congresso

Nota da FAP manifesta apoio à senadora Eliziane Gama na CPI da Covid-19

Parlamentar é conhecida por sua participação atuante na comissão e de enfrentamento a direito de fala das mulheres

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

Após assumir o protagonismo nas principais discussões da CPI da Covid-19 e defender o direito de fala para se expressar como mulher na comissão, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) recebeu, nesta terça-feira (11/5), manifestação de apoio em nota púbica do Conselho Curador da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao partido. Ela diz que “o governo pode ter grande parcela de culpa” com relação às mais de 420 mil mortes na pandemia no país.

Formalmente, a parlamentar não integra a CPI, mas esteve presente em debates quentes no início dos trabalhos da comissão. Nesta terça, na sexta reunião da comissão, o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)Antônio Barra Torres, confirmou à CPI que houve uma reunião no Palácio do Planalto, em 2020, para discutir a mudança na bula da cloroquina.

Eliziane é cada vez mais conhecida pela sua postura crítica relacionada ao governo de Jair Bolsonaro (sem partido) e defesa intransigente da democracia. Na avaliação da senadora, os depoimentos colhidos pela CPI até o momento mostram que Bolsonaro colocou “as questões ideológicas e políticas acima das científicas e técnicas” no enfrentamento à pandemia, o que, segunda ela, é o mais grave. “Isso significa vidas perdidas”, disse a parlamentar.

A nota da FAP lembra que, no dia 5 de maio, durante uma reunião da CPI, “algumas senadoras fizeram história”. “Eliziane Gama enfrentou a velha e reacionária oligarquia dos partidos políticos. lutou por um princípio básico na democracia: o direito da fala, o direito de se expressar como mulher e senadora. Não deixou se intimidar, não deixou se sobrepor por gritos e discursos agressivos”, diz o texto.

Reação contra machismo

Naquele dia, Eliziane rebateu o senador Ciro Nogueira (PP-PI), que interrompeu a fala dela para criticar a participação da bancada feminina na comissão, apesar de nenhuma parlamentar ter sido indicada pelos seus partidos. “Só não entendo o porquê de tanto medo das vozes femininas”, disse ela.

Eliziane também ganhou ainda mais destaque depois de reagir à declaração do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) classificada por ela como “machista”. O filho do presidente disse que “as mulheres já foram mais respeitadas e mais indignadas. Estão fora da CPI, não fazem questão de estar nela e se conformam em acompanhar o trabalho a distância”.

Logo em seguida, a parlamentar reagiu. “Além de participar das demais ações, vamos participar também dessa CPI. Quero dizer que eu, Eliziane Gama, e essas senadoras não vamos admitir ironia machista em relação às mulheres. Estamos aqui, vamos participar ativamente e teremos nosso protagonismo”, afirmou a senadora.

De acordo com a nota, a postura da senadora “é motivo de orgulho para as mulheres e homens da Nação”. “Enquanto houver lideranças como Eliziane poderemos sonhar e lutar pela democracia”, destaca um trecho.

A seguir, confira a manifestação de representantes da FAP, na íntegra.

Na manhã de 5 de maio, durante a CPI sobre a Covid 19, no Senado da República, algumas Senadoras fizeram história.

A Senadora Eliziane Gama, do Partido Cidadania, do Estado do Maranhão, enfrentou a velha e reacionária oligarquia dos partidos políticos.

Eliziane Gama lutou por um princípio básico na democracia: o direito da fala, o direito de se expressar como mulher e Senadora.

Não deixou se intimidar, não deixou se sobrepor por gritos e discursos agressivos.

A postura assumida hoje por uma mulher brasileira como a Senadora Eliziane Gama é motivo de orgulho para as mulheres e homens da Nação.

Enquanto houver lideranças como Eliziane poderemos sonhar e lutar pela democracia.

O Conselho de Curadores da FAP presta uma homenagem e júbilo à atuação corajosa da Senadora Eliziane Gama, por sua liderança e digna atitude na defesa da democracia.

CAETANO ERNESTO PEREIRA DE ARAÚJO
Diretor Geral
Fundação Astrojildo Pereira

LUCIANO SANTOS REZENDE
Presidente do Conselho Curador
Fundação Astrojildo Pereira

Fonte:


Andrea Jubé: Mandetta quer ser o “radical de centro”

Um político experiente que opera no circuito Brasília-São Paulo vê a corrida presidencial de 2022 como uma prova de resistência, e não de velocidade. Nesse quesito, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, presidenciável do DEM, estaria com fôlego de atleta.

Depois de suportar as nove horas de depoimento aos senadores da CPI da Pandemia na semana passada, Mandetta submeteu-se ontem ao escrutínio de um público igualmente severo e influente nas eleições. O ex-ministro foi ouvido durante quase três horas pelos membros da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), que reúne parte importante do empresariado paulista.

A coluna procurou representantes da entidade que assistiram à conferência do pré-candidato, que não foi aberta à imprensa ou ao público em geral. Ouviu que Mandetta surpreendeu positivamente ao não restringir sua fala ao cenário pessimista sobre a pandemia, e revelar-se apto ao debate de outros temas candentes, como a defesa da democracia, reforma tributária, educação, segurança pública e combate à desigualdade.

Segundo relatos, Mandetta colocou-se como pré-candidato, mas, também, como cabo eleitoral influente. Pesquisa divulgada ontem pelo Instituto Atlas mostrou Mandetta empatado com o presidente Jair Bolsonaro no segundo turno, e numericamente à frente de Ciro Gomes (PDT).

“Estou aqui para ajudar”, ofereceu-se na conversa com os empresários. Adiantou que, se for para contribuir, retira o nome da disputa. “A não candidatura também é um ato político de união para esse país”.

Idealizador do manifesto pela consciência democrática, que reuniu os seis pré-candidatos à Presidência, Mandetta fez um novo alerta ao tensionamento das instituições, disse que é preciso garantir a realização das eleições no ano que vem com lisura, e que não se tem dado atenção devida ao questionamento que vem sendo feito à integridade das urnas eletrônicas.

Segundo uma fonte que assistiu à palestra, sem citar Bolsonaro, Mandetta disse que a exigência do voto impresso tem sido feita “quase como uma ameaça” de não se aceitar o resultado, e completou que este pode mesmo não ser o que os governistas esperam.

Sobre a reforma tributária, Mandetta disse que se não houver uma liderança com capacidade de negociação e diálogo para evitar a ampliação da carga tributária, e em contraponto, assegurar leveza e simplicidade aos negócios, nada acontecerá.

Ele advertiu aos empresários que a tributação dos serviços é um alvo, e seria uma saída “perversa”, diante da desindustrialização do país, e já que o agronegócio tem uma blindagem política eficiente.

O ex-ministro também alertou que está muito próxima a solução árida de novo ciclo de aumento de taxa de juros, cenário adverso para os empresários que lidam com crédito. Recomendou a aprovação do projeto de valorização do bom pagador.

A coluna apurou que diretores da entidade reclamaram de não serem ouvidos na discussão da reforma, e da iniciativa do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de fatiar a proposta.

Convidado para o evento, o cientista político Antonio Lavareda exortou Mandetta a participar de um debate público com os demais presidenciáveis do centro político para explicitar não a concordância entre eles, que é a defesa da democracia, mas para explicitar as diferenças, o que ajudaria a afunilar a disputa.

Mandetta mostrou-se disposto ao embate público, mas aproveitou para rechaçar a crença generalizada de que o centro é “amorfo”, sem luz própria. “Eu quero ser um radical de centro, um radical de bom senso, radical de coisas bem feitas, um radical de Brazilzão”, declarou, segundo relato de dois espectadores.

Mandetta acrescentou que tem “pressa”, mas ponderou que o tempo da política difere para cada um. Na presença do secretário especial do governo de São Paulo em Brasília, Antonio Imbassahy, aguerrido aliado de João Doria, lembrou que há no PSDB quem queira adiar as prévias do partido para março.

Completou que a persistir a fragmentação do centro, o eleitor votará no pleito de 2022 em quem odiar menos, e observou que não se pode construir um país baseado no ódio.

No fim de abril, o Valor publicou uma pesquisa exclusiva, encomendada ao Instituto Travessia, sobre as chances de sucesso de uma candidatura de centro. Na pesquisa estimulada, 35% aderem a nomes desse espectro. Nesse conjunto, Mandetta arrebata 2% dos votos.

Na qualitativa, Mandetta se sobressaiu ao empatar com Luciano Huck: ambos são considerados os mais simpáticos. Ao lado de Doria, desponta como o mais trabalhador, e é o mais qualificado no debate da saúde.

Nas qualitativas do DEM, é lembrado como homem de família (é casado há 32 anos), de valores conservadores, com interlocução com o agronegócio, e com profissionais da saúde. É considerado “mais brasileiro” do que o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), porque o gaúcho “não expressa o sentimento de alguém do Centro-Oeste”, disse à coluna um integrante da Executiva do DEM.

Mas o DEM que fique atento, porque Mandetta está no radar de outros partidos. Um cacique do MDB disse à coluna que o ex-ministro é um “belo quadro, com enredo que, se bem construído, pode ter um diálogo bacana com a classe média”.

Quando ainda havia a hipótese do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (RJ), de saída do DEM, filiar-se ao MDB, lideranças emedebistas cogitaram o convite para que Mandetta acompanhasse o aliado. O ex-ministro ouve críticas de que não pode se apresentar como adversário de Bolsonaro em uma legenda que tem dois quadros no governo: os ministros Onyx Lorenzoni e Tereza Cristina.

No fim da palestra, Mandetta propôs uma chapa: disse ao presidente da ACSP, Alfredo Cotait Neto, presidente do PSD paulista, que a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) seria uma “vice tão boa, embaixadora internacional do Brasil”. Cotait é ex-senador e suplente de Gabrilli. Em tom gaiato, sugeriu a Imbassahy que consultasse o alto tucanato sobre a chapa.Postado por Gilvan Cavalcanti de Melo às 07:54:00 

Fonte:

Valor Econômico

https://valor.globo.com/politica/coluna/mandetta-quer-ser-o-radical-de-centro.ghtml


Rubens Barbosa: China e Brasil

A quinta sessão plenária do 19.º Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh), concluída em 29 de outubro, apresentou as linhas gerais do 14.º Plano Quinquenal econômico e social do país (2021-25), com os objetivos gerais para os próximos cinco anos e o planejamento de médio prazo, até 2035. Mantendo a retórica de “paz e desenvolvimento”, o PCCh traçou as principais linhas estratégicas levando em conta, sobretudo, a crescente competição global.

Os documentos divulgados pelo PCCh, indicam que as lideranças do partido, refletindo as incertezas no cenário global, buscaram mudanças em três áreas: fortalecimento da economia, autossuficiência (mercado interno e indústria) e novas políticas sobre mudança de clima.

A visão de futuro dos líderes chineses abandona a ênfase no crescimento econômico com o aumento do PIB e passa a enfocar “o aumento significativo no poderio econômico e tecnológico” até 2035, com foco em questões estruturais e qualidade de vida. No comunicado final do plenário do Congresso não se fixa uma taxa de crescimento para 2035, somente se menciona o objetivo de alcançar, em termos de PIB per capita, o nível de países moderadamente desenvolvidos. Manter o foco no crescimento faz sentido para a China num momento de competição com os EUA, no que o comunicado chama de “profundos ajustes no equilíbrio de poder internacional”. Uma grande economia vai “assegurar que a China tenha recursos necessários para a defesa nacional e a pesquisa cientifica”. Em vista da gravidade da crise pandêmica, a China teve de adiar o projeto da Rota da Seda (Belt and Road Initiative), com um custo de US$ 1 trilhão em mais de cem países, como uma forma de projetar seu poderio econômico além-fronteiras.

As sanções dos EUA e as restrições à compra de semicondutores pelas empresas chinesas forçaram mudanças na atitude da liderança do PCCh no tocante à dependência de tecnologia do exterior e à necessidade de buscar a autossuficiência em áreas consideradas estratégicas. As vulnerabilidades da China foram exploradas geopoliticamente pelos EUA, apesar dos custos econômicos e da oposição da indústria. O plenário do partido afirmou que “autossuficiência em ciência e tecnologia é um pilar estratégico do desenvolvimento nacional” e demandou que “importantes avanços sejam conseguidos em tecnologias críticas” para que a China se torne “líder global em inovação”. Essa determinação já estava presente no plano “Made in China 2025”, adotado em 2017, para o avanço na política industrial, com resultados concretos em duas áreas nas quais o país mostra agora liderança global: tecnologia 5G e 6G e inteligência artificial.

A liderança chinesa passou a ver na política ambiental e de mudança de clima uma forma de ganhar prestígio global e obter benefícios econômicos. A proteção ambiental tem sido uma prioridade crescente para as autoridades chinesas, como indica o acordo de cooperação assinado com os EUA visando a uma posição comum na COP-26, quando se discutirá o Acordo de Paris. Na Conferência do Clima em abril, Xi Jinping anunciou que a China fixou que o pico das emissões de gás carbônico será em 2030 e, em 2060, será atingida a meta de emissão zero. Embora ambiciosos, os objetivos anunciados indicam envolvimento crescente da China nas discussões sobre políticas ambientais, com potenciais reflexos sobre outros países.

Enquanto a China faz seu planejamento com visão de futuro, o Brasil, perdido na crise da pandemia, não tem e não discute medidas e políticas de médio e longo prazos. A economia registrou queda de 3,1% em 2020 e se projeta em 2021 um crescimento de cerca de 2,5%, ou 3% em estimativas mais otimistas. As questões fiscais, a ausência de reformas, a queda no crescimento do comércio exterior e nos investimentos externos não prenunciam uma saída em V, como repetido pelo ministro da Economia. Por outro lado, o baixo crescimento da economia nos últimos anos, agravado pela pandemia, fez o Brasil deixar de ser uma das dez maiores economias do globo, segundo o Ibre/FGV. Em termos de PIB em dólares, este ano Canadá, Coreia do Sul e Rússia devem ultrapassar o Brasil, que cairá para a 12.ª posição, depois de ter chegado em 2011 ao 7.º lugar no mundo.

A preocupação aumenta quando se verifica não haver um plano claro de saída da crise atual, nem prioridades para avanços econômicos, sociais e tecnológicos. Sem maior discussão, o governo divulgou a Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil no período de 2020 a 2031, com cinco eixos: econômico, institucional, infraestrutura, ambiental e social. Trata-se um uma medida positiva, mas tímida, que apenas esboça essa preocupação. O Congresso e a sociedade civil deveriam ser chamados a participar da análise e discussão dessa estratégia. Dois aspectos chamam a atenção no documento do governo federal: a ausência de clara prioridade para a inovação e a tecnologia, como está fazendo a China, e a inexistência de metas claras no tocante à preservação da Floresta Amazônica e à mudança de clima, duas das vulnerabilidades do Brasil no atual cenário internacional.

*Presidente do Irice, é membro da Academia Paulista de Letras

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,china-e-brasil,70003710546

 


Eliane Cantanhêde: Ódio, trevas e grana

Sem rumo e comando racional, o governo pode até ter ilhas de normalidade, mas, no geral, é dividido entre ministérios onde “um manda e outro obedece” e três “gabinetes” cercados de mistério: o do ódio, o das sombras (ou trevas) e o gabinete secreto, revelado pelo Estadão, para jorrar dinheiro público escondido para parlamentares aliados, sem informar o básico ao distinto público que paga impostos: quem, como, onde e por quê.

O do “ódio” alimenta a turba bolsonarista com fake news a favor do governo e contra adversários, convocando atos golpistas contra o Supremo e seus ministros. Quando esses ministros puseram a cúpula do PT na cadeia pelo mensalão e confirmaram a prisão do ex-presidente Lula pelo petrolão, tudo ótimo. Mas, quando dão um basta no golpismo do presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores, perderam a graça.

O das “sombras” não foi criado às pressas por causa da CPI da Covid. Ao contrário, foi graças à CPI que o Brasil descobriu que ele fora montado lá atrás, no início da pandemia, para anular o Ministério da Saúde. Existe para ditar as normas e executar o negacionismo e os caprichos de Bolsonaro na pandemia, contra tudo e todos, a ciência e a OMS.

Nenhum médico, fosse Luiz Henrique MandettaNelson Teich ou Marcelo Queiroga, iria, em sã consciência, com suas faculdades mentais preservadas, ignorar e fazer campanha, como o presidente faz, contra o uso de máscaras, o isolamento e as vacinas para conter o vírus, preservar os sistemas de saúde e salvar vidas. Só fica uma dúvida: esse grupo das trevas faz a cabeça do presidente, ou só aplaude o que ele quer?

Agora, depois de três meses de apuração, o repórter Breno Pires informa que há um terceiro gabinete, gerenciando um orçamento secreto para satisfazer as conveniências políticas de Bolsonaro e… comprar votos no Congresso. As planilhas mostram curiosidades escandalosas e um certo protagonismo do ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre, que dirigiu a distribuição de R$277 milhões, quantia que ele levaria 34 anos de Senado para conseguir pelas emendas tradicionais.

Esse “gabinete”, abrigado no Ministério do Desenvolvimento Regional, criou um orçamento de R$ 3 bilhões em emendas parlamentares extras inclusive para tratores e outros equipamentos agrícolas. De um lote de 115 máquinas, só 12 registram preços dentro do limite estabelecido pelo próprio ministério. E Alcolumbre, por exemplo, tem base política no Amapá, mas direciona recursos também para o Paraná. Apesar da rima, não faz sentido.

Esses “gabinetes”, o “secreto”, o do “ódio” e o das “sombras e trevas”, não devem ser os únicos e agora estão focados no mesmo ponto: a CPI da Covid. O do “ódio” atiça a militância na internet tentando desviar as atenções para governadores e prefeitos. O das “trevas” mobiliza ministérios para fornecer aos governistas da CPI uma mercadoria inexistente: argumentos para defender Bolsonaro nas várias frentes de investigação, máscaras, isolamento, cloroquina, vacina…

E o gabinete “secreto” amarra tudo, comprando votos e consciências. Se o general da ativa Eduardo Pazuello entrou no jogo pela sabujice, parlamentares que tentam tapar o sol com a peneira aderem por motivações mais concretas, entre elas os tais tratores, ou a grana dos tratores.

Enquanto os três gabinetes se esfalfam, o presidente distrai a plateia de moto, parabeniza a polícia do Rio pela chacina que choca o mundo, acusa a China de promover “guerra química” e articula uma manobra à la Trump para 2022. Eleito sete vezes pelo voto digital, inclusive para a Presidência, ele ataca a urna eletrônica e enche o ambiente de tensão. Será que é só mesmo a favor do voto impresso, ou prepara um golpe contra os resultados da eleição?

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,odio-trevas-e-grana,70003710843


Rosângela Bittar: ‘Tratoraço’ é um clássico da corrupção com recursos do Orçamento

Verbas secretas, superfaturamento, direcionamento de valores acima da referência para aquisição de determinados itens do cancioneiro parlamentar, como tratores e retroescavadeiras. Esta equação, apontada em ampla e minuciosa reportagem de Breno Pires, do Estadão, na edição deste domingo, é um clássico da corrupção com recursos do Orçamento Federal. Detalhada em valores, responsáveis e beneficiários, a matéria desfaz um sofisma insistentemente repetido pelos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.

Impressiona a forma veemente como os fanáticos do presidente enfatizam, ao aceitar piedosamente críticas aos erros e omissões da sua administração, o fato de não haver, no governo Bolsonaro, denúncias ou escândalos de corrupção. Para muitos indícios puderam fechar os olhos, não para este.

Aí está um, gritante, apontado de maneira cristalina. Exemplar daquela modalidade que envolve parlamentares governistas da base aliada, o Ministério de Desenvolvimento Regional e sua audiência municipal, além do coordenador deste tipo de esquema, o ministro da articulação política com gabinete no Palácio do Planalto.

Uma vez foram caminhões; outra, ambulâncias; desta modalidade, das mais antigas, que virou anedota, o fura-poço; agora, tratores e retroescavadeiras. Inovou-se, porém, em um quesito: para burlar tudo – cotas, tipos de emendas, sazonalidade, destinações, teto e todos os demais limites do orçamento de 2021, uma peça ainda sob choque e vetos presidenciais – a dinheirama em questão recebeu a tarja de verba secreta. Um expediente recorrente.

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,tratoraco-e-um-classico-da-corrupcao-com-recursos-do-orcamento,70003709581

 


Ricardo Noblat: Escândalo do orçamento secreto atinge em cheio governo Bolsonaro

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) é pouca coisa para investigar o governo do presidente Jair Bolsonaro, que se apresenta como inatacável e sujeito apenas a erros comuns.

Outra CPI, em breve, será proposta para investigar um orçamento secreto de R$ 3 bilhões, boa parte dele destinado à compra de tratores e equipamentos agrícolas a preços superfaturados.

É nitroglicerina pura o que descobriu o jornal O Estado de S. Paulo. A origem do orçamento secreto está no discurso de Bolsonaro de não lotear cargos no primeiro escalão do governo.

De um jeito ou de outro, a moeda de troca se deu por meio da transferência do controle de bilhões de reais do orçamento ao Congresso, tudo longe do olhar dos eleitores, segundo o jornal.

O Estadão teve acesso a 101 ofícios enviados por deputados federais e senadores ao Ministério do Desenvolvimento Regional para indicar como eles preferiam usar esses recursos.

Por “contrariar o interesse público”, Bolsonaro havia vetado a tentativa do Congresso de impor o destino de um novo tipo de emenda ao orçamento chamada RP9.

Tão logo se viu em apuros, porém, com medo da abertura de um processo de impeachment contra ele, Bolsonaro ignorou o próprio veto para atrair o apoio dos partidos do Centrão.

O que ele permitiu atropelou as leis orçamentárias, pois são os ministros de Estado que deveriam definir em que obras aplicar os recursos destinados ao pagamento de emendas parlamentares.

Os acordos para direcionar o dinheiro não são públicos, e a distribuição dos valores não é equânime entre os congressistas, atendendo a critérios eleitorais. Só ganha quem apoia o governo.

Davi Alcolumbre (DEM-AP), por exemplo, ex-presidente do Senado, determinou a aplicação de R$ 277 milhões de verbas públicas só do Ministério do Desenvolvimento Regional.

Ele precisaria de 34 anos no Senado para conseguir indicar esse montante por meio da tradicional emenda parlamentar individual, que garante ao congressista direcionar R$ 8 milhões ao ano.

Um caso exemplar é o do deputado Lúcio Mosquini (MDB-RO). O governo aceitou pagar R$ 359 mil num trator que, pelas regras normais, somente custaria R$ 100 mil aos cofres públicos.

“Recursos a mim reservados” foi a expressão usada em ofício pela deputada Flávia Arruda (PL-DF) para dirigir-se à Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf).

Atual ministra da Secretaria do Governo, Flávia definiu o destino de R$ 5 milhões do orçamento secreto. “Não me lembro. Codevasf?”, ela perguntou ao jornal. E depois justificou:

– É tanta coisa que a gente faz que não sei exatamente do que se trata.

O escândalo da hora privilegiou a compra de tratores. No passado, escândalos do mesmo gênero contemplaram a distribuição pelo governo federal de caminhões e ambulâncias a prefeituras.

À sua época de deputado federal, Bolsonaro manifestou indignação com tantos escândalos desse tipo. Agora, ele protagoniza um depois de proclamar que seu governo é imune à corrupção.

Fonte:

Metrópoles

https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/escandalo-do-orcamento-secreto-atinge-em-cheio-governo-bolsonaro


Fernando Gabeira: Morrendo pela boca

Pode ser que eu esteja maluco. Morreu há muitos anos o amigo Chico Nélson, que me socorria nesses momentos de dúvida e dizia: “Tranquilo, você está lúcido”.

Nada me impressiona mais na sequência de bobagens diárias de Bolsonaro do que esta pergunta: “Será que não estamos enfrentando uma nova guerra?”.

O presidente da República é, pela Constituição, o comandante das Forças Armadas. Se ele se volta para nós e pergunta se estamos enfrentando uma guerra, deixa-nos tão inseguros quanto os passageiros de um avião questionados por um piloto ao aterrissar: “Será que estamos com o trem de pouso acionado?”.

O contexto da pergunta é claro: o presidente duvida da origem do coronavírus. Essa é uma dúvida que circulou no ano passado, com inúmeras reportagens investigativas sobre o laboratório de Wuhan de onde o vírus poderia ter escapado.

Nenhuma delas foi convincente. A Austrália duvidou do papel da China e pediu oficialmente uma investigação. Você pode ou não concordar com a medida, mas é muito mais sério do que ficar reclamando pelos cantos, como faz a família Bolsonaro.

A OMS constatou em Wuhan que a hipótese de o vírus ter escapado do laboratório é improvável, fortalecendo a ideia de uma transmissão por animais.

A China é um país com grande crescimento material e uma visão estratégica de longo alcance. É um absurdo imaginar que disseminaria um vírus em sua própria população, correndo um risco gigantesco, apenas para atingir os outros.

Essa é uma tese de gente que acha que o Partido Democrata americano é composto de pedófilos que se reúnem no porão de uma pizzaria.

Apesar de admirar a riqueza e a cultura tradicional da China, não creio que possa ser qualificado de um maldito comunista. Pelo contrário. Quando deputado, participei de uma coalizão internacional pelo Tibete livre. Convidei o Dalai Lama para falar no Congresso brasileiro, briguei com o Itamaraty quando, sob pressão da China, hesitou em conceder o visto de entrada ao líder religioso.

É possível e necessário discordar da política de grandes potências, EUA ou China, desde que se parta de convicção profunda, assumindo as consequências dessa discordância.

É inadmissível um presidente da República difundir fake news e teorias da conspiração contra a China, sem nem assumir que está falando do país.

É possível que a Austrália sofra alguma retaliação comercial por se opor à China abertamente. No caso brasileiro, o elemento covardia talvez seja uma agravante porque Bolsonaro fala de um vírus, fala de um país que cresceu após a pandemia, mas não assume que se referia à China.

No momento em que está acossado pela CPI, essas referências ao coronavírus como se fosse um ato de guerra dos chineses mostram como Bolsonaro realiza profundamente aquilo que denuncia em seus opositores: a politização da pandemia.

É um movimento patético, porque Bolsonaro é acusado de um negacionismo que contribuiu com a morte de muita gente. Nesse caso, rigorosamente não importa se o vírus foi ou não difundido pelos chineses nessa fantástica guerra; o que importa é se ele mata ou não.

A ideia de ignorar o vírus e tocar a economia como se nada estivesse acontecendo é uma leitura bárbara da teoria de imunidade de rebanho. É um tipo de estratégia a ser realizada pela vacinação e por outras medidas de segurança, jamais pela exposição à morte de milhares de pessoas.

A política internacional tornou-se mais complexa com a ascensão da China e o relativo declínio dos Estados Unidos. Nossa vida cotidiana foi atropelada pela pandemia.

Nunca foi necessária tanta habilidade de um estadista para posicionar o Brasil no mundo e, simultaneamente, conduzir uma política interna de proteção da vida.

Bolsonaro jamais se interessou pela política internacional, jamais se interessou por salvar vidas, mas apenas por tocar a economia e salvar seu mandato.

Homem errado no lugar errado é a grande causa de nosso sofrimento.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/morrendo-pela-boca.html


Vinicius Torres Freire: Mortos de fome, de Covid, a bala, muitos pobres não largam Bolsonaro

Pouco antes do segundo turno de 2018, o Datafolha perguntou qual era o candidato a presidente que mais defendia os ricos. Deu Jair Bolsonaro com 55% e Fernando Haddad (PT) com 22%.

Quem mais defendia os pobres? Haddad, 54%, Bolsonaro, 31%. Os mais pobres, com renda familiar de menos de dois salários mínimos, eram algo mais estritos na definição de classe: Bolsonaro defendia os mais ricos para 59%, Haddad defendia os mais pobres para 60%.

“Tudo bandido”, disse Hamilton Mourão sobre os mortos do bairro pobríssimo e apartado do Jacarezinho (“apartado” também no sentido de “apartheid”).

No que interessa aqui, tanto faz qual era a situação jurídica das vítimas do massacre: tanto fazia para Mourão. No universo mental bolsonariano atira-se primeiro, esquece-se depois. Os pobres e apartados em geral são “tudo bandido”, filho de porteiro que tira zero, empregada que viaja para fora, filho desajustado de mãe solteira, quilombola gordo imprestável etc. Tudo isso é mui sabido, inclusive o autoritarismo da turma: naquele Datafolha, Bolsonaro era o mais autoritário para 75%.

Nem o insulto bolsonarista nem a injúria da vida dura bastam para fazer com que os pobres larguem de vez Bolsonaro. É ingenuidade citar estatísticas socioeconômicas para explicar bolsonarices, mas convém lembrar delas.

Foram os pobres que mais perderam emprego e renda na epidemia, bidu, os que mais ficaram sem escola ou mesmo merenda. Segundo os estudos disponíveis (com dados do ano passado), são os que mais adoecem e morrem de Covid-19.

Nos últimos 12 meses, a inflação média para pessoas de renda muito baixa foi de 7,2%; para as de renda alta, 4,7% (dados da Carta de Conjuntura do Ipea). Desde que Bolsonaro assumiu, a inflação média (IPCA) acumulada foi de 11,2% —o salário médio subiu menos do que isso, o dos mais pobres, informais, menos ainda, isso quando têm renda de trabalho. A inflação média da comida foi de 28,9%.

Apenas entre os mais pobres Haddad deve ter vencido a eleição, segundo o Datafolha da véspera da votação de 2018. No Datafolha mais recente, de março, 30% do eleitorado dá “ótimo/bom” a Bolsonaro, com diferenças estatisticamente irrelevantes entre as classes de renda. Mas a taxa de decepção com Bolsonaro é muito maior entre os mais ricos (medida pela diferença entre a parcela dos que dão nota “ótimo/bom” agora e a votação em 2018).

Os pobres das grandes cidades vivem sob ocupação de milícias e facções, que são também polícia do Estado de terror. A milícia é um modo alternativo de ascensão social, por assim dizer, de ex-militares de baixa patente e agregados, a mobilidade de parte do precariado. Já tem vínculos firmes com a política municipal de regiões metropolitanas, avança nas Assembleias e pôs um pé no Congresso e no poder federal, vide os Bolsonaro.

A ocupação dos bairros pobres assim se institucionaliza, também no sentido de ter apoio estatal permanente. Em um movimento de pinça, os Bolsonaro apoiam tanto matanças policiais como milícias nos bairros pobres. Apresentadores de TV sanguinários fazem a propaganda do bolsonarismo político e militar-miliciano.

É fácil perceber que diagnósticos socioeconômicos não ajudam a explicar a persistência do bolsonarismo popular, como não explicavam parte da política, digamos, normal. Mas cabe a pergunta, que não é acadêmica: por que não explicam?

É assunto para outro dia, mas bolsonarismo tem a ver com machice, ressentimentos e medos reativos vários, religião e autoritarismo “raiz”. Mas também é revolta contra o “sistema” que larga os pobres à própria sorte, revolta que pode ter essa ou aquela conformação, autoritária ou outra, a depender da conjuntura e da política, de esquerda em particular.

Quem é que vai “lá” falar com os pobres?

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2021/05/mortos-de-fome-de-covid-a-bala-muitos-pobres-nao-largam-bolsonaro.shtml


Cristovam Buarque: Bolsonaro dá sinais de epidemia mental

O deputado Fausto Pinato, do bloco de apoio ao Presidente, escreveu publicamente que Bolsonaro sofre de grave doença mental. Segundo ele, não há outra explicação para suas posições em relação à China.

De fato, são gestos de insanidade, o presidente do Brasil, sem qualquer razão, ofender e provocar a potência chinesa, que marcha para ter a maior economia do mundo, com a maior população e alguns dos mais avançados setores em tecnologia. Só isto bastaria para indicar sinais de insanidade.

Mais grave é que a China é o maior parceiro comercial do Brasil e o principal fornecedor de vacinas contra a covid. Basta o governo chinês se impacientar, para a economia brasileira sofrer um revés de tamanho catastrófico, e nossa situação sanitária sofrer consequências ainda mais graves. Se a China deixar de comprar nossa proteína vegetal e animal, a perda econômica não será apenas por alguns anos, poderá ser por décadas ou definitiva.

No lugar de nos preparar para o momento em que isto poderá ocorrer em algum momento no futuro, quando a China encontrar outras fontes de proteínas mais próximas, o Presidente parece querer antecipar nossa debacle, simplesmente por preconceito pessoal contra a China. Isto já é sinal do que o Deputado Pinato chama de insanidade.

Mais urgente ainda é provocar o corte do fornecimento de vacina contra o covid. A única solução para barrar o número de mortos é a vacinação em massa e nosso único caminho nos próximos meses é a vacina chinesa. Além de que dezenas de milhões já tomaram a primeira dose e precisam da segunda vinda da China.

A fala do presidente só tem como explicação uma mente desequilibrada. Como foi a Rainha Maria I, vinda com D. João VI. Sofria de depressão, sentimento de vazio, irritabilidade, isolamento, sentimento de culpa, ao ponto de ganhar o apelido de Maria Louca. Mas não tinha qualquer participação no governo. Sua loucura era um drama e um problema familiar, sem consequências para o país.

O caso do presidente Bolsonaro é diferente. Suas manifestações de insanidade representa uma ameaça de proporções catastróficas. Não seria problema maior se seus distúrbios fossem invenções da oposição, como aliás alguna consideram quw acontecia com a Rainha Maria. Mas seus gestos começam a ser reconhecidos e denunciados por seus apoiadores.

E sabemos que a China não é a única mania pertubadora do presidente. A análise de seus discursos passa a impressão que ele tem surtos de delírios. Seria grave se ele fosse apenas um mentiroso incorrigível, mas é pior: tudo indica que ele acredita em seus delírios e vive rodeado de pessoas que acreditam no que ele diz quando delira, acredita e tem pavor de medo dele.

Até mesmo um general reconhece isto ao dizer que tomou vacina escondido, outro general assustado diz que “quem pode manda, quem não pode obedece” e com isto justifica usar o Ministério da Saúde para promover o uso de remédios comprovadamente ineficazes. A paranoia é uma doença que contamina pelo medo e que retroalimenta seu grupo. É isto que faz o Brasil atravessar um momento perigoso.

Mas este problema seria bem enfrentado se o Brasil assistisse uma aliança de líderes sanos unidos para vencer as eleições de 2022 e colocar um governo pelo menos lúcido. Não é isso que assistimos: em momento de risco, a divisão também é uma loucura. Aparentemente temos um governo insano e uma oposição sem juízo.

*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador

Fonte:

Metrópoles

https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/bolsonaro-da-sinais-de-epidemia-mental-quando-ataca-a-china

 


Rolf Kuntz: Desemprego, inflação e mais de 400 mil mortos

Combinar desemprego e inflação foi a maior façanha econômica do presidente Jair Bolsonaro, em quase dois anos e meio de mandato. Bolsos vazios dificilmente convivem com preços em alta, mas esse raro conúbio foi promovido pelo atual desgoverno. Multidões em busca de vagas formaram filas no começo do ano e continuam formando. Os desocupados eram 14,4 milhões no trimestre móvel encerrado em fevereiro – o maior número da série iniciada em 2012. Projeção do Banco Central (BC) aponta inflação de 5,1% no fim de 2021, quase estourando o teto da meta, fixado em 5,25%. Em 12 meses os preços ao consumidor já subiram 6,17%, segundo a prévia da inflação de abril, o IPCA-15. O alerta é claro, mas o risco permanece, enquanto a equipe econômica se perde em confusões e o presidente fala mal da China e ameaça editar decretos autoritários. As incertezas criadas pelo presidente favorecem a alta do dólar, um dos fatores inflacionários.

O Brasil continua estagnado, enquanto outros países voltam a crescer e a criar empregos. Também sofrem com novas ondas de covid, mas avançam na vacinação e seguem rumos bem definidos. No Brasil, a imunização, já atrasada, tem sido interrompida por escassez de vacinas. Nos negócios, a retomada é lenta e insegura. No primeiro trimestre a indústria produziu 1% menos que nos três meses finais de 2020. A comparação dos volumes produzidos em 12 meses mostra um recuo de 3,1%.

Com desemprego elevado, orçamento curto, preços em alta e muita insegurança, mesmo os consumidores ainda ocupados têm contido os gastos. As famílias em pior situação, sem ninguém ocupado ou com renda perto de zero, precisaram de ajuda para matar a fome. Dependiam do auxílio emergencial, deixaram de recebê-lo em janeiro e só em abril foram de novo socorridas com recursos públicos.

Campanhas de solidariedade atenuaram o problema, levando comida a favelas e a às áreas mais pobres. Grupos informais, organizações civis e governos locais e estaduais atuaram de diversas formas e depois houve adesão de grandes empresas. O governo federal, o último a se mexer, finalmente restabeleceu algum apoio, muito modesto, às famílias necessitadas.

Não está claro se o ministro da Economia e sua equipe olharam para outro lado, sem se importar com a situação de dezenas de milhões de pessoas, ou se apenas deixaram de perceber o problema. Não se pode menosprezar a segunda hipótese. O ministro parece acordar, de vez em quando, para a economia real, mas só de vez em quando. Ele age e se manifesta, na maior parte do tempo, como se mal percebesse o dia a dia da produção, das vendas, do consumo, do emprego, das condições de vida dos trabalhadores e de suas ambições. Talvez pareça estranho, mas essas ambições incluem visitar a Disney e mandar filhos a universidades. Os dois assuntos já foram comentados pelo ministro e isso remete à primeira hipótese.

Quem pouco se ocupa do mundo quotidiano pode pelo menos olhar os números oficiais. Dados do comércio varejista mostram um pouco da história das famílias e de seus apertos. Em março, as vendas no varejo do dia a dia foram 0,6% menores que em fevereiro. Foi o quarto resultado negativo nos cinco meses a partir de novembro.

Os últimos dados mensais mostraram queda em sete dos oito ramos pesquisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Só cresceram (3,3%) as vendas de hipermercados, supermercados e outras lojas de alimentos e bebidas.

O auxílio emergencial foi retomado por quatro meses. Medidas adicionais de apoio às empresas e ao emprego também foram anunciadas, mas nenhuma iniciativa ambiciosa de estímulo ao crescimento foi anunciada. A mediana das projeções do mercado aponta expansão econômica próxima de 3% em 2021 e pouco superior a 2% em 2022.

Em março, a produção industrial ficou 16,5% abaixo do pico da série histórica, registrado em maio de 2011. Um plano de reindustrialização poderia fazer sentido, mas planejar é atividade estranha à atual gestão econômica. No mercado, assim como em Brasília, fala-se, de forma imprópria, de uma pauta de reformas.

A chamada reforma administrativa é uma proposta de mudança de regras de RH. Pode ser uma iniciativa útil, mas administração é muito mais que isso. Para os tributos, a equipe econômica propôs somente a fusão do PIS e da Cofins. O relator da reforma tributária, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), apresentou um projeto mais amplo, baseado principalmente na PEC 45. Mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defende um processo fatiado, a partir da pífia proposta do governo.

Em 2019 Bolsonaro conseguiu fazer a economia crescer apenas 1,4% – menos que em 2018. O governo deu algum sinal de vida em 2020, como dezenas de outros em todo o mundo. Mas em 2021 os demais governos continuaram avançando, enquanto o brasileiro chegou a abril sem dispor sequer de um Orçamento, com a economia emperrada e péssimo desempenho no combate à pandemia, com 400 mil mortos pela covid. Quantas vidas teriam sido salvas por uma política mais competente e mais decente?

*Jornalista

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,desemprego-inflacao-e-mais-de-400-mil-mortos,70003708634

 


Rolf Kuntz: Desemprego, inflação e mais de 400 mil mortos

Combinar desemprego e inflação foi a maior façanha econômica do presidente Jair Bolsonaro, em quase dois anos e meio de mandato. Bolsos vazios dificilmente convivem com preços em alta, mas esse raro conúbio foi promovido pelo atual desgoverno. Multidões em busca de vagas formaram filas no começo do ano e continuam formando. Os desocupados eram 14,4 milhões no trimestre móvel encerrado em fevereiro – o maior número da série iniciada em 2012. Projeção do Banco Central (BC) aponta inflação de 5,1% no fim de 2021, quase estourando o teto da meta, fixado em 5,25%. Em 12 meses os preços ao consumidor já subiram 6,17%, segundo a prévia da inflação de abril, o IPCA-15. O alerta é claro, mas o risco permanece, enquanto a equipe econômica se perde em confusões e o presidente fala mal da China e ameaça editar decretos autoritários. As incertezas criadas pelo presidente favorecem a alta do dólar, um dos fatores inflacionários.

O Brasil continua estagnado, enquanto outros países voltam a crescer e a criar empregos. Também sofrem com novas ondas de covid, mas avançam na vacinação e seguem rumos bem definidos. No Brasil, a imunização, já atrasada, tem sido interrompida por escassez de vacinas. Nos negócios, a retomada é lenta e insegura. No primeiro trimestre a indústria produziu 1% menos que nos três meses finais de 2020. A comparação dos volumes produzidos em 12 meses mostra um recuo de 3,1%.

Com desemprego elevado, orçamento curto, preços em alta e muita insegurança, mesmo os consumidores ainda ocupados têm contido os gastos. As famílias em pior situação, sem ninguém ocupado ou com renda perto de zero, precisaram de ajuda para matar a fome. Dependiam do auxílio emergencial, deixaram de recebê-lo em janeiro e só em abril foram de novo socorridas com recursos públicos.

Campanhas de solidariedade atenuaram o problema, levando comida a favelas e a às áreas mais pobres. Grupos informais, organizações civis e governos locais e estaduais atuaram de diversas formas e depois houve adesão de grandes empresas. O governo federal, o último a se mexer, finalmente restabeleceu algum apoio, muito modesto, às famílias necessitadas.

Não está claro se o ministro da Economia e sua equipe olharam para outro lado, sem se importar com a situação de dezenas de milhões de pessoas, ou se apenas deixaram de perceber o problema. Não se pode menosprezar a segunda hipótese. O ministro parece acordar, de vez em quando, para a economia real, mas só de vez em quando. Ele age e se manifesta, na maior parte do tempo, como se mal percebesse o dia a dia da produção, das vendas, do consumo, do emprego, das condições de vida dos trabalhadores e de suas ambições. Talvez pareça estranho, mas essas ambições incluem visitar a Disney e mandar filhos a universidades. Os dois assuntos já foram comentados pelo ministro e isso remete à primeira hipótese.

Quem pouco se ocupa do mundo quotidiano pode pelo menos olhar os números oficiais. Dados do comércio varejista mostram um pouco da história das famílias e de seus apertos. Em março, as vendas no varejo do dia a dia foram 0,6% menores que em fevereiro. Foi o quarto resultado negativo nos cinco meses a partir de novembro.

Os últimos dados mensais mostraram queda em sete dos oito ramos pesquisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Só cresceram (3,3%) as vendas de hipermercados, supermercados e outras lojas de alimentos e bebidas.

O auxílio emergencial foi retomado por quatro meses. Medidas adicionais de apoio às empresas e ao emprego também foram anunciadas, mas nenhuma iniciativa ambiciosa de estímulo ao crescimento foi anunciada. A mediana das projeções do mercado aponta expansão econômica próxima de 3% em 2021 e pouco superior a 2% em 2022.

Em março, a produção industrial ficou 16,5% abaixo do pico da série histórica, registrado em maio de 2011. Um plano de reindustrialização poderia fazer sentido, mas planejar é atividade estranha à atual gestão econômica. No mercado, assim como em Brasília, fala-se, de forma imprópria, de uma pauta de reformas.

A chamada reforma administrativa é uma proposta de mudança de regras de RH. Pode ser uma iniciativa útil, mas administração é muito mais que isso. Para os tributos, a equipe econômica propôs somente a fusão do PIS e da Cofins. O relator da reforma tributária, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), apresentou um projeto mais amplo, baseado principalmente na PEC 45. Mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defende um processo fatiado, a partir da pífia proposta do governo.

Em 2019 Bolsonaro conseguiu fazer a economia crescer apenas 1,4% – menos que em 2018. O governo deu algum sinal de vida em 2020, como dezenas de outros em todo o mundo. Mas em 2021 os demais governos continuaram avançando, enquanto o brasileiro chegou a abril sem dispor sequer de um Orçamento, com a economia emperrada e péssimo desempenho no combate à pandemia, com 400 mil mortos pela covid. Quantas vidas teriam sido salvas por uma política mais competente e mais decente?

*Jornalista

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,desemprego-inflacao-e-mais-de-400-mil-mortos,70003708634


Míriam Leitão: Falsos remédios e muitos venenos

Cloroquina é o símbolo deste governo que sempre tem falsos remédios com efeitos tóxicos para os problemas do país. O Brasil está diante de um devastador retrocesso na educação por causa da pandemia, e a proposta pela qual o governo Bolsonaro se bate é o homeschooling. O país vive uma grave crise na democracia, em parte criada por este governo, mas Bolsonaro exige a volta do voto impresso e por ele ameaça até a realização das eleições. Em vez de uma política de segurança, o projeto que tem sido posto em prática é a liberação das armas. Para o trânsito, o projeto, felizmente atenuado no Congresso, foi o da menor punição para infratores e o fim da cadeirinha das crianças. Em cada área pode-se encontrar a solução “cloroquina”, um falso remédio, que é, na verdade, um veneno.

Na semana passada, a CPI mostrou o efeito da cloroquina na política de saúde brasileira. Ela impede que se desenvolvam boas práticas para enfrentar a pior pandemia em um século, passou a ser a peça central da política pública, a única questão que mobiliza o presidente e o entorno do Palácio. Por ela, um ministro foi demitido, outro pediu demissão, o terceiro se escondeu atrás do Exército e o quarto engasgou. O senador Renan Calheiros (MDB-AL) fez seis vezes a mesma pergunta ao ministro Marcelo Queiroga, o senador Omar Aziz (PSD-AM), outras duas vezes. Queiroga não conseguia desengasgar e dizer se compartilhava ou não compartilhava da opinião do presidente sobre a cloroquina. “Apego ao cargo”, concluiu o senador Otto Alencar (PSD-BA). O remédio usado em caso de malária e lupus, com ineficácia comprovada para Covid-19, traz para o Brasil o pior dos efeitos colaterais. Por causa da obsessão do presidente, o país deixou de ter uma política de combate à pandemia. “Canalha”, disse Bolsonaro para definir quem discorda do uso da cloroquina. Um espelho o ajudaria a encontrar um bom destinatário para o adjetivo.

Foi uma semana dilacerante. O país perdeu um artista querido que lotava cinemas e teatros, que nos fazia rir em momento que tanto precisamos. Perdemos Paulo Gustavo com 42 anos e uma vida pela frente e isso nos lembra que a morte por Covid está ficando mais jovem. No dia mesmo em que seu corpo era cremado, o Rio viu mais uma chacina. Jacarezinho foi palco de um horror de país em guerra. O governador Claudio Castro disse que a operação da Policia Civil, que vitimou um policial e 27 moradores, foi fruto de ação de inteligência. A identidade dos moradores mortos não havia ainda sido divulgada, e o vice-presidente, Hamilton Mourão, definiu-os como “tudo bandido”. Mais tarde, repetiu que eram todos “marginais”. Se forem, então, podem ser executados, sem direito a um processo? As leis brasileiras não têm pena de morte, mas para o vice-presidente pessoas podem ser mortas, sem direito a um processo. Para completar, Mourão disse que no Rio “é a mesma coisa que se a gente tivesse combatendo no país inimigo. Quase a mesma coisa.”

A solução cloroquina que ele oferece aqui é letal. Em vez de uma política de segurança, execução em massa, suspensão do devido processo legal, e a transformação do Rio em território inimigo. Mourão pelo visto quer mostrar a Bolsonaro que merece continuar sendo seu vice. Compartilha dos mesmos valores. Resta perguntar à dupla o que fazer com a milícia nesse “país inimigo”.

Durante a semana em que a CPI exibiu uma radiografia de como o governo tem contribuído para o aumento do contágio e das mortes por Covid-19, Bolsonaro esteve sob o comando do filho Carlos. Para tentar desviar a atenção posta na CPI, Bolsonaro empilhou absurdos. Ameaçou baixar um decreto autoritário, atacou o principal parceiro comercial do Brasil e fornecedor de insumos para vacinas e disse que pode não haver eleições, se não for aprovado e implantado o voto impresso.

Bolsonaro quer impor uma pauta estranha às urgências do país, em todas as áreas. Mais de cinco milhões de crianças e adolescentes não tiveram acesso à educação durante a pandemia, e, quanto mais pobre, menos o aluno está aprendendo. Estamos vivendo uma tragédia que recai sobre uma geração inteira de estudantes. Mas a solução cloroquina é permitir que um grupo de fanáticos tenha o direito de aprisionar a cabeça dos filhos numa educação medieval, que elimina a escola. Assim é o governo Bolsonaro. Tóxico.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/falsos-remedios-e-muitos-venenos.html