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Luiz Carlos Azedo: A crise não viaja

Bolsonaro está em guerra com o Judiciário, que pretende subjugar. Primeiro, nomeando aliados; segundo, pelo confronto com o Supremo, que pretende intimidar

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Toda vez que o presidente José Sarney viajava para o exterior, o então senador Fernando Henrique Cardoso dizia, maledicente: “A crise viajou”. Mais tarde, viria a exercer dois mandatos na Presidência, passando também por seus dissabores. Hoje, os ex-presidentes têm bom relacionamento, mas jamais se tornaram amigos. O presidente Jair Bolsonaro, porém, viaja muito pouco para o exterior. Ninguém o convida para compromissos bilaterais, e sua ida aos foros internacionais são puro desgaste, pela péssima imagem que tem no exterior. Com ele, a crise não viaja.

Políticas interna e externa não são assimétricas; quando isso ocorre, pode terminar muito mal, como no caso do governo de Jânio Quadros, cujo cavalo de pau no Itamaraty, ao condecorar Che Guevara em plena Guerra Fria, deixou-o em rota de colisão com os aliados, principalmente Carlos Lacerda, então governador da antiga Guanabara. Essa crise resultou na sua inopinada renúncia. A longo prazo, os eixos duradouros da política externa são as relações comerciais e a identidade nacional, muito mais do que a momentânea orientação política de governo. Hoje, a divisão internacional do trabalho nos reserva papel estratégico como produtor agrícola e de minérios e faz da China nosso principal parceiro comercial; em contrapartida, do ponto de vista identitário, o americanismo se amalgama à herança cultura ibérica, o que nos afasta do velho nacionalismo latino-americano.

Entretanto, politicamente, vivemos um ponto fora da curva no governo Bolsonaro. O presidente da República atua para nos colocar no eixo de países cujos governantes foram eleitos em pleitos manipulados, seja pelas regras do jogo, seja pelo controle dos meios de comunicação e/ou pela intimidação da oposição. Como o presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, que ao assumir não tinha uma estratégia, Bolsonaro se movimenta exclusivamente para continuar no poder, com a diferença de que o líder russo sempre manteve alta popularidade, enquanto a sua derrete. Controle das Forças Armadas, dos serviços de segurança, do Ministério Público, do Judiciário; aliança com oligarcas amigos e
com a Igreja Ortodoxa Russa garantem a longa permanência de Putin no poder.

Controlar o Judiciário é uma via de passagem para o autoritarismo. Na Hungria de János Áder, no poder desde 2012, juízes foram forçados a renunciar, e o regime fez 1.284 nomeações políticas. Os que sobraram perderam autonomia. Aqueles que permaneceram em suas funções tiveram sua autonomia confrontada. Na Turquia, 4,5 mil juízes foram presos e espoliados, nos últimos cinco anos, pelo governo de Tayyip Erdogan. Centenas continuam presos.

O atual presidente da Polônia, Andrzej Duda, do Partido Lei e Justiça, para se reeleger, gastou 40 milhões de euros com uma rede de fake news contra o Judiciário, com apoio do Ministério da Justiça e do Ministério Público. Essas denúncias são do presidente da Associação Europeia de Juízes, José Igreja Matos, desembargador na cidade do Porto, em palestra virtual para magistrados brasileiros, segundo nos relata a jornalista Maria Cristina Fernandes, em sua coluna de ontem, no Valor Econômico.

Supremo
Esse é o eixo de extrema-direita ao qual pertence Bolsonaro, depois da derrota do ex-presidente Donald Trump, nos Estados Unidos, e do ex-primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, em Israel. Com nenhum desses países, inclusive a Rússia, o Brasil tem relações comerciais robustas para sustentar essa política externa. Mas o que importa é o modelo. Bolsonaro está em guerra com o Judiciário, que pretende subjugar.

Primeiro, nomeando aliados para cargos estratégicos, como o procurador-geral da República, Augusto Aras, que pretende reconduzir, e o ex-advogado-geral da União e pastor evangélico André Luiz de Almeida Mendonça, indicado para a vaga do ex-ministro Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal (STF). Ambos serão sabatinados no Senado, que pode homologar ou não seus nomes. É do jogo.

Segundo, pelo confronto com o STF, que pretende intimidar com a ameaça de um golpe de Estado. Não é do jogo. A cassação de Hermes Lima, Evandro Lins e Silva e Victor Nunes Leal pelo regime militar, que provocou a renúncia dos ministros Antônio Carlos Lafayette de Andrada e Antônio Gonçalves de Oliveira, é um trauma no Supremo até hoje. Em 1971, o ministro Adaucto Lúcio Cardoso abandonou o plenário ao ser o único contrário à lei da censura prévia, editada pelo governo Médici. A regra permitia que censores ocupassem as redações dos jornais e vetassem a publicação de textos. Votou contra e renunciou ao cargo.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-crise-nao-viaja/

Carlos Melo: A credibilidade Bolsonaro e o jogo de Pacheco

Carlos Melo / O Estado de S. Paulo

Ainda que o senso comum não acredite e os políticos façam o impossível para desacreditarem-se, a confiança é a base da relação política. Nos bastidores, honrar a palavra e cumprir acordos é importante ativo: perdem-se batalhas, mas não a plausibilidade e o respeito. Haverá sempre amanhã. Por outro lado, por mais tolerantes que sejam os atores e excepcionais as circunstâncias, a impostura e a fanfarrice, repetidas e continuadas, cansam e corroem o capital político. A credibilidade é algo que se perde irremediavelmente.

Jair Bolsonaro esqueceu que “o perdão também cansa de perdoar”. Parte do sistema político e parcelas relevantes das instituições cansaram do ziguezaguear de seu humor e da inconsistência de suas promessas. A condescendência, quando abusada, morre abandonada. Como apontam as pesquisas, também a sociedade parece exausta de conflitos e ameaças. Bolsonaro tem abusado. E isso só tem lhe piorado a situação.

Foram inúmeras as tentativas de conciliação, pactos, desmentidos. Dezenas de reuniões e convescotes para celebrar acordos que não se efetivaram. A indisposição dos ministros do STF foi lenta, gradual, mas aparentemente sem volta. Até Dias Toffoli e Luiz Fux indicam terem chegado ao limite. À exceção de Kássio Marques, para os demais, as malas de Bolsonaro estão no corredor.

“Amortecedores da República”, Ciro Nogueira e o Centrão são tolerantes por conveniência, não por amor: drenam recursos do presidente isolado alimentando-lhe as fantasias de poder, mas o diálogo que oferecem à Praça dos Três Poderes é antes a construção de uma ponte para que possam atravessar, mais adiante.

Já Rodrigo Pacheco joga de líbero: atrás da zaga, pega “a sobra”, dá “chutão”. Mas, a depender das circunstâncias, avança como um Franz Beckenbauer. Conciliador assertivo, visa a confiança a partir dele próprio. Habilita-se como opção ao fraco time do capitão e aos temores em relação a Lula. Pacheco tem nome de torcedor, mas quer mostrar que joga bola. Dizem que Gilberto Kassab o tem treinado.

*Cientista Político e professor do Insper

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/blogs/carlos-melo/pacheco-credibilidade/


CPI da Covid ouve Túlio Silveira, advogado da Precisa Medicamentos

Ele é um dos três membros da empresa que teve os sigilos telefônico e telemático quebrados pela comissão em junho

Redação / O Estado de S. Paulo

Comissão Parlamentar de inquérito (CPI) da Covid ouve nesta quarta-feira, 18, o advogado da Precisa MedicamentosTúlio Silveira, representante da empresa na negociação da vacina indiana Covaxin, da Bharat Biotech, com o Ministério da Saúde. A transação é uma das principais linhas de investigação da comissão.

Amparado por um habeas corpus concedido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, Túlio Silveira poderá ficar em silêncio e não responder a perguntas que possam incriminá-lo. O advogado chegou a alegar “sigilo profissional” para não ser “compelido a depor sobre a Precisa na CPI, sob pena de cometimento do crime de violação do sigilo funcional". O argumento, no entanto, não foi aceito por Fux.

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A Precisa Medicamentos atuou como intermediária entre a Bharat Biotech e o Ministério da Saúde na negociação pela compra de 20 milhões de doses da vacina. Após as investigações da CPI da Covid, o contrato no valor de R$ 1,6 bilhão foi encerrado no mês passado

Originalmente, na sessão de hoje estava prevista a acareação entre o ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), e o deputado Luis Miranda (DEM-DF). O confronto de versões foi cancelado na última terça. Na avaliação dos membros da comissão, a acareação não traria nenhum fato novo às investigações.

A oitiva de Túlio Silveira atende a requerimento do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que defende que o depoimento será importante “para que seja possível esclarecer os detalhes de potencial beneficiamento da Bharat Biotech, representada no Brasil pela Precisa Medicamentos, na negociação de compra de vacinas pelo Ministério da Saúde.”

O advogado é um dos três membros da Precisa Medicamentos que teve os sigilos telefônico e telemático quebrados pela CPI em junho. O mesmo ocorreu com a diretora Emanuela Medrades e com o dono da empresa, Francisco Maximiano, que deve depor na quinta-feira, 19, à comissão em uma das oitivas mais aguardadas pelos senadores.

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Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro derrete e apela para o golpismo

A expectativa de poder que Bolsonaro mantém não se sustenta no projeto eleitoral, mas no governo como forma concentrada de poder e na narrativa do golpe de Estado

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

A pesquisa XP-Ipespe divulgada ontem mostra que Jair Bolsonaro derreteu eleitoralmente — perde para qualquer concorrente no segundo turno, se as eleições fossem hoje. Mais ainda, pode até ser derrotado pelo ex-presidente Luiz Inácio lula da Silva no primeiro turno, se mantiver a polarização com o petista e conseguir inviabilizar a chamada “terceira via”, como pretende. Segundo o cientista político Antônio Lavareda, mesmo com o recesso da CPI da Covid e o bom desempenho do Brasil nas Olimpíadas de Tóquio, que reduziram o noticiário negativo, o mau humor dos brasileiros com o presidente da República aumentou.

Não faltam motivos para isso, apesar do avanço da vacinação em massa e da redução do número de óbitos diários pela covid-19, que o povo atribui aos governadores e aos prefeitos. Com justa razão, Bolsonaro é identificado com o vírus da pandemia e não com a vacina. Fez tudo o que podia e não deveria para isso. Ontem mesmo, andou falando que as pessoas que tomaram a CoronaVac, a vacina chinesa produzida pelo Instituto Butantan, estão morrendo. Sua avaliação positiva caiu de 22 para 21%, enquanto a de governadores subiu de 36% para 46% e a dos prefeitos, de 45% para 55% — mesmo com o presidente da República culpando-os pela crise sanitária.

O estrago feito pelo ex-ministro Eduardo Pazuello e sua equipe de militares na Saúde, desnudado pela CPI do Senado, é irreversível: 57% da população acreditam no envolvimento do governo e de alguns de seus membros na corrupção. O apoio à CPI é robusto e inversamente proporcional: 57%. Na pesquisa, 67% dos entrevistados disseram que acompanham a CPI e 74% dos brasileiros perderam um parente, amigo ou colega na pandemia. O pior dos mundos para Bolsonaro é a percepção da economia, negativa para 63% da população. Em julho, eram 57%.

Ou seja, mesmo com alguns indicadores positivos, como o crescimento do PIB, e medidas recentes para ajudar a população de mais baixa renda, como o Auxílio Brasil, o programa federal que substituirá o Bolsa Família, o povo se queixa da inflação, dos juros altos e do desemprego, que formam um círculo vicioso. Nas simulações eleitorais, Bolsonaro perderia para Lula, Ciro Gomes, Sergio Moro, Luís Henrique Mandetta, João Doria e Eduardo Leite. Se aparecer mais um candidato, talvez perca para ele também. A expectativa de poder que mantém não se sustenta no seu projeto eleitoral, mas no governo como forma mais concentrada de poder e na narrativa do golpe de Estado. Esse é o xis da questão.

O ministro da Defesa, Braga Neto, compareceu ontem à Câmara para dizer que a ameaça de não realização das eleições, caso não fosse aprovado o voto impresso, nunca houve e é um assunto encerrado. É mesmo, porque a Câmara enterrou a proposta. Mas a narrativa golpista de Bolsonaro continua. É construída sobre três pilares: a disseminação da suspeita de fraude eleitoral para beneficiar a candidatura de Lula, o falso papel moderador que atribui às Forças Armadas nas relações entre os Poderes e o questionamento da autoridade do Supremo Tribunal Federal (STF) na exegese da Constituição.

Vivandeiras|
Bolsonaro escala seu confronto com os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news, e Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para provocar uma grave crise institucional e arrastar as Forças Armadas para a aventura de um golpe de Estado, antecipando-se à derrota eleitoral que vislumbra no horizonte. Exuma o velho castilhismo castrense da Revolução de 1930, percorre quartéis e campos de manobras como “comandante supremo das Forças Armadas”. Parece uma daquelas “vivandeiras alvoroçadas” que percorriam os bivaques para “bulir com os granadeiros e pro- vocar extravagâncias do poder militar”, como disse, certa vez, o marechal Castello Branco, referindo-se aos políticos golpistas.

Os políticos do Centrão, entre os quais o novo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, tiram proveito da situação para avançar sobre cargos do governo e verbas do Orçamento da União, mas, até agora, não embarcaram no projeto golpista. Um golpe de Estado, quando nada, anularia todo o poder de barganha que hoje desfrutam. Além disso, não têm a mesma ojeriza dos militares a Lula, pois foram seus aliados quando o PT estava no poder — alguns até foram ministros. Atuam como a turma do deixa disso, mas não estão tendo sucesso na tentativa de protagonizar e viabilizar o projeto de reeleição de Bolsonaro.

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Felipe Salto: A PEC dos Precatórios é o verdadeiro meteoro

Chance de restaurar a responsabilidade fiscal em curto prazo foi para o espaço

Felipe Salto / O Estado de S. Paulo

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 23, de autoria do governo federal, propõe o calote dos precatórios. Sem a manobra, o governo argumenta que o teto de gastos seria rompido. Na verdade, a PEC é o verdadeiro “meteoro” a explodir o teto e, com ele, a credibilidade que ainda restasse da política fiscal.

Em março de 2021, a PEC Emergencial prometeu “resolver” a suposta impossibilidade de acionar os gatilhos do teto. Essa trava constitucional foi fixada em 2016 para limitar a evolução da despesa pública primária (sem contar os juros da dívida) à inflação. Ao ser rompida, medidas automáticas de ajuste fiscal seriam acionadas (gatilhos).

Em 2019, dado o iminente estouro do teto, o governo propôs a PEC Emergencial. Sob uma interpretação apressada – e errada –, determinou que o mecanismo de acionamento dos gatilhos da regra do teto original era inviável. Contudo, uma vez aplicado, teria barrado aumentos de despesas acima da inflação, a exemplo do reajuste salarial dos militares.

A PEC Emergencial propôs uma nova regra para acionar os gatilhos: quando a despesa obrigatória primária superasse 95% da primária total, ambas sujeitas ao teto. A PEC não avançou, a pandemia chegou e por meio de outra PEC – a do Orçamento de Guerra – afastou-se, temporariamente, a necessidade de observar as regras fiscais.

Imbuído do propósito de solucionar o paradoxo dos gatilhos, chamemos assim, o Ministério da Economia ressuscitou a PEC Emergencial no fim do ano passado. O governo colocou na antiga proposta a previsão de pagamentos adicionais do Auxílio Emergencial. Este poderia ter sido financiado por meio de créditos extraordinários – sem necessidade de PEC, registre-se. Uma barganha, trocando-se o auxílio pela “reforma do teto”. Cruel, mas não surpreendente.

Muito barulho por nada. A “regra dos 95%” é matematicamente incompatível com o teto. Para que o gasto obrigatório superasse 95% do total, o discricionário teria de ficar abaixo de 5%. Isto é, um volume tão pequeno que os serviços públicos essenciais bateriam pino, conforme cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI). Ainda, o pagamento integral dos precatórios não levaria ao alcance dos 95% em 2022.

Assim, a regra do teto perdeu o condão de acionar os gatilhos e o novo mecanismo aprovado é impraticável. Isso nos traz à análise da PEC dos Precatórios. Para 2022 a IFI calcula que, se a inflação do fim de 2021 ficar igual à que corrigirá o teto (de junho de 2021), haverá uma folga de R$ 15 bilhões. O governo achou pouco e resolveu alterar novamente a regra. É a conhecida linha das pedaladas, mas agora constitucionalizadas: se a regra não ajuda nos objetivos de curto prazo, mude-se a regra.

A desculpa é um suposto “meteoro”. Os precatórios previstos para o ano que vem, de repente, teriam saltado de cerca de R$ 57 bilhões para R$ 89,1 bilhões. A verdade é que faltou gestão de riscos. A AGU defendeu a União nos processos e prestou informações ao Ministério da Economia. Por que os dados foram minimizados, se constavam até em documentos públicos oficiais, a exemplo do anexo de riscos fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias?

A solução da PEC 23 é pagar à vista os precatórios de pequeno valor, somada a uma fatia dos demais, limitada a 2,6% da receita corrente líquida. O restante será parcelado em nove anos e corrigido pela Selic. A manobra é idêntica à realizada nos tempos da contabilidade criativa, de 2008 a 2014. Lá, o alvo foi a meta de resultado primário (receitas menos despesas). Agora, o teto. Algo como R$ 40 bilhões em precatórios serão pagos no ano que vem. Os outros R$ 50 bilhões, parcelados. O valor mais baixo abrirá espaço no teto para despesas extras em ano eleitoral.

O gasto social é necessário num contexto de miséria crescente e desemprego elevado. Mas não por meio da implosão do Bolsa Família, substituído pelo chamado Auxílio Brasil, como quer a Medida Provisória n.º 1.061. O aumento do Bolsa Família deveria ser financiado com corte de despesas ineficientes. Não foi o atual ministro que prometeu tirar o Estado do cangote do cidadão?

Mudar o teto é mais fácil. A PEC dos Precatórios propõe que as despesas parceladas sejam pagas por meio de fundo paralelo ao Orçamento e fora do teto. É o bonde do fura-regra. Na prática, o teto de gastos já foi rompido. A IFI alertou, ao longo dos últimos anos, sobre esse risco, monitorando-o com transparência.

O malabarismo contábil era evitável. Bastaria uma sistemática transparente para os gatilhos, associada à gestão não imediatista do gasto, à harmonização do arcabouço fiscal e ao compromisso político permanente.

A PEC dos Precatórios é o verdadeiro meteoro a dinamitar o teto. Qualquer possibilidade de restaurar a responsabilidade fiscal no País em curto prazo foi para o espaço. Os juros exigidos pelo mercado nos títulos públicos já estão aumentando, a inflação resiste à alta da taxa Selic e a dívida vai crescer.

*Diretor executivo e responsável pela implantação da IFI.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,a-pec-dos-precatorios-e-o-verdadeiro-meteoro,70003812645


Polícia Civil do DF abre inquérito contra Sergio Reis após áudio

PCDF irá investigar suposta associação voltada a cometimento de crime em manifestações previstas para setembro. Em áudio, cantor e ex-deputado disse que no dia 8 de setembro daria prazo para que Senado retirasse ministros do STF, e que se isso não acontecesse, país iria parar

Sarah Teófilo / Correio Braziliense

A Polícia Civil do Distrito Federal abriu inquérito para apurar suposta associação para cometimento de crimes em manifestações previstas para setembro. A apuração, que está com o Departamento de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Decor), teve início após a circulação de vídeos e de áudios de pessoas, dentre eles o cantor e ex-deputado federal Sergio Reis, manifestando-se no sentido de cometer os crimes de ameaça, dano e atentado contra a segurança de meio de transporte.

No último fim de semana, o cantor divulgou vídeo afirmando que caminhoneiros e agricultores estavam organizando um movimento "para salvar o país", entre os dias 4 e 6 de setembro, mas não no dia 7, para não atrapalhar o desfile tradicional do presidente na data, em Brasília. "Depois ficamos acampados. (...). Eles vão se assustar com o movimento, mas a gente é da paz. Estamos nos preparando judicialmente para fazer uma coisa séria, para que o Exército tome uma posição, o governo tome uma posição", afirmou.

Depois, um áudio do cantor passou a circular. Nele, o cantor fala de forma mais clara sobre o motivo do movimento, com ameaças ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Senado. No áudio, ele comenta ter participado de um almoço com o presidente Jair Bolsonaro, ministros de Estado e os comandantes das Forças Armadas. "São pessoas importantes que não tinham ideia do que estava sendo preparado pelos caminhoneiros", disse.

Sérgio Reis afirmou que estava se organizando para ir ao Senado no dia 8 de setembro, se encontrar com o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para entregar uma "intimação" junto com dois líderes dos caminhoneiros e dois líderes do sindicato da soja. "Vão receber um documento com 72 horas para aprovar o voto impresso e para tirar todos os ministros do STF. Não é um pedido, é uma ordem. É assim que vou falar com o presidente do Senado", disse.

O cantor ainda pontuou que se não for cumprida a "intimação", darão mais 72 horas, mas que nesse período irão parar o país. No áudio, Reis diz que nada andará pelas estradas, nem carros, nem ônibus, apenas ambulâncias e polícias. "E se em 30 dias eles não tirarem aqueles caras (referindo-se aos ministros do STF), nós vamos invadir, quebrar tudo e tirar os caras na marra", afirmou.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/08/4944174-policia-civil-do-df-abre-inquerito-contra-sergio-reis-apos-audio.html


Congresso não julga contas presidenciais há 20 anos

Para especialistas, o quadro expõe uma crise no orçamento público e aumenta o poder de barganha das verbas federais em troca de apoio político

Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O Congresso deixou de fiscalizar o Orçamento aprovado pelos próprios parlamentares nos últimos anos. O Comitê de Avaliação, Fiscalização e Controle de Execução Orçamentária (CFIS) da Comissão Mista de Orçamento (CMO), que deveria acompanhar o andamento dos programas financiados por verbas federais, está parado e nunca funcionou. Além disso, o Legislativo não julga as contas presidenciais há quase 20 anos.

Para especialistas, o quadro expõe uma crise no orçamento público, que ficou à mercê da negociação política, e aumenta o poder de barganha das verbas federais em troca de apoio político. Em entrevista ao Estadão/Broadcast Político, a presidente da CMO, senadora Rose de Freitas (MDB-ES), prometeu formar um grupo para acompanhar as obras paralisadas e chamar os ministérios do governo a fazer um Orçamento conjunto com o Congresso antes mesmo do envio da proposta orçamentária para 2022, até o final deste mês. 

A comissão é responsável por analisar o Orçamento da União e dar um parecer sobre as despesas antes do plenário. Além disso, tem o papel de acompanhar a execução dos gastos. O Comitê de Avaliação, Fiscalização e Controle da Execução Orçamentária, formado por integrantes do colegiado, no entanto, está parado e nunca funcionou efetivamente. A única atividade ocorreu em 2011, quando o órgão fez uma reunião e solicitou informações sobre as ações alvo de contingenciamento no Executivo.

Se funcionasse, o CFIS poderia fiscalizar o desempenho dos programas governamentais e discutir a estimativa das despesas obrigatórias. No Orçamento deste ano, por exemplo, o Congresso lançou mão de uma manobra para subestimar as despesas obrigatórias, como aposentadorias, e turbinar emendas parlamentares, a maior parte delas destinadas a obras definidas por deputados e senadores. Os únicos comitês com funcionamento regular têm sido justamente aqueles que destravam verbas de interesses dos parlamentares, como o Comitê de Avaliação das Informações sobre Obras e Serviços com indícios de Irregularidades Graves (COI), que nos últimos anos vem autorizando os gastos para obras questionadas pelo Tribunal de Contas de União (TCU), e o Comitê de Admissibilidade de Emendas (CAE), que tem carimbado as emendas apresentadas pelos congressistas no Orçamento.

Contas. Além de paralisar o comitê de fiscalização, o Congresso está há quase 20 anos sem julgar as contas presidenciais. Nas últimas duas décadas, o Legislativo deixou de dar um parecer sobre os gastos realizados por quem ocupa a presidência da República. Na prática, os parlamentares deixaram de fiscalizar o Orçamento que eles próprios aprovaram e de viabilizar mudanças no modelo atual.

As últimas contas analisadas pelo Congresso foram as de 2001, último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, julgadas em 2002. De lá para cá, nenhum julgamento foi até o final. Além disso, duas contas do governo Collor, de 1991 e 1992, ainda estão na gaveta. A Constituição determina ao Legislativo o julgamento das contas prestadas anualmente pelo presidente como instrumento de fiscalização e de ajustes na administração.

Especialistas alertam para a falta de transparência e distorções no processo de alocação das verbas federais na relação entre o governo e o Congresso, como nos casos do orçamento secreto e das emendas "cheque em branco", revelados pelo Estadão. Nesse sentido, o julgamento das contas poderia servir para orientar os dois lados a aprimorar os gastos públicos, o que não vem acontecendo. O Tribunal de Contas da União emite um parecer prévio todos os anos, mas a análise fica parada no Congresso.

"Esse é um problema, é uma questão preocupante. O TCU faz um trabalho de análise não só das contas, mas às vezes de uma política específica, e nós perdemos a oportunidade de retroalimentar o planejamento porque o Congresso realmente não está interessado nisso", afirma o consultor de orçamento da Câmara Paulo Bijos. "O Orçamento está de ponta-cabeça. É um modelo que está em crise crônica e precisa ser repensado."

Em caso de descontrole fiscal, o julgamento das contas poderia apontar crime de responsabilidade, motivo para a abertura de um processo de impeachment, e deixar o chefe do Executivo inelegível por oito anos. No governo de Dilma Rousseff, por exemplo, o TCU orientou pela rejeição das contas de 2014 e 2015, mas o parecer não foi analisado pelo Congresso. Desde 1988, o Congresso nunca rejeitou as contas de um presidente, mas, por outro lado, deixou de emitir qualquer julgamento nas duas últimas décadas.

Uma ala da Comissão Mista de Orçamento ameaça pautar as contas presidenciais do ano passado para pressionar o chefe do Planalto a ampliar a negociação com o Congresso. Bolsonaro é acusado de privilegiar o Centrão na distribuição de verbas em detrimento de outros grupos. Aliados de Bolsonaro, por outro lado, agem para evitar qualquer julgamento das contas de 2020, pois a análise implicaria em questionar um modelo defendido pela base do governo, que ficou com a maior fatia das emendas de relator.

Em entrevista à reportagem, a presidente da CMO admitiu as distorções e propôs uma mudança radical no processo de definição e fiscalização das verbas federais. Ela chamará os ministros das principais áreas do governo para, até o fim deste mês, elaborar o Orçamento de 2022 em conjunto com o Congresso antes mesmo do envio do projeto ao Legislativo, no dia 31 de agosto.

Ao falar sobre a paralisia do comitê de fiscalização, a senadora afirmou que o CFIS não poderia fazer um pente-fino nos programas de forma isolada e que isso precisa ser corrigido por meio de um grupo específico de acompanhamento, ao qual ela promete dar andamento. "Tem obras no Brasil inteiro que estão paralisadas com um conceito cultural político esdrúxulo 'eu não vou continuar essa obra porque foi do governo anterior.' Vamos levantar todas as obras paralisadas, por que estão paralisadas, se é falta de recurso, se é apenas falta de gestão política, e vamos discutir isso a fundo", disse a parlamentar.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,congresso-paralisa-comite-de-fiscalizacao-do-orcamento-e-deixa-de-julgar-contas-presidenciais,70003812598


A Bíblia não é a Constituição

Não se pode ter a pretensão de, como juiz, assumir, ainda que em surdina, a voz de Deus

Celso Lafer / O Estado de S. Paulo

 “Notável saber jurídico” e “reputação ilibada” são os critérios de escolha de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) estabelecidos pela Constituição. A sua indicação cabe ao presidente da República, mas a escolha só se efetiva depois de avaliação e aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal.

Os parâmetros constitucionais são explícitos. Não cabe abrir espaço para considerações a respeito da fé religiosa de um indicado. Não é critério que se coadune com o Direito brasileiro o ingrediente de ser “terrivelmente evangélico”. É, no entanto, o que o presidente aponta como uma faceta de sua escolha preferencial do nome de André Mendonça para o cargo.

Trata-se de um vício de origem no âmbito de um Estado de Direito, que consagra a objetividade do “governo das leis” e repele o idiossincrático de um “governo de homens”. Requer, assim, pronta refutação, pois o Brasil é um Estado laico desde a proclamação da República. Não é um Estado confessional, no âmbito do qual existam vínculos entre o poder político e uma religião.

Em nosso país, na linha da tradição constitucional americana, que inspirou Rui Barbosa, existe, como dizia Jefferson, um “wall of separation” entre o Estado e as religiões. Esse é o sentido do artigo 19 da Constituição. É por isso que a fé religiosa não é critério de escolha para cargos governamentais, muito especialmente o de ministro do STF, instituição que tem, no topo do Judiciário, a responsabilidade pela guarda da Constituição e de seus dispositivos, incluída a laicidade.

A laicidade relaciona-se com grandes matérias constitucionais. Entre elas, a tutela dos direitos humanos, a asserção do pluralismo e da diversidade da sociedade e a aceitação do outro na prática e nos costumes da convivência da cidadania numa democracia.

Estado laico significa Estado neutro em matéria religiosa, não solidário em relação a qualquer atividade religiosa, pois não se fundamenta numa fé, como, na situação-limite, em Estados teocráticos, nos quais poder religioso e poder político se fundem.

A laicidade obedece à lógica da sabedoria liberal da arte da separação das esferas e da sua autonomia. A separação Igreja-Estado está em consonância com a lição dos Evangelhos: “A César o que é de César, a Deus o que é de Deus”.

A laicidade se contrapõe ao dogmatismo e à intolerância. É uma regra de calibração que permite a gestão pública de diferenças religiosas e de opinião. É a base de uma postura aberta em relação ao diverso e ao diferente que caracteriza a pluralidade da condição humana. Tem como método o persuadir, e não o coagir. Parte do pressuposto de que a verdade não é una, mas múltipla, e tem várias faces, dada a complexidade ontológica da realidade.

A laicidade é uma das maneiras de responder aos problemas da intolerância e de um dos seus desdobramentos, a polarização fundamentalista, intransitiva e excludente.

Historicamente, deve-se ao espírito laico a tolerância religiosa, da qual proveio o direito de liberdade de crença e de pensamento, de opinião e da cultura. Dela se originou a revolução científica, o processo incessante de ampliação do saber, que nasce e se desenvolve pela negação do dogmatismo e se baseia na capacidade de revisão contínua dos próprios resultados da pesquisa, à luz da razão e das provas da experiência – e não da fé. É o que fundamenta a liberdade da pesquisa e a autonomia da universidade.

Graças à tolerância deu-se a dinâmica das transformações das relações de convivência por meio da afirmação da democracia, consagrada na Constituição de 1988. É o que cria espaço para a contenção da violência entre grupos e indivíduos, maiorias e minorias, propiciando plataforma comum, na qual todos os cidadãos podem encontrar-se enquanto membros de uma comunidade política, diversificada nas suas crenças e opiniões.

Num Estado laico, o Direito é a sua moldura jurídica. A Bíblia não é a Constituição. Por isso, o juiz deve decidir de acordo com o Direito e os valores nele positivados. O seu método de interpretação deve seguir o espírito laico do exame crítico dos assuntos e dos seus problemas. Nas suas decisões, deve respeitar e buscar no mundo – e não no transcendente – a ética, do viver honesto dos clássicos princípios de não prejudicar ninguém e dar a cada um o que é seu.

Um juiz num Estado laico não pode buscar a fundamentação de suas decisões nas suas crenças religiosas. Não pode ter a pretensão de, como juiz, assumir, ainda que em surdina, a voz de Deus. Num Estado laico e plural, nas decisões do Judiciário vale o que diz Camões: “O que é de Deus, ninguém o entende/ Que a tanto o engenho humano não se estende” e “ocultos os juízos de Deus são”.

Um juiz “terrivelmente evangélico” representa o risco de transpor os seus conselhos de pastor para os seus fiéis, no âmbito próprio da sociedade civil, em inapropriados comandos jurídicos-judiciais do Estado para a sociedade brasileira. É um risco que caberá ao Senado avaliar com a devida profundidade.

*Professor emérito da Faculdade de Direito da USP, foi ministro das Relações Exteriores (1992 e 2001-2002)

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,a-biblia-nao-e-a-constituicao,70003811047


Bolsonaro leva golpismo para turnê internacional

Presidente e aliados plantaram semente da insurreição no Paraguai e nos EUA

Bruno Boghossian / Folha de S. Paulo

Em sua campanha para melar as próximas eleições, Jair Bolsonaro insinuou que há envolvimento estrangeiro numa conspiração fantasiosa para fraudar as urnas eletrônicas no ano que vem. "Outros países têm interesse em ter gente na Presidência, à frente de governo de estado, à frente de grandes cidades, pessoas mais simpáticas a esse governo de fora", declarou, há cerca de dez dias.

Esses inimigos externos misteriosos são um elemento adicional do discurso batido de que haveria uma trama poderosa para tirar Bolsonaro do cargo. Até agora, no entanto, os únicos personagens que parecem conspirar com atores políticos de outros países são o próprio presidente brasileiro e seus aliados.

Bolsonaro levou o golpismo para uma turnê internacional. No dia 5, uma semana depois de admitir não ter provas de fraude nas urnas eletrônicas, ele sugeriu ter mencionado as falsas suspeitas para o presidente do Paraguai. Para piorar, disse que Mario Abdo Benítez ofereceu "alguns de seus servidores da Justiça Eleitoral, com a urna do Paraguai". Alguém deveria avisar ao brasileiro que nem ele nem governos estrangeiros têm poder para apitar na organização das eleições por aqui.

Naquela mesma data, o presidente citou as falsas suspeitas numa reunião com o assessor de Segurança Nacional americano, Jake Sullivan. O auxiliar de Joe Biden não comprou o besteirol: manifestou preocupação com a tentativa do governo de desacreditar o sistema de votação e disse crer que as eleições de 2022 no Brasil serão justas.

Nos últimos dias, o bolsonarismo lançou a semente da insurreição para personagens marginais da política dos EUA. Num evento organizado pelo estrategista Steve Bannon e pelo empresário Mike Lindell, Eduardo Bolsonaro repetiu a ladainha do pai e foi aplaudido pelos trumpistas.

O presidente e sua turma já começaram a preparar o terreno internacional para contestar uma eventual derrota nas urnas em 2022. A sorte é que nenhum governo sério vai apoiar a aventura golpista de Bolsonaro.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/08/bolsonaro-leva-golpismo-para-turne-internacional.shtml


A voz de Trump vem ao Brasil

Entre ex-presidente americano e Bolsonaro a diferença são os militares

Elio Gaspari / O Globo

A repórter Beatriz Bulla revelou que deve chegar ao Brasil no próximo domingo Jason Miller, ex-porta-voz de Donald Trump. Vem divulgar sua rede social, Gettr, criada para contornar a expulsão de Trump das grandes plataformas americanas. A Gettr tem 250 mil brasileiros listados. Entre eles estão Jair Bolsonaro e dois de seus filhos.

Miller foi uma testemunha privilegiada da ruinosa insurreição de 6 de janeiro, quando Trump tentou melar o resultado da eleição americana. Para quem viu o desfile do pelotão da fumaça em frente ao Palácio do Planalto na semana passada, o golpe de Trump era muito mais delirante.

À tarde, o vice-presidente Mike Pence presidiria a reunião do Senado que sacramentaria a eleição de Joe Biden.

Às oito da manhã, Trump sabia que tinha milhares de seguidores em Washington e falou com Jason Miller. Esperava que Pence aceitasse as objeções dos republicanos e revertesse o resultado: “Faça isso, Mike. Esta é a hora da coragem”, tuitou.

Pouco depois, Trump ligou para Pence, mas o vice disse que não tinha poderes para tanto. Seu papel seria apenas cerimonial. “Você não tem coragem”, respondeu Trump. Ele tinha um plano e foi para um comício perto da Casa Branca.

Por volta de meio-dia e meia, enquanto Trump discursava incitando a multidão, Pence soltou uma nota oficial informando que não reverteria o resultado da eleição. Às 12h58m começava a invasão da área do Capitólio.

Às 14h12m, a multidão estava nos corredores. Alguns gritavam “enforquem Pence”. O vice-presidente e os senadores foram retirados do plenário, e o vice foi levado para um lugar seguro. Trump tuitava: “Mike Pence não teve a coragem de fazer o que devia ser feito.”

Estava enganado. Agentes de segurança queriam levar Pence para uma base aérea, mas ele decidiu ficar no prédio. Às 16h, o vice-presidente telefonou para o secretário de Defesa informando que pretendia retomar os trabalhos e queria que o Capitólio estivesse livre dos invasores: “Mande a tropa, mande logo.”

Entre o instante em que Pence deixou o plenário do Senado e as 20h, quando voltou para sua cadeira, a insurreição estava contida. Passaram-se seis horas, durante as quais as instituições democráticas americanas foram postas à prova.

Donald Trump passou a maior parte do tempo grudado nas televisões. Com o tempo, vai-se saber quem ligou para quem, dizendo o quê.

Às 21h, quando Pence já havia recomeçado a sessão que confirmaria a vitória de Joe Biden, Jason Miller começou a redigir uma nota na qual Donald Trump aceitava que se procedesse a uma “transição ordeira”. Reconhecia a necessidade da transição, o que não significava que reconhecesse o resultado da eleição. Fosse qual fosse o plano que Donald Trump tinha na cabeça, estava acabado.

Trump e Bolsonaro

Durante as seis horas de caos em Washington, Bolsonaro pôs suas fichas no cavalo errado.

Ele disse o seguinte:

“Eu acompanhei tudo hoje. Você sabe que sou ligado ao Trump. Então, você sabe qual a minha resposta aqui. Agora, muita denúncia de fraude, muita denúncia de fraude. Eu falei isso um tempo atrás, e a imprensa falou: ‘Sem provas, presidente Bolsonaro falou que foi fraudada a eleição americana’”

Poucas vezes, houve tamanha afinidade entre um presidente brasileiro e seu colega americano. Quando Bolsonaro disse “sou ligado ao Trump”, apontava para uma conexão que vai além da simpatia.

Trump contestava a eleição de Joe Biden. Bolsonaro contestava não só a eleição americana, como também a brasileira do ano que vem.

Trump acreditou na cloroquina e na imunidade de rebanho. Bolsonaro também.

Trump recusou-se a usar máscaras e duvidou da utilidade do distanciamento social. Bolsonaro também.

Trump disse que o vírus foi uma criação chinesa. Bolsonaro também. (Fazendo-se justiça a Trump, ele só saiu com essa patranha depois que os chineses disseram que o vírus havia sido espalhado pelos americanos.)

Por mais delirante que Trump tenha sido na sua conduta durante a pandemia, não há vestígio de picaretas agindo com relativo sucesso na burocracia da saúde pública americana.

Trump encrencou com seu vice. Bolsonaro também.

Trump quis militarizar o feriado de 4 de julho nos Estados Unidos botando tanques nos jardins da Casa Branca. Bolsonaro desfilou blindados fumacentos diante do Planalto.

Trump e os militares

É no capítulo das relações com os militares que salta aos olhos uma diferença entre o que aconteceu nos Estados Unidos e o que acontece no Brasil.

Lá, como cá, apareceram militares da reserva propondo excentricidades. Um general trumpista da reserva queria colocar o país sob lei marcial. Ficou no palavrório.

O general Mark Miley, chefe do Estado Maior Conjunto dos EUA, sentiu cheiro de queimado na movimentação dos trumpistas antes do 6 de janeiro.

Vendo uma manifestação em Washington no dia 2, ele cravou: “Esse é um momento do Reichstag. O Evangelho do Führer”.

Era uma comparação com os assaltos de Hitler ao regime democrático da Alemanha.

Não há prova de que Trump tenha tentado mover tropas do Exército, Marinha ou Aeronáutica no seu pastelão.

Pelo contrário. Na tarde do dia 6, quem pediu tropas foram os democratas Nancy Pelosi e Charles Schumer.

No dia 8, quando Trump já estava no chão, Pelosi, presidente da Câmara, telefonou para o general Miley, argumentando que o presidente estava fora de si e poderia fazer outras maluquices. Ela especulava a possibilidade de declará-lo incapaz.

Quanto às maluquices (o uso de armas nucleares para criar um caso), Miley tranquilizou-a. Quanto à declaração da incapacidade de Trump, ele cortou:

“Eu não vou caracterizar o presidente. Não é meu papel.”

Serviço

Estão na rede três reconstituições das maluquices de Donald Trump, publicadas nos Estados Unidos.

Diante da pandemia:

“Nightmare Scenario“ (Cenário de Pesadelo), de Yasmeen Abutaleb e Damian Paletta.

Sobre o 6 de janeiro:

“Landslide” (Expressão em inglês para designar uma vitória folgada numa eleição), de Michael Wolff

 “I Alone Can Fix It” (Eu Consigo Consertar Isso), de Carol Leonnig e Philip Rucker

Madame Natasha

Madame Natasha acompanha as sessões da CPI da Covid mascando cloroquina e decepcionou-se com a intenção dos senadores de acusar Bolsonaro por “charlatanismo e curandeirismo” durante a pandemia.

Charlatanismo, vá lá, mas falar em curandeirismo é uma ofensa aos muitos pajés do círculo de amizades da senhora.

O charlatão sabe que o óleo de peixe não cura reumatismo. Já o curandeiro acredita nas virtudes de suas poções.

Zé Arigó (1921-1971) foi um homem honesto. João de Deus, antes de ser apanhado em seus delitos sexuais, fez fama atendendo muita gente boa. Isso para não mencionar os milhares de pajés que cuidaram de indígenas. O cacique Takumã Kamayura (1932-2014) é hoje uma lenda para os povos do Xingu.

Natasha acredita que essa confusão é crendice de homem branco.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/a-voz-de-trump-vem-ao-brasil-25155834


Rio de Janeiro, DF

Merval Pereira / O Globo

A volta da capital para o Rio de Janeiro tem sido apontada como solução para a crise política e econômica que por anos vem dominando a cidade que, apesar dos pesares, continua sendo símbolo da nacionalidade, dentro e fora do país, a cidade brasileira mais visitada pelos estrangeiros.

Um trabalho da Faperj (Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à pesquisa do Estado do Rio de Janeiro) traz uma aprofundada visão sobre nossos problemas, e uma solução criativa: transformar o Rio de Janeiro em um segundo Distrito Federal, coisa que é na prática, a cidade mais “federal” do país.

O livro, organizado por Christian Edward Cyrill Lynch, Igor Abdalla Medina de Souza e Luiz Carlos Ramiro Junior, faz a defesa da federalização, e entende que salvar o Rio já não se trata de uma questão de segurança pública, mas nacional. As organizações criminosas tomaram conta da região metropolitana e espalharam seu domínio inclusive sobre outras partes do estado fluminense, o poder público não consegue exercer domínio sobre parte significativa do território e da população.
O diagnóstico é que, sendo a 2ª maior economia do país, com grandes polos de tecnologia e educação, convive com a estranha sensação de decadência. O Brasil inteiro perde com a crise do Rio de Janeiro, que deixou de ser um lugar de atração, mesmo sendo o ícone do Brasil para si e para fora.

O país desperdiça seu grande ativo, e os autores destacam o seu "uso" como capital simbólica pelo próprio governo federal: sediou a Eco-92, o Pan 2007, a Rio+20, a Olimpíada de 2016, além de servir de sede logística e das partidas finais das Copas das Confederações e do Mundo (2014).

Do ponto de vista da cultura e da história, a capital brasileira continua sendo o Rio: Paço Imperial, Biblioteca Nacional, Centro Cultural da Justiça Federal, Museu Nacional de Belas Artes, Museu Histórico Nacional, Museu da República, Museu Nacional etc. As sedes da Academia Brasileira de Letras (ABL) e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) são no Rio.

Também continua a exercer na prática o papel de um Distrito Federal oficioso. Segundo dados da Secretaria do Patrimônio, a União é proprietária de cerca de 1200 imóveis federais, parte substantiva deles subaproveitados. Triste exemplo é o prédio icônico do Ministério da Educação ( Palácio Gustavo Capanema) no centro da cidade, colocado agora num balaio de privatizações de prédios públicos. Um patrimônio histórico tombado por sua importância na arquitetura brasileira e mundial, que não tem preço.

Segundo dados do Ministério do Planejamento de 2016, o Rio sedia 1/3 dos órgãos da administração federal: Brasília é sede de 115 órgãos; o Rio, 67. O Rio de Janeiro também possui mais servidores federais civis do que o DF: são cerca de 250 mil contra de 175 mil do DF.

O Rio é a capital militar do Brasil. Segundo dados das Forças Armadas, o Estado do Rio reúne 22,4 % dos militares do Exército (o RS vem em segundo com 15,8 %); 35% da Aeronáutica (SP vem em segundo com 15,2 %); e 67,8 % dos militares da Marinha.

Dezenas de países têm duas capitais, como o Chile, a Bolívia, a Holanda, a Malásia, a Coreia do Sul. A África do Sul tem 3 capitais. Na prática, outros países têm também: Rússia (São Petersburgo, antiga capital, é uma cidade federal e sede do Tribunal Constitucional); Alemanha (Bonn sedia 1/3 dos ministérios e é também uma "cidade federal"). Na China, Xangai tem o mesmo estatuto jurídico "nacional" que Pequim. No Egito e na Indonésia estão construindo uma segunda capital.

O Rio é uma verdadeira metrópole, possuindo alta densidade demográfica, com um centro ativo de milhares de escritórios, sedes de bancos, sindicatos, universidades e associações, que lhe conferem massa crítica e o conteúdo democrático. Providências como o retorno de parte dos ministérios e, sobretudo, do Congresso Nacional, bem como a obrigação constitucional do presidente da República de aqui residir e despachar parte do ano, ajudaria a recuperar a credibilidade do Congresso Nacional e corrigir o déficit democrático de Brasília, criando condições de accountability indispensáveis à melhoria do padrão governativo e administrativo do país.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/rio-de-janeiro-df.html


A sobrevivência venceu

Reeleição é a forma de sobrevivência política em democracias e, por ela, alguns pagam qualquer custo

Carlos Pereira / O Estado de S. Paulo

A sociedade brasileira ficou chocada com os acontecimentos políticos ocorridos ao longo da semana, produzidos tanto pelo Executivo como pelo Legislativo. 

O presidente Jair Bolsonaro radicalizou com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em sua defesa do voto impresso, inclusive com ofensas pessoais e ameaça de impeachment contra dois de seus ministros, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Mesmo tendo sido amplamente derrotado na Comissão Especial, forçou a votação no plenário da Câmara dos Deputados da proposta de reforma constitucional que tornaria o voto impresso obrigatório. Mobilizou inclusive um desfile de tanques das forças armadas, que mais se assemelhou a um “fumacê”. 

Embora a PEC do voto impresso tenha sido derrotada no plenário da Câmara, vários parlamentares de oposição, que não fazem parte da base de apoio do presidente, votaram, surpreendentemente, a favor do voto impresso. Para completar, deputados aprovaram em primeiro turno a reforma do sistema eleitoral que referendou o retorno das coligações partidárias nas eleições proporcionais, que tem estimulado a proliferação de partidos.

O que explica esses acontecimentos até certo ponto inusitados?

Bolsonaro, por mais que almeje, sabe que não tem condições políticas de implementar qualquer retrocesso institucional na democracia brasileira. A sociedade, o Congresso e as organizações de controle têm dado demonstrações de força e de capacidade de impor restrições e derrotas sucessivas ao presidente. Diante dos fortíssimos desgastes com a gerência da pandemia da covid-19, inclusive entre parcela significativa de seus eleitores de 2018, tem ficado cada vez mais claro que Bolsonaro perdeu competitividade eleitoral. Os institutos de pesquisa indicam que a sua reeleição em 2022 está cada vez mais improvável. 

Bolsonaro anda no “fio da navalha”. Se moderar demasiadamente seu discurso e atitude, sinalizando que se rendeu ao presidencialismo de coalizão, diminui as chances de ter seu mandato abreviado, mas corre sérios riscos de ver sua base eleitoral perder coesão e desagregar. Por outro lado, se passar do ponto na sua radicalização com as outras instituições, pode se isolar ainda mais perdendo competitividade eleitoral e viabilidade política de terminar seu mandato. Portanto, embora tenha de calibrar, não pode prescindir de seu discurso belicoso e autoritário para sobreviver. 

Com relação aos deputados de oposição que votaram a favor do voto impresso, é importante não esquecer que 2021 é ano pré-eleitoral. Os deputados sabiam que o voto impresso não iria passar. Por que se desgastar com um Executivo que tem discricionariedade para executar um orçamento bilionário de emendas de relator

Mesmo que a posição favorável ao voto impresso venha a lhes gerar desgastes eleitorais, esses parlamentares garantiram recursos orçamentários às suas bases eleitorais via execução de emendas de relator, capitais para a sua reeleição. Só quem fazia oposição sistemática a Bolsonaro e, portanto, não tinha esperança de ter acesso a tais recursos, é que se sentiu motivado a votar contra o voto impresso. 

Também pode ser atribuído à sobrevivência eleitoral a decisão da grande maioria dos deputados dos mais variados partidos de aprovar o retorno das coligações proporcionais. Quase 95% dos deputados federais da atual legislatura não atingiram sozinhos o quociente eleitoral. Ou seja, necessitaram das sobras de outros partidos coligados para se eleger. A taxa de reeleição de deputados, que costumava ser de 68%, caiu para 53% nas eleições de 2018. 

Diante desta evidente falta de estabilidade da carreira parlamentar, a racionalidade individual dos deputados levou-os a priorizar a sua sobrevivência, mesmo diante dos custos de perpetuação da hiperfragmentação partidária e em detrimento da qualidade de representação e da governabilidade. 

Mais uma vez, a sobrevivência eleitoral falou mais alto.

*Professor Titular FGV/EBAPE, Rio de Janeiro

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,a-sobrevivencia-venceu,70003811539