Congresso Nacional

Míriam Leitão: Bancos e corretoras pioram projeções para o Brasil

O mercado financeiro continua fazendo contas e piorando as principais projeções para a economia brasileira. Há uma mudança de humor recente do ambiente externo, com o aumento dos juros futuros dos títulos americanos, e uma crescente desconfiança com o intervencionismo do governo Bolsonaro em empresas estatais.

O banco Itaú subiu de 4% para 5% a projeção para a taxa Selic, e piorou de -2,1% para -2,5% a estimativa para o resultado primário, por causa do pagamento do auxílio emergencial. Mesmo que a PEC Emergencial seja aprovada, as medidas de contenção de despesas só começariam a ter algum efeito a partir de 2023, segundo o banco. Ainda assim, o Itaú manteve estimativa de alta de 4% no PIB deste ano.

O Bradesco subiu a projeção de inflação de 3,5% para 3,9% e para o dólar, de R$ 5,00 para R$ 5,30 no final do ano. Segundo o banco, as sondagens setoriais apontam para retração no PIB do primeiro trimestre, com o agravamento da pandemia e o aumento das medidas de restrição à circulação de pessoas. Para o PIB do ano, o banco manteve expectativa de crescimento de 3,6%.

Já a Ativa Corretora está mais pessimista. A projeção para o PIB de 2021 caiu de 3,1% para 2,9%, e para o ano que vem, de 2,5% para 2,4%. Também houve aumento nas estimativas para inflação e para a taxa Selic em 2021.

Na semana que vem, o IBGE vai divulgar o PIB do quatro trimestre, que deve ficar em torno de 2,5%, na comparação com o terceiro, segundo o Bradesco. Será um olhar pelo retrovisor, porque já houve desaceleração da atividade neste início de 2021.

Saída de Brandão era previsível, ficarão apenas os submissos

O Banco do Brasil negou agora à noite a renúncia de André Brandão do Banco do Brasil. Mas, na verdade, o que se pode dizer da saída dele é que são favas contadas porque ficarão apenas os integrantes da equipe econômica que sejam submissos ao comando do presidente Jair Bolsonaro. Se não estava claro antes para alguns, ficou absolutamente explícito pela maneira como foi defenestrado o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco.

André Beltrão foi indicado após a saída de Rubem Novaes e para dar um sinal de que o banco seria independente. Não durou muito. Na primeira proposta que fez de fechamento de agências e demissão voluntária, Bolsonaro teve mais um dos seus ataques. Ameaçou de público. O ministro Paulo Guedes tentou segurar. A maneira como Bolsonaro investiu contra Castello Branco, inclusive criticando o economista, diante do silêncio de Paulo Guedes, ficou claro para a equipe que o ministro da Economia não defende ninguém.

O primeiro de uma longa lista de demitidos foi Joaquim Levy. Numa manhã de sábado, Bolsonaro disparou contra ele numa fala rápida para os seus apoiadores. Disse que ele não abria a caixa preta do banco. Na verdade, ele queria colocar no colar o jovem economista, amigo dos filhos, Gustavo Montezano. Que também não achou a tal caixa preta, mas não se falou mais nisso.

O presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, não precisa sair. Ele aceitou o papel de seguir fiel de Bolsonaro. Frequenta todas as lives, mesmo as que não aparece em cena. Viaja com o presidente e inventa qualquer linha de crédito e abre qualquer agência que o presidente manda. O que se diz em Brasília é que ele aguarda na fila para assumir a cadeira de Paulo Guedes. Se é que algum dia o Posto Ipiranga vai se cansar das humilhações diárias.

Caixa é diferente de Banco do Brasil e Petrobras. A Caixa não tem capital aberto. Então a manipulação lá não gera oscilação em mercado porque não há ações. Tem apenas um detalhe, usar politicamente a Caixa para gastos orçamentários já deu impeachment. No BB e na Petrobras o intervencionismo do presidente pode provocar outros problemas, como por exemplo ações de minoritários na Justiça.


Ascânio Saleme: A infâmia

O presidente é solitariamente o indivíduo que mais contribuiu para a encrenca em que o Brasil está metido, à beira de um colapso sanitário

A tragédia foi anunciada há um ano. Desde fevereiro de 2020 sabia-se que a pandemia de coronavírus deveria ser tratada com todo rigor pelas autoridades, nas três instâncias de poder, e pelos brasileiros, em cada um dos cantos da Nação. Foi já neste começo que percebemos que não dava para contar com a contribuição do presidente do Brasil. Jair Bolsonaro fez graça e piada sobre a “gripezinha” e desafiou a ciência ao propor tratamento alternativo inteiramente ineficiente. Jamais respeitou o distanciamento social recomendado e quase nunca usou máscara para se proteger e proteger os demais.

O exemplo do principal líder do país repercutiu de maneira devastadora. Bolsonaristas passaram a usar a mesma retórica, os mesmos argumentos do mito, deixaram as máscaras em casa e se aglomeraram. O Ministério da Saúde, seguindo as instruções absurdas do presidente, instrumentalizou a Anvisa, deixou de comprar vacinas, torpedeou o quanto pôde o Instituto Butantan e receitou cloroquina para quem sentia falta de ar e não dispunha de oxigênio para se socorrer.

O fanatismo de Bolsonaro foi de tal ordem que ele chegou agora ao ponto de atacar o uso de máscaras. Citando estudo de uma universidade alemã que não identificou, disse que máscaras são prejudiciais porque podem irritar e desconcentrar as pessoas, além de causarem dor de cabeça. Pode? Não pode. Sob qualquer ângulo que se observe, a afirmação do fanático é estúpida. No mesmo dia em que ele pronunciava a barbaridade, 1.582 brasileiros morriam em consequência da doença.

Fora um ou outro, governadores e prefeitos Brasil afora não caíram imediatamente na falácia presidencial. Em alguns casos, corretamente, decretou-se lockdown nos momentos mais agudos da crise no ano passado. Os resultados foram positivos, nenhuma dúvida. Mas, do lado de fora, Bolsonaro torpedeava os que endureciam acusando o desarranjo que o fechamento produziria na economia. Aos poucos, a contaminação tomou também a consciência de alguns mandatários em estados e municípios.

No Rio, por exemplo, hospitais de campanha foram fechados prematuramente e ambientes propícios à aglomeração, como shoppings, bares e restaurantes, foram reabertos muito rapidamente. Morrem quase 200 pessoas a cada dia no estado. Nas últimas duas semanas foram registrados 30 mil novos casos por aqui. As praias estão abertas e os calçadões fechados no domingo para que o carioca possa se divertir e se aglomerar tranquilamente. Aliás, por que as praias do Rio continuam abertas?

A fantástica aglomeração observada no Palácio do Planalto no dia da posse do novo ministro João Roma foi mais um exemplo de como os homens que ocupam o poder se lixam para a doença. O que viu foi de causar inveja até mesmo nas noites mais quentes da Dias Ferreira. Nem a garotada desgarrada da Zona Sul do Rio consegue superar o capitão. Só os fins de semana de sol em Ipanema, Copacabana e Leblon aglomeram tanta gente.

A infâmia produzida em escala nacional por Jair Bolsonaro gera crias estaduais e municipais que ampliam seu poder deletério. O presidente é solitariamente o indivíduo que mais contribuiu para a encrenca em que o Brasil está metido, à beira de um colapso sanitário. Mas seus filhotes, espalhados por todos os lados da organização do Estado nacional, ajudam muito no esforço do capitão para solapar os brasileiros.

Francamente

Ao anular as quebras de sigilo aprovadas pelo juiz Flávio Itabaiana, o STJ atrasou por pelo menos três anos o andamento na Justiça do caso das “rachadinhas” de Flávio Bolsonaro na Alerj. Ficará tudo para depois das eleições de 2022. Um belo serviço prestado ao capitão. Todas as evidências dos crimes cometidos estão no inquérito, com testemunhas, operadores e pessoas beneficiadas. Até Michelle, a mulher do presidente, recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz. O dinheiro era desviado dos salários de funcionários do gabinete e caía nas contas do zerinho, da sua mulher e da sua madrasta. Os servidores do gabinete pagavam até a escola dos netos de Bolsonaro. Mas três de quatro juízes, orientados pelo voto de João Otávio de Noronha, não aceitaram a quebra do sigilo que revelou a corrupção porque suas excelências não enxergaram “fundamentação” para tanto.

Vai ter que remar

Depois desta semana, Augusto Aras vai ter que fazer muito esforço e malabarismo para voltar a se destacar na corrida pela vaga de Marco Aurélio Mello no STF. Ainda restam alguns meses, tempo suficiente para o capitão e sua turma aloprada aprontarem mais uma. E então, Aras voltará a ser útil.

Bittar na história

Há duas categorias de abilolados. A primeira é formada pelos que se envergonham da sua condição e tentam não fazer muito barulho para passarem despercebidos. A segunda reúne gente que fala o que lhe dá na telha e tenta tocar ideias malucas sem se preocupar com o impacto que podem causar em sua imagem, como o senador Márcio Bittar, relator da PEC do auxílio emergencial. O senador propõe suspender os gastos mínimos com Saúde e Educação, desviando parte desse dinheiro para os gastos emergenciais. A ideia, que não é dele, contempla o pacote liberal de Paulo Guedes. Não deve passar, mas com esse Senado nunca se sabe. Se a PEC passar, Bittar será eternamente lembrado como a tesoura de Saúde e Educação.

Se está sobrando...

De acordo com levantamento do Tribunal de Contas da União, 6.157 militares das três Forças Armadas servem em postos civis no governo Bolsonaro. Destes, 3.029 são da ativa, segundo o Ministério da Defesa. Com o contingente desviado de função, dá para montar uns cinco ou seis batalhões de infantaria do Exército. Se esse volume de gente não faz falta às Forças Armadas, não seria o caso de reduzir o tamanho do aparato todo e economizar recursos? Olha uma oportunidade aí, Bittar.

Flamengo

Difícil falar de qualquer coisa importante depois do octacampeonato do Flamengo. Pretendia usar minha coluna para, além de declarar meu total apoio ao mais querido, enaltecer a conquista de quinta-feira. Mas, aí apareceu o nosso capitão.

Não toquem nas Laranjeiras

O prefeito Eduardo Paes pediu ao governador Cláudio Castro que desista da ideia de transformar o Palácio Laranjeiras em museu. Jurou que ele mesmo cuidará do assunto mais adiante, mas antes disso quer morar na residência oficial do governo estadual. Claro que antes ele tem que ser eleito governador. O prefeito, que adora uma residência oficial, morou seus dois primeiros mandatos na casa da Gávea Pequena, para onde voltou agora. No Laranjeiras, todo mundo sabe, habitam muitos fantasmas, mas Paes não se importa.

Claro, prefeito

O museu terá de esperar. O governador não vai desagradar o prefeito, sobretudo porque ele poderá ser o seu principal cabo eleitoral para uma eventual candidatura pela reeleição. Castro é de longe a melhor opção para Paes, que não vai se desincompatibilizar da prefeitura para concorrer em 2022. Ele calcula que se outro for eleito no ano que vem, será um adversário forte em 2026, ano em que o prefeito quer se eleger governador para ir morar no Laranjeiras. Com Castro no lugar, o caminho fica mais fácil.

Melhor que o paraíso

O ex-senador Darcy Ribeiro costumava dizer que o Senado é melhor do que o paraíso, porque não é preciso morrer para dele usufruir, basta ter um mandato. E olha que na época de Darcy não se discutia a total e absoluta impossibilidade de a Justiça punir um parlamentar, como prevê a PEC da Impunidade. Imagina o que o senador diria hoje, lembrando que pela emenda, o paraíso terrestre passa a ser acessível também aos deputados. Todos terão liberdade para delinquir à vontade.

Coronel Fan Coil

A comunicação do Planalto vai mudar. O civil Fábio Wajngarten dá lugar ao almirante Flávio Rocha. Do primeiro nunca se obteve uma informação relevante que fosse. Do segundo pode-se esperar menos. São os legítimos sucessores do “coronel Fan Coil”, do governo do general João Figueiredo. Fan Coil é um sistema de refrigeração central. Grande, exige espaço amplo e exclusivo. No Planalto de Figueiredo havia uma sala para o equipamento com o seu nome numa placa na porta. Todo jovem jornalista que iniciava a cobertura do Planalto era instruído pelos mais velhos a procurar o coronel Fan Coil no quarto andar, que ele sempre tinha boa informação. Era só chegar, bater na porta e esperar ele abrir. Poderia demorar, mas valia a pena. Mesmo os que caíram no trote tiveram com Fan Coil mais informação do que conseguiriam com a turma de hoje.


Pablo Ortellado: Bolsonarismo entranhado

As articulações políticas para derrotar Bolsonaro estão olhando para as urnas e se esquecendo da sociedade —estão preocupadas demais com Bolsonaro e pouco preocupadas com o bolsonarismo.

Talvez seja perfeitamente exequível derrotar Bolsonaro nas urnas em 2022, mas ainda será necessário lidar com o pesado fardo do bolsonarismo.

A comparação com o trumpismo, espécie de contrapartida americana do bolsonarismo, pode ser instrutiva. Trump foi derrotado nas urnas e tentou sem sucesso pressionar a Justiça e o Congresso a não reconhecer o resultado —o trumpismo, porém, segue vivo.

Quarenta e três por cento de todos os eleitores americanos e 74% dos republicanos acreditam que as eleições presidenciais de 2020 nos Estados Unidos foram fraudadas. Mesmo após a divulgação das chocantes imagens de violência, num episódio que deixou 5 mortos, 21% de todos os eleitores e 45% dos republicanos aprovam a invasão do Congresso americano.

Um episódio recente do podcast “The Daily”, do jornal “The New York Times”, entrevistou trabalhadores e donas de casa, eleitores comuns de Donald Trump, para saber o que pensavam da invasão do Congresso americano. Embora geralmente tenham condenado a violência, muitos falaram de uma “guerra civil” contra os progressistas que, embora indesejada, lhes parecia inevitável.

Qualquer passeio pelos fóruns republicanos na internet está recheado de menções à guerra civil emergente, para a qual é preciso se preparar e se armar. Uma pesquisa publicada duas semanas atrás mostrou que assustadores 36% dos americanos (e 56% dos republicanos) acreditam no uso da força para defender o estilo de vida americano.

É por esse motivo que o bom desempenho eleitoral não é suficiente para enfrentar o desafio do bolsonarismo.

Em carta aberta ao STF, o ex-ministro da Segurança Pública e da Defesa Raul Jungmann, muito acertadamente, alertou para o risco de guerra civil na política de Bolsonaro orientada ao armamento da sociedade.

Bolsonaro tem reiteradamente enfatizado que a população precisa se armar para defender sua liberdade e se proteger de ditadores —não se referindo, claro, àqueles ditadores que cultua. Tudo sugere que, por “ditador”, se refere a qualquer adversário que venha a ser eleito. É a maneira como os bolsonaristas já se referem, aliás, aos governadores que adotam políticas de isolamento social ou fazem oposição ao governo federal.

Bolsonaro está fazendo um jogo duplo. De um lado, está minando a confiança popular na Justiça (inclusive na Justiça Eleitoral), no Congresso e na imprensa. De outro, está cooptando setores da sociedade, consolidando seu apoio entre policiais e militares e ampliando sua influência sobre médicos, juristas e órgãos da imprensa, inclusive da grande imprensa.

Uma crise econômica profunda, o aumento das mortes na pandemia ou um adversário carismático e com apelo junto ao eleitorado podem derrotar Bolsonaro em 2022. Mas, assim como os alemães precisaram desnazificar a sociedade depois da Segunda Guerra, precisaremos ainda extirpar o bolsonarismo entranhado na sociedade brasileira. 


Hamilton Garcia: O esgotamento da democracia de clientela e os perigos que se avizinham

Falar no esgotamento da democracia de clientela após duas vitórias sucessivas do Centrão, nas eleições municipais de 2020 e nas mesas do Congresso Nacional, pode parecer totalmente despropositado, mas não é. Já há praticamente um consenso, entre muitos analistas políticos, de que a Nova República se esgotou, ela, que não obstante os sinais vindos da luta democrática dos anos 1970-1980, se desenrolou, a partir dos anos 1990, como um movimento transformista que, sob o impulso da luta pelo governo representativo (presidencialismo de coalizão), instaurou, de fato, um regime semi-representativo (presidencialismo de cooptação).

Mas é preciso discutir mais detidamente de qual esgotamento estamos falando. Não se trata apenas, pelo alto, de como a degeneração e a fragmentação partidária erodiram o sistema de representação, mas também, por baixo, de como o eleitorado foi levado a participar, por meio da velha cultura (coronelismo), da política de clientela – que, no nosso caso, apenas em parte se parece com a política de clientela norte-americana, baseada em ativismo social (grupos de pressão) e em modelo partidário horizontal (primárias/caucus) emulado por sistema eleitoral majoritário.

Não apenas isto, mas é preciso entender ambos os fenômenos em chave com o modo de produção predominante no país, no caso, um capitalismo reprimarizado, baseado em exportação de commodities e importação de manufaturados ou seus componentes, com forte participação do setor de serviços e baixa qualificação da mão de obra. Tal modelo, semi-estagnacionista e dependente, não é compatível com o Estado de Bem-Estar e, portanto, com a tão almejada equalização social, e por um motivo básico: sua cadeia de produção/valorização não gera renda compatível, na forma de lucros, impostos e salários, capaz de sustentar tal pretensão. Assim, só resta o endividamento público como viga de sustentação das amplas expectativas sociais e dos interesses privados, a par de porto seguro para o emprego da classe média e de auxílio aos miseráveis, em condições crescentemente gravosas, dado o pesado custo dos juros imposto pelo sistema financeiro nacional – setor hegemônico do bloco histórico em crise.

Claro está que, sem a mudança deste modo de produção – que só pode ser viabilizado por coalizão política ampla de forças político-sociais, o que não se confunde com bloco parlamentar ou simples coalizão eleitoral –, a crise atual não tem solução efetiva, quando muito pode ser rolada e sempre em condições mais críticas. Ocorre que, como historicamente sabemos, são muitas as rotas para a mudança, o que, por si só, não garante que ela seja de fato alcançada, nem mesmo em seu modo mínimo para não falar do ótimo.

O Governo Bolsonaro encarna a mais nova tentativa de mudança desde que o PT abdicou, de fato, desta postulação, em 2002, em prol de um “lugar ao sol” no sistema de domínio, com a diferença de que a extrema-direita sequer tinha um programa digno do nome e que chegou ao poder pela inusitada, embora prenunciada (junho de 2013), revolta de uma população apartada de instrumentos institucionais (partido político) para operar efetivas mudanças políticas.

Como não poderia deixar de ser, inclusive por suas idiossincrasias, tudo aconteceu de maneira mais rápida e atabalhoada com Bolsonaro, até mesmo se comparado à FCM. Já na largada, JMB expôs a fragilidade de sua coalizão eleitoral na crise com os Ministros Bebiano e Cruz, e embora tenha aprovado a Reforma da Previdência, esta se deveu mais a um consenso social, enquanto o Presidente iniciava sua luta desesperada pela própria sobrevivência. Em certa medida, o Governo foi "salvo" pela pandemia, que se transformou em álibi de sua anomia política, ao fim remediada pelo “porto seguro” do Centrão. É verdade que existem dúvidas fundadas sobre tal “segurança”, sobretudo diante de um governo tão frágil quanto atabalhoado. Mas é preciso olhar também para a crise do sistema, onde Bolsonaro se agarra.

Não se pode descartar que o liberalismo radical de Guedes tenha encontrado sua mediação clássica no Brasil neopatrimonial com a "nova" coalizão, o que possibilitará ao bolsonarismo, pelo menos em tese, por meio de sua ala militar, neutralizá-lo enquanto utopia burguesa e convertê-lo de obstáculo à catapulta de um novo arranjo nacional-desenvolvimentista, como já vislumbrado no PAEG em contexto histórico distinto, num cavalo de pau de difícil compreensão, inclusive para os observadores da história que ignoram as implicações da via prussiana em nosso longo processo de modernização.

O PAEG, é verdade, se desenvolveu sob a tutela militar, tutela que hoje seria esmaecida, o que pode comprometer o enquadramento dos atores políticos envolvidos na trama e, consequentemente, seus fins, caso não demonstrem a exata noção do que estão fazendo e em quais circunstâncias. Não obstante, a crise aguda força os atores a uma consciência diferenciada na luta pela própria sobrevivência, como nos ensinou Lênin, o que implica, hoje, em se observar e responder ao desespero social que se anuncia. Não apenas isto, será preciso também tratar da retomada econômica para garantir a renda do trabalho após a emergência, estimulando a esperança dos trabalhadores por dias melhores. Para que tal retomada aconteça, de outro lado, as reformas em discussão no Congresso deverão englobar medidas que contemplem a reindustrialização do país, a começar pelos setores que já dominamos e os que impliquem em enfrentamento da pandemia, como a indústria farmacêutica.

Se isto tiver sequência no âmbito do programa econômico da coalizão bolso-militar-centrista, restará observar a cena político-judiciária, ainda mais incerta em razão das pressões sociais que afetam os aparatos de justiça desde o Mensalão (2005). Mais especificamente, será preciso verificar se um eventual clima de otimismo econômico extra-Mercado será capaz de neutralizar o previsível aumento do mau humor dos cidadãos com seus representantes e a burocracia pública, em meio ao novo cenário de conforto projetado com o fim da Lava-Jato e a possível reabilitação jurídica de vários de suas "vítimas" de colarinho branco, que podem ensejar, a partir de agora, uma ida aos cofres com ímpeto represado, capaz de abalar a credibilidade que resta da reputação anti-sistêmica do bolsonarismo, além de acumular mais combustível sobre mata ressecada.

A própria blindagem de Bolsonaro pelas elites, em função, principalmente, do estancamento da sangria e seus supostos efeitos distensionistas sobre a política e a economia, é aposta inflamável no pior cenário. Nada disso deve passar desapercebido pelos estrategistas do bolsonarismo, que mantém na manga a carta do “auto-golpe", que, no caso do bolsonarismo, como se sabe, está longe do inverossímil e brancaleônico "exército do Stédile”, configurando, de fato, perigo tangível.

Diante disso e da incrível capacidade interpelatória das narrativas bolsonaristas – cuja diferença essencial em relação às narrativas lulopetistas reside tão somente em sua maior facilidade assimilatória pela massa –, é possível que o ônus deum eventual insucesso da coalizão bolsocentrista, em meio às frustrações econômicas e/ou o pipocar de escândalos de corrupção, possa ser jogado, com grandes chances de êxito, nas costas do STF, do próprio Centrão – da qual Bolsonaro conseguiu se distanciar pela ótica popular, não obstante as rachadinhas – e da esquerda, por conta das manobras de anulação processual que podem favorecer LILS  – sob o beneplácito de Bolsonaro, diga-se de passagem – e, em sequência, outros apenados, como Eduardo Cunha e Sérgio Cabral, entre outros.

Tudo isto estará sobre a mesa na campanha eleitoral de 2022, que se inicia agora, fora do controle do TSE, não devendo haver dúvidas sobre a disposição, inclusive já insinuada, de Bolsonaro entrar neste jogo com a intenção de “fazer o diabo para se reeleger” (DR), o que, na prática, projeta sua intenção de aceitar apenas o resultado que lhe beneficie. Isto, naturalmente, não dependerá apenas de sua vontade, mas também exigirá conjuntura favorável, como uma crise que conjugasse colapso social com desespero econômico e desmoralização das instituições republicanas, abrindo caminho para greves de caminhoneiros, alguma inquietação nos quartéis e apelos para a restauração da ordem, cenário em parte visto no pré-1964.

Um conflito desta envergadura não só é possível, como pode acontecer antes da suposta “fraude eleitoral”, em meio ao desarranjo de seu "novo" governo. Outra variável importante a considerar, é como a radicalização política e a frustração das massas com as instituições vai se manifestar, inclusive nos meios militares, já que desde 1930, como nos ensinou José Murilo de Carvalho[i], as FFAA se movimentam na cena política com vistas a conter as ameaças de ruptura vindas de baixo – como a de Prestes, em 1930/1935, e a de Jango/Brizola, em 1964. No contexto atual, todavia, a ameaça potencial vem do baixo-clero bolsonarista, o que tornaria o desenlace ainda mais complexo e incerto.

Fator decisivo para tal evolução da situação é como as massas reagiriam ao caos social. Não se pode descartar a hipótese de que um descontentamento geral se misture à anomia já instalada nas periferias das metrópoles, que, embora de difícil assimilação pelas elites intelectuais (liberais e socialistas) – tendentes a traduzí-la como questão ética –, segue sendo vivenciada pela população sitiada como desafio à sobrevivência, a exigir solução de força (desarmamento) sob os auspícios da lei, que, não acontecendo, escancara as portas para o puro arbítrio da força ilegal, alimentada pelas facções bolsonaristas. Em tal contexto, a politização da crise pela extrema direita poderia catalizar o desejo geral de estabilização e ordem, o que praticamente forçaria uma ação convergente por parte do Alto Comando das FFAA, embora ainda dentro da lei (GLO). 

Tudo isto nos coloca questões para muito além da ideia de resistência democrática experimentada nos anos 1960-1970, ideias que fossem capazes de neutralizar a perspectiva tutelar dos militares sobre a República, perspectiva esta que é a pedra angular do intervencionismo militar desde 1889 e que teve no Gen. Góis Monteiro, nos idos de 1930, um arguto articulador que a traduzia como a expressão institucionalizada da nacionalidade, em cuja sombra poderiam "se organizar as demais forças da nacionalidade"[ii].

À rigor, na posologia deste velho remédio, Bolsonaro não teria lugar, mas tampouco estaríamos à salvo de seus conhecidos efeitos colaterais. O mais sábio, à luz da história, seria reconhecer tais riscos e buscar evitá-los pela franca assunção da crise de nossa democracia (clientelista), articulando, sob o signo da reconstrução nacional, uma saída democrático-desenvolvimentista para a crise em diálogo com os militares.

De novo, pode não ser o ideal, mas é o que nos cabe em meio aos perigos que se avizinham.

Hamilton Garcia de Lima (Cientista Político, UENF/DR[iii])


[i] Forças Armadas e Política no Brasil, ed. Todavia/SP, 2019.

[ii] Apud Carvalho, p. 120.

[iii] Universidade Estadual do Norte-Fluminense/Darcy Ribeiro.


Demétrio Magnoli: Moro, o ‘nada jurídico’

Rosangela Moro, advogada do marido, acionou o STF pedindo a Fachin a revogação da liminar de Lewandowski que dá à defesa de Lula acesso às mensagens trocadas entre Sergio Moro e os procuradores da força-tarefa de Curitiba. A reclamação ilumina o desprezo do Partido da Lava-Jato pela verdade factual e, ainda, pela verdade jurídica.

A peça da advogada repete as duas alegações básicas do ex-juiz e dos procuradores: 1) “Não há prova da autenticidade das mensagens”; 2) As mensagens “não provam fraude na condenação ou suspeição do juiz”.

A primeira afirmação é uma tentativa de circundar, por um artifício jurídico, a questão da verdade factual. Temendo cometer perjúrio, os acusados não declaram que as mensagens são falsas — mas referem-se a elas como se fossem diálogos entre terceiros desconhecidos sobre os quais nada sabem.

A segunda afirmação, se verdadeira, tornaria a primeira desnecessária. Afinal, se os diálogos não contêm ilegalidades, por que não admitir sua autenticidade? Contudo, como as trocas de mensagens evidenciam graves violações da lei, a advogada tira da cartola um terceiro coelho manco e solicita a eliminação processual delas: seriam um “nada jurídico”, devido aos meios ilegais utilizados na sua obtenção.

Nos diálogos, Moro oferece orientações aos procuradores sobre fontes, os instrui sobre possíveis provas e combina com eles a sequência de operações policiais. São evidências abundantes de conluio entre o Estado-julgador e o Estado-acusador. A gangue de Curitiba suprimiu do processo legal o juiz imparcial.

A verdade jurídica não é idêntica à verdade factual, pois a segunda só se torna a primeira quando percorre a estrada do devido processo. Sorte de Moro e de seus comparsas: a verdade factual expressa nas trocas de mensagens seria suficiente para condená-los por subversão do processo legal, se não tivesse vindo à luz pelo túnel da ilegalidade. Tal circunstância não implica, porém, a completa invalidação jurídica dos diálogos criminosos.

A jurisprudência não admite o uso de provas obtidas ilegalmente para condenar alguém, mas permite utilizá-las para sustentar a presunção de inocência. Lula pode até ser factualmente culpado — mas, na vigência do estado de direito, não é possível condená-lo ao arrepio do devido processo. É dever do STF anular as sentenças condenatórias do líder petista tingidas pela mão de gato de Moro.

Moro enxerga a lei como fonte de privilégios e discriminações. No pacote anticrime que formulou quando ministro de Bolsonaro, introduziu o “excludente de ilicitude”, mecanismo destinado a impedir a punição de crimes cometidos por policiais. Na reclamação ao STF, sua advogada alega que as trocas de mensagens “não provam inocência” de Lula, como se cidadãos acusados tivessem o ônus de provar ausência de culpa.

“Nada jurídico” — o qualificativo não serve para invalidar os diálogos que repousam no STF, mas define à perfeição os processos conduzidos pelo Partido da Lava-Jato. As mensagens expõem acertos entre o juiz e os procuradores para plantar notícias na imprensa e financiar a divulgação de propostas legislativas, além da ambição de reformar o sistema político-partidário. Nada jurídico, tudo político: a gangue manipulava suas prerrogativas de agentes da lei para deflagrar um projeto de poder centrado na figura de Moro.

A demanda da advogada ao STF pretende soterrar tanto a verdade factual quanto a jurídica. A guerra contra a verdade tem a dupla finalidade de evitar a desmoralização jurídica da gangue e de conservar os resíduos de um projeto político envenenado pela associação de Moro com Bolsonaro.

Na hora da morte da força-tarefa, o Partido da Lava-Jato conta com três fiéis militantes no STF. Mesmo assim, diante do grito das evidências, a manutenção integral das condenações tornou-se um sonho improvável. Circula, por isso, a ideia criativa de preservar, ao menos, o legado da interdição de candidatura de Lula. “In Fux We Trust”: o compromisso imoral concluiria, melancolicamente, a trajetória de juízes que confundem a lei com suas próprias convicções políticas.


Luiz Carlos Mendonça de Barros: O novo espaço de Paulo Guedes

As novas condições políticas do Brasil serão uma restrição muito forte à liberdade do ministro

Uma pergunta domina hoje coração e mente dos principais agentes econômicos no Brasil: qual será a agenda do ministro Paulo Guedes depois do cavalo de pau - para usar uma expressão dos primeiros anos do governo Lula - que o presidente Bolsonaro acaba de dar na política brasileira?

A nova relação com os partidos do chamado “Centrão” certamente garante uma maior tranquilidade política ao governo, mas implica a aceitação de uma agenda na economia diferente daquela com a qual Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil. Praticamente calado durante todo o mês de janeiro - uma prova de sabedoria - em função da árdua disputa pelo controle das mesas diretoras da Câmara e do Senado, cabe a ele agora mostrar suas cartas para a definição de uma agenda econômica para 2021. A disputa eleitoral no Congresso, controlada com mão de ferro pelo Palácio do Planalto, produziu um forte rearranjo na política brasileira - o terceiro nestes dois anos de mandato do presidente Bolsonaro - e foi montado com o objetivo de preservá-lo politicamente até as eleições presidenciais de 2022 e depois, vencê-las.

E é em função deste cenário que o poderoso czar da economia brasileira na primeira metade do mandato presidencial terá que se posicionar. Não existe mais hoje o governo com uma pauta de ação política e administrativa confusa e sem maiores definições que saiu das urnas em 2018. Nele Paulo Guedes se sobressaiu com um discurso vigoroso, claro e articulado de reformas radicais no modelo econômico que prevaleceu nos últimos 10 anos no Brasil.

Seu objetivo era a construção de uma economia de mercado radicalmente liberal, tendo Roberto Campos - o simbólico ministro do primeiro governo militar - como seu inspirador.

Apesar do longo histórico político de Jair Bolsonaro se chocar com as ideias do então chamado Posto Ipiranga, houve um movimento eufórico no mercado financeiro e entre os grandes empresários, brasileiros ou não.

Embora as metas colocadas para serem executadas - R$ 1 trilhão de privatizações por exemplo - fossem ambiciosas demais para um governo sem nenhuma base política no Parlamento, milagres poderiam ocorrer, e os mercados apostaram nele.

Em março passado, esta euforia já estava desgastada quando recebeu um golpe mortal com a chegada da pandemia ao Brasil. A crise econômica que se instalou obrigou o ministro a adiar seu plano de voo e a recorrer aos velhos ensinamentos de Keynes, inimigo mortal de seu liberalismo e principal inspiração de governos anteriores. A antiga agenda foi deixada de lado e Paulo Guedes - e seu companheiro, o presidente do Banco Central Roberto Campos Neto - presidiram a implantação de um dos mais exitosos planos de enfrentamento da recessão da covid- 19 que aconteceram nas maiores economias de mercado do mundo.

Os dados, que estão disponíveis hoje, confirmam esta minha leitura quando comparados com os dos Estados Unidos e vários países da Comunidade Europeia. Um exemplo claro do êxito das medidas tomadas pela equipe econômica é a recuperação da indústria brasileira que chegou ao fim do ano com sua produção agregada acima do nível do ano de 2019.

Mas este êxito teve um custo fiscal pesado - mais de 10% do PIB - e colocou as contas fiscais e a dívida pública brasileira em uma zona de perigo dentro do protocolo do liberalismo econômico dominante nas elites brasileiras. A reação natural do ministro seria a de promover em 2021 reduções vigorosas no chamado gasto público e acelerar as reformas estruturais que consolidem um equilíbrio fiscal mais sólido para o futuro. Mas as novas condições políticas do Brasil de hoje vão representar uma restrição muito forte à liberdade de ação do ministro.

Do lado do presidente, empenhado que está na campanha de sua reeleição em 2022, não existe mais o mandato que detinha no primeiro ano de governo, como já foi ressaltado acima. Naquela época, com as eleições muito adiante ainda, as suas divagações sobre as maravilhas de uma economia liderada pelas forças de mercado serviam inclusive ao objetivo de diferenciar o governo eleito de seus inimigos históricos da esquerda e centro-esquerda.

Muito ajudou este estado quase eufórico a presença de Rodrigo Maia na presidência da Camara de Deputados com sua origem política e seus valores sinceramente liberais. Tudo apontava na direção de uma parceria histórica com chances de vencer o ranço estatizante de grande parte do Congresso e caminhar na direção de uma economia mais eficiente. Mas esta parceria não existe mais e as primeiras declarações públicas dos novos comandantes do parlamento apontam no sentido contrário.

Me impressionou muito o “body language” do presidente do Senado e do ministro Paulo Guedes em uma rápida entrevista coletiva na noite da última quinta-feira e que deixou claro duas coisas para mim: a primeira é a autoconfiança do senador por Minas Gerais, Rodrigo Pacheco, que preside o Senado, em expor suas ideias em relação à economia. Em segundo lugar, a postura compreensiva do poderoso ministro da Economia que mostrou com clareza - pelo menos para mim - que já entendeu o novo equilíbrio de forças entre Executivo e Legislativo que se seguiu ao cavalo de pau do presidente Bolsonaro.

Um novo desenho ainda não conhecido da agenda econômica em 2021 estará sendo gerado nas próximas semanas deste embate entre o Congresso e o ministro Paulo Guedes, mas com certeza será bem diferente do que os mercados previam.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.


Sergio Lamucci: Os obstáculos para a retomada da economia

Vacinação lenta, fim do auxílio emergencial, desemprego e inflação atrapalham retomada mais forte da economia

A economia brasileira começou 2021 sem o auxílio emergencial e com a vacinação em ritmo lento, o desemprego elevado e a inflação ainda pressionada. É um cenário que aponta para uma atividade fraca no primeiro trimestre, com provável queda do PIB em relação ao trimestre anterior. O auxílio, porém, deverá voltar, ainda que num valor mais baixo e por um período não muito extenso. A vacinação, por sua vez, vai avançar e, a depender do ritmo das imunizações, tende a permitir restrições menores à mobilidade, favorecendo o claudicante setor de serviços.

Nesse cenário, a economia pode voltar a ganhar algum fôlego daqui a alguns meses. Alguns fatores importantes, porém, jogam contra a retomada, como um mercado de trabalho fraco e pressões inflacionárias decorrentes principalmente da combinação de commodities em alta e do câmbio desvalorizado. Incertezas em relação à sustentabilidade das contas públicas enfraquecem a moeda brasileira, ao mesmo tempo em que mantêm os juros futuros em níveis elevados. Isso leva a uma piora das condições financeiras, prejudicando a recuperação.

O retorno do auxílio emergencial parece inevitável. O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, que se opunha à medida, falou na volta do benefício na quinta-feira. Segundo ele, o novo auxílio será voltado para metade do público-alvo da sua primeira versão - em alguns meses, chegou a quase 68 milhões de pessoas. O valor será menor que os R$ 600 que vigoraram de abril a agosto de 2020 - e, na visão da equipe econômica, também inferior aos R$ 300 do período de setembro a dezembro, além de um prazo curto, de três meses. No Congresso, as pressões devem ser um por um benefício maior e por um período menor.

Com a piora da pandemia e a vacinação lenta, a volta do auxílio é necessária para evitar uma perda de renda muito acentuada. O desafio é aliar o retorno do benefício - além de eventuais novos gastos com saúde - a um compromisso com a trajetória sustentável para as contas públicas. Na quinta-feira, Guedes atrelou a volta do auxílio a “um ambiente fiscal robusto”, indicando que ela poderia ocorrer num quadro em que o Congresso acionasse o estado de emergência ou de calamidade pública.

Com uma média de mais de mil mortos por dia, um cenário de excepcionalidade se justifica, e parece improvável que o retorno do auxílio ocorra dentro dos limites do teto de gastos. O estado de calamidade permitiria gastos acima do teto, assim como a abertura de créditos extraordinários. O Citi Brasil avalia que, dado o espaço limitado para corte de despesas discricionárias (como o custeio da máquina e investimentos), os gastos públicos devem superar o teto em 1% do PIB neste ano.

No entanto, isso precisa ser feito com cautela, para evitar pressões adicionais sobre o câmbio e sobre os juros futuros. O ideal é adotar ao mesmo tempo medidas que enfrentem o crescimento das despesas obrigatórias. Versões mais robustas da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial e da reforma administrativa ajudariam nesse sentido, ao combater a expansão dos gastos de pessoal. A questão é que o presidente Jair Bolsonaro resiste a bancar esse tipo de medida, e é difícil acreditar na disposição dos novos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), de levar o Congresso nessa direção, que afeta os interesses do funcionalismo. De qualquer modo, é possível encontrar uma saída para financiar o auxílio emergencial e mais gastos com saúde sem que isso signifique o abandono do compromisso com a sustentabilidade fiscal.

Isso é fundamental para tirar pressão do câmbio, que segue volátil e desvalorizado. Um modelo dos pesquisadores Livio Ribeiro e Samuel Pessôa, do Instituto Brasileiro da Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), decompõe a variação do câmbio, considerando fatores externos (preços de commodities, o comportamento do dólar no cenário global e a taxa de dez anos dos títulos do Tesouro americano), a diferença de juros externos e internos e fatores locais (levando em conta o risco-país, mas expurgando a influência de fatores globais). Pelos cálculos de Ribeiro, a alta de 9% do dólar de 10 de dezembro do ano passado ao fim de janeiro deste ano, quando a moeda passou de R$ 5,02 a R$ 5,47, se deveu quase toda a fatores domésticos. Em texto para o Blog do Ibre, Ribeiro diz que o real “opera descolado do comportamento de seus pares desde o evento da covid, com reconciliações incompletas e pontuais (principalmente em relação ao comportamento das moedas emergentes)”. Segundo ele, há algo específico que “nos atrapalha” e, desde novembro, fica evidente que esse fator negativo é de responsabilidade do país. “O real tem operado sob fogo amigo e, enquanto isso não for resolvido, continuaremos não aproveitando bons ventos globais em sua totalidade. Ainda pior, quando os ventos inverterem, não estaremos bem posicionados para enfrentá-los”, afirma Ribeiro.

No texto, o pesquisador do Ibre/FGV não aponta quais motivos domésticos seriam responsáveis por pressionar o câmbio - pelo modelo, os fatores domésticos são o “resíduo” não explicado pelos fatores externos e pela diferença de juros. As incertezas fiscais, em especial, ajudam a entender as pressões sobre o real, assim como possíveis dúvidas quanto ao ritmo de crescimento do país, devido à piora da pandemia e a vacinação lenta.

Num ambiente de alta dos preços das commodities, o câmbio desvalorizado é um fator que preocupa, por elevar a inflação. Em janeiro, o Índice de Commodities do Banco Central, medido em reais, subiu 10,6%, a maior alta desde maio de 2020, como lembra o Bradesco. Com isso, avalia o banco, a inflação não deve dar alívio no curto prazo. “Se por um lado o aumento das cotações internacionais de produtos básicos, favorecido pela demanda chinesa aquecida, tende a continuar favorecendo as exportações brasileiras, por outro, tais cotações, quando mensuradas em reais, aumentam os desafios na condução da política monetária”, afirma o Bradesco, em relatório.

O BC já indicou que deverá elevar os juros em breve. A persistência da combinação de commodities em alta expressiva e câmbio mais depreciado pode levar a instituição a aumentar a Selic mais do que se antecipa hoje. Isso tenderia a colocar em risco uma recuperação que já é frágil. Além da volta do auxílio e de uma vacinação mais rápida, evitar pressões exageradas sobre o câmbio é importante para garantir a retomada da economia, num país que desde 2014 tem enormes dificuldades para crescer.


Bruno Carazza: Realidades paralelas

O longo caminho da agenda de Bolsonaro

Imagine-se em 2022. No auge da campanha, o candidato à reeleição é questionado sobre seus feitos durante o mandato. A pandemia atrapalhou muito os seus planos, mas com a vacinação já avançada, o pior havia ficado para trás. E o mais importante: a economia voltara a crescer.

Além disso, graças à sua parceria com os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, uma ampla agenda de projetos havia sido aprovada, deixando o país pronto para decolar nos próximos quatro anos.

Aguardada por décadas, a reforma tributária iniciou um processo de simplificação gradual de impostos federais, estaduais e municipais, reduzindo bastante a burocracia. A aliança com o Centrão venceu a resistência das corporações de servidores públicos e, com o novo pacto federativo e a reforma administrativa, seria possível começar a colocar as contas em ordem.

Tantas vezes questionado, Paulo Guedes deu a volta por cima com os novos marcos regulatórios para os setores de petróleo, gás natural, energia elétrica, ferrovias e navegação. Um novo ciclo de crescimento, liderado pelo investimento privado, estava prestes a começar - e a privatização da Eletrobras, anunciada para os próximos meses, não deixava nenhuma dúvida quanto a isso.

Depois que os principais países do mundo controlaram a covid, em meados de 2021, um incrível “boom” de commodities impulsionou a mineração e o agronegócio brasileiros. Com a simplificação do licenciamento ambiental, a regularização fundiária na Amazônia e a autorização para a extração mineral em terras indígenas, as exportações brasileiras bateram novo recorde. A entrada de dólares no país foi beneficiada pelas novas regras no mercado de câmbio e o novo Banco Central independente.

Mas não era só na economia que o presidente tinha resultados a entregar aos seus eleitores. No campo da segurança pública, as forças policiais agora tinham melhores condições de combater o crime com a exclusão de ilicitude nas operações para Garantia de Lei e Ordem. Os agentes públicos puderam se proteger melhor depois que cada um ganhou autorização para adquirir até dez armas de fogo. Cidadãos de bem, associados aos clubes de colecionadores, atiradores e caçadores, também foram beneficiados com uma legislação mais permissiva para a compra de armamento e munição.

Depois de indicar um ministro terrivelmente evangélico para o Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro e a ministra Damares Alves anunciaram a abertura das inscrições para o “homeschooling” em 2023. Contra as críticas de que a medida poderia aumentar o número de crianças abusadas sexualmente, eles citaram as novas leis que aumentaram as penas e tornaram hediondos os crimes sexuais contra menores e a pedofilia.

Entre a intenção e a realidade há uma enorme distância: 513 deputados, 81 senadores e dezenas de votações em comissões e no plenário das duas casas legislativas. Soma-se a isso a resistência da opinião pública e de grupos com interesses divergentes influenciando o jogo.

O anúncio da agenda prioritária do governo servirá de métrica para indicar se o novo casamento de Bolsonaro com o Centrão renderá ganhos eleitorais no ano que vem.

Há frutos fáceis de serem colhidos. Na área econômica, a autonomia do Banco Central, os limites mais restritos para o teto remuneratório no serviço público e a nova lei do gás natural já passaram pelo Senado e estão prontos para serem votados na Câmara. Trilhando o caminho inverso, as novas normas para a navegação de cabotagem e para o gás natural aguardam serem pautadas no plenário do Senado, para daí irem à sanção presidencial.

O pacote fiscal de Paulo Guedes, porém, mal começou a tramitar. O trio das PECs emergencial, do novo pacto federativo e dos fundos públicos ainda aguardam parecer do relator - e a reforma administrativa nem relator tem. Para virarem realidade, precisam ser aprovadas em dois turnos por pelo menos 308 deputados e 49 senadores. Até lá ainda haverá audiências públicas, debates em comissões, manobras para adiamento de votação. Enfim, “it’s a long and winding road”.

Pior é o caso da reforma tributária, para a qual não há acordo sobre qual modelo deve prosperar: se o da Câmara (PEC nº 45/2019), do Senado (PEC nº 110/2019) ou a alternativa ainda incompleta de Paulo Guedes (PL nº 3.887/2020). Como diz o velho ditado: nenhum vento é favorável quando não se sabe para onde ir.

Na questão ambiental, tanto a regularização fundiária quanto a mineração em terras indígenas ainda não começaram a andar, embora a proposta sobre licenciamento esteja avançada na Câmara. Todas elas, contudo, enfrentarão forte resistência não só de ambientalistas, mas de países comprometidos com o clima - agora reforçados pelos Estados Unidos, com Joe Biden na Presidência.

Por fim, na pauta de segurança pública e costumes, com a exceção do PL nº 3.723/2019, que facilita a aquisição de armas por policiais e já foi aprovado na Câmara, as demais proposições ainda estão em estágio inicial de análise.

É bem verdade que existe um repertório imenso de possibilidades para se pular etapas e se dispensar exigências do processo legislativo. Tudo depende de uma sintonia fina entre o Palácio do Planalto, os presidentes da Câmara e do Senado e os líderes dos partidos. A vitória de Lira e Pacheco foi um importante passo; porém, como num casamento, Bolsonaro terá que cultivar a relação com o Centrão dia a dia.

Também é importante não ter ilusões. Ainda que as PECs sejam aprovadas, os investimentos não inundarão o país imediatamente, pois em geral se exige regulamentação e, sobretudo, estabilidade política e econômica. Aliás, se a PEC emergencial passar, o presidente terá coragem de cortar despesas mesmo em ano eleitoral?

Se os resultados econômicos podem demorar a chegar, mais armas nas ruas e menos rigor com o meio ambiente, por sua vez, têm efeitos imediatos. E eles, infelizmente, são irreversíveis.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.


Catarina Rochamonte: A alta nata do que não presta

Bolsonaro não só abraçou o centrão como se tornou seu chefe

O mau conceito do centrão —ajuntamento fisiológico mais descarado da política brasileira, com vários dirigentes envolvidos em corrupção— é quase unanimidade, e, por isso, falar mal dele rende votos. Na campanha de 2018, o candidato Jair Bolsonaro referiu-se a esse agrupamento político como "a alta nata de tudo o que não presta no Brasil" e disse que "essa forma de governar" (o "toma lá dá cá", o loteamento dos órgão públicos) "é que levou o Brasil a essa ineficiência e a essa corrupção não encontrada em nenhum lugar do mundo".

No mesmo ano, em convenção nacional do PSL, o general Augusto Heleno parodiou um samba, substituindo a palavra "ladrão" e cantarolando para a plateia: "se gritar pega centrão, não fica um meu irmão...".

Águas passadas e samba velho. Agora, o centrão foi promovido pelo governo ao centro das decisões da República. Bolsonaro não só o abraçou: tornou-se seu chefe, tendo agido com despudor no caso da disputa pela Presidência da Câmara, quando, com verbas bilionárias e oferta de cargos, comprou a eleição de Arthur Lira, um réu por corrupção.

Logo em seguida, veio outra vitória da acomodação de interesses ou do acordão da impunidade: a extinção da Lava Jato (decidida pelo PGR indicado sob encomenda para atingir esse fim). Bolsonaro entregou aos novos presidentes da Câmara e do Senado uma lista de prioridades que não contempla nada da agenda anticorrupção. Nenhuma menção à PEC da prisão em segunda instância (que, segundo o líder do governo na Câmara, foi criada "só para prender o Lula e tirá-lo da eleição").

A "nata do que não presta" está eufórica: varou a madrugada da vitória de Lira comemorando na mansão de um empresário denunciado pelo MPF e réu por fraude tributária. Convivas aglomerados esbaldaram-se em atitude indecorosa pela ostentação e despropósito em um contexto no qual a pandemia já ceifou mais de 230 mil vidas. Muitas das quais poderiam ter sido salvas não fosse a incúria das autoridades.


Celso Rocha de Barros: Bolsonaro vence em Brasília, perde no Brasil

Resta saber se o presidente e seus aliados têm outros projetos em comum além de fugir de impeachment, cassação e cadeia

Na semana passada, políticos que deveriam ser presos por seus crimes durante a pandemia e políticos que deveriam ser presos por corrupção livraram uns aos outros de impeachment, cassação e cadeia.

Na segunda-feira (1º), Bolsonaro elegeu Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara. Com isso, caiu a probabilidade de impeachment. O impeachment seria o começo da responsabilização do presidente da República pelos crimes que cometeu durante a pandemia. O passo seguinte seria sua prisão. Isso teria sido a lei sendo aplicada, as instituições funcionando.

Mas a frente ampla contra o bolsonarismo, representada pela candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP), levou uma surra. Houve traições à esquerda, mas ficou claro que Rossi perdeu porque a centro-direita desertou. Doria conseguiu evitar um espetáculo mais vergonhoso no PSDB, mas o DEM, o partido do próprio Rodrigo Maia, vendeu-se para o Planalto na frente de todo mundo.

Na prática, o DEM dissolveu-se no “arenão”, como o jornalista José Roberto de Toledo gosta de chamar o centrão. Na época da ditadura, dizia-se que a Arena era “a filha da UDN que caiu na zona”. Na última segunda-feira, o cafetão que levou o DEM de volta para a zona foi Jair Bolsonaro. O DEM aceitou de Bolsonaro as verbas e os cargos que o PFL, seu antecessor, não aceitou da ditadura no colégio eleitoral em 1985.

Mas não é só dinheiro que segura Bolsonaro no cargo. Na eleição da Câmara, Bolsonaro contava com a popularidade da grande realização de seu governo: o acordão que melou a Lava Jato. Em um eleitorado de 500 deputados em que predomina o arenão, matar a Lava Jato vale como uma mistura do que o Plano Real, o Bolsa Família, crescimento chinês por 20 anos e a realização das promessas daqueles emails “enlarge your penis” juntos valeriam para o público em geral.

Poucos dias depois da eleição na Câmara, Bolsonaro ofereceu o que havia sobrado da Lava Jato como sobremesa para Brasília. O procurador-geral da República de Bolsonaro dissolveu a força-tarefa de Curitiba. A força-tarefa da Lava Jato de São Paulo, é bom lembrar, já tinha renunciado coletivamente em protesto pela intervenção do mesmo procurador-geral, sempre a mando de Bolsonaro.

Não, companheiro, a Lava Jato não foi extinta porque sacaneou o Lula. Nem o Bolsonaro nem ninguém na direita parou e pensou, “pô, realmente, sacaneamos o Lula, terrível esse escândalo da Vaza Jato, vamos reestabelecer os ritos jurídicos apropriados”. As denúncias da Vaza Jato são mesmo gravíssimas, Lula foi mesmo sacaneado, mas a Lava Jato acabou porque era a hora de prender a direita.

Vários analistas viram no engajamento de Bolsonaro na eleição da Câmara um sinal de moderação, de aceitação das regras do jogo. Não há nenhum gesto de Bolsonaro que justifique essa hipótese.

Nas duas pautas que mais exigem governança racional —economia e combate à pandemia— Rodrigo Maia nunca colocou qualquer obstáculo para Bolsonaro, muito pelo contrário. Se o presidente topou gastar tanto para eleger Lira, é porque suas pautas são outras.

No momento em que perde popularidade no Brasil, Bolsonaro venceu em Brasília. Resta saber se o presidente e seus novos aliados parlamentares têm outros projetos em comum além de fugir de impeachment, cassação e cadeia.


Almir Pazzianotto Pinto: Golpe de Estado

É necessária e urgente a mobilização nacional em defesa do Estado Democrático de Direito

Golpe de Estado é o ato de violência praticado por governante ou seu opositor contra governo eleito de conformidade com as normas constitucionais, para manter ou tomar o poder. Ler a respeito o livro Técnica do Golpe de Estado, de Curzio Malaparte (1898-1957), sobre o assalto ao poder na Rússia, pelos bolchevistas, em 1917.

O verbete golpe de estado no Dicionário de Política de Bobbio, Matteucci e Pasquino (Ed. UnB, Brasília, DF, 1994) contém análise assinada por Carlo Barbi, do qual transcrevo o seguinte trecho: “Tomando como objeto de pesquisa os anos recentes, achamo-nos frente a uma verdadeira proliferação de golpes, embora com características bem diferentes. Na verdade, no início dos anos 70, mais da metade dos países do mundo tinha governos saídos de golpes de Estado e o golpe de Estado, por conseguinte, tornou-se mais habitual como método de sucessão governamental do que as eleições e a sucessão monárquica. Mas os atores do golpe de Estado mudaram. Na maioria dos casos, quem toma o poder político por golpe de Estado são os titulares de um dos setores-chave da burocracia estatal: os chefes militares” (vol. 1, pág. 545).

Em 1930 não houve golpe de Estado, mas revolução articulada pela Aliança Liberal, liderada por Getúlio Vargas. O objetivo era depor o presidente Washington Luís e impedir a posse de Júlio Prestes, presidente do Estado de São Paulo no período 1927-1930, eleito presidente da República pelo Partido Republicano Paulista (PRP) nas eleições de 1.º de outubro de 1930.

Vargas assumiu o governo provisório, em 10 de novembro, com o objetivo de permanecer. Protelou enquanto lhe foi possível a convocação da Assembleia Constituinte, medida tomada por decreto em abril de 1933. Promulgada a Constituição em 16 de julho de 1934, elegeu-se presidente pelo Congresso Nacional, para encerrar o mandato em 3 de maio de 1938.

Em 10 de novembro de 1937 deu o golpe que o pôs na chefia do Estado Novo. Permaneceu até 29 de outubro de 1945, quando foi deposto pelos mesmos militares que o apoiaram na implantação da ditadura. A Carta de 1937, redigida por Francisco Campos, justificava o golpe como resposta às “legítimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem, resultantes da crescente agravação dos dissídios partidários”. E atribuía a responsabilidade “ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista”.

As gerações de hoje pouco sabem sobre o Estado Novo. Alguma coisa, porém, devem conhecer a respeito do regime militar instalado em 31 de março de 1964. O preâmbulo do ato institucional baixado em 9 de abril pelo Comando Supremo da Revolução, integrado pelos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, advertia estar o País diante de revolução vitoriosa, que “se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação. A Revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte (...). Essa é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte”.

Durante 20 anos o País viveu sob regime de exceção. Para presidir a República era requisito ser general de Exército. As feridas abertas, de ambos os lados, estão mal cicatrizadas. A volta à democracia, com a eleição de Tancredo Neves em 1985 e a promulgação da Constituição de 5 de outubro de 1988 não nos garantem contra eventual golpe de Estado. A ameaça do fechamento do Supremo Tribunal Federal por um cabo e dois soldados, o clima de belicosidade com governadores, o negacionismo imbecil, a infame guerra à vacina, a hostilidade contra o Butantan, a militarização do governo, a proposta de criação do generalato nas Polícias Militares, a aversão à liberdade de imprensa, o estimulo à idolatria, o ataque ao voto eletrônico, a declaração “quem decide se um povo vai viver na democracia ou na ditadura são as Forças Armadas” são reveladores de que alguém está à procura de pretexto para a ruptura da ordem institucional.

A mobilização nacional em defesa do Estado de Direito Democrático é necessária e urgente. Os partidos estão debilitados. As oposições, divididas. É difícil identificar alguém, entre os possíveis candidatos, capaz de galvanizar a opinião pública. A pandemia afeta a economia, provoca o fechamento de empresas, agrava o desemprego e a miséria.

Revela a História que cenário como esse poderá propiciar o aparecimento de demagogo com pretensões a salvador. Assim aconteceu na Alemanha após a 1.ª Grande Guerra, dando ensejo à tomada do poder por Adolf Hitler, e na Itália, por Benito Mussolini. A derrota do Exército russo em 1917 diante dos alemães abriu as portas à ditadura do Partido Comunista. Lenin tomou o poder à força de discursos, como mostra John Reed no livro Dez Dias que Abalaram o Mundo.

A democracia é planta frágil entre os subdesenvolvidos. A indisposição à disputa democrática e a dificuldade para se reeleger poderão espicaçar a ambição sem limites de Jair Bolsonaro. Avisto no horizonte sinais de fumaça.

*Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho


Ricardo Noblat: Pouco ou nada separa o MDB dos demais partidos do Centrão

As diferenças estão no passado

Por que ao falar do Centrão e nomearem-se os partidos que o integram costuma-se deixa de fora o MDB? Talvez em respeito ao seu passado de lutas contra a ditadura militar de 64.

Tempos arriscados aqueles quando uma palavra fora de lugar, uma imagem mais forte ou uma proposta infantil bastava para cassar o mandato do seu autor, condená-lo à prisão ou forçá-lo ao exílio.

Há menos de um mês, morreu o advogado e ex-deputado federal José Alencar Furtado. Em 1977, líder do MDB na Câmara, ele foi cassado por ter dito num programa de televisão:

“O MDB defende a inviolabilidade dos direitos da pessoa humana para que não haja lares em prantos. Filhos órfãos de pais vivos – quem sabe – mortos, talvez. Órfãos do talvez ou do quem sabe. Para que não haja esposas que enviúvem com maridos vivos, talvez, ou mortos, quem sabe? Viúvas do quem sabe e do talvez”.

O ato de cassação foi assinado pelo então presidente da República, o general Ernesto Geisel, que dizia conduzir o país na direção de uma abertura política lenta, gradual e segura.

O deputado Márcio Moreira Alves (MDB-RJ) acabou cassado por ter feito um discurso em setembro de 1968 que não chamou a atenção de ninguém nem mereceu uma linha nos jornais.

Propôs um “boicote” ao desfile de 7 de setembro e recomendou às moças que não dançassem com oficiais naquele dia. Foi o pretexto que a ditadura usou para tirar a máscara e se assumir como tal.

Por pouco, em 1975, Geisel não cassou o mandato do deputado Ulysses Guimarães (SP), presidente nacional do MDB, que o comparou a Idi Amin Dada, à época ditador de Uganda.

Do seu passado, o MDB, hoje, só guarda lembranças para desenterrá-las às vésperas de eleições e sepultá-las no dia a dia da desfaçatez e do fisiologismo compartilhado com o Centrão.

O presidente Fernando Henrique Cardoso aliou-se ao PFL, hoje DEM, para governar. Os presidentes Lula e Dilma aliaram-se ao PMDB, hoje MDB, com o mesmo propósito.

DEM, MDB e companhia ilimitada governaram quando Michel Temer, depois de muito conspirar, sucedeu a Dilma. Bolsonaro tem ministros do DEM e espera, em breve, ter também do MDB.

Se por ora ainda não dispõe de ministérios, o MDB desfruta de centenas de cargos nos terceiros e demais escalões do governo. Diz-se independente, como o DEM diz que é. Os dois mentem.

Contagem regressiva para o Dia D e a Hora H de Rodrigo Maia

Fica ou sai do DEM?

Convites não lhe faltam. O PSDB do governador João Doria (SP), o MDB de Michel Temer e Baleia Rossi (SP), o PSL de Luciano Bivar (PE), ex-aliado do presidente Jair Bolsonaro, e o CIDADANIA de Roberto Freire, possível abrigo de Luciano Huck caso ele seja candidato no ano que vem, abriram-lhe as portas.

Na semana passada, antes de ser derrotado por Artur Lira (PP-AL) que se elegeu presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia ameaçou deixar o DEM acusando ACM Neto, o poderoso chefe do partido, de traição. Consumada a derrota, Maia repetiu a ameaça dizendo que com ele levaria para onde fosse um monte de gente.

Eduardo Paes (DEM), prefeito do Rio, confirmou que o acompanhará junto com seu grupo. Deputados do DEM, sob a garantia de não terem seus nomes revelados, disseram que irão com Maia. Ao ex-presidente da Câmara, ACM Neto prometeu passe livre para sair desde já sem risco de perder o mandato.

No último fim de semana, Maia reafirmou que está com um pé fora do DEM e que não passará desta semana. Estava furioso com ACM Neto. Aberta, portanto, a contagem regressiva para que se saiba afinal se a palavra dada por Maia será cumprida, adiada ou simplesmente esquecida.