da linha, porém, havia um senador e um general interessados em preservar o Exército. A consequência só pode ser em prejuízo do presidente da República. A começar pelo adiamento. Quando Pazuello chegar ao Senado, em 19 de maio, a CPI já terá acumulado depoimentos, como os dos ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, que convergem para responsabilizar o presidente da República, além daqueles, aprovados ontem, dos ex-ministros Fabio Wajngarten e Ernesto Araújo, que são pura combustão. Por mais que Pazuello seja pressionado a nadar contra a maré, terá mais dificuldade em fazê-lo. Com o cerco já formado, o custo para o ex-ministro atestar a origem das ordens que recebeu será menor.

O presidente se deu conta do que estava por vir e tentou reforçar sua retaguarda na CPI. Pressionados a serem mais ofensivos, os senadores governistas partiram para cima da bancada feminina que, sem assento na CPI, havia arrancado um acordo que a permitisse participar dos debates. O senador Fernando Bezerra, líder do governo, ganhou uma vaga de suplente, mas não dá sinais de que será capaz de conter a avalanche. A reação ainda passou por dar ao ministro da Secretaria- Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, a missão de intermediar as relações entre o Palácio do Planalto e a CPI. Sai o ministro das Comunicações, Fábio Faria, que mandou para Mandetta a pergunta que lhe seria feita pelo senador Ciro Nogueira, e entra outro atrapalhado. Onyx, que é veterinário, já enalteceu nebulização de cloroquina, depois de o procedimento ter provocado mortes, e disse que o isolamento social não funciona porque inexiste “lockdown de insetos portadores do vírus”. A transmissão do SARS-CoV-2 dá-se por pessoas contaminadas.

O presidente age como se fizesse a coisa certa em meio a incompetentes. Foi capaz, por exemplo, de surpreender seus adversários pela quantidade de manifestantes que levou às ruas no 1º de Maio. A intenção era intimidar a CPI antes da tomada de depoimentos. O slogan dos manifestantes (“eu autorizo”) não poderia ser mais eloquente. Tanto que Bolsonaro se sentiu autorizado a ameaçar novamente com um decreto contra o isolamento social de prefeitos e governadores, a despeito da decisão do Supremo Tribunal Federal em defesa da autonomia federativa.

Bolsonaro pretendia manter a dobradinha. Ele convocaria a turba, ao lado dos filhos, para defendê-lo, desenterrando até mesmo o conflito, em Rondônia, com a Liga dos Camponeses Pobres, para criar uma ameaça contra a família e propriedade, enquanto seus articuladores agiriam para aglutinar a retaguarda no Congresso. Deu ruim. De um lado, a comoção popular com a morte do humorista Paulo Gustavo pela covid-19 neutralizou a arregimentação do 1º de Maio e aumentou a indignação com a incúria da pandemia. Do outro, sua retaguarda na CPI é incapaz de fazer a defesa do governo.

Numa terceira frente, na Câmara dos Deputados, seus aliados entram em modo xepa. É mais ou menos isso que move a ânsia reformista na Casa. Ao dissolver a comissão de reforma tributária antes mesmo que o relator, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), concluísse o relatório que havia encomendado, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não apenas cumpriu o desejo do governo de fatiar a proposta como tem a possibilidade de distribuir seus pedaços entre aliados de sua confiança. Com temas sensíveis como uma espécie de refis da crise e a tributação dos fundos fechados, a Câmara caminha para um vale-a-pena-ver-de-novo da era Eduardo Cunha.

Movimento no mesmo sentido aconteceu com a instalação da comissão de reforma política. O deputado que presidirá a comissão, Luís Tibé (Avante-MG), é pivô de um inquérito que corre no STJ sobre relações suspeitas entre advogados e magistrados. Este inquérito conta com conversas interceptadas pela Polícia Federal em que um desembargador relata as ingerências que o levaram a salvar o deputado de cassação. A comissão presidida por este parlamentar pode não apenas jogar por terra a maior chance de o país dar mais representatividade ao seu sistema eleitoral, com o fim das coligações e a cláusula de barreira (que ameaçam seu próprio partido), como também ressuscitar o financiamento privado de campanha.

Para a sorte da República, o ativismo da Câmara esbarra no Senado. Da mesma maneira que o projeto que liberava vacinação privada antes dos grupos prioritários, esses projetos correm o risco de naufragar na inexistência de um acordo com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Não é apenas um governo em frangalhos que move esta xepa, mas a perspectiva do poder em 2022. As costuras do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Brasília esta semana, com Eunício Oliveira (MDB), Rodrigo Maia (ainda no DEM, em conversa com o PSD), Marcelo Freixo (Psol) e Fabiano Contarato (Rede) sugerem que o petista almeja avançar sobre o centro, engolir o espaço da terceira via e deixar o presidente como a única opção do radicalismo. Os aliados de Bolsonaro seguram o governo até a última raspa do tacho para chegar a 2022 posicionados para negociar. É o que rola por trás do picadeiro da CPI.

Fonte:

Valor Econômico

https://valor.globo.com/politica/coluna/por-tras-do-picadeiro-da-cpi-da-pandemia.ghtml


Míriam Leitão: O presidente e o delito continuado

O que a CPI mostrou até agora foi que o presidente Jair Bolsonaro impediu dois ministros da Saúde de agirem conforme as orientações técnicas e científicas durante a pandemia. O ato foi continuado. O ex-ministro Nelson Teich repetiu ontem diversas vezes a informação de que ele não concordava com a recomendação de uso da cloroquina e, por divergir disso, saiu. O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta entregou carta a Bolsonaro, fez cenário, mostrou a gravidade da crise e teve que enfrentar uma assessoria paralela no Planalto que queria o uso da cloroquina. Não aceitou e, por isso, foi demitido. As orientações dos ministros poderiam ter salvado vidas.

O presidente da República amarrou a mão de seus ministros, os impediu de agir, não ouviu técnicos, ignorou a ciência, desafiou a medicina e impôs a sua forma de conduzir o país numa pandemia. E isso está nos levando à morte. Bolsonaro deu várias vezes sinais explícitos de que aposta na tese perigosa de ampliar a contaminação para chegar ao fim mais rápido da pandemia. Ontem, Nelson Teich foi claro: “Essa tese de imunidade de rebanho, onde você adquire a imunidade através do contato e não da vacina, isso é um erro.”

O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta explicou que a crise seria longa, trágica, mataria, no pior cenário que fez, 180 mil brasileiros em 2020. Foram 11 mil a mais. Disse que não havia remédio, portanto era para seguir o que sempre foi usado nas epidemias de doenças infecciosas: o distanciamento social. O presidente o ignorou. Nem mesmo a máscara ele adotou. Pelo contrário, quem entra no Planalto é até constrangido a tirar a máscara, como me disse uma autoridade. Da mesma forma que o general Eduardo Ramos tomou vacina escondido, o código perto de Bolsonaro é esconder a máscara. Essa é a lógica tacanha de quem preside o país.

Mandetta diz que foi chamado a uma reunião no terceiro andar, gabinete do presidente, e lá viu a minuta de um decreto que imporia a mudança da bula da cloroquina. Estavam presentes pessoas estranhas ao governo, mas que o presidente ouvia sobre saúde, em vez de o ministro. Presente também o filho Carlos, que participa de reuniões ministeriais com direito a assento na mesa. Tudo era o retrato de um governo distorcido.

Teich contou que num dia houve uma live em que o presidente garantiu que ampliaria o uso da cloroquina e, no dia seguinte, ele falou a mesma coisa em uma declaração na saída do Alvorada. Isso sem a aprovação do ministro da Saúde. Foi essa a sequência final dos eventos que levou Teich a sair do governo, 29 dias depois de ter entrado.

Nesses dois dias da CPI ficou claro que o único ministro da Saúde que ele permitia ficar no cargo era um que aceitasse dizer a frase: “Senhores, é simples assim: ele manda, eu obedeço.” A propósito, Teich aceitou o general Pazuello como seu secretário-executivo, e com a experiência da proximidade disse que ele não tinha o conhecimento técnico suficiente em gestão de saúde para ocupar a posição de ministro da Saúde.

Pazuello ocupou o cargo, no meio de uma pandemia, porque era o único a aceitar o cabresto do presidente. Cabresto que ele tenta impor ao país com seu mandonismo agressivo. Ontem foi mais um dia de ameaças institucionais ao país, gritadas no meio de um evento oficial. Disse que vai baixar um decreto contra as medidas protetivas adotadas por prefeitos e governadores.

— Se baixar esse decreto, ele será cumprido e não será contestado, não ousem contestar — berrou Bolsonaro, querendo dizer que a Justiça não poderia revogar tal ato.

Ontem também o presidente fez novo ataque à China, insinuando que o vírus teria sido parte de uma guerra química, bacteriológica.

Poderia ser só insensatez, mas é muito mais. Bolsonaro está acuado. Está ficando claro que ele cometeu delito continuado na gestão da pandemia. Derrubou os ministros que queriam nos conduzir para um cenário de menos mortes e mais proteção, impôs um que seguiu todas as suas ordens e que agora está se escondendo na barra da farda do Exército. O comando de Bolsonaro foi claro: exposição ao vírus, cloroquina e ameaças autoritárias. Enquanto a CPI fazia nova radiografia do seu absurdo modo de governar, Bolsonaro deu mais um dos seus gritos. Queria distrair a atenção. O risco é o país não reagir a esse candidato a ditador.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/o-presidente-e-o-delito-continuado.html


Merval Pereira: Bolsonaro no limite

Por mais que o Exército faça para se distanciar de Bolsonaro, o presidente faz questão de incluí-lo em suas ameaças, voltando a confrontos institucionais que já o colocaram em desacordo anteriormente com o ex-ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva e o ex-comandante do Exército e general Edson Pujol. Voltou a chamar de “meu Exército” os militares que, segundo ele, podem sair às ruas para proteger o direito de ir e vir em caso de lockdown. E nenhum juiz ousará contestar essa decisão, garantiu em sua retórica abusiva.

A convocação do ex-ministro da Saúde e general Eduardo Pazuello pela CPI quase se transformou em princípio de crise, não fosse a iniciativa do senador Omar Aziz, presidente da CPI, de ligar ao novo comandante do Exército, general Paulo Sérgio, para esclarecer que Pazuello era convocado na qualidade de ministro civil, e não de general da ativa.

O novo comandante era chefe do Departamento do Pessoal do Exército, encarregado da logística de combate à Covid-19 dentro da corporação, e agiu de acordo com as orientações médicas. Por isso, Pujol certa vez deu o cotovelo para Bolsonaro, que lhe estendia a mão e ficou irritado.

O próprio general Paulo Sérgio escreveu um artigo em que se rejubilava pelo fato de a pandemia, no Exército, estar sendo muito menos letal entre os seus do que na média brasileira, justamente por seguirem orientações científicas. O artigo, que também provocou a ira de Bolsonaro, não impediu que a antiguidade se impusesse na escolha do novo comandante do Exército e mostra bem a diferença de visão entre os dois.

O presidente está claramente a perigo, se sentindo acuado pelos relatos que estão surgindo na CPI da Covid. Mais uma vez está escalando a retórica que domina, a da ameaça e do extremismo, para tentar criar uma situação crítica que obrigue as Forças Armadas a se posicionar. Aproveitando um discurso em cerimônia do Palácio do Planalto sobre a tecnologia 5G — que nada tem com o tema que abordou —, Bolsonaro deu um jeito de voltar a criticar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de garantir a autonomia de governadores e prefeitos na definição de medidas restritivas durante a pandemia, que ele considera uma “excrescência”, por ter dado “competências esdrúxulas” a eles.

O ex-ministro Pazuello se preparava justamente para atacar o Supremo em seu depoimento na CPI, que acabou adiado por incapacidade do convocado de postar-se minimamente bem diante de seus arguidores. Bolsonaro é capaz de fazer um ato extremo, como ameaçou, com o objetivo de criar uma situação-limite e confrontar instituições como o STF para testar sua força popular. As manifestações do fim de semana a seu favor, em várias capitais, devem tê-lo convencido de que ainda é capaz de acionar multidões para reforçá-lo no poder.

Trata-se de movimento perigoso porque, estando acuado, é capaz de transpor a linha da legalidade.

Pode ser só uma bazófia, mas pode perfeitamente se transformar em realidade diante dos fatos, que estão sempre contra ele nos últimos tempos. Com essas bravatas, é possível acelerar um processo de impeachment, que está latente na CPI. Está protegido pela pandemia, que impede as pessoas de ir à rua. Mas, nesse ritmo, provoca ações de seus seguidores e dos contrários. E, se isso acontecer, as instituições terão que funcionar, inclusive o Exército, que terá de dizer se está do lado da democracia ou de um presidente claramente desequilibrado, que tenta fazer tudo para criar um ambiente político que facilite o autoritarismo.

A sorte é que, aparentemente, ele é minoria. A questão é saber se irá até o final, se testará nas ruas sua força. O mais grave, diante da falta de vacinas e do tamanho da tragédia que vivemos, é voltar a pensar alto besteiras como uma guerra biológica da China, que teria “inventado” o vírus da Covid-19 para poder crescer economicamente e superar seus competidores ocidentais. São os ecos ainda da visão conspiratória do ex-ministro Ernesto Araújo, que ficou no inconsciente dos remanescentes do governo e levaram o ministro Paulo Guedes a repetir a besteira numa reunião que era transmitida.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/bolsonaro-no-limite.html


Rosângela Bittar: Podem me chamar de ‘05’

Antes que se pudesse decorar seu nome, o novo ministro da Justiça estreou, no fim de semana, com duas entrevistas recheadas de pérolas do estilo bolsonarista de comunicação confusa. O chamado padrão “00”.

Legítimo exemplar do time em que se notabilizaram Abraham Weintraub e Ernesto Araújo, já substituídos, e os ainda atuantes Ricardo SallesDamares Alves e Milton Ribeiro, o ministro Anderson Torres mimetiza a família presidencial. E escolheu a CPI da Covid para se apresentar.

Como fizera antes dele, com palavras iguais, o senador Flávio “01”, o ministro Torres honrou o espírito negativista do governo. Primeiro, deixou claro que, se Bolsonaro contaminar alguém porque aglomerou sem máscara, a culpa é do contaminado que se aproximou muito dele. Depois, proclamou a inoportunidade da CPI, indiferente ao fato de que ela já está funcionando e começou a ouvir, ontem, os depoimentos de ex-ministros da Saúde. Seria a hora oportuna quando não houvesse crime a apurar e culpados a punir?

Incidiu, também, na questão que já não se discute: a subordinação política da Polícia Federal aos caprichos presidenciais. Ameaçou os senadores com a requisição, para a CPI, dos inquéritos da Polícia Federal, sob sua jurisdição, e que tratam da aplicação das verbas da pandemia. Num acesso de criatividade, repetiu o bordão popularizado mundialmente pelo misterioso Garganta Profunda: siga o dinheiro…

Como se o escândalo da gestão federal da pandemia, objeto da CPI, não envolvesse, também, dinheiro. Além de negligência, omissão e negação da ciência. Três atributos marcantes da atuação do presidente.

O ministro da Justiça se esquece de que todos os governadores e prefeitos são políticos ligados a senadores e deputados. Todos, não só os da oposição. Nem o governista sênior da CPI, Ciro Nogueira, pode negar sua ligação histórica, em muitas campanhas e várias administrações, com o governador do Piauí, Wellington Dias, do PT.

Esta questão, no entanto, deve ser resolvida com a convocação do próprio ministro Anderson Torres para depor. E esperar dele maior apreço ao Parlamento do que o dispensado pelo ex-ministro general Eduardo Pazuello. Cujo depoimento, antes marcado para hoje, foi adiado porque a testemunha alegou cumprir quarentena por ter tido contato com infectados.

Com um delegado da Polícia Federal e um auditor do Tribunal de Contas na assessoria do relator, será possível à CPI precisar o que o novo ministro da Justiça quis dizer ao País enlutado.

A advertência mais surpreendente do espetáculo de estreia, porém, foi a sua afirmação de que a CPI da Covid não pode ser política. Mas, exclusivamente, técnica. As CPIs são políticas ou não são CPIs. O que seria uma CPI técnica? Estará Anderson Torres confundindo o inquérito parlamentar com as indispensáveis perícias datiloscópicas e grafológicas do seu universo policial?

A CPI da Covid, aliás, é mais política que qualquer outra. Nada fará que não gere fato político. Seja para o governo se defender, seja para a oposição acusá-lo. Está vinculada, fortemente, à sucessão de Jair Bolsonaro em 2022.

A crença do presidente da República, e só ele acredita nisso, de que foi ele mesmo, com seus argumentos e sua imagem, que venceu em 2018, é equivocada. Quem perdeu para Bolsonaro foi o centro, que agora quer retomar a sua posição na eleição do ano que vem. É para isso que os liberais trabalham com determinação.

O PSDB, o MDB, o DEM e o PSD querem estar de volta ao segundo turno. Certamente, acreditam que vão disputá-lo com um candidato da esquerda, PT ou PDT, que tem sempre vaga garantida na final. A CPI da Covid demarcará os espaços.

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,podem-me-chamar-de-05,70003704191


Carol Pires: Bolsonaro contra as mulheres

Bolsonaro já tem esboçado um projeto de lei que institui o 8 de outubro como Dia Nacional do Nascituro e de Conscientização sobre os Riscos do Aborto. É o prenúncio de uma ofensiva contra direitos arduamente conquistados. E também um aceno aos seus idólatras.

Nos últimos dois anos, foram apresentados 43 projetos de lei no Congresso sobre interrupção voluntária da gravidez —praticamente a mesma quantidade oferecida entre 1995 e 2018. Dos atuais, 11 são de autoria da deputada fluminense Chris Tonietto, do PSL, que dedica seu mandato a cercear o direito das mulheres.

O projeto mais recente de Tonietto quer vetar o serviço de aborto por telemedicina, fundamental para cumprir o direito de mulheres em meio à pandemia. No mais retrógrado, quer proibir o aborto em casos de estupro e até mesmo quando a mulher corre risco de morte. Justifica que “nunca ocorre o caso em que o aborto é necessário para salvar a vida da gestante”. Por ignorância, crueldade ou para ocultar que a pauta é de saúde pública, ela ignora casos de eclampsia, diabetes gestacional, anemia grave e o risco aumentado de hemorragia pós-parto para menores de 15 anos.

Represados pelo ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, projetos desse nível podem contar com a cumplicidade de Arthur Lira, sócio oportuno do bolsonarismo. Seria um reforço de peso ao Executivo, que vem fazendo estragos através da pastora Damares Alves (que tentou até mesmo impedir que uma criança vítima de violência sexual tivesse o acesso ao aborto garantido por lei) e do Ministério da Saúde, que já editou portarias impondo constrangimento às vítimas de estupro.

Em minoria no Congresso, os progressistas não têm ambiente político para armar uma pauta propositiva. Por terem cedido à pressão de líderes religiosos conservadores enquanto estiveram no poder, hoje precisam atuar na contenção de danos. É urgente que se posicionem, porque a linha de ataque do outro lado está formada.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/05/bolsonaro-contra-as-mulheres.shtml


Hélio Schwartsman: Suborno vacinal

Enquanto a maior parte dos países ainda se esforça para conseguir doses de vacinas contra a Covid-19 para cidadãos ávidos por tomá-las, os EUA já começam a ter de lidar com o problema das pessoas que resistem a imunizar-se. Não é uma questão trivial.

Pelo que leio na imprensa americana, especialistas agora estão dizendo que, diante da resistência vacinal, das variantes, das reinfecções e da porosidade das fronteiras, o mais provável é que jamais antinjamos a famosa imunidade de rebanho —o limiar de indivíduos vacinados ou recuperados a partir do qual o vírus já não conseguiria circular numa dada população.

Isso significa que a doença deve continuar entre nós, causando hospitalizações e mortes —mais ou menos como ocorre com a gripe. O que se espera é que, com a vacinação e revacinações periódicas, consigamos diminuir drasticamente a ocorrência de quadros mais graves, de modo que possamos retomar a normalidade (ainda que com modificações).

Nesse contexto, é importante tentar reduzir tanto quanto possível a resistência à imunização. Pragmáticos, os americanos estão testando ideias para isso. Uma delas, pagar as pessoas para serem vacinadas, pode funcionar. Uma pesquisa da UCLA com americanos ainda não vacinados mostrou que um incentivo de US$ 100 deixaria 34% deles mais propensos a dar o braço à seringa. Se o prêmio for de US$ 50, a proporção cai para 31% e, se for de US$ 25, para 28%.

Será que é ético pagar um indivíduo para fazer o que é melhor para si, como tomar vacinas, parar de fumar, perder peso, tirar boas notas? Muita gente torce o nariz para isso. Vê aí um tipo de corrupção, não apenas dos agentes mas também da própria atividade. Se eu “suborno” alguém para ler um livro, desvirtuo o sentido da educação. Penso exatamente o contrário. Se existe um atalho, ele funciona bem e produz resultados que têm relevância pública, é tolice não utilizá-lo.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/05/suborno-vacinal.shtml