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O julgamento é político
Para uma parte da oposição, como é o caso do PT, alongar a crise e desgastar o governo pode ser melhor até do que afastar Temer
A votação de hoje na Câmara dos Deputados sobre a admissibilidade da denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra o presidente Michel Temer é um julgamento político. Não tem nada a ver com a consistência ou não das acusações, uma atribuição do Supremo Tribunal Federal (STF), que julgará Temer se a denúncia for aceita ou congelará o processo até que seu mandato acabe.
Essa é a regra do jogo, estabelecida pela Constituição de 1988, para garantir o equilíbrio entre os poderes e o Estado de direito democrático. Ou seja, para evitar que um poder não eleito, no caso o Judiciário, provocado pelo Ministério Público Federal, afaste um governante eleito com apoio de uma maioria eventual no Congresso. Pela mesma razão, todo presidente da República é blindado pela Constituição: não pode ser investigado por atos cometidos antes do exercício do mandato.
Essa blindagem, porém, foi rompida quando Temer recebeu o empresário Joesley Batista em sua residência oficial, o Palácio do Jaburu, e por este foi gravado em conversa privada e nebulosa, supostamente para acertar propina, segundo a denúncia do procurador-geral Rodrigo Janot. Com a delação premiada do dono da JBS, Temer ficou na berlinda. Caso a denúncia seja rejeitada, como tudo indica, uma pedra será colocada temporariamente sobre o assunto, apesar do burburinho das ruas. A blindagem estará restabelecida.
É bem verdade que outra denúncia está sendo preparada por Janot, mas nada indica que isso modificará a situação no Congresso. É bom lembrar que a Constituição de 1988 foi elaborada durante o governo Sarney, que amargou grande impopularidade depois do fracasso do Plano Cruzado, até concluir seu mandato em 1989. Ou seja, foi concebida para evitar crises políticas que levem a rupturas institucionais. É preciso a total falta de governabilidade para que o afastamento do cargo ocorra, como aconteceu nos impeachments de Collor de Mello e Dilma Rousseff. Basta o apoio de 172 deputados para barrar qualquer intenção de destituição do presidente da República.
Nos bastidores do Congresso, consta que Temer somente não renunciou ao mandato porque foi aconselhado a resistir pelo ex-presidente José Sarney, o político mais longevo em atividade no país, cuja influência no governo se mantém, mesmo já estando sem o mandato de senador. Sarney viveu todas as crises políticas desde 1955. Temer foi incentivado a usar todo o poder de que dispõe na Presidência para barrar a denúncia. E não está vacilando nisso.
Maioria
Hoje, 11 dos 12 ministros que são deputados devem voltar à Câmara para votar a favor de Temer (a exceção é o da Defesa, Raul Jungmann, que é suplente). É uma sinalização de que o jogo está mesmo pesado e aqueles que não conseguirem mobilizar suas bancadas ficarão lá mesmo, na Câmara, não voltarão aos seus cargos. O partido que ficou na maior saia justa foi o PSDB, cuja bancada federal é majoritariamente a favor da denúncia. A cúpula da legenda, porém, trabalha para rejeitá-la , inclusive o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.
Não interessa ao governo adiar a votação; somente à oposição. Para uma parte da oposição, como é o caso do PT, alongar a crise e desgastar o governo pode ser melhor até do que afastar Temer. Mas o Palácio do Planalto tem interesse em encerrar o assunto ainda hoje, com a maior demonstração de força possível. Mesmo com a certeza de que a denúncia será barrada, um resultado no qual o governo não mostre músculos poderosos pode ser o começo do fim. Outra denúncia será apresentada por Janot, antes de completar seu mandato, em setembro, e há muitas medidas provisórias que precisam ser aprovadas no Congresso.
Temer precisa do apoio de pelo menos 257 deputados para demonstrar que tem força para barrar a denúncia e também para garantir a sua governabilidade. Essa contabilidade é importante diante da sua agenda legislativa. Não se trata apenas da reforma da Previdência, que para muitos subiu no telhado. Com o estouro das contas públicas, o governo precisa aumentar impostos e mudar a meta fiscal, cujo deficit previsto é de R$ 139 bilhões, mas já estourou. Se não mudar a meta, Temer pode ser enquadrado em crime de responsabilidade. E aí a situação se complica ainda mais.
O eleitor espreita
A mais de um ano das eleições, os políticos não querem ficar no sereno. Precisam da máquina estatal para fazer política nos seus estados e municípios
Uma das características da política brasileira é o fato de que somos uma democracia de massas, do ponto de vista da escala de eleitores e do voto direto, secreto e universal; ao mesmo tempo, temos um sistema eleitoral e partidário que bloqueia o seu desenvolvimento no sentido da renovação de costumes políticos, o que nos faz presas fáceis do patrimonialismo e do clientelismo. Esse tipo de contradição já nos levou a algumas rupturas institucionais e, neste momento, submete a duro teste de resistência o regime constitucional vigente desde 1988, pois as vísceras da nossa política estão expostas pela Operação Lava-Jato.
Na verdade, é um velho dilema nacional: de um lado, a política controlada pelas elites; de outro, a sociedade civil, na qual os cidadãos têm um caminhão de direitos, mas permanecem na arquibancada. É aí que surge um fenômeno que marca o nosso desenvolvimento: a busca de espaços na estrutura do Estado para influir nos destinos do país, uma vez que os partidos políticos mantêm a sociedade à margem da política.
A crise na base do governo Temer reflete isso. Em circunstâncias normais, um governo com 5% de aprovação popular não teria a menor chance de sobreviver, mas não é o que acontece. A mais de um ano das eleições, os políticos não querem ficar no sereno. Precisam da máquina estatal para fazer política nos seus estados e municípios.
Muito provavelmente, o Palácio do Planalto conseguirá barrar a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra o presidente da República, cuja admissibilidade está na pauta do Congresso para ser votada, quiçá amanhã mesmo. Se houver quórum para votação, bastará Temer ter um de 342 votos para os governistas rejeitarem a proposta. Por essa razão, setores da oposição não pretendem dar quórum para votação enquanto não estiverem em número superior a isso, o que é improvável. Previsões conservadoras do Palácio do Planalto garantem que há pelo menos 250 deputados federais fiéis a Temer.
O imponderável
Historicamente, no Brasil, o liberalismo tem duas vertentes: uma conservadora, que evoluiu do escravagismo para o neoliberalismo; e outra radical-democrática, que evoluiu do abolicionismo republicano para o nacional-desenvolvimentismo. Mas é o positivismo castilhista que acabou levando a melhor na configuração do Estado brasileiro, graças à Revolução de 1930 e ao golpe de 1964. Por causa disso, a forte presença na máquina pública, desde a República Velha, é o principal instrumento de participação política para as camadas “mais esclarecidas” da população.
Positivistas reconhecem os direitos civis e sociais da grande massa trabalhadora, mas não valorizam e prestigiam a democracia representativa. Preferem atuar como poderosas corporações na máquina administrativa ou como “tecnocratas sem partido”. Apostam no paternalismo e na intervenção do Estado para resolver os problemas da sociedade. Há que se considerar também o fato de que o positivismo no Brasil desaguou no nacional-populismo. Sua recidiva mais recente ocorreu nos governos Lula e Dilma, nos quais o jacobinismo foi abduzido pelo “transformismo” petista.
A redemocratização do país, com a Constituição “Cidadã” de 1988, ampliou tremendamente os direitos sociais — desenhou um Estado de bem-estar social que só existe no papel —, mas não resolveu o problema do exercício democrático da cidadania. E ainda “estatizou” os partidos políticos, seja pela via dos meios de funcionamento regulados pela Justiça Eleitoral, seja pela forte presença de seus militantes e quadros na máquina do Estado, que é partidarizada.
Resultado: é muito fácil cooptar os partidos e seus quadros para o governo, mesmo impopular; e muito difícil fazer política e conseguir uma vaga no parlamento estando fora da máquina pública, seja federal, estadual ou municipal. Mesmo partidos robustos, com uma proposta política moderna, têm dificuldade para fazer política fora da estrutura do Estado.
Em contrapartida, devido ao nosso sistema eleitoral e partidário, que privilegia os grandes partidos e o controle dos seus caciques sobre as legendas, cada vez mais o chamado voto de opinião tem dificuldade para se fazer representar no Congresso. Mas isso é agora uma contradição tremenda, haja vista o peso e a influência crescente das redes sociais.
Dois momentos são significativos quanto a isso: as manifestações espontâneas de 2013 e a campanha do impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Nas eleições municipais passadas, o imponderável rondou o status quo e um tsunami varreu da cena política prefeitos candidatos à reeleição e seus candidatos; o imponderável de 2018 é um fenômeno parecido. Na verdade, o eleitor “astucia coisas” e espreita a política.
Luiz Carlos Azedo: O busílis é a política
As forças que hoje dão sustentação ao governo Temer não têm um discurso para enfrentar o populismo, à direita e à esquerda, porque a retórica economicista é um haraquiri eleitoral
Deve-se ao marqueteiro de Bill Clinton, James Carville, a frase que virou case de marketing eleitoral: “É a economia, estúpido!”. Em 1991, o presidente dos Estados Unidos, George Bush, havia vencido a Guerra do Golfo e resgatado a autoestima dos americanos após a dolorosa derrota no Vietnã. Assim, era o favorito absoluto nas eleições de 1992 ao enfrentar o então desconhecido governador de Arkansas. Clinton apostou que Bush não era invencível com o país em recessão e a frase de Carville virou a cabeça do eleitor.
Desde então, virou uma espécie de varinha de condão para governantes e candidatos em apuros, que apostam tudo na economia para enfrentar seus desafios eleitorais. Foi assim nas últimas eleições, quando a oposição achava que ganharia a eleição por causa da máxima de Carville. Logo no começo do segundo turno, Aécio Neves (PSDB) estava à frente de Dilma e os dados da economia eram muito negativos. As projeções do PIB em 2014 não passavam de 0,3%, mesmo com as pedaladas. A inflação chegava a 6,75% nos últimos 12 meses, com a taxa de juros (Selic) na casa dos 11% e do congelamento dos preços administrados, principalmente o preço da gasolina. Dos 48.747 empreendimentos da segunda versão do Programa de Aceleração do Crescimento, apenas 15,8% estavam concluídos.
Mas a oposição perdeu. Não apenas porque houve abuso de poder econômico (eis uma discussão vencida, que ironia, porque o TSE, em julgamento inédito, absolveu a chapa dessa acusação), mas porque Dilma, Lula e o PT politizaram a eleição na base do “nós contra eles”. Acusaram a oposição de querer acabar com os programas sociais petistas para favorecer os interesses dos mais ricos. Era música para 14 milhões de beneficiários do Bolsa Família, ou seja, 56 milhões de pessoas. Além disso, havia 1,5 milhão de beneficiados no Minha Casa, Minha Vida e um exército de 97 mil ocupantes de cargos comissionados defendendo o governo com unhas e dentes, temerosos de perderem o que tinham. O tempo da política não é o da economia, a recessão só veio depois, para embalar a campanha do impeachment.
O economicismo é uma praga na análise política, cuja origem é atribuída ao determinismo econômico marxista. É uma injustiça com Marx, embora essa responsabilidade seja dos teóricos social-democratas do começo do século, principalmente do teórico alemão Eduard Bernstein, para quem o desenvolvimento das forças produtivas pelo capitalismo levaria ao socialismo. Outros teóricos marxistas criticaram essas interpretações. O economicismo sobrevaloriza os fatores considerados econômicos na evolução dos processos sociais e políticos, porém, a política é a economia concentrada.
Quem tiver oportunidade de ler o 18 Brumário, de Luís Bonaparte, que trata da restauração da monarquia na França após a revolução burguesa — na verdade, uma grande reportagem sobre os acontecimentos da época — , verá ali a centralidade da política na visão do autor d’O Capital. Na década de 1930, por exemplo, a ascensão do fascismo na Itália foi vista como uma via de industrialização de um país economicamente atrasado. Pois bem, não era um fenômeno determinado pela economia, mas pela política. Tanto que assombrou o mundo quando a Alemanha, um dos países mais desenvolvidos da Europa, sucumbiu à loucura nazista. No pós-guerra, o economicismo tornou-se uma presa fácil do nacionalismo e do populismo, que nos rondam novamente, inclusive na Europa.
Qual é a agenda?
Temos um governo que assumiu o poder e herdou o desgaste de Dilma Rousseff — até porque Michel Temer era o vice-presidente da República e o PMDB, o aliado principal do PT —, com o país em recessão e o desemprego em massa, além de ser assediado por denúncias de corrupção contra o próprio presidente da República. O governo adotou uma política de ajuste fiscal de longo prazo — a meta fiscal é um deficit de 139 bilhões — e promoveu reformas de cima para baixo, necessárias para enfrentar a crise e reorganizar a economia, mas sem apoio popular. Além disso, não cortou na própria carne como deveria: a relação dívida/PIB se aproximará de 80% no final do próximo ano.
As forças do impeachment de Dilma, que hoje dão sustentação ao governo Temer, não têm um discurso para enfrentar o populismo, à direita e à esquerda, porque a retórica economicista é um haraquiri eleitoral. As reformas não garantirão um crescimento espetacular, capaz de resgatar os empregos perdidos na escala necessária. Não haverá sequer um voo de galinha da economia, embora possa haver um ganho real com a redução da inflação. Além disso, espinafrar a Operação Lava-Jato não resolve o problema da crise ética, pode até agravá-la. No máximo, nivela na lama a disputa entre governo e oposição. O país precisa de um novo projeto político, que reinvente o Estado e a economia, a partir dos interesses da sociedade, e combata a corrupção, a violência e os privilégios. Esse é o desafio principal para tirar o país do atraso e garantir o futuro das novas gerações.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-busilis-e-politica/
Jose Roberto de Toledo: Trair e cassar, é só…
Temer é um incompreendido. Aumentou imposto e disse que a população compreenderia. Não compreendeu. Talvez porque no programa que lançou sua candidatura presidencial para o establishment – a “Ponte para o futuro” -, o então vice empregou 11 vezes a palavra “impostos”, no plural e no singular, e em nenhuma delas com o intuito de aumentá-los. Ao contrário, prometeu fazer de tudo para reduzi-los. Percebe-se agora que, além de superfaturada, a tal ponte era um estelionato eleitoral.
Estelionato porque levou ao lado oposto do que prometera aos patrocinadores. E eleitoral porque foram os compromissos assumidos naquele documento – espécie de “carta ao empresariado brasileiro” – que ajudaram a garantir, direta ou indiretamente, os votos parlamentares necessários para o vice destronar sua companheira de chapa. Nisso que dá confiar na Turma do Pudim.
“Mas o governo aprovou a reforma trabalhista”. O Congresso aprovou a reforma trabalhista. O governo desfará parte da reforma ao ressuscitar o imposto sindical. Em um governo fraco, como o de Temer, os grupos de pressão mais fortes mandam e desmandam no Congresso. Foram diferentes lobbies que aprovaram as reformas que quiseram bem como privilégios que estão explodindo o déficit público e, por tabela, aumentando impostos.
Tudo isso tem um sobrepreço, ainda mais caro do que a apropriação de uma fatia progressivamente maior do orçamento federal por segmentos regressivamente menores da população. O custo intangível é o descrédito das instituições e dos governantes. A última linha desse balanço será cobrada da democracia. Por enquanto, porém, quem paga é quem manda.
Há novas pesquisas de avaliação do governo federal no forno. Nem é preciso ver os relatórios para prever os resultados. Temer vai bater todos os recordes de impopularidade de seus antecessores. Talvez seja por isso que Sarney insiste em lhe dar tantos conselhos – para se livrar da pecha de presidente mais impopular da história da opinião pública brasileira. Vai conseguir.
Em setembro de 2016, quando o despencar temerário no precipício da impopularidade ainda parecia só um tropeço, a área mais mal avaliada do governo já era a tributária: 77% dos brasileiros ouvidos pelo Ibope para a CNI desaprovavam o desempenho do peemedebista no que se referia a impostos. Isso foi antes de o desemprego explodir, de a renda cair e de o crédito sumir.
Imagine agora. Além de aguentar tudo isso, o cidadão vai lembrar do presidente toda vez que abastecer o carro com gasolina. “Onde eu encontro o que o Temer fez? Lá no posto Ipiranga.”
Quem mais se incomoda com o aumento dos impostos e em pagar mais caro pelos combustíveis não é exatamente o eleitor de Lula. Esse já desprezava Temer e sua turma. O segmento da população mais sensível às mordidas do Leão é o que acreditou que Dilma caiu por causa das pedaladas fiscais. Ou seja, o presidente traiu a confiança justamente de com quem talvez ainda pudesse contar.
Por mais essa, Temer deve deixar de ser vice de Sarney e se tornar o presidente campeão brasileiro de impopularidade. Garantirá seu lugar na história, pelo menos até o PMDB voltar a governar o Brasil – o que só ocorre quando um presidenciável é ingênuo o bastante para aceitar um peemedebista como vice.
Como repercutirá no Congresso esse provável recorde de Temer? Os deputados que se elegem graças a currais herdados de seus familiares talvez se importem menos. Mas aqueles que disputam voto em colégios eleitorais competitivos terão que pesar a carga de carregar o governo nas costas e sopesá-la com os agrados recebidos de Temer. Não será surpresa se acabar em traição.
Ricardo Noblat: PSDB, uma nau à deriva
“A Lava-Jato tem de ter prazo de validade. Tudo tem de terminar.” FÁBIO RAMALHO (PMDB-MG), vice-presidente da Câmara
A nove dias da sessão da Câmara que decidirá sobre o pedido de licença para que o presidente Michel Temer seja julgado por corrupção, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), o terceiro maior do país em número de filiados e o segundo em número de governadores e de ministros de Estado, ainda não sabe se é a favor ou contra. Por não saber, liberou seus 46 deputados para que votem como quiser.
A UM ANO DAS CONVENÇÕES que indicarão os candidatos à próxima eleição presidencial, o PT tem candidato — Lula. O PDT, também — Ciro Gomes. A REDE tem — Marina Silva. Até o minúsculo PSC tem candidato — Jair Bolsonaro, o segundo nas pesquisas de intenção de voto. O PSDB não tem. O governador Geraldo Alckmin (SP) quer ser. O prefeito João Doria (SP), também. E até os senadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG).
SERRA E AÉCIO, ENCRENCADOS com a Lava-Jato? Sim, eles mesmos. Serra prepara em segredo um programa de governo a ser apresentado ao partido no próximo ano, caso tenha chances de ser candidato. Afastado do mandato e reconciliado com ele por decisão da Justiça, Aécio enfrenta o pior momento de sua trajetória política com a certeza de que poderá se recuperar se não for atropelado por nenhuma nova denúncia de corrupção.
TEMER E SEUS PRINCIPAIS conselheiros dão como certo o desembarque do PSDB do governo — em breve, ou no início de 2018. E estão atrás de nomes de outros partidos para substituir os quatro ministros do PSDB e seus filiados que ocupam cargos nos diversos escalões da administração federal. O PSDB ainda não sabe se desembarcará, e quando. Se dependesse do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, seria logo.
SE DEPENDER DE ALCKMIN, Serra e Aécio, nem tão cedo. Ou talvez só depois das eleições, a ver mais adiante. Se dependesse de larga fatia dos deputados federais e do presidente em exercício do partido, o senador Tasso Jereissati (CE), já teria desembarcado. Tasso e Doria querem abreviar a condição de Aécio de presidente licenciado do PSDB. Alckmin, Serra e demais cardeais do partido não querem.
RECEIAM O QUE AÉCIO sabe e possa dizer sobre como os candidatos do PSDB financiaram suas campanhas nas eleições passadas. Ele está a par de tudo. Mais do que isso: como candidato a presidente da República em 2014 e como presidente do partido em 2016, foi Aécio quem se encarregou de arranjar e de repassar dinheiro para as principais campanhas. Além do temor, há uma dívida de gratidão com ele.
É POR ISSO QUE O ALTO comando do PSDB se reúne, discute qualquer assunto, dá palpites na vida de outros partidos, pressiona o governo, mas não trata da situação de Aécio. Em sua mais recente reunião, em São Paulo, na presença de Aécio, Doria cobrou enfaticamente a retirada dele do cargo. Tasso nada disse. Os demais criticaram a atitude de Doria, inclusive Alckmin, que já desejou presidir o PSDB.
POR MAIS QUE NEGUE, Alckmin está para lá de incomodado com a pretensão de Doria de desbancá-lo como possível candidato do partido à sucessão de Temer. Doria finge desconhecer o incômodo, e jura que jamais disputará com Alckmin uma eventual prévia para a escolha do candidato. Que prévia? Doria aposta que não haverá nenhuma. E que o candidato será aquele que pontuar melhor nas pesquisas.
O PSDB É UMA NAU À DERIVA, desgovernada. Não é sequer uma biruta de aeroporto que aponta para o lado que o vento sopra.
Cristovam Buarque: Portadores do novo
Ser moderno é servir aos interesses do público. A política brasileira sofre de apego ao passado. Até mesmo as forças progressistas deixaram de ser portadoras do novo. Mas nunca foi tão urgente imaginar o futuro desejado e como construí-lo.
O novo está mais no dinamismo decorrente da coesão social, do que na disputa de interesses de grupos, corporações e classes: empresários precisam entender que há um interesse nacional comum a todos brasileiros; os trabalhadores precisam perceber que a luta sindical não deve sacrificar a estabilidade nacional, nem o bem-estar do conjunto do povo. Ser moderno é servir aos interesses do público, seja com instrumentos estatais, privados ou em parceria.
O novo exige que a economia seja eficiente, que a moeda seja estável e que o seu excedente seja usado para cuidar dos serviços públicos com qualidade e respeito aos usuários. O novo está na educação de qualidade capaz de construir uma sociedade do conhecimento, da ciência, da tecnologia, da inovação, da cultura.
O novo não é mais a proposta da igualdade plena na renda, que, além de demagógica, é autoritária, ineficiente e não respeita o mérito, o empenho e as opções pessoais. O novo está na tolerância com uma desigualdade na renda e no consumo dentro de limites decentes, entre um piso social que elimine a exclusão e um teto ecológico que proteja o equilíbrio ambiental. Entre estes limites, é preciso a escada social da educação que permita a ascensão das pessoas, conforme o talento e o desejo de cada um.
O novo não está mais na ideia de uma economia controlada sob o argumento de ser justa, mas no entendimento de que o seu papel é ser eficiente sob regras éticas nas relações trabalhistas, no equilíbrio ecológico e na interdição de produzir bens nocivos. O novo está na definição ética do uso dos resultados da economia eficiente para construir a justiça, com liberdade e sustentabilidade, especialmente garantindo que os filhos dos brasileiros mais pobres terão escolas com a mesma qualidade dos filhos dos mais ricos.
O novo não está na riqueza definida pelo PIB, a renda e o consumo, mas na evolução civilizatória, por exemplo; não está no número de carros produzidos, mas na eficiência como funciona o transporte público. O novo não está na velocidade como se destroem florestas e sujam-se os rios, mas na definição de regras que permitam oferecer sustentabilidade ecológica e monetária. O novo não está na segurança de mais prisões para bandidos, mas na paz entre os cidadãos.
O novo não está mais no excesso de gastos e de consumo, mas na austeridade que permita sustentabilidade e bem-estar. A política nova não está apenas na democracia do voto, mas também no comportamento ético dos políticos, em eleições com baixo custo, espírito público sem corporativismo, e na apresentação de propostas para o futuro nos atuais tempos de mutação, mesmo que isso implique em suicídio eleitoral, porque em tempos de mutação, os portadores do novo correm o risco de solidão. Mesmo assim, é preciso dizer: o novo está na educação.
* Cristovam Buarque é senador (PPS-DF)
Luiz Carlos Azedo: Uma porta fechada
Na bolsa do Congresso, cada novo deputado valerá R$ 2,4 milhões na campanha eleitoral de 2018, um senador, R$ 6,7 milhões. Tudo isso com recursos públicos
O esgotamento do modelo nacional desenvolvimentista baseado no capitalismo de laços, que entrou em colapso com as revelações sobre seus mecanismos mais perversos e corruptos pela Operação Lava-Jato, e o fracasso da política de adensamento da cadeia produtiva nacional têm outra face: a implosão do modelo de financiamento dos partidos, a partir do uso e abuso do caixa dois eleitoral por meio do desvio sistemático de recursos públicos pelos chamados “campeões nacionais”, como os grupos Odebrecht e JBS e outros financiadores de campanha. Isso provocou a atual crise ética.
Esse duplo colapso agravou a crise econômica, que se somou à crise política e nos levou ao impeachment de Dilma Rousseff. O presidente Michel Temer, que a sucedeu, deu uma resposta relativamente bem-sucedida à crise econômica, mas não se pode dizer o mesmo em relação às crises política e ética. Mesmo fragilizado pelas denúncias de corrupção e pela impopularidade, manteve a rota das reformas propostas por seu governo como um ciclista que não pode parar de pedalar para não se estatelar no asfalto.
Esse ímpeto reformador, que conta com a adesão das forças que apoiaram o impeachment em relação à economia, porém, esbarra na lógica conservadora da reforma política que está sendo alinhavada no Congresso. Talvez seja esse o nó górdio da crise política e ética, porque as mudanças que estão sendo discutidas no sistema eleitoral têm o objetivo de salvar os políticos enrolados na Lava-Jato de uma debacle eleitoral e nada mais. Em consequência, já surgem no Congresso os sintomas mórbidos e patológicos de uma situação na qual a velha política está morrendo e a nova ainda não emergiu.
Os mecanismos de financiamento eleitoral criados a partir da Constituição de 1988 se degeneraram e foram desarticulados pela Operação Lava-Jato. Agora, precisam ser substituídos. Os caciques das legendas preparam uma reforma cujo objetivo é mantê-los no poder. Para isso, querem determinar — a priori e pela força da grana — quem tem chances de se eleger e quem não tem. Até o sistema eleitoral será modificado com esse objetivo, de maneira a que os grandes partidos possam canibalizar os menores antes mesmo da eleição, e neutralizar os danos eleitorais decorrentes da Lava-Jato.
Uma reforma política de verdade, a essa altura do campeonato, debateria uma alternativa ao presidencialismo de coalizão. Um sistema híbrido, por exemplo, com características parlamentaristas, na qual a Presidência da República cuidaria das questões de Estado — Relações Exteriores, Defesa, Interior — e um governo de maioria parlamentar, da Fazenda, da Justiça, da Agricultura, da Saúde e da Educação… É como acontece na França e em Portugal.
Não é o que ocorre. O que está sendo tramado é a criação de um bilionário fundo de financiamento eleitoral e a concentração desses recursos e a distribuição do tempo de televisão nas mãos das cúpulas partidárias, bem como a adoção do chamado “distritão”, no qual são eleitos os mais votados por estado. O conjunto da obra seria liquidação da possibilidade de renovação dos partidos, que passariam a ser monopólios dos atuais deputados federais e senadores.
Na distribuição de recursos do fundo e do tempo de televisão, não é considerado o desempenho eleitoral para os demais cargos eletivos do país, ou seja, dos candidatos a presidente da República, a governador, a deputado estadual, a prefeito e a vereador, nas diversas esferas de governo. O mais justo seria a distribuição entre os partidos de acordo com a votação em cada eleição. Mas o relator da reforma política na Câmara, deputado Vicente Cândido (PT-SP), propõe a distribuição de 49% dos recursos divididos pelos votos na eleição de 2014 para deputado federal; 15% pela atual bancada de senadores; 34% pelo atual número de deputados titulares; e 2% para todos os partidos.
Troca-troca
Antes mesmo de ser aprovada, a reforma abala as relações políticas no Congresso, ao provocar intenso troca-troca entre partidos que já estão a funcionar como balcões de negócios. A decisão do Supremo Tribunal Federal que estabelece punição drástica para os parlamentares que mudarem de partido sem justificativa desde 2008 virou letra morta: ninguém perderá o mandato por trocar de legenda. Para tangenciar essa jurisprudência, o Congresso já havia aprovado uma emenda à Constituição (PEC) que abriu duas “janelas” para mudança de partido, a primeira em 2016, para as eleições municipais, e a segunda entre março e abril de 2018. Uma nova janela de 30 dias será aberta em agosto.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é um dos artífices da reforma. Transformado em alternativa de poder em razão das denúncias contra o presidente Michel Temer, Maia articula fortemente para que dissidentes governistas do PSB, partido que resolveu passar à oposição, engrossem as fileiras de sua legenda. A movimentação gerou tensão no Palácio do Planalto e provocou reações do presidente Temer, que também resolveu participar do leilão com os meios de que dispõe: verbas e cargos governamentais. Na bolsa do Congresso, cada novo deputado valerá R$ 2,4 milhões na campanha eleitoral de 2018, um senador, R$ 6,7 milhões. Tudo isso com recursos públicos, para barrar a possibilidade de renovação da política e perpetuar o controle dos partidos pelos enrolados na Lava-Jato. A porta de saída da crise ética está sendo trancada.
Luiz Carlos Azedo: O tempo morto
O recesso esconde movimentações subatômicas, nas quais as redes de apoio dos parlamentares se deslocam. Nas crises políticas, a volta do funcionamento do Congresso é imprevisível
Pela segunda vez, a Câmara adiou a leitura em plenário do parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) que rejeita a denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel Temer. Era uma exigência para que o relatório entrasse na pauta de votação da Câmara no dia 2 de agosto, imediatamente após o recesso. Dos 513 deputados, somente 13 apareceram no plenário, quando seriam necessários 51 deputados presentes para abrir a sessão.
Já há articulações na Casa para empurrar a decisão pra setembro, com objetivo de aguardar uma nova denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente da República. Mas o governo também joga com o chamado “tempo morto”, na premissa de que o adiamento serve para articular melhor a base. Em tese, a correlação de forças hoje é mais favorável ao governo; uma nova denúncia, porém, pode mudá-la.
Com o Congresso, o Judiciário e o Ministério Público em recesso, é até irônico falar em “tempo morto”, porque Temer está mais ou menos como o gato de Schrödinger, nome de um famoso experimento da física quântica. Em contraste com a teoria da relatividade de Albert Einstein, que explica o que é muito grande no universo, a física quântica explica o mundo subatômico, no qual as leis do mundo normal não se aplicam.
Os físicos comparam o mundo quântico a uma terra sem lei, governada pela improbabilidade. Para demonstrar essa imprevisibilidade, em 1935, o físico Erwin Schrödinger resolveu fazer um experimento totalmente hipotético, que consistiu em colocar um gato dentro de uma caixa selada com uma amostra radioativa, um contator Geiger e uma garrafa de veneno. Se o contador Geiger detectasse que o material radioativo tinha decaído, ele liberaria o veneno e o gato seria morto.
Seu objetivo era demonstrar falhas da “interpretação de Copenhague”, para a qual uma partícula existe em todos os estados ao mesmo tempo até ser observada. Se a interpretação de Copenhague sugere que o material radioativo pode decair e não decair no ambiente fechado, supõe-se que o gato está vivo e morto ao mesmo tempo, até que a caixa seja aberta. Schrödinger usou isso para destacar os limites da interpretação de Copenhague quando aplicada a situações práticas. Na verdade, o gato estará vivo ou morto, não importa se foi ou não observado. Schrödinger dizia que era ingenuidade aceitar um “modelo turvo” para representar a realidade.
É mais ou menos essa a situação de Michel Temer durante o recesso, porque nada acontecerá no Congresso e na Lava-Jato, não importam as especulações. Haverá, sim, uma batalha esquizofrênica na base do governo, na qual uma parcela trabalha para que Temer seja afastado e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), assuma o poder na volta do recesso; e um jogo de faz de conta de parte da oposição, principalmente do PT, que prefere Temer sangrando no cargo, daí a orientação para que sindicatos e movimentos sociais sob sua influência sepultem o “Fora, Temer!”.
Reformas
Nesse lusco-fusco, Temer tem a seu favor um conjunto de reformas aprovadas em tempo recorde, por um dos governos mais impopulares da história republicana: ensino, teto de gastos, terceirização e trabalhista. Na agulha, estão as reformas tributária e da Previdência. Como o ex-presidente Collor de Mello, que deixou como legado a abertura da economia à globalização, Temer passará à história como um protagonista da modernização da economia, para adequá-la à chamada quarta revolução industrial.É muito economicismo, porém, achar que isso basta para garantir sua permanência no cargo, como não bastou para Collor. Para o mercado, a política monetária está blindada no Congresso com a presença de Henrique Meirelles à frente do Ministério da Fazenda. Mesmo com o teto de gastos, o deficit fiscal continua grande e a reforma da Previdência de Temer será mitigada para ser aprovada. O custo de lealdade na base governista também é muito alto.
Como na física quântica, o recesso esconde movimentações subatômicas, nas quais as redes de apoio dos parlamentares se deslocam. Nas crises políticas, quando o recesso acaba, a volta do funcionamento do Congresso é imprevisível. É como se um filme congelado voltasse a rodar com o roteiro completamente modificado. O que vai determinar a permanência de Temer no poder ou não é a centralidade da política, isso é, o posicionamento de seus atores em relação às eleições de 2018.
Maia diz que se vê como alternativa presidencial no longo prazo
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), reconheceu ontem, em entrevista ao programa do jornalista Roberto D'Ávila, na GloboNews, que pode alçar voos mais altos na político no longo prazo. Perguntado diversas vezes ao longo da conversa se não teria intenção de assumir a Presidência do Brasil, no lugar de Michel Temer, o deputado federal disse que seu papel atual é presidir a Câmara e que jamais faria algo para prejudicar Temer.
"O político, quando entra na política, sempre sonha com o máximo. Isso aí seria besteira não admitir. Mas neste momento, não", descartou o parlamentar. "A longo prazo, é óbvio, chegar onde eu cheguei já me coloca, daqui a duas ou três eleições, como uma alternativa", acrescentou.
Maia reafirmou que como parlamentar apoia o presidente Michel Temer, mas como presidente da Câmara dos Deputados vem mantendo posição de neutralidade em relação às denúncias feitas contra o mandatário.
"Uma coisa é o presidente da Câmara, outra é o deputado eleito pelo DEM que apoia o governo do presidente. Esse deputado vai ser sempre leal", afirmou Maia, acrescentando que manterá distância em relação ao governo, respeitando a Constituição Federal e o regimento interno da casa na tramitação das denúncia contra Temer.
A entrevista com o deputado federal foi gravada na tarde de ontem, no Rio de Janeiro.
Maia afirmou que o ideal para o Brasil seria que não tivesse havido o fatiamento das investigações contra o presidente Michel Temer, mas que respeita as decisões neste sentido tomadas por outros Poderes. Para o presidente da Câmara, o fatiamento enfraquece a posição de Temer em votações na Casa.
"O ideal para o Brasil é que tivéssemos apenas uma denúncia. Mas esse é um papel que cabe ao procurador-geral [da República] e ao ministro [do Supremo Tribunal Federal Luiz Edson] Fachin. O ministro Fachin já desmembrou o inquérito em dois. Então, ele mesmo viu motivos para separá-los", disse Maia, acrescentando que não tinha qualquer intenção de fazer críticas a outras instituições. "Não estou aqui para fazer críticas a outras instituições. Inclusive acho que no Brasil de hoje nós precisamos repactuar as relações entre os Poderes."
O presidente da Câmara criticou o que considera um excesso de declarações feitas por fontes não identificadas sobre assuntos do alto escalão do governo. "O Palácio [do Planalto] tem que falar menos", disse Maia, queixando-se das inúmeras "bocas" que falam pelo governo. Na avaliação dele, essa multiplicidade de fontes que falam sem se identificar acaba por atrapalhar o bom andamento da administração. "Pelo Palácio fala o presidente e seu porta-voz", acrescentou.
Rodrigo Maia reconheceu que as denúncias de corrupção contra Temer são graves. No entanto, minimizou o suposto uso de emendas parlamentares pelo presidente para garantir a rejeição na Câmara de Constituição e Justiça (CCJ) do relatório favorável à autorização para que o Supremo Tribunal Federal analise a denúncia contra ele. "Se cada emenda resolvesse o problema, Dilma ainda seria presidente do Brasil", argumentou. Com relação à troca de parlamentares na CCJ, para produzir um placar favorável a Temer, Maia afirmou que a instância definitiva será a votação da denúncia em plenário.
Maia afirmou que vem cobrando diariamente do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, a assinatura definitiva do acordo de recuperação fiscal entre a União e o Estado do Rio de Janeiro. "Nós perdemos completamente o controle da segurança pública no Rio", disse o deputado federal ao jornalista Roberto D'Ávila.
O presidente da Câmara frisou ainda que defende a implementação imediata do Plano de Segurança Nacional no Estado do Rio. Segundo o parlamentar, suas tentativas de acelerar a ajuda ao Rio de Janeiro mostram que, mesmo apoiando o presidente Michel Temer, ele e o governo federal divergem em alguns pontos.
Por Rodrigo Carro | Valor Econômico
Folha de S. Paulo: Lava-Jato na balança
Escolhida pelo presidente Michel Temer (PMDB) para substituir Rodrigo Janot no comando do Ministério Público Federal, Raquel Dodge passou sem problemas pela sabatina a que foi submetida no Senado na última quarta-feira (12).
Após mais de sete horas de questionamentos na Comissão de Constituição e Justiça, a futura primeira mulher a ocupar a Procuradoria-Geral da República terminou aprovada por unanimidade, fato inédito no colegiado. Em seguida, teve seu nome endossado por 74 senadores –há dois anos, Janot, cujo mandato se encerra em 17 de setembro, obteve 59 votos favoráveis.
Infelizmente para Dodge, o apoio extraordinário não equivale a um atestado de excelência pelos serviços prestados. Ao contrário, reflete a expectativa, compartilhada pela maioria dos congressistas, de que a Operação Lava Jato arrefeça sob nova direção.
Não é de hoje que Dodge se apresenta como contraponto ao atual procurador-geral. Quando Janot foi reconduzido ao cargo, em 2015, ela já aparecera na lista tríplice formada por iniciativa da categoria. Na disputa deste ano, deixou claras suas críticas em relação à falta de transparência nos acordos de delação premiada e suas divergências quanto à divulgação antecipada de investigações ainda em curso.
Ademais, seu nome tem sido vinculado nos bastidores a personagens do círculo próximo de Temer, como o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, e o ex-presidente José Sarney (PMDB).
Por outro lado, Dodge destacou-se no MPF pela atuação firme em casos de corrupção. Em 2009, participou da Caixa de Pandora, operação que revelou o chamado mensalão do DEM, e pediu a prisão de José Roberto Arruda, à época governador do Distrito Federal.
Seu currículo também inclui a ação que resultou na condenação de Hildebrando Pascoal, ex-deputado que matou um mecânico com uma motosserra no Acre, e o processo que levou à prisão José Carlos Gratz, ex-presidente da Assembleia Legislativa do Espírito Santo.
Como tem sido usual nas sabatinas do Senado, Dodge não precisou anunciar posições definitivas em relação aos temas mais delicados.
Corrupção? "Manteremos esse trabalho de enfrentamento, aumentando se necessário as equipes que hoje já o vem desenvolvendo." Delação premiada? "Estamos debruçados para entender a instituição, seus limites e sua validade." Lei de abuso de autoridade? "No regime democrático, controles são necessários, inclusive sobre os órgãos de administração de Justiça."
São respostas genéricas, mas bastaram para sinalizar sua disposição a um diálogo que Janot se recusa a travar. Raquel Dodge faz bem em reconhecer que o MPF também comete erros. Corrigi-los é a melhor maneira de assegurar a repetição dos acertos.
A resposta mais importante, contudo, virá com a prática: a futura procuradora-geral terá independência para, nos termos da lei, prosseguir com as investigações que os políticos gostariam de ver abafadas?
Editorial Folha de São Paulo
Luiz Carlos Azedo: A ordem intersubjetiva
Somente uma organização tem condições de abalar a Lava-Jato: o próprio Judiciário. Esse é o centro da disputa política em curso
A democracia é uma ordem intersubjetiva. Além dos aspectos físicos e materiais que caracterizam as instituições, como a espetacular arquitetura da Praça dos Três Poderes, e da consciência individual de cada eleitor, ela só existe porque uma vasta rede de comunicação tece os elos entre o caráter objetivo das decisões políticas e a crença de cada indivíduo quanto à importância dessas decisões para suas vidas. Ou seja, a crença de que a democracia é um valor a ser preservado pela sociedade.
Uma das características da crise ética que estamos vivendo é uma espécie de desconexão dessa rede. As instituições políticas como sistema de poder começam a reagir à crise, tendo como prioridade a própria sobrevivência, sem considerar o fato de que, ao fazê-lo, não podem romper os elos subjetivos com a sociedade que fazem da democracia a tal ordem intersubjetiva.
No livro Sapiens, uma breve história da humanidade, Yuval Noah Harari, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, mostra que leis, dinheiro, deuses e nações são forças intersubjetivas, cuja existência é assegurada porque muitos indivíduos nelas acreditam e contra as quais a desconfiança ou descrença de alguns nada representam. Chegamos ao ponto que nos interessa aqui.
A condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, e a denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer, estão na esfera desses fenômenos intersubjetivos. Por mais carismático que seja o primeiro ou por mais poderoso que seja o segundo, as declarações de ambos contra a sentença do magistrado e a peça de acusação do procurador nada representam do ponto de vista da ordem jurídica. São apenas o jus esperneandi. Mas tudo pode mudar de figura se essa interpretação rompe a rede compartilhada por milhões de cidadãos.
Sustentação
Nem Lula nem Temer têm condições de atingir esse objetivo sozinhos: seria preciso mudar a consciência de milhões de pessoas. Isso somente seria possível se a ordem imaginada pelas pessoas — nesse caso, a Operação Lava-Jato — fosse desmoralizada. Houve muitas tentativas até agora nesse sentido, nenhuma das quais teve êxito. Em tese, isso seria possível com a ajuda de uma organização complexa, como são os partidos políticos e os movimentos ideológicos.
Tanto o PMDB de Temer, quanto o PT de Lula não estão em condições de exercer esse papel, uma vez que perderam em muito a força que tinham como organizações, digamos, intersubjetivas. Somente uma organização tem condições de abalar a Lava-Jato: o próprio Judiciário. Esse é o centro da disputa política em curso. Quem quiser, que pague para ver. Para salvar o mandato de Temer, basta blindá-lo com o apoio de 172 deputados no plenário da Câmara; o mesmo apoio que a ex-presidente Dilma Rousseff não conseguiu reunir para barrar o impeachment.
Para evitar a prisão de Lula, porém, é preciso mais do que isso: domar a Polícia Federal, refrear o ímpeto dos procuradores, conter Moro e outros juízes de primeira instância, ter a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Lava-Jato.
Em ambos os casos, o grande problema é a disjuntiva entre as instituições da ordem democrática e a rede intersubjetiva que lhes dá sustentação na sociedade.
* Luiz Carlos Azedo é jornalista
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-ordem-intersubjetiva/
Luiz Carlos Azedo: Os quarenta e um
As aprovações do teto de gastos, da terceirização e da reforma trabalhista, e o controle da inflação funcionaram como um fator favorável à permanência de Temer
O presidente Michel Temer pode ter salvo o mandato ontem, graças à tropa de choque que rejeitou o relatório do deputado Sérgio Zveiter (PMDB-RJ) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e aprovou, por 41 votos a 24, um novo parecer, de Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), recomendando a rejeição da denúncia contra o primeiro presidente da República a ser denunciado criminalmente pelo Ministério Público. O relatório de Abi-Ackel (PSDB-MG) já estava pronto quando o governo conseguiu derrotar Zveiter, por 40 votos a 24 e uma abstenção; e foi imediatamente referendado.
A próxima batalha será em plenário, mas a votação da CCJ aumentou as expectativas quanto à capacidade de Temer permanecer no poder, ainda que a correlação de forças na comissão tenha sido alterada a fórceps, com a substituição de nove deputados da base considerados infiéis. Novo relator, Abi-Ackel afirma que as acusações contra Temer foram resultado de ação “suspeitíssima” do empresário Joesley Batista, dono do grupo J&F, e que a denúncia “peca por omissão” ao não demonstrar “o nexo causal entre o presidente da República e o ilícito que menciona”.
Com a decisão de ontem, a incerteza migrou da situação para a oposição. O novo parecer somente será aprovado se tiver o apoio de dois terços do total de 513 deputados, ou seja, 342 votos. Somente assim será autorizada a instauração do processo no Poder Judiciário. No caso de rejeição da denúncia pelo plenário, o Supremo ficará impedido de dar andamento à ação, que será suspensa. O processo será retomado após o fim do mandato do presidente. Esse é agora o cenário mais provável, com Temer na condição de “pato manco” até 2018.
O outro cenário depende de um fato novo que abale o Palácio do Planalto e mude novamente o ambiente na Câmara. Caso a denúncia seja aceita, será analisada pelos 11 ministros do STF e Temer pode se tornar réu, sendo afastado por 180 dias. Só perderá o cargo definitivamente se for condenado pelo Supremo. O comando do país ficaria a cargo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). No caso de condenação, Maia teria de convocar eleições indiretas no prazo de um mês. Segundo a Constituição, o novo presidente da República seria escolhido pelo voto de deputados e senadores.
Consequências
Esses dois cenários estão balizando a movimentação do Palácio do Planalto no Congresso. Na hipótese de rejeição, Temer será blindado contra a Lava-Jato, mas a base governista estará dividida irremediavelmente, porque o PSDB está à beira da implosão. Na última reunião de seus caciques, o presidente interino Tasso Jereissati queria anunciar o desembarque do governo, como deseja a maioria da bancada na Câmara, mas foi impedido pelo governador Geraldo Alckmin e pela maioria dos senadores, liderados por Aécio Neves (MG). Na CCJ, ontem, quatro deputados tucanos votaram a favor do acolhimento da denúncia e dois contra, sendo um escolhido relator da rejeição, o mineiro Abi-Ackel.
As aprovações do teto de gastos, da terceirização e da reforma trabalhista, e o controle da inflação, mesmo com o governo fragilizado pela Lava-Jato, funcionaram como um fator favorável à permanência de Temer. O próximo passo é a aprovação da reforma da Previdência, após a rejeição da denúncia. Seria a prova de que o “pato manco” nada como um cisne em águas turvas. Outra consequência será o fortalecimento dos parlamentares que rejeitaram a denúncia, principalmente aqueles que foram os primeiros a pôr a cara a tapa na Comissão de Constituição e Justiça. Com certeza, quererão tomar os espaços ocupados pelos partidos cujas bancadas, majoritariamente, votaram contra Temer.
Mais uma consequência diz respeito ao segundo cenário. Antes da votação na CCJ, a expectativa de poder em relação a Rodrigo Maia era ascendente. O parlamentar era o Plano B de muitos palacianos e dos parlamentares da base que defendiam a aprovação da denúncia. De certa maneira, a possibilidade de afastar Temer e continuar no governo com Maia já havia saído do campo das especulações para as articulações políticas. Quem foi flagrado fazendo jogo duplo será tratado como traidor e perderá os cargos após a votação em plenário. É a guerra.
Finalmente, a Lava-Jato. A rejeição da denúncia não absolve Temer. O processo será retomado quando encerrar seu mandato. Isso levará o governo a avançar na tentativa de conter o Ministério Público, a partir de setembro, quando acaba o mandato do procurador-geral Rodrigo Janot. De certa forma, a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, a nove anos e seis meses de prisão, e a denúncia contra Temer tecem um amplo espectro de adversários da Operação Lava-Jato, que estão em quase todos os partidos e poderes da República.
* Luiz Carlos Azedo é jornalista
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-os-quarenta-e-um/