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Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Novo Código Eleitoral pode afrouxar Lei da Ficha Limpa

Texto abre brecha para manter elegibilidade de político em processo de cassação, desde que ele renuncie

DW Brasil

Congresso corre para tentar aprovar reforma na legislação a tempo de aplicá-la já nas eleições de 2022. A primeira legislação eleitoral brasileira é de 1881. A atual é de 1965

Se for aprovado, será a toque de caixa. Nesta terça-feira (31/08), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, aprovou um requerimento de urgência para que a votação do novo Código Eleitoral ocorra na quinta (02/09), com dispensa das comissões da casa — acatando pedido de um grupo de parlamentares, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou um prazo de 48h para que Lira explique os motivos de tal urgência.

Com 902 artigos, o Projeto de Lei 112/2021 visa a instituir um novo Código Eleitoral no país — o vigente data de 1965.  Para valer já para as eleições do ano que vem, a legislação precisa ser aprovada, tanto pela Câmara como pelo Senado, e sancionada pela Presidência pelo menos um ano antes do primeiro turno, ou seja, antes de 2 de outubro.

Para valer já para as eleições do ano que vem, a legislação precisa ser aprovada, tanto pela Câmara como pelo Senado, e sancionada pela Presidência pelo menos um ano antes do primeiro turno, ou seja, antes de 2 de outubro.

Um dos pontos mais polêmicos da nova proposta, atentado por especialistas, é que o texto afrouxa alguns pontos da conhecida Lei da Ficha Limpa. Em vigor desde 2010, a norma, criada a partir de iniciativa popular, serve para impedir a eleição, a cargos políticos, de candidatos condenados por órgãos colegiados.

O cerne da questão está no fato de que, a partir da Ficha Limpa, um político com o mandato cassado passou a se tornar inelegível por oito anos, mesmo que renunciasse durante o processo, quando ainda existia a possibilidade de recursos. Antes dessa lei, tal artifício havia sido utilizado por diversos parlamentares em vias de cassação, como o então senador Antônio Carlos Magalhães (1927-2007), em 2001, o então deputado Severino Cavalcanti (1930-2020), em 2005, e o então deputado Jader Barbalho, em 2010. 

Na proposta que segue para votação, a possibilidade de que parlamentares renunciem para concorrer nas eleições seguintes, livres de impedimento legal, volta a ser aberta. "Eles [os parlamentares] vão tentar impedir a aplicação de um entendimento que se estabeleceu antes [com a Ficha Limpa] de que a renúncia para evitar a punição é ineficaz, de modo que os parlamentares [condenados] acabavam punidos mesmo renunciando”, esclarece o jurista Carlos Ari Sundfeld, professor da FGV-Direito.

"E, ao que parece, eles pretendem também diminuir os prazos da ineligibilidade”, prossegue Sundfeld. A ideia do projeto em tramitação é que os oitos anos em que um político condenado em segundo instância fica impedido de se candidatar comecem a contar a partir da condenação — o entendimento atual é que seja após o cumprimento da pena determinada pela Justiça.

Especialista em direito eleitoral e ex-professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o advogado Alberto Rollo critica a forma apressada como o código vem sido debatido — em uma tentativa, por parte de alguns parlamentares, de fazer com que ele possa ser aplicado já no próximo pleito.

"São mais de 900 artigos que estão sendo discutidos de forma atabalhoada, muito rápida, sem ouvir os organismos da sociedade. Acaba virando conversa de doido”, comenta ele. "Se esperamos desde 1965 para um novo código, isso poderia ser feito ao longo de um ano, dois anos, três anos de debates. E não em 60 dias como está sendo feito.”

Mesmo assim, ele acredita que tal reforma é "importante porque pretende dar para o Brasil” um código eleitoral que contemple "situações que o país vive no século 21”. "O atual está defasado, inspirado em outro momento”.

Quarentena e coligações

Entretanto, alguns dispositivos do texto em tramitação têm sido bem-recebidos por analistas. É o caso da determinação de uma quarentena de cinco anos para que militares, policiais, juízes e promotores disputem eleições.

"É um debate bem quente no momento. Hoje, esses agentes públicos podem se afastar de sua função, se aposentar, pedir exoneração e, no dia seguinte, se inscrever num partido e, então, se tornar candidato. Isso tem causado muito incômodo porque essas pessoas têm podido usar seus palanques [durante a carreira profissional] para se divulgar como paladinos da justiça e isso tem provocado certa reação dos políticos que não fazem parte desses grupos”, avalia Sundfeld.

Uma quarentena serviria para arrefecer o impacto de suas imagens frente à opinião pública — "equilibrando mais o jogo eleitoral”, conforme define o jurista. "É uma medida que em algum momento o Brasil tem de discutir”, comenta ele. "Mas suponho que seja complicado aprovar isso hoje por conta das características do presidente atual, com muito aceno aos militares, e também uma tendência de magistrados e membros do Ministério Público que querem, de todo jeito, participar da política.”

Para Rollo, outro ponto positivo é que a proposta em tramitação mantém regras claras sobre fidelidade partidária. Além de reforçar mecanismos para aumentar, gradualmente, a participação de mulheres e negros nas bancadas.

Por outro lado, ele destaca aspectos negativos, como o retorno das coligações nas eleições proporcionais. "Isso acaba dando uma sobrevida para os partidos nanicos, pequenos. E a ideia era justamente o contrário, em 2017 foram aprovadas normas objetivando de alguma maneira a extinção dos partidos pequenos, porque eles atrapalham na governabilidade. Servem para gastar e usar o fundo eleitoral, empregar famílias e grupos pequenos, não servem para a democracia”, argumenta o especialista.

"Outra coisa: se a proposta for aprovada, haverá um afrouxamento na prestação de contas, pois aquilo que hoje é feito por técnicos da Justiça Eleitoral será delegado para empresas contratadas de autoria. Perderá um pouco da credibilidade e a transparência ficará comprometida”, avalia.

Histórico

A primeira legislação eleitoral brasileira é de 1881. Conhecida como Lei Saraiva, ela normatizava o voto direto e secreto para todos os cargos públicos do Brasil Império. Analfabetos, ex-escravos e imigrantes não tinham direito ao voto.

O primeiro código eleitoral, contudo, só entraria em vigor em 1932, com avanços consideráveis à Lei Saraiva — por exemplo, a criação da Justiça Eleitoral, com a instalação do Tribunal Superior Eleitoral. A partir daí o voto passou a ser obrigatório e universal. Novos códigos eleitorais foram decretados em 1935 — tornando o voto obrigatório para mulheres que exercessem atividade remunerada e regulamentando o papel do Ministério Público nas eleições —, 1945, 1950 — qualificando como livre o exercício da propaganda partidária — e o atual, de 1965.

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/novo-c%C3%B3digo-eleitoral-pode-afrouxar-lei-da-ficha-limpa/a-59050186


O que está em jogo no Brasil é ruptura do pacto civilizatório de 1988

Constante deslegitimação das instituições democráticas colocam em xeque a possibilidade de um país menos desigual

Ricardo Machado / IHU Online

O clima de sucessão presidencial no Brasil está posto. Mas a tensão comum desses períodos, apesar de o debate estar bastante adiantado, com mais de um ano de antecedência em relação ao pleito, mostra que a escalada da violência política subiu mais alguns degraus. “Não há dúvida nenhuma de que temos uma combinação bastante perigosa, com uma militância extremista radicalizada e uma liderança disposta a tumultuar e melar o processo. Se não forem, desde já, tomadas medidas a fim de conter a campanha de Bolsonaro e seus principais aliados contra as eleições, nós corremos o sério risco de termos uma escalada de violência política, pior ainda do que aquela ocorrida durante a campanha das eleições de 2018”, pontua o professor e pesquisador Luis Felipe Miguel, em entrevista por telefone ao Instituto Humanitas Unisinos - IHU.

Embora em várias pesquisas Lula apareça como líder das intenções de voto, as condições de um possível retorno e de governo do ex-presidente são bastante diferentes de 20 anos atrás. “Lula chegou à presidência nas eleições de 2002 com o compromisso de se manter em um programa de extrema moderação para não assustar a burguesia e a promessa de pacificar o país, por meio da inclusão social, sem afetar os privilégios dos grupos minoritários”, explica.

No entanto, explica o professor, a margem de manobra para que um hipotético governo Lula promova políticas compensatórias de combate à pobreza é bastante adversa. “O estado brasileiro foi severamente atingido pelas medidas de redução da sua capacidade de ação tomadas a partir do governo Michel Temer e porque existiu nesse período um processo de retirada brutal de direitos”. A instabilidade democrática não somente coloca em risco o futuro do Brasil, como compromete o pacto firmado com a Constituição de 1988, que, segundo o entrevistado, “apontava na direção de um Estado social, capaz de reduzir o padrão aberrante de desigualdade que impera no Brasil”.

Luis Felipe Miguel é doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília - UnB e graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Leciona no Instituto de Ciência Política da UnB, onde coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê). Publicou, entre outros, os livros Democracia e representação: territórios em disputa (Editora Unesp, 2014), Consenso e conflito na democracia contemporânea (Editora Unesp, 2017) e Dominação e resistência (Boitempo, 2018).

Confira a entrevista.

IHU – Como o senhor avalia o atual cenário político brasileiro, com ameaças de golpe, tentativas de deslegitimação das urnas eletrônicas e um processo constante de questionamento e tensionamento entre as instituições?

Luis Felipe Miguel – Bolsonaro é um político de baixa competência, que não sabe negociar, que não tem capacidade de agregar e não sabe trabalhar coletivamente, como prova, aliás, sua incapacidade de formar um partido. Toda sua estratégia consiste em manter elevado o nível da tensão política. Graças a isso sua base fica mobilizada agressivamente e mantém os adversários na defensiva. No momento em que as chances eleitorais dele estão claramente se reduzindo para 2022, ele está optando por aumentar ainda mais o nível desta tensão que já foi mantida alta durante todo o mandato. Claramente está apostando em uma virada de mesa, ou seja, um novo golpe, a contestação do resultado das eleições de 2022 ou mesmo a tentativa de impedir a realização das próximas eleições. Ou está apostando em garantir que após a sua provável derrota nas urnas ele terá uma base militante minoritária, mas muito aguerrida, capaz de garantir que ele e seus familiares não sejam atingidos pelas medidas punitivas às quais certamente fazem jus, dadas todas as evidências recolhidas até aqui.

Se não forem, desde já, tomadas medidas a fim de conter a campanha de Bolsonaro e seus principais aliados contra as eleições, nós corremos o sério risco de termos uma escalada de violência política – Luis Felipe Miguel Tweet

IHU – Estando a mais de um ano das eleições, o que é possível projetar sobre o próximo pleito, senão do resultado, ao menos de suas condições de realização?

Luis Felipe Miguel – Sobre as eleições do próximo ano, creio que a única coisa que se pode dizer com algum grau de certeza é que, infelizmente, serão realizadas em um contexto de muita tensão. O bolsonarismo tem trabalhado para que não tenhamos uma campanha eleitoral com o mínimo de civilidade, de discussão sobre as alternativas para o país, sobre o significado das candidaturas. O que ele está fazendo é, deliberadamente, produzir suspeitas infundadas sobre o processo eleitoral, ao mesmo tempo que insufla sua base – composta por uma parte importante de homens armados – contra as candidaturas alternativas à dele, em particular aquela que é favorita neste momento, a do ex-presidente Lula.

Não há dúvida nenhuma de que temos uma combinação bastante perigosa, com uma militância extremista radicalizada e uma liderança disposta a tumultuar e melar o processo. Se não forem, desde já, tomadas medidas a fim de conter a campanha de Bolsonaro e seus principais aliados contra as eleições, nós corremos o sério risco de termos uma escalada de violência política, pior ainda do que aquela ocorrida durante a campanha das eleições de 2018.

Sobre as eleições do próximo ano, creio que a única coisa que se pode dizer com algum grau de certeza é que, infelizmente, serão realizadas em um contexto de muita tensão – Luis Felipe Miguel. Tweet

IHU – A pesquisa da XP/Ipespe divulgada no dia 17/8 indica que, no primeiro turno, Lula tem vantagem sobre todos candidatos e que, no segundo turno, tanto Lula quanto Ciro são capazes de vencer Bolsonaro. O que essa pesquisa sugere sobre o atual contexto político?

Luis Felipe Miguel – Este cenário tem reaparecido em todas as pesquisas mais recentes. Não há dúvidas de que há hoje um claro favoritismo do ex-presidente Lula, não apenas pontuando com larga vantagem sobre os adversários, particularmente sobre Bolsonaro no primeiro turno, ganhando com larga vantagem no segundo turno, como também existe uma tendência de queda da rejeição ao nome do ex-presidente Lula. Parece que o fantasma do antipetismo, que foi muito importante para garantir a vitória da extrema direita em 2018, e que ainda é apresentado por alguns candidatos que tentam se viabilizar como sendo um fator determinante na eleição, começa a ser superado.

Creio que vários fatores contribuíram para isso e gostaria de citar três em particular.

1) O primeiro, claro, é o desastre absoluto do governo resultante da campanha antipetista, que é o governo Bolsonaro. Um governo que trouxe ao país um rastro de destruição e demolição do Estado brasileiro, das instituições democráticas, além, é claro, da nossa contagem de centenas de milhares de mortos, em grande medida resultado da condução absolutamente irresponsável da pandemia.

2) O outro fator é a desmoralização da Operação Lava Jato. Desde sempre pesavam suspeitas mais do que sérias sobre a condução da Lava Jato por Sergio Moro e Deltan Dallagnol, além de outros participantes da força-tarefa. A partir sobretudo das revelações feitas pelo The Intercept Brasil, ficou mais do que evidente que a operação foi uma conspiração contra a democracia brasileira, e o ex-presidente Lula foi o principal alvo desta conspiração. Isso claramente pode reverter uma parte da antipatia construída contra ele.

3) O terceiro motivo se liga a quando Lula é finalmente solto de sua prisão política e arbitrária e, depois de recuperar os seus direitos políticos, consegue, rapidamente, se colocar diante do país como sendo a grande esperança de superação da situação em que nos encontramos. Naquele momento o Brasil testemunhava o pior momento da pandemia, e isso em uma situação em que as outras lideranças da oposição, particularmente as de direita, que o governador (JoãoDoria buscou encarnar em primeiro lugar, mostraram-se pouco capazes de conter o desastre que o bolsonarismo representava. Naquele momento Lula se tornou capaz de ser, tal como havia sido nas eleições de 2002, uma esperança de salvação para o país. Isso está se refletindo nas pesquisas de opinião.

Claramente é impossível fazer previsões faltando mais de um ano para o pleito de 2022, mas Lula entra na campanha eleitoral com essa bagagem de simpatia, novamente portador da esperança popular e isso, sem dúvida nenhuma, faz com que o favoritismo dele tenha um certo grau de solidez.

Acredito ser improvável que um terceiro nome alce voo, exceto na hipótese, infelizmente remota, do impedimento de Bolsonaro
Luis Felipe Miguel 

IHU – Aliás, como o senhor avalia a possibilidade de uma terceira via? Quais são as condições hoje e quais as possibilidades de mudança até as eleições?

Luis Felipe Miguel – Acredito ser improvável que um terceiro nome alce voo, exceto na hipótese, infelizmente remota, do impedimento de Bolsonaro. Ou seja, de que ele não possa apresentar sua candidatura, quando, aí sim, há a possibilidade de um outro nome à direita se colocar. Mas, mantida a candidatura de Bolsonaro, parece pouco provável que a direita tradicional consiga colocar outro nome forte na disputa. Existem nomes que têm estrutura, que estão há muito tempo presentes e têm ativos a seu favor, como é o caso do governador Doria, que dirige o estado mais rico do Brasil, se projetou como o pai da vacina brasileira e tem a simpatia da mídia corporativa e de parte do empresariado, mas, apesar disso, continua patinando em torno dos 5% das intenções de voto. É muito improvável que um candidato como Doria aumente sua aceitação, pois mesmo com todos esses recursos não consegue ultrapassar a linha em que está.

Por outro lado, a tentativa de lançar um outsider como foi tentado com Luciano Huck, que acabou retirando sua candidatura da disputa – e, às vezes, aparecem nomes de outros apresentadores de televisão –, é um caminho muito mais difícil quando o país vive a ressaca da antipolítica. Quando os candidatos que procuravam representar um rechaço à classe política foram testados, deu no que deu. Desse ponto de vista, a possibilidade de que surja um nome surpresa me parece bem pouco auspiciosa.

Sobra o caso do candidato Ciro Gomes, que tenta se colocar como o nome da terceira via, inclusive se colocando de uma maneira bastante agressiva e buscando se distanciar da esquerda representada pelo PT e por Lula. A questão é que Ciro, além das dificuldades já conhecidas por quem acompanhou todas suas outras tentativas de chegar à presidência da República, enfrenta hoje o fato de que se descredenciou da esquerda, exatamente por não ter se engajado no segundo turno contra Jair Bolsonaro, como todos nós sabemos, e preferiu ir a Paris. Ao mesmo tempo a direita mantém uma desconfiança de que ele, embora tenha tido sua origem política na Arena, há muito tempo buscou se colocar como um político com perfil à esquerda. As pesquisas não indicam somente um movimento momentâneo, mas algo que está se cristalizando no cenário político eleitoral. Isso tudo nos leva a crer que a tendência é Ciro ficar abaixo do seu teto histórico que é de 12% dos votos, o que é insuficiente, portanto, para ele chegar ao segundo turno.

A questão é que Ciro, além das dificuldades já conhecidas por quem acompanhou todas suas outras tentativas de chegar à presidência da República, enfrenta hoje o fato de que se descredenciou da esquerda
Luis Felipe Miguel

IHU – Quais são as diferenças entre as atuais condições político-eleitorais de Lula para o pleito de 2022 em comparação com 2002? Em suma, qual o clima político que vivemos em relação a Lula?

Luis Felipe Miguel – Lula chegou à presidência nas eleições de 2002 com o compromisso de se manter em um programa de extrema moderação para não assustar a burguesia e a promessa de pacificar o país, por meio da inclusão social, sem afetar os privilégios dos grupos minoritários. Foi o que ele tentou fazer. Foi esse o grande programa do lulismo no poder. No entanto, apesar de toda essa prudência, com reformas tímidas, controladas, autolimitadas, que Lula e depois a Dilma introduziram, acabaram se desencadeando processos na sociedade brasileira que incomodaram os grupos dominantes.

redução da vulnerabilidade dos mais pobres, dos trabalhadores, necessariamente aumenta a sua capacidade de barganha diante dos grupos sociais dominantes. Foi contra isso que foi desferido o golpe de 2016, que teve o claro sentido de devolver o país às condições ainda mais gritantes de desigualdade social que vigoravam antes dos governos petistas. No momento o presidente Lula recupera a interlocução com vários dos grupos que foram responsáveis pelo golpe que retirou o PT do poder. Ele parece querer reconstruir as condições de governabilidade que lhe permitiram exercer o mandato após a vitória em 2002.

A redução da vulnerabilidade dos mais pobres, dos trabalhadores, necessariamente aumenta a sua capacidade de barganha diante dos grupos sociais dominantes. Foi contra isso que foi desferido o golpe de 2016 – Luis Felipe Miguel Tweet

No entanto, a margem de manobra para que ele promova políticas compensatórias de combate à pobreza extrema está muito diminuída. O estado brasileiro foi severamente atingido pelas medidas de redução da sua capacidade de ação tomadas a partir do governo Michel Temer e também porque existiu nesse período um processo de retirada brutal de direitos. Em suma, o pacto que Lula fez em 2002, caso seja refeito agora, precisará ser feito em condições muito mais precárias. A estratégia de nenhum enfrentamento que o PT adotou nos governos Lula e Dilma parece, neste momento, estar fadada ao fracasso. As classes dominantes brasileiras mostraram que estão dispostas a aproveitar a correlação de forças favorável a elas e romper com os acordos que foram feitos com os representantes das classes dominadas. Tendo a acreditar que se um novo governo de centro-esquerda no Brasil não investir mais na mobilização de suas bases para garantir melhor correlação de forças para o progresso social, nós teremos uma reedição muito aviltada do lulismo que imperou a partir da vitória nas eleições de 2002.

IHU - Em seu texto publicado na FSP – Favorito em 2022, Lula pode normalizar desmonte do país se ceder demais – o senhor afirma que “Lula é a melhor promessa de pacificação do país”. Por quê?

Luis Felipe Miguel – Creio que são dois os motivos. Primeiro, por causa do perfil de Lula, que é um político voltado à negociação, à produção de consensos, um político que faz questão de manter abertas as portas do diálogo com todas as forças. Essa é uma característica que Lula traz desde o sindicalismo e que faz dele a pessoa, certamente, com as maiores condições e com a maior habilidade para conduzir o país a um cenário de disputa política mais civilizado. Mas, também, pelo fato de que Lula, como líder do PT e líder popular, que foi e é, foi o principal alvo dos retrocessos que o Brasil sofreu nos últimos tempos. Quer dizer, se quisermos simbolizar em uma pessoa a destruição da ordem regida pela Constituição de 88, essa pessoa é o Lula: foi ele quem se tornou um preso político por mais de um ano; ele foi o principal alvo da conspiração contra a democracia, representada pela Lava Jato; ele que foi impedido de disputar as eleições de 2018. Então, simbolicamente, Lula representa uma tentativa de retomada do caminho de construção democrática que foi interrompido com o golpe de 2016.

O pacto que permitiu os governos do PT, o pacto que Lula firmou ao longo de 2002, era um pacto de buscar um caminho de enfrentamento das premências dos mais pobres, mas que evitasse tocar nas vantagens dos privilegiados
Luis Felipe Miguel

IHU - Em contrapartida, o senhor adverte sobre os perigos de a esquerda ceder em nome da “governabilidade”. Quais são os riscos principais?

Luis Felipe Miguel – Creio que este é o risco principal embutido num eventual retorno de Lula à presidência. O pacto que permitiu os governos do PT, o pacto que Lula firmou ao longo de 2002, cujo maior emblema, certamente, é a Carta ao Povo Brasileiro, era um pacto de buscar um caminho de enfrentamento das premências dos mais pobres, mas que, ao mesmo tempo, evitasse tocar nas vantagens dos grupos privilegiados na sociedade. Nós vimos que, mesmo com toda essa prudência, esses mesmos grupos privilegiados se viram atingidos por mudanças que a melhoria das condições dos mais pobres gerou na dinâmica social, a tal ponto que optaram por romper com a ordem democrática, que ocorreu com o golpe de 2016, e esse rompimento foi aprofundado com as sucessivas manobras de exceção e apoio ao bolsonarismo.

No entanto, o pacto que foi feito no início do século não tem como ser recuperado agora; as condições mudaram. O espaço de manobra para um governo democrático, com manifestação popular, está muito reduzido porque o Estado brasileiro tem sido demolido. Todos os nossos instrumentos de intervenção no social, a fim de minorar as desigualdades, foram agredidos pelo subfinanciamento e pela campanha agressiva contra essas políticas, porque a Constituição está funcionando de uma maneira muito precária e porque muitos dos direitos conquistados pelo povo brasileiro foram retirados. Então, nessas circunstâncias, a possibilidade de um governo, por mais bem-intencionado que venha a ser, produzir políticas compensatórias se torna muito menor.

Se não for adotado algum tipo de estratégia que permita o enfrentamento das negociações políticas no Brasil, ou seja, que trabalhe para mudar a correlação de forças e permita que o campo popular se robusteça para os enfrentamentos que serão necessários, o caminho da retomada da democracia no Brasil será um caminho de acomodação a situações ainda piores de desigualdade social. A governabilidade pensada na maneira tradicional se limita à aceitação das barganhas impostas seja pela burguesia, seja pela elite política tradicional. É necessário buscar uma nova forma de ação que combine a busca da negociação nos espaços institucionais com a mobilização das forças sociais que estão interessadas na produção de um país menos desigual, menos injusto e menos violento.

O espaço de manobra para um governo democrático, com manifestação popular, está muito reduzido porque o Estado brasileiro tem sido demolido
Luis Felipe Miguel

IHU - Qual tipo de pacto civilizatório é possível fazer com as elites brasileiras que, sem cerimônias, romperam com o horizonte normativo estabelecido pela Constituição de 1988?

Luis Felipe Miguel – Qualquer pacto com as elites brasileiras tem que estar respaldado na capacidade de mobilização do campo popular. Se não houver capacidade de pressão, se não houver forças organizadas em defesa da igualdade, da democracia, qualquer avanço sempre será frágil e revogável a qualquer momento. É bom lembrar que a democracia não é simplesmente um sistema de regras que resume o sistema político a determinados espaços; é próprio da democracia que as diferentes forças sociais se mobilizem em defesa de seus projetos. A classe dominante nunca deixou de se mobilizar e utilizar recursos extrainstitucionais para fazer valer seus interesses. Ela usa o financiamento privado de campanha, a sua capacidade de definir o investimento. Acontece que o tipo de barganha que foi feito para permitir os governos de centro-esquerda a partir de 2003 contava com o silenciamento da pressão do campo popular. Ficou claro que não é possível aceitar esse silenciamento, porque os grupos dominantes no Brasil não têm nenhum tipo de compromisso com a ordem democrática, não têm nenhum tipo de projeto nacional de desenvolvimento, não têm nenhum tipo de solidariedade com as classes populares. Então, é um pacto que tem de ser baseado numa correlação de forças que seja, desta vez, ao menos, um pouco mais favorável ao campo popular.

Qualquer pacto com as elites brasileiras tem que estar respaldado na capacidade de mobilização do campo popular – Luis Felipe Miguel Tweet

IHU - Aliás, uma eventual vitória de Lula poderia levar o país a um estado de convulsão social? O que é possível vislumbrar sobre uma possível reação dos setores armados da sociedade (polícias, forças armadas e sociedade civil)?

Luis Felipe Miguel – Até o momento, creio que os grupos armados operam muito mais no caminho da ameaça do que, de fato, na busca de um enfrentamento. As Forças Armadas, sobretudo, não têm liderança, não têm unidade para desferir o golpe que vem sendo anunciado ou insinuado há tanto tempo. São Forças Armadas que, por erros na condução da questão militar ao longo de todo o processo de democratização, continuam profundamente antidemocráticas e antipovo, mas elas não têm essa capacidade de ação coordenada, inclusive porque estão divididas em muitos grupos internos e também porque hoje são, em grande medida, motivadas pela vontade de ocupar espaços do Estado brasileiro e se apropriar de vantagens e benesses que a presença nesses cargos proporciona.

Não acredito, no momento, que uma eventual vitória eleitoral de Lula vá levar a esse tipo de reação. Isso é muito mais um fantasma que é utilizado com o objetivo de obter concessões, moderação e uma autocensura das forças populares na elaboração de seu programa, do que propriamente um risco efetivo. O que não quer dizer que as condições para essa ação golpista aberta não possam ser construídas. Então, é necessário, neste momento, muita inteligência por parte dos operadores políticos do campo popular, dos partidos políticos da esquerda e da centro-esquerda, porque é necessário não aceitar as chantagens que essas ameaças colocam e, ao mesmo tempo, não dar gás para que elas, de fato, se tornem uma operação golpista efetiva. A resposta está em organizar na sociedade mobilização suficiente e eficiente para que uma intentona golpista tenha custos elevados para aqueles que tentem deflagrá-la.

As Forças Armadas, sobretudo, não têm liderança, não têm unidade para desferir o golpe que vem sendo anunciado ou insinuado há tanto tempo
Luis Felipe Miguel

IHU - Por fim, de que ordem é o desafio de reverter os desmontes social e de políticas públicas – incluindo o teto de gastos – empreendidos nos últimos anos, desde o governo Temer, no Brasil?

Luis Felipe Miguel – Medidas como o teto de gastos foram uma tentativa dos golpistas vitoriosos de inibir qualquer ação de um eventual novo governo democrático no país. É absolutamente impossível que um governo no Brasil cumpra seus compromissos com a população se ele tem sua ação tão severamente contida por medidas arbitrárias como a Emenda Constitucional que liquidou a possibilidade do investimento público e que, na verdade, reduziu a quase zero a margem para a implementação de políticas sociais. Da mesma maneira, a destruição da estrutura do Estado brasileiro e a privatização irresponsável de muitos órgãos absolutamente estratégicos apresentam o mesmo resultado. Quer dizer, se inviabiliza a possibilidade de que um novo governo aja em favor de prioridades diferentes daquelas do golpismo triunfante que foram, como sabemos, a garantia dos ganhos dos especuladores financeiros em primeiro lugar. A chamada autonomia do Banco Central, a autonomia em relação à vontade popular, com uma submissão explícita ao sistema financeiro, é outra medida. E, por fim, a retirada dos direitos trabalhistas, que torna muito mais difícil para o Estado regular as relações capital-trabalho de uma maneira que proteja, minimamente, a classe trabalhadora. Então, é absolutamente imperativo desfazer esse conjunto de medidas a fim de retomar o caminho de construção de um Brasil mais democrático e menos injusto. Quando eu falo em retomada do pacto constitucional de 88, isso tudo está incluído, porque o pacto apontava na direção de um Estado social, capaz de reduzir o padrão aberrante de desigualdade que impera no Brasil.

Quando eu falo em retomada do pacto constitucional de 88, isso tudo está incluído, porque o pacto apontava na direção de um Estado social, capaz de reduzir o padrão aberrante de desigualdade que impera no Brasil – Luis Felipe Miguel Tweet

Agora, vemos, claramente, uma tentativa de blindar essas políticas, de retirar do debate público a necessidade de desfazê-las; elas são apresentadas sistematicamente como artigos da lei, quer dizer, algo que é um pecado até mesmo questionar. Vemos isso claramente em muitos formadores de opinião, nos editoriais e colunistas da imprensa burguesa: tudo bem ser oposição ao governo Bolsonaro, porque é difícil não ser oposição quando se tem o mínimo de racionalidade, mas essa oposição não pode ir ao ponto de questionar o desmonte do Estado, das políticas sociais, dos direitos. Então, a primeira coisa que tem de ser feita é recolocar no debate público essa questão e mostrar que existe uma relação necessária entre os ataques à democracia e os ataques aos direitos, que existe uma linha de continuidade entre impedir a expressão da vontade popular e impedir que os interesses populares sejam levados em conta no processo de tomada de decisão. É claro que não é uma tarefa fácil, mas um governo que chegue ao poder legitimado pela necessidade de superar o desastre do bolsonarismo, legitimado por uma vitória eleitoral, tem força para colocar isso na pauta, para exigir que esses malfeitos sejam revertidos.

É por isso que eu digo: neste momento, a centro-esquerda e, particularmente, o ex-presidente Lula, têm condições de negociar numa posição que é também uma posição de força, porque eles são necessários a fim de pacificar o país, retomar uma convivência minimamente civilizada no Brasil. No caminho que estamos indo, estamos vendo o colapso do Brasil como nação. É para isso que o projeto de Bolsonaro e Guedes aponta. Então, todos aqueles que não apostam no colapso, incluindo setores das classes dominantes e da elite política tradicional, têm interesse numa recomposição. Essa recomposição passa, necessariamente, pelo PT e por Lula. O que o PT e Lula podem exigir? O compromisso com a revogação da agenda de desmonte do Estado social que foi colocada em prática nos últimos cinco anos.

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Fonte: IHU Online
http://www.ihu.unisinos.br/612450-o-que-esta-em-jogo-no-brasil-nao-e-somente-a-destruicao-do-futuro-mas-a-ruptura-completa-do-pacto-civilizatorio-de-1988-entrevista-especial-com-luis-felipe-miguel


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Imagens do povo nas ruas marcarão novo ponto de inflexão no país

Nabil Bonduki / Folha de S. Paulo

Para comemorar os dois anos do Manifesto Integralista, versão brasileira do fascismo italiano que se espalhava pelo mundo nos anos 1930, a Aliança Integralista Brasileira, liderada por Plínio Salgado, marcou uma manifestação na praça da Sé no dia 7 de outubro de 1934.

O ato objetivava mostrar a força dos integralistas, agremiação de extrema direita que queria influenciar o governo Vargas e se fortalecer para disputar diretamente o poder. Os tempos eram outros, mas nem tanto...

Informados do ato, diferentes agrupamentos políticos “antifascistas” se organizaram e mobilizaram seus militantes para impedir que o coração da cidade fosse ocupado pelos seguidores de Salgado. O confronto ficou conhecido como a Batalha da Sé.

Quando a praça começou a ser ocupada pelos “galinhas verdes”, uniformizados e com suas bandeiras com o sigma (Σ), símbolo dos integralistas, os antifascistas, militantes socialistas, anarquistas e comunistas, entraram na praça dispostos a ocupá-la e melar a manifestação fascista.

Impulsionado pela intervenção policial, que atacou os esquerdistas, o conflito tomou grandes proporções, pois ambos os lados estavam armados, gerando uma batalha campal que deixou sete mortos e 30 feridos a bala.

Naquela época, como agora e em muitos outros momentos da história, a ocupação política dos espaços públicos, em datas e lugares simbólicos das cidades, é muito importante nas disputas entre as tendências autoritárias e democráticas.

O fenômeno se repete na atual conjuntura, por enquanto com um pouco mais de civilidade, embora o crescente apelo armamentista dos apoiadores do presidente, inclusive com a convocação de policiais para participarem de seus atos, gere muita preocupação.

É ao que estamos assistindo na guerra de lugares para as manifestações do 7 de setembro de 2021. Em São Paulo, a avenida Paulista e o Dia da Independência tornaram-se o foco dessa guerra simbólica entre os bolsonaristas, com sua pauta antidemocrática (voto impresso, ataque ao STF), e a Campanha Fora Bolsonaro, com uma agenda democrática e social.

Ocupar a avenida Paulista, demonstrando força e capacidade de mobilização, tornou-se objeto de desejo das organizações políticas.

Desde os atos contra a presidenta Dilma, em 2015 e 2016, a avenida se transformou em palco de competição no estilo “quem leva mais gente”, “quem ocupa mais quarteirões”. De certa forma, isso se tornou uma versão “civilizada e democrática” da Batalha da Sé.

Tradicionalmente, as organizações populares promovem no 7 de Setembro na avenida Paulista, o Grito dos Excluídos, que neste ano se juntou ao 4º ato da Campanha Fora Bolsonaro. Mas os apoiadores do presidente também marcaram uma manifestação no mesmo dia e local, que assumiu um ar golpista, sobretudo após a divulgação do vídeo protagonizado pelo cantor Sérgio Reis.

É quase consensual (exceto para quem quer levar a atual disputa política para um conflito armado) que é extremamente imprudente ocorrerem as duas manifestações com pautas opostas no mesmo dia e local. O Ministério Público, em 2020, já havia determinado essa cautela.

A questão é quem tem direito ao privilégio de ocupar a Paulista no Dia da Independência e que critério deve ser utilizado para resolver a disputa. O convívio democrático e o direito à manifestação e à cidade requerem que isso seja regulamentado que forma equilibrada e justa.

Talvez um sorteio fosse a saída mais democrática. Mas o governador Doria resolveu a questão da pior maneira possível. Decidiu que a Paulista seria concedida para a manifestação pró-Bolsonaro e proibiu que o ato da oposição fosse realizado em qualquer lugar da cidade no simbólico 7 de Setembro.

A preocupação com conflitos é real, mas a questão não pode ser resolvida dessa maneira. Sob protesto, as organizações de oposição ao presidente resolveram transferir o ato para o Vale do Anhangabaú, o que também foi negado pelo governador.

Como se ele fosse o tutor das manifestações populares, determinou que o ato Fora Bolsonaro deveria ser realizado no dia 12 de setembro, quando está programada uma outra manifestação contra o presidente, organizada por seus ex-apoiadores, que têm uma agenda diferente da Campanha Fora Bolsonaro.

O imbróglio foi resolvido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que, em liminar, determinou que ambos os protestos podem acontecer simultaneamente desde que ocorram em pontos diferentes da cidade e que não se cruzem.

Essa disputa mostra que o espaço público continua a ter um papel essencial nas disputas políticas. Apesar da crescente importância das redes sociais, a pólis, palavra em grego que significa cidade mas também o exercício político no espaço público, continua a exercer um imenso fascínio.

Ao longo da história, a cidade tem sido palco de manifestações que derrubam ou fortalecem governos, geram revoluções ou fornecem pretextos para os governos darem autogolpes contra as instituições democráticas, sofrem repressão das forças policiais, mas também resistem aos governos totalitários.

A história recente do Brasil mostra que todas as principais inflexões políticas foram acompanhadas de grande manifestações urbanas.

Ao Comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964, de apoio a Jango, se seguiu a Marcha Por Deus, pela Família e pela Liberdade, que pavimentou o caminho civil para o golpe militar. As manifestações de ruas foram a essência das Diretas Já, que enterrou a ditadura militar.

Collor pediu apoio em verde-amarelo, mas população saiu às ruas de preto e surgiram os caras-pintadas, essenciais para o impeachment do presidente. As espetaculares e ainda mal entendidas Jornadas de Junho” foram o início do retrocesso conservador, consolidado nas colossais ocupações Pato Amarelo da Paulista, que culminaram no impeachment de Dilma.

Embora o Congresso, o STF e demais instituições democráticas sejam essenciais, é nas ruas que se travará uma das principais disputas pela preservação da democracia. As imagens aéreas da avenida Paulista e do Vale do Anhangabaú no 7 de Setembro serão vitrines de uma luta que poderá marcar mais uma inflexão política no país.

*Nabil Bonduki é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/nabil-bonduki/2021/08/a-cidade-como-arena-da-guerra-politica-no-7-de-setembro.shtml


Retorno da CPI das fake news pode manter Bolsonaro sob pressão até 2022

Expectativa é que a Comissão seja reativada até o final de setembro, quando se espera que a CPI da Covid finalize e vote o relatório final

Mariana Carneiro / O Globo

A CPI da Covid está na reta final, mas os problemas para o governo no Senado devem continuar. Assim que a comissão da Covid acabar, a CPI das fake news vai voltar a funcionar – e desta vez, com foco em um tema nevrálgico para a campanha à reeleição de Jair Bolsonaro.

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O senador Ângelo Coronel (PSD-BA), presidente da CPMI (o M vem de mista, por reunir deputados e senadores) já combinou com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que fará uma reunião com os membros da CPI depois do feriado de 7 de setembro para definir a data de reinício dos trabalhos. A CPI estava hibernando desde março de 2020, quando os trabalhos presenciais do Congresso foram suspensos em razão da pandemia. 

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A expectativa é que já seja possível reativar a CPMI das Fake News até o final de setembro, quando se espera que a CPI da Covid finalize e vote o relatório final. Como a prorrogação da comissão já estava autorizada um pouco antes da parada, ela deve ter mais seis meses de funcionamento.

Considerando que a CPI ainda vai parar para o recesso de final do ano, a investigação deverá se esticar até abril de 2022, quando começa oficialmente a campanha eleitoral.

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O presidente da CPI e a relatora, Lídice da Mata (PSB-BA), já se reuniram na semana passada para fazer um primeiro inventário do que a CPMI tem e que caminhos deverá seguir.

Uma das prioridades será dar andamento ao pedido já aprovado e encaminhado ao Supremo Tribunal Federal de compartilhamento de informações do inquérito das fake news, que tem entre os alvos o próprio Jair Bolsonaro, por propagar desinformação sobre as urnas eletrônicas, e seu filho Carlos.

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Quando a CPMI aprovou esse requerimento, em setembro de 2019, o ministro Alexandre de Moraes informou que a investigação ainda era preliminar. Agora, dois anos depois, os membros da comissão esperam obter informações que permitam descobrir não só quem fez e quem pagou pelos disparos em massa ilegais realizados na eleição de 2018.  Como o inquérito ainda está em curso, a CPI alimenta a expectativa de identificar quem segue cometendo crimes na internet.

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 Outra providência em análise é solicitar informações ainda sigilosas obtidas em outro inquérito, o dos atos antidemocráticos, que também mirava aliados do presidente, como as deputadas Bia Kicis (PSL-DF) e Carla Zambelli (PSL-SP).

No início de agosto, a equipe técnica que trabalhava para a comissão das fake news chegou a ser cedida para a CPI da Covid, mas como os trabalhos do relator Renan Calheiros já estão próximos do final, eles já voltaram a dar expediente na CPMI das fake news. 

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O potencial da CPMI para causar dano à campanha de Bolsonaro em 2022 vai depender do andamento de todas essas iniciativas. Se ela inibir a criação de perfis e grupos usados para disseminar mentiras nas redes sociais e ajudar a tornar o ambiente da campanha eleitoral um pouco mais sadio, já se poderá dizer que foi bem sucedida. 

Fonte: Malu Gaspar/O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/cpi-das-fake-news-volta-em-setembro-e-deve-manter-bolsonaro-sob-pressao-ate-2022.html


Luiz Carlos Azedo: O braço armado de Bolsonaro

No establishment econômico, institucional e militar, a interrogação é se chegaremos em 2022 com Bolsonaro no poder”

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

O imponderável da democracia brasileira, com eleições limpas e apuração instantânea, é o voto popular. Vem daí o medo que Jair Bolsonaro sente das urnas eletrônicas, porque sua reeleição subiu no telhado, em razão de o país estar à matroca — com inflação em alta, desemprego em massa, crise sanitária e risco de apagão. Por isso, ameaça tumultuar as eleições de 2022. O presidente da República teme não se reeleger, desde que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva despontou como favorito nas pesquisas de opinião, mesmo sabendo que ninguém ganha eleição de véspera. Outros postulantes querem romper essa polarização: João Doria (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Henrique Mandetta (DEM), quiçá Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, e Sérgio Moro, o ex-juiz que não se assume como candidato e continua pontuando nas pesquisas. Nas simulações de segundo turno, Bolsonaro perderia para todos. Obviamente, esse cenário ameaça até sua presença no segundo turno.

Pressionado psicologicamente, diante do próprio fracasso político-administrativo, a 14 meses das eleições, Bolsonaro aposta na polarização ideológica e na radicalização política extrema. Busca um atalho para se manter no poder. Apoiado por partidários fanatizados, escala um confronto com o Supremo Tribunal Federal (STF) e trabalha para melar as eleições, ao levantar suspeitas sobre a integridade do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na condução do pleito. Tenta intimidar a oposição, a imprensa e os ministros do Supremo, e arrastar as Forças Armadas para uma aventura golpista. Não obteve sucesso até agora. Quer transformar o Sete de Setembro, no qual pretende realizar duas grandes manifestações, uma em Brasília e outra em São Paulo, numa demonstração de que pode resolver no braço o que não consegue pelo convencimento, como fazem os valentões.

Os próximos meses serão complicados. Bolsonaro tem um pacto com os violentos. Primeiro, com as milícias do Rio de Janeiro, cujo modelo de atuação naturalizou e traduziu para a política. Aproveitando-se dos interesses corporativos de categoriais profissionais embrutecidas pelos riscos da própria atividade, mobiliza atiradores e indivíduos que cultuam a violência por temperamento ou ideologia, fundamentais para a formação de falanges políticas armadas, para as quais conta com a expertise de militares reformados e agentes de segurança pública. A violência sempre presente nos territórios dominados por atividades transgressoras ou na fronteira da economia informal, onde não existe título em cartório e as dívidas são cobradas sob ameaças, é o caldo de cultura de que se aproveita.

Establishment
Na Itália do jurista, político e ex-primeiro-ministro Aldo Moro, assassinado em 1978 pelas Brigadas Vermelhas, os terroristas escreveram nos muros da sede da Democracia Cristã: “Transformar a fraude eleitoral em guerra de classes”. Com sinal trocado, quando fala que o povo deveria comprar fuzil e não feijão, Bolsonaro sinaliza na direção de que pretende transformar as eleições numa guerra. Está armando os militantes que pretende mobilizar para tumultuar o pleito, como tentou Donald Trump nas eleições americanas, diante da impossibilidade de mobilizar as Forças Armadas para dar um golpe de Estado.

No establishment econômico, institucional e até mesmo militar do país, porém, a grande interrogação é se chegaremos às eleições de 2022 com Bolsonaro no poder. Sua escalada contra as regras do jogo democrático e contra o Supremo não tem como dar certo. No limite, propõe a discussão sobre a eventualidade de interdição por insanidade mental ou inelegibilidade por atentar contra a democracia. Talvez seja essa a aposta do presidente da República, para provocar uma crise institucional de desfecho violento.
A democracia é uma conquista civil da qual não se pode abrir mão precisamente porque, onde ela foi instaurada, substituiu a violenta luta pela conquista do poder por uma disputa partidária com base na livre discussão de ideias. Condenar as eleições, esse ato fundamental do sistema democrático, em nome da guerra ideológica, nos ensina o mestre Norberto Bobbio, significa “atingir a essência não do Estado, mas da única forma de convivência possível na liberdade e através da liberdade que os homens até agora conseguiram realizar, na longa história de prepotência, violência e cruel dominação”. Deixemos o povo resolver as disputas pelo voto, em clima de eleições pacíficas e ordeiras.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-braco-armado-de-bolsonaro

Marcus Pestana: Com a inflação não se brinca

País conviveu com índices anuais de inflação de dois dígitos entre 1954 a 1994, chegando a mais de 200% em muitos deles

Marcus Pestana / O Tempo

Se não bastassem os graves efeitos da atual crise, um assunto volta a povoar as preocupações da sociedade brasileira: a inflação. Na história econômica do capitalismo brasileiro, a inflação alta é uma característica crônica. As novas gerações não vivenciaram na pele os efeitos de uma inflação alta, graças ao êxito do Plano Real, desencadeado em 1994, um dos mais engenhosos e bem sucedidos planos de combate à inflação de todo o mundo.

O Brasil conviveu com índices anuais de inflação de dois dígitos em todos os anos de 1954 a 1994, chegando em muitos deles a mais de 200%. O recorde foi em março de 1990 com um índice de 83,95% em um único mês. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), divulgou a revisão de sua projeção de inflação medida pelo IPCA para 2021 de 5,9% para 7,1%. Isto é muito superior ao centro da meta inflacionária de 3%. Seria um movimento episódico em função da pandemia ou uma tendência de perda de controle? É cedo para dizer, mas com inflação não se brinca.

Algumas correntes teóricas equivocadas defendem uma certa complacência com a inflação em troca de um índice maior de crescimento da economia. Mas a inflação, a partir de certo nível, ganha dinâmica própria e acarreta graves consequências sociais e políticas. Basta lembrar a experiência histórica mais emblemática, a hiperinflação alemã da República de Weimar, que chegou a 29.500% ao mês entre 1922 e 1923, e foi a incubadeira do “ovo da serpente” nazista. Claro que estamos longe disso.

A inflação é caracterizada pela alta geral, contínua e persistente dos preços. Quando cresce a patamares elevados torna “o orçamento familiar uma peça de humor negro e o orçamento público uma obra de ficção” como certa vez descreveu o professor Luiz Gonzaga Belluzzo. A inflação se transforma num biombo atrás do qual se operam brutais transferências de renda. É um tema de fácil percepção popular. A carestia dos alimentos e a inflação geral é sentida por todas as donas de casa no supermercado e por todos os trabalhadores. A inflação já elegeu e derrubou governos.

As causas da inflação brasileira são várias. Déficits públicos, quando financiados por expansão monetária, podem pressionar os preços pelo aumento da demanda, se não houver capacidade ociosa na economia. Choques de custos resultantes do encarecimento das importações ou até de fatores climáticos, como os atuais aumentos da energia e dos alimentos, também têm o seu papel.

As incertezas quanto ao futuro político e econômico, como também ocorre em nossos dias, podem desencadear posturas defensivas na fixação dos preços. A estrutura oligopolizada gerando baixa concorrência e o fechamento da economia que inibe a competição, como é nosso caso, também resultam em inflação. A queda da produtividade que determina baixa eficiência e competitividade também alimenta a espiral. A rigidez do mercado de trabalho excessivamente regulado gera inflação. E o componente inercial, que esteve fortemente presente no Brasil no início dos anos de 1980 e início dos 90, provoca uma dinâmica autônoma onde inflação gera mais inflação.

Portanto, as políticas clássicas ortodoxas de aperto fiscal e monetário são insuficientes. O buraco é mais embaixo. Temos que persistir na transformação estrutural da economia através das reformas para que a estabilidade conquistada pelo Plano Real seja preservada.

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)

Fonte: O Tempo
https://www.otempo.com.br/politica/marcus-pestana/subscription-required-7.5927739?aId=1.2533789


Ascânio Seleme: O poder político é civil

Ideia de reunião com os chefes das três Forças Armadas é oferecer poder político a quem por direito constitucional não o tem

Ascanio Seleme / O Globo

Não se deve oferecer poder político a quem por direito constitucional não o tem. A ideia dos governadores de se reunirem com os chefes das três Forças Armadas para medir a temperatura e tratar das manifestações do dia 7 de setembro é exatamente isso, dar força e poder político aos militares. O Brasil não precisa disso numa hora como esta. Conversar com os chefes militares pode até ocorrer, mas informalmente e nunca de maneira concertada e coletiva. No caso, os militares têm um dever constitucional e a ele devem se ater. Se ocorrer um badernaço de policiais militares armados no dia 7, caberá às Forças Armadas intervir para manter a lei e a ordem, como manda a Constituição. E ponto.

Generais só devem ser ouvidos sobre questões militares ou que envolvam atividades fora das definições constitucionais em que as Forças Armadas possam ser empregadas. Se um governador precisar da ajuda do Exército para abrir uma estrada ou construir uma ponte, por exemplo. Ou se um ministro precisar do serviço da Aeronáutica para transportar vacinas para um local que não é servido por linhas aéreas comerciais. Conversar com militares sobre suas atribuições constitucionais é chover no molhado. Sabem o que o general Paulo Sérgio, comandante do Exército, responderia aos governadores se estes lhes perguntassem como agiria em caso de baderna no 7 de setembro? Que agiria de acordo com o que determina a Constituição.

Aliás, o general Paulo Sérgio disse esta semana que o Exército respeitará sempre seus limites constitucionais. Falou isso no discurso que fez no dia do soldado. Foi claro diante do presidente da República, que ouviu calado. Mesmo que Jair Bolsonaro tente dar um golpe (e vai tentar), não será no dia 7 de setembro deste ano. E no momento em que tentar, pelo que se ouviu no dia do soldado, será rechaçado pelo Exército. Poderá ter o apoio de policiais militares? Sim. Mas estes nada podem sozinhos, não são organizados nem disciplinados. Sua reputação é péssima em todas as unidades da federação, ao contrário das Forças Armadas, uma das instituições mais respeitadas do país.

Exército, Marinha e Aeronáutica jamais se subordinarão a um golpe engendrado pela PM que, embora seja uma força de segurança pública, também em muitos casos é sinônimo de violência e terror. Tampouco as Forças Armadas se aliarão às milícias, quase todas formadas por ex-oficiais e ex-praças das PMs e dos Bombeiros. O que resta a estes agitadores que pretendem se manifestar armados no dia 7 é a baderna.

Usar a arma da corporação para se manifestar em vias públicas e ameaçar a democracia é crime. PMs armados em ato civil são declaradamente covardes. Qualquer ato de violência que vier a ocorrer será de responsabilidade destes que desrespeitam as leis e a Constituição. E devem ser punidos. É importante que os opositores de Jair Bolsonaro entendam isso e não insistam em se manifestar no mesmo dia. Podem dar o argumento que os extremistas precisam para iniciar a baderna e responsabilizar o outro lado.

Embora o Congresso estude uma quarentena de cinco anos para militares disputarem eleição, ninguém tem medo de medir forças com eles. Mas que venham desarmados, sem as fardas, reformados, e pelo voto. Em 2018, arrastados pelo fenômeno que elegeu Jair Bolsonaro, 72 militares foram eleitos para exercer mandatos nas câmaras estaduais e federal e no Senado. Menos de 5% dos 1626 parlamentares eleitos naquele ano excepcional. Dos 27 governadores eleitos, dois são militares reformados.

Todos os militares foram eleitos depois de se reformarem. Embora muitos usem seus antigos cargos antes do nome, como o ex-senador major Olímpio, nenhum deles é mais militar. São todos civis e só por isso foram habilitados para disputar um cargo eletivo. O poder político é civil no Brasil, manda a Constituição. Quer usar farda e armas pagas pelo Estado? Então fique no quartel. A beleza da democracia é que o eleito será sempre aquele que o povo escolher. Pode ter sido coronel, sargento, professor ou advogado, pode nem ser o melhor, mas sempre será um civil escolhido pelos eleitores de maneira livre e secreta.

Negociar o quê?

Os governadores, liderados por João Doria, erram ao tentar negociar com o presidente Jair Bolsonaro. Não há o que negociar. Não há mais diálogo possível com o chefe do Executivo. Os entendimentos têm que ser feitos com os Poderes Legislativo e Judiciário, com os setores organizados da economia, o agronegócio incluído, com sindicatos patronais e profissionais, com a comunidade acadêmica e com a sociedade civil. É impossível pacificar o país convencendo Bolsonaro que o caminho moralmente aceito e constitucionalmente possível não é o dele.

Não chamem os bombeiros

Neste momento, bombeiros apenas atrapalham o percurso que o Brasil terá de seguir até se ver livre de Bolsonaro. O ministro Luiz Fux já tirou o uniforme e o capacete e voltou a usar a toga.

Cabeça de bozo

Os brasileiros lotaram as praias e os parques no fim de semana passado. Ipanema, vista de quem andava do outro lado da calçada, parecia viver um veranico normal, como se estivéssemos em agosto de 2019. Havia de tudo naquela orla, menos máscaras. Ah, sim, faltaram também as bandeiras do Brasil.

Beija mão 1

O presidente parece mesmo disposto a destruir a candidatura de André Mendonça para o Supremo. Jogou Mendonça aos lobos ao informar aos apoiadores do seu curralzinho no Alvorada que o candidato a juiz se comprometeu de rezar na primeira sessão de cada semana da Corte e com ele almoçar uma vez por semana.

Beija mão 2

Quem notou o gesto e já fez um rápido movimento para ocupar o vácuo involuntário deixado por André Mendonça foi o ministro do STJ João Otávio Noronha.

Beija mão 3

O apoio do pastor Silas Malafaia ajuda ou atrapalha a candidatura de Mendonça? Se desse para agradecer e dizer “não, obrigado”, essa era a hora.

Nosso Rio

Muito bom o Instagram da Prefeitura do Rio. Moderno, ágil, didático, bem humorado. Vale como uma aula de comunicação.

Melhor calar

Lula é mesmo muito corajoso. Podia ficar na dele, calado sobre assuntos polêmicos em que o PT está do lado errado da corda esticada. No caso da censura à imprensa, apelidada de regulação da mídia pela sua turma, Lula disse que será prioridade em seu governo. Por falar demais, deixou escapar sua real motivação: “Eu vi como a imprensa destruía o Chávez”. Significa que é melhor calar a imprensa antes de ouvir dela denúncias contra o seu governo. Na Venezuela, aliás, a imprensa foi dizimada por Chávez e Maduro.

Respeitem os índios

Não é de hoje que os índios brasileiros são desrespeitados e vilipendiados por seus conterrâneos não originários. Quase todos os ataques que sofrem têm natureza econômica em razão da ocupação e exploração de terras. Mas eles também sofrem preconceitos racistas facilmente identificados. O que os índios brasileiros querem é viver em paz nas suas terras. E querem também, se entenderem ser este o caso, ter o direito de eles próprios explorarem seus recursos naturais e suas áreas agricultáveis. Deve-se respeitar o índio como nosso mais rico patrimônio antropológico.

Pobre Minas

Quem achava que Minas Gerais não poderia chegar mais fundo no poço em que se meteu, surpreendeu-se com a aparição de Romeu Zuma, na cola do meteoro Bolsonaro de 2018. O governador causa mais vergonha aos mineiros do que um de seus mais célebres antecessores. Minas está cada vez mais parecida com o Rio. Acha o governador atual ruim? Corrupto? Espere o próximo.

Chora mais

Fabio Rigo, herdeiro da empresa que produz o arroz Prato Fino, atacou o SUS no seu Twitter, disse que teve Covid sem sentir cócegas, que não vai se vacinar e concluiu com a frase imortal dos abusados: “Quem pode mais, chora menos”. O tweet foi postado 16 horas depois de o Grêmio, seu time de coração, levar de 4 X 0 do Flamengo. Com todo respeito aos demais gremistas, chora mais, Rigo.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/o-poder-politico-civil-25174643


Triunfo eleitoral, mais distante, sempre foi o plano B de Bolsonaro

O plano A é um golpe de Estado, com a submissão do Judiciário e do Congresso ao 'meu Exército'

Demétrio Magnoli / Folha de S. Paulo

Munique tornou-se, desde setembro de 1938, um nome polissêmico. A capital da Baviera alemã passou a evocar “apaziguamento” e, ainda, “traição”. No Brasil de hoje, Munique é Brasília, desde que o comando do Exército recusou-se a punir Eduardo Pazuello. Dependendo da conclusão do caso do coronel Aleksander Lacerda, logo será São Paulo.

No Rio de Janeiro, em 23 de maio, Bolsonaro pronunciou um discurso subversivo, em ato de rua. Ao seu lado, no palanque, estava Pazuello, que também discursou. Duas semanas depois, uma nota do Exército comunicou o arquivamento do processo administrativo instaurado contra o general da ativa.

Munique: Neville Chamberlain e Édouard Daladier entregaram os Sudetos a Adolf Hitler. Brasília: Paulo Sérgio de Oliveira jogou à lata de lixo o Regulamento Disciplinar do Exército que proíbe manifestações públicas políticas de militares de ativa.

“chavismo de direita” de Bolsonaro, na precisa expressão de Rodrigo Maia, subverte a ordem democrática na tentativa de dissolver a fronteira legal que separa os homens em armas da atividade política. O triunfo eleitoral, horizonte cada vez mais distante, sempre foi o plano B do presidente. Seu plano A é um golpe de Estado: a submissão do Judiciário e do Congresso ao “meu Exército”.

“meu Exército” bolsonarista não é o Exército brasileiro, mas uma milícia nucleada por militares amotinados. A agitação subversiva no interior das Forças Armadas ainda não ganhou tração, apesar do espaço aberto pelo apaziguamento do comandante do Exército. Nas polícias militares, porém, ergue-se um Partido Bolsonarista cujos contornos delineiam-se com nitidez às vésperas dos atos golpistas de 7 de Setembro.

Nas quase 400 mensagens que publicou em agosto, o militante bolsonarista Aleksander Lacerda, que veste uniforme de coronel da PM, insultou reiteradamente o governador paulista e o presidente do Senado. Mas, sobretudo, convocou seus “amigos” —ou seja, os 5.000 policiais de sete batalhões que comandava— aos atos subversivos.

Não são gestos de um solitário desvairado, mas lances de uma estudada provocação. Lacerda testava os limites, investigava a firmeza da coluna vertebral de João Doria. Sua conclusão provisória é que São Paulo pode ser Munique.

“Ele tem de ser severamente punido sob o ponto de vista administrativo e sob o ponto de vista penal-militar. Se não, vamos instalar a balbúrdia na instituição”, alertou o coronel Glauco Carvalho, ex-comandante de policiamento da capital do estado.

Doria, porém, preferiu classificar o comportamento de Lacerda como “inadequado” e afastá-lo de seu comando, entregando-o à Corregedoria da PM. A “balbúrdia” está a apenas um tiro de distância.

O STJ (Superior Tribunal de Justiça) já firmou entendimento de que governadores têm a prerrogativa de expulsar oficiais da PM, via processo administrativo, sem prejuízo de julgamento pela Justiça Militar. Contudo, em São Paulo, o apaziguamento começa a fazer seu curso. Simulando cegueira, Doria descreveu a conclamação de Lacerda ao motim como um “fato pontual”.

Enquanto o governador praticamente encerrava o assunto, a facção bolsonarista da PM paulista organizava caravanas de ônibus de policiais que, à paisana, pretendem participar das manifestações do 7 de Setembro.

“A solução do problema da Tchecoslováquia é o prelúdio de um acordo mais amplo pelo qual toda a Europa pode encontrar a paz”, declarou Chamberlain ao retornar de Munique. Segundo a teoria do apaziguamento, a paz vale a traição. Trump e Biden aplicaram a tese ao Talibã, assinando um acordo pelo qual o governo afegão libertou 5.000 combatentes inimigos, que retornaram de imediato ao campo de batalha.

“Vocês tiveram a escolha entre guerra e desonra. Escolheram a desonra, e terão a guerra”, fulminou o sucessor de Chamberlain. Cabul caiu 16 meses após o acordo. Hitler atacou um ano após Munique.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/demetriomagnoli/2021/08/triunfo-eleitoral-cada-vez-mais-distante-sempre-foi-o-plano-b-de-bolsonaro.shtml


Cristina Serra: Progressistas, acordem!

Em setores da oposição ao fascismo, prevalece aparente falta de estratégia e/ou predominância de projetos pessoais

Cristina Serra / Folha de S. Paulo

Eleito no embalo do golpe de 2016, do lava-jatismo e da insânia bolsonarista, o Congresso atual é o pior do período pós-redemocratização. Exceção deve ser feita a uma minoria atuante, porém insuficiente para se contrapor às pautas que destroem o Estado brasileiro e aprofundam as desigualdades e injustiças na nossa sociedade.

A Câmara foi sequestrada pela perversa aliança do centrão com a extrema direita, o que garante a permanência do arruaceiro no Palácio do Planalto e rebaixa o Parlamento. Qualquer novo governo comprometido com princípios civilizatórios elementares terá muita dificuldade de reverter o dano sem uma maioria progressista de deputados e senadores.

Em setores da oposição ao fascismo, porém, prevalece aparente falta de estratégia e/ou predominância de projetos pessoais. Em que pese a legitimidade dessas ambições, é hora de reocupar o Congresso. Todos com potencial de puxar votos para eleger bancadas expressivas têm que ser chamados para ajudar a restabelecer a normalidade institucional.

O estrago feito por talibãs de gravata como Eduardo Cunha e Arthur Lira (PP-AL) é autoexplicativo.

Além de reeleger os progressistas que já estão lá, é importante levar para o Congresso figuras públicas como Marina Silva, Flávio Dino, Miro Teixeira, Cristovam Buarque, Manuela D’Avila, Eduardo Suplicy, Nelson Jobim, Fernando Haddad, Guilherme Boulos e muitos outros que poderão, inclusive, atrair novas lideranças para a política.

É imperativo que a oposição progressista repense candidaturas estaduais. De que adiantará ter presidente e governadores democratas se o centrão, fundamentalistas do mercado e bancadas BBB (boi, bala e bíblia) mantiverem seu poder de chantagem? Ganhar a Presidência não será fácil, tampouco suficiente. Ou se retoma a civilidade no Congresso Nacional ou o país levará décadas para se recuperar da desgraça que a atual legislatura e esse desgoverno genocida estão executando com alguma competência.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/cristina-serra/2021/08/progressistas-acordem.shtml


Marco Antonio Villa: Precisamos salvar o Brasil do bolsonarismo

Bolsonaro quer que a oposição vá para o pau-de-arara, seja torturada e morta. Só não o fez ainda graças à ação corajosa do STF

Marco Antonio Villa / Revista IstoÉ

Os tambores das tropas de assalto bolsonaristas anunciam o golpe. Não há dia sem alguma notícia de ameaça ao Estado democrático de Direito. Jair Bolsonaro vocifera com ódio contra a democracia. A mesma democracia que abriu caminho para que chegasse à Presidência, isto após trinta anos de vida parlamentar. Houve um erro, grave erro, dos poderes constituídos que assistiram passivamente Bolsonaro atacar os fundamentos constitucionais, defendendo abertamente a supressão da Carta de 1988. Esta ação criminosa permitiu que numa conjuntura de enfraquecimento das instituições, em um momento de angústia e desespero frente aos sucessivos casos de corrupção, da falta de candidaturas que lessem a conjuntura e conseguissem entender o sentimento dos brasileiros cansados e frustrados com os presidentes recentemente eleitos, deu a Bolsonaro a chance de chegar ao posto de chefe do Executivo federal.

Do interior do aparelho de Estado, Bolsonaro foi diuturnamente solapando as bases democráticas construídas com tanto esforço desde os anos 1980. Ele representa os derrotados, a extrema-direita que foi enxotada do governo, que durante 21 anos se locupletou em nebulosas transações, que organizou um sistema repressivo para exterminar criminosamente os opositores à ditadura. Não é acidental que faça loas ao covarde coronel Ustra, transformando-o em seu herói. Para ele, a oposição tem de ir para o pau-de-arara, deve ser torturada e morta. Só não o fez ainda, graças à ação corajosa e republicana do Supremo Tribunal Federal. Se não estamos em uma ditadura — e desde o ano passado — é graças ao STF.

Estamos nos aproximando da hora decisiva. O Brasil não aguenta mais tanta turbulência política, tanto ódio, incompetência administrativa, falta de projeto de governo, tantos mortos da pandemia. Estamos alcançando a macabra marca de 600 mil óbitos. No País, em um ano e meio de pandemia e sem nenhum tiro — graças ao planejamento do genocida Bolsonaro — tivemos quatro vezes mais mortos do que em vinte anos de guerra no Afeganistão. Precisamos salvar o Brasil da sanha nazifascista, do bolsonarismo. Roubaram até a nossa bandeira. Temos de dizer: tirem as mãos do pavilhão nacional. Ele representa as lutas do povo brasileiro. Fiquem com a suástica e o fascio. A bandeira verde e amarela é nossa.

O Brasil não vai resistir a um processo eleitoral, no ano que vem, tendo Bolsonaro na Presidência. Ele quer completar a sua obra ensanguentando o País. Temos de resistir, antes que seja tarde demais.

Fonte: Revista IstoÉ
https://istoe.com.br/precisamos-salvar-o-brasil-do-bolsonarismo/


Governo e Centrão ainda parecem perplexos diante da piora da economia

Até o final do último semestre, o cenário era de festa, com retomada econômica e o aumento recorde de arrecadação

Adriana Fernandes / O Estado de S. Paulo

Com os preços dos alimentos e combustíveis em alta e o tarifaço da conta de luz mostrando a sua cara, o presidente Jair Bolsonaro achou por bem recomendar a todos os brasileiros que comprem fuzil, mesmo que seja caro.

Parece piada de mau gosto, mas não é. É o presidente falando: “Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado. Eu sei que custa caro. Aí tem um idiota: ‘Ah, tem que comprar é feijão’. Cara, se você não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar”, disse Bolsonaro numa fala odiosa e desrespeitosa com os brasileiros que estão penando com os efeitos da inflação.

É a última pérola de uma semana marcada por declarações de integrantes do governo que sintetizam o estado de desorganização na condução dos múltiplos problemas mais urgentes do País, como a inflação e a crise energética, temas que estão deixando o presidente e o governo ensandecidos.


PAULO GUEDES, MINISTRO DA ECONOMIA


Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Coletiva do ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Marcos Corrêa/PR
O Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Paulo Guedes durante cerimônia do Novo FUNDEB. Foto: Isac Nóbrega/PR
O Ministro da Economia, Paulo Guedes e o presidente Jair Bolsonaro. Foto: Marcos Corrêa/PR
Paulo Guedes e Bolsonaro durante o Latin America Investment Conference. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Arthur Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
O ministro da Economia, Paulo Guedes, durante palestra. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
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Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Coletiva do ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Marcos Corrêa/PR
O Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Paulo Guedes durante cerimônia do Novo FUNDEB. Foto: Isac Nóbrega/PR
O Ministro da Economia, Paulo Guedes e o presidente Jair Bolsonaro. Foto: Marcos Corrêa/PR
Paulo Guedes e Bolsonaro durante o Latin America Investment Conference. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Arthur Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
O ministro da Economia, Paulo Guedes, durante palestra. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
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Jair Bolsonaro achou por bem recomendar a todos os brasileiros que comprem fuzil. Foto: Evaristo Sá/AFP

“Qual o problema agora que a energia vai ficar um pouco mais cara?”, indagou o ministro Paulo Guedes“Como gerar emprego com uma CLT tão rígida?”, questionou Bolsonaro.

“Cadê a grande deterioração fiscal?”, perguntou o presidente do Banco CentralRoberto Campos Neto, que na semana anterior dissera que era impossível controlar a inflação com o fiscal descontrolado. Perguntas cujas respostas teriam de ser dadas por aqueles que estão questionando.

Campos Neto já suavizou o discurso do descontrole fiscal porque sua fala desagradou aos seus colegas da equipe econômica do lado de lá, no Ministério da Economia. Foi lembrado que os dados das contas públicas melhoraram nos últimos meses, enquanto a inflação acumulada em 12 meses tem assustado e chegou à marca de dois dígitos em quatro capitais na prévia de agosto.

A fala do presidente do BC também não foi bem recebida pela ala política, que viu na declaração uma crítica direta aos governistas do Centrão, grupo com fama e prática de gastador, mas que está preocupado com o prejuízo eleitoral de alta de preços persistente.

Campos Neto continua, porém, com excelente trânsito com o mundo político, que volta e meia elogia seu trabalho no BC em contraponto ao ministro Guedes, que voltou a ser alvo dos aliados do Centrão.

Governo e Centrão parecem ainda perplexos diante da piora do quadro econômico. Até o final do último semestre, o cenário era de festa, com retomada econômica e o aumento recorde de arrecadação. Dados positivos que alimentaram os instintos mais primitivos da gastança pré-eleitoral, e que agora cobram o seu preço. Todos acreditando que o Brasil ficou rico durante a pandemia pelo ciclo de alta das commodities, que encheu os cofres dos Estados e do governo federal a um ano da campanha de 2022. 

Patrocinaram também a manutenção das emendas de relator, que financiam o orçamento secreto, a frágil governabilidade do presidente e o apoio nas votações de interesse do governo. O veto prometido do presidente não aconteceu com a ameaça dos caciques de retaliação.

O gatilho da piora no ambiente econômico foi disparado pelas trapalhadas na condução da negociação do parecer do projeto do Imposto de Renda e da PEC de parcelamento dos precatórios. Desde que a PEC foi enviada, o humor azedou ainda mais. Foi só ladeira abaixo porque há muita controvérsia e divisão de opiniões em torno da solução para o parcelamento por 10 anos do pagamento de uma dívida certa. A unanimidade no governo e no Congresso é que a PEC não fica em pé do jeito que está.

Um tema que dividiu até mesmo fiscalistas e defensores do teto de gastos e colocou pesos-pesados de equipes econômicas de governo passados em defesa da flexibilização da regra fiscal para evitar a moratória.

Em outro caminho, Legislativo e Judiciário também costuram uma solução para precatórios para limitar o pagamento até um determinado valor, e o saldo restante ficaria para ser pago no Orçamento dos anos seguintes, já como prioridade para serem quitados antes. Uma proposta que permitiria ser implementada com a aprovação de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ou do Senado Federal, sem PEC, mas que é vista pelos críticos como uma “canetada” que passa por cima da Constituição.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,governo-e-centrao-ainda-parecem-perplexos-diante-da-piora-do-quadro-economico,70003824056


A estratégia de criar inimigos em modo ‘reels’

Seguindo o exemplo de Trump, Bolsonaro radicalizou a linha de Maduro, Duda e Modi

João Gabriel de Lima / O Estado de S. Paulo

Criar inimigos é um clássico do arsenal dos políticos. Uma anedota conhecida sobre Jânio Quadros conta que, forçado a aumentar a gasolina, o ex-presidente inventou uma teoria conspiratória e colocou a culpa nos americanos – outro clássico. Mais tarde, em sua famosa carta de renúncia, que completou 60 anos nesta semana, Jânio invocou “forças terríveis”, esperando que parte da população se juntasse a ele no combate a tais entidades. Não houve clamor popular.

Jânio voltou para casa e amargou mais de 20 anos longe de cargos públicos.

Criar inimigos, em geral imaginários, tornou-se ainda mais fácil na era das redes sociais. “Diante do caos e da complexidade de um mundo em mudança frenética e acelerada, o populismo digital garante o repouso em certezas que não requerem provas”, escreveu Andrés Bruzzone em seu recém-lançado livro Ciberpopulismo. Bruzzone, consultor do Estadão e doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é o entrevistado do minipodcast da semana.

Cada populista escolhe o moinho de vento que lhe parece adequado. Nicolás Maduro, da Venezuela, demoniza as ONGS de direitos humanos. O polonês Andrzej Duda já vociferou contra os imigrantes muçulmanos – que são pouquíssimos em seu país – e contra uma suposta conspiração LGBTQIA+. O indiano Narendra Modi cria leis para amordaçar a imprensa, inimiga clássica de dez entre dez autocratas.

Seguindo o exemplo de Donald Trump, o presidente Jair Bolsonaro radicalizou a linha de Maduro, Duda e Modi. Troca de inimigos como modelos mudam de look no “reels” do Instagram. Seus moinhos de vento já foram o fantasma do comunismo (uma alma penada), a urna eletrônica (que nunca deu problema no Brasil) e o “kit gay” (dispensa comentários). O mais recente é o ministro Alexandre de Moraes. Neste caso há um motivo concreto para a inimizade: “Quando se trata de livrar os seus familiares e amigos do alcance da Justiça – afinal, essa é a causa de sua desavença com Alexandre de Moraes – (Bolsonaro) não tem limites”, escreveu o Estadão em editorial.

Maduro, Duda e Modi são a prova de que a estratégia do inimigo imaginário pode trazer recompensas. Todos estão no poder em seus países. Vai funcionar com Bolsonaro? O presidente está em campanha frenética pela reeleição, mas enfrenta problemas. Sua popularidade vem caindo. A respeitada consultoria Eurasia, que previu a vitória de Bolsonaro em 2018, hoje aposta em Lula, e vê uma escotilha aberta para a terceira via.

Com a campanha antecipada a pleno vapor, os pré-candidatos perceberam que quem não colocasse o bloco na rua ficaria para trás. João Doria, Ciro Gomes e Eduardo Leite já esquentam os tamborins. A classe política não vê mais Bolsonaro como um player inexorável em 2022. Reportagem do Estadão mostrou que vários parlamentares duvidam que o presidente chegue ao segundo turno. O voto impresso não passou, e o pedido de impeachment de Alexandre de Moraes foi rejeitado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco – ele próprio um possível candidato em 2022.

O cientista político Carlos Pereira levantou, no Estadão, a hipótese de que o presidente, antevendo o próprio fracasso, queira se tornar um mártir para seus apoiadores. Mártires, no entanto, não têm caneta. Como Trump, conseguem sobreviver politicamente – mas, como Jânio, acabam voltando para casa. Cultivar inimigos de forma serial, em modo “reels”, pode não ser uma boa estratégia.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,a-estrategia-de-criar-inimigos-em-modo-reels,70003823913