Congresso Nacional

Demétrio Magnoli: Frustração das ruas com sistema político é salvo-conduto para Temer

‘Fica, Temer’ significa, igualmente, ’Fica Maia’ – e um tratado de cooperação contra as investigações

No horizonte do óbvio, Temer fica pois persuadiu 263 deputados a sustentá-lo, às custas do Orçamento, de cargos e de concessões políticas vergonhosas. Dilma, porém, foi defenestrada, mesmo depois de ofertar tudo isso no altar sacrificial da Câmara. As raízes da diferença entre um caso e outro estão fincadas num horizonte mais profundo: a miséria da nossa política. Temer fica pelos seguintes motivos:

1. Janot desviou a Lava Jato para o labirinto da politicagem. A denúncia contra Temer não nasceu de uma investigação exaustiva, como a conduzida no âmbito do cartel das empreiteiras, mas de uma arapuca vulgar montada em aliança com Joesley Batista. A imunidade absoluta concedida ao corruptor-geral da República provocou asco nacional, manchou a reputação pública da Lava Jato e ofereceu um álibi político eficiente ao ocupante do Planalto. Temer deve uma caixa de charutos a Janot.

2. A economia rompeu a crosta gelada da depressão. Temer preservará o imposto sindical, pervertendo a reforma trabalhista, e substituirá a reforma previdenciária por um emplastro improvisado. Mas, ao menos, a equipe econômica representa um seguro contra calamidades. O empresariado admite quase tudo, mas não um retorno aos folguedos infantis do dilmismo. E, claro, adora uma Presidência exaurida, pronta a curvar-se à exigência de mais um refinanciamento de dívidas em benefício dos amigos dos amigos. Temer deve um vinho de origem controlada a Meirelles.

3. Nossa elite política tem pavor da Lava Jato. Temer, no Planalto, e Rodrigo Maia, na Câmara, são fusíveis que protegem os parlamentares do incêndio. A substituição do primeiro pelo segundo implicaria a remoção do duplo fio de chumbo. O "Fica, Temer" significa, igualmente, um "Fica, Rodrigo" –e um tratado de cooperação diante das investigações policiais e judiciais. A manobra de salvação do presidente assinala o início de uma contraofensiva do Planalto e do Congresso. Temer deve bombons baratos a todos os políticos situados na alça de mira da polícia.

4. Aécio Neves alinhou uma corrente do PSDB à Santa Aliança anti-Lava Jato. Para proteger-se, o cacique tucano cindiu seu partido e atracou seu próprio futuro político ao cais do Planalto. A Lava Jato encontra-se, agora, em situação similar à da Operação Mãos Limpas, na Itália, durante os governos de centro-esquerda de Romano Prodi e Massimo D'Alema, cuja base parlamentar se uniu a Silvio Berlusconi para sabotá-la. Temer deve meia dúzia de pães de queijo a Aécio, outro amigo do peito da JBS.

5. "Fica, Temer" é o desejo oculto de Lula. A bandeira farsesca do "Fora, Temer" destina-se, exclusivamente, a consumo eleitoral. O PT e seus aliados garantiram quorum à sessão de salvação do presidente. Preservando Temer, o condottieri petista assegura para si mesmo o cenário mais favorável na disputa de 2018.

Mas, sobretudo, por essa via, o PT encontra um lugar na trincheira compartilhada pelos políticos que resistem à tempestade da Operação Lava Jato. Temer deve a Lula uma cachaça envelhecida, de alambique artesanal.

6. Nossa elite política separou-se, em conjunto, do interesse público. A crise que produziu o impeachment prossegue no governo Temer. Sob o signo da Lava Jato, vivemos o ocaso da Nova República. Contudo, nenhuma articulação partidária significativa destacou-se da paisagem cinzenta para oferecer ao país uma alternativa de reformas institucionais e políticas.

No lugar disso, em meio às ruínas, assiste-se aos espetáculos deprimentes da decomposição do PSDB, do neoqueremismo lulista e das apostas especulativas de Marina Silva, Ciro Gomes, Jair Bolsonaro, os "salvadores da pátria" de plantão.

A frustração das ruas com a falência geral do sistema político funciona como salvo-conduto do ocupante do Planalto. Temer deve tudo ao medo da mudança. Ele honrará sua dívida, às nossas custas.

* Demétrio Magnoli é sociólogo

 


Roberto Freire: Para avançar nas reformas

Em mais um capítulo da tumultuada quadra política que o país enfrenta, os brasileiros acompanharam a votação na Câmara dos Deputados que sacramentou o arquivamento do pedido de licença para que o Supremo Tribunal Federal (STF) analisasse se havia ou não elementos suficientes que ensejassem a abertura do processo com base na denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente Michel Temer. Ao contrário do que apregoavam alguns analistas mais precipitados, o governo de transição demonstrou que ainda tem uma sólida base parlamentar de apoio no Congresso Nacional e, por isso, obteve uma vitória por ampla margem.

A bancada do PPS decidiu votar pela autorização da licença, seguindo um princípio histórico adotado pelo partido no sentido de que todas as denúncias de eventuais irregularidades devem ser rigorosamente apuradas, com total transparência. Mesmo assim, devemos reconhecer que, juridicamente, a peça apresentada pela PGR tinha fragilidades e uma série de inconsistências que certamente influíram no resultado final da votação. Além disso, parece consensual que houve certo açodamento do Ministério Púbico Federal ao apresentá-la sem ter reunido um cabedal probatório mais substancioso.

Com o resultado, a Câmara indica que o atual mandato será cumprido com Temer na Presidência da República. Se, em algum momento, havia a possibilidade de um outro presidente liderar a transição, hoje essa alternativa está, evidentemente, excluída. Diante de uma vitória tão acachapante, cabe ao governo a grandeza – e ela já transparece nas palavras do próprio presidente Temer – de buscar a reaglutinação da base de apoio na luta pelo impeachment em sua integralidade, sem excluir os deputados que, divergindo da posição do governo, votaram pelo pedido de licença já arquivado pela Câmara. A partir daí, na continuidade da transição, devem ser esses parlamentares os responsáveis pela retomada da votação das reformas.

O apoio à transição e às reformas tem de ser a palavra de ordem para chegarmos a 2018 em melhores condições e tendo superado os problemas decorrentes do perverso legado do lulopetismo. A principal tarefa do governo será rearticular todas essas forças políticas em prol de uma agenda reformista, positiva e necessária ao Brasil. No caso do PPS, é importante ressaltar que o partido segue com uma posição de independência, mas plenamente integrado na transição e na luta pela votação das reformas e pela recuperação econômica do país.

Apesar de algumas pesquisas de opinião apontarem uma grande rejeição ao presidente, a sociedade desta vez não se manifestou de forma significativa nem foi às ruas – ao contrário do que se viu no impeachment de Dilma Rousseff, que registrou as maiores mobilizações da história democrática do país. Trata-se, evidentemente, de uma clara demonstração de que a parcela amplamente majoritária dos brasileiros repudia a atual oposição, capitaneada pelo PT e também formada por alguns de seus satélites, como o PCdoB e o PSOL. O povo, definitivamente, não encampou a bandeira do “Fora, Temer” empunhada por aqueles que, abusando da desfaçatez, se dizem contra a corrupção, mas apoiaram Lula e Dilma; ou falam supostamente em favor da democracia e defendem a ditadura venezuelana chefiada por Nicolás Maduro.

A população brasileira demonstrou, afinal, que não se esquece do descalabro dos últimos 13 anos: corrupção desenfreada e escândalos em série como o mensalão e o petrolão, a destruição quase completa da Petrobras, a maior recessão econômica da história do Brasil, com mais de 14 milhões de desempregados, entre outras mazelas. Diferentemente do que pregam os áulicos do lulopetismo, que constroem uma narrativa falaciosa, enviesada e desconectada da realidade, os brasileiros não desejam a volta de Lula e do PT ao poder. As eleições municipais de 2016 já haviam sinalizado de forma categórica que o país quer olhar para frente, seguir adiante com um novo governo e avançar em uma agenda virtuosa que nos traga desenvolvimento e crescimento econômico.

O cumprimento dessa pauta benfazeja é o norte a orientar os parlamentares e partidos que têm a exata dimensão da importância de não desperdiçarmos a chance de tirar o país da crise. Já o reconduzimos de volta aos trilhos depois do desmantelo lulopetista. Agora é preciso acelerar e consolidar a retomada da economia.

 


Base aliada de Temer encolhe 40% depois da delação da JBS

O presidente Michel Temer conta hoje na Câmara dos Deputados com uma base de apoio real de cerca de 260 deputados, o que representa uma queda de quase 40% em relação ao que ele tinha nos primeiros meses deste ano, antes de vir à tona a delação da JBS.

Até o escândalo, que resultou em uma denúncia sob acusação de corrupção passiva contra o peemedebista, a sua base contava com 20 partidos que, juntos, têm 416 dos 513 deputados federais.

Entre a divulgação da gravação da conversa de Joesley Batista com o presidente e a votação da denúncia pela Câmara na quarta-feira (2), quatro partidos anunciaram o desembarque do governo: PSB, Podemos, PPS e PHS.

Na sessão de quarta que barrou a tramitação da denúncia, 89 deputados de partidos governistas votaram contra Temer, em um sinal de que dificilmente continuam seguindo as orientações do Palácio do Planalto.

Com isso, a base real de Temer hoje soma 261 deputados, apenas 4 a mais do que a maioria absoluta das cadeiras da Casa (257). Esse é um número apertado inclusive para a aprovação de simples requerimentos e projetos, tendo em vista que dificilmente as sessões da Câmara contam com quorum completo.

Para aprovação de emendas à Constituição, que é o caso da reforma da Previdência, são necessários 308 votos, 47 a mais do que a base real hoje do presidente.

VARIÁVEIS
Há alguns fatores que tornam volátil essa base, tanto para cima quanto para baixo.

Na votação de projetos de interesse do governo, é preciso levar em conta o tema e outros fatores não necessariamente ligados ao fato de o deputado ser do governo ou de oposição.

Na reforma da Previdência, por exemplo, deputados do PSDB que votaram a favor da denúncia contra Temer tendem a apoiá-lo. Por outro lado, integrantes do "centrão" (siglas pequenas e médias) que apoiaram Temer são claramente contrários à reforma.

Além disso, na votação de quarta-feira, o governo prometeu verbas, cargos e outras benesses da máquina federal para obter votos. A frustração de algumas dessas promessas pode resultar em perda de apoio a projetos e à votação da provável nova denúncia a ser apresentada pela Procuradoria-Geral da República.

O "centrão", por exemplo, quer ministérios e cargos do PSDB, mas Temer reluta em desalojar os tucanos, apesar do alto índice de infidelidade na votação da denúncia.

O presidente tem apoiadores em legendas de oposição, principalmente no PSB (11 de uma bancada de 35), mas a sua base real hoje também mostra fragilidade e potencial de novas dissidências. Onze ministros reassumiram os mandatos para votar a favor de Temer. Ao regressar à Esplanada, voltam os suplentes, que tendem a votar contra o Planalto.

DISSIDENTES
O mapa da votação desta quarta mostra que, excluídos os nanicos, os principais percentuais de infidelidade na base de Temer ficaram com o PV (57%), que tem o Ministério do Meio Ambiente, o PSDB (47%), que tem quatro ministérios, entre eles o da articulação política, o Solidariedade (43%), o PSC (40%), do líder do governo no Congresso, André Moura (SE), e o PSD (37%), que tem o Ministério das Comunicações.

Os mais fiéis, proporcionalmente, foram o PMDB de Temer (10% de votos a favor da denúncia), o PTB (11%), que controla o Ministério do Trabalho, e o PP (15%), que tem Saúde e Agricultura.

No início das negociações de bastidor para barrar a denúncia, os articuladores do Planalto esperavam obter cerca de 300 votos, o que seria uma demonstração de fôlego para aprovar medidas importantes no Congresso e continuar a governar.

Tempos depois, a projeção desceu a 280 e, em seguida, a 260. Um placar de 200 apoiadores barraria a denúncia, mas seria visto como senha de que as condições de governabilidade haviam se exaurido.

Ranier Bragon | Folha de S. Paulo

 


Democracia X Totalitarismo: realidades distintas para LGBTs

Estados totalitários definitivamente não são bons para quem é LGBT. Apoiá-los representa um duro golpe contra os princípios mais caros que se pode ter no campo político. A esquerda, que evoluiu após uma importante participação na história, realinhou-se ao redor do globo em um modelo fundado na luta democrática pelo poder. Democracia, nesse sentido, representa o compromisso com a vontade popular, mas também com os direitos das minorias.

O espaço democrático constitui uma possibilidade real de se fazer valer direitos essenciais para a população LGBT. Aliás, a única possibilidade. O totalitarismo tende a ser esmagador a qualquer forma de expressão das minorias. Por isso, defender esse espaço e rechaçar quaisquer tipos de apoios a regimes autoritários, não obstante a eventuais afinidades ideológicas, deve representar uma prioridade máxima para qualquer partido, sobretudo para a esquerda que, a exemplo do nosso período ditatorial brasileiro, conhece a perseguição e a censura.

Em uma retrospectiva histórica, faz sentido evidenciar que Lênin, Fidel Castro, dentre tantos outros revolucionários, consideravam a homossexualidade um desvio burguês, uma anormalidade, que deveria ser combatida inclusive mediante coerção estatal. Trata-se de um corpo ideológico e perigoso para preconceitos internalizados culturalmente. Perseguições, demissões, deportações, castrações e, até mesmo, execuções não eram raras para a população LGBT nas antigas repúblicas socialistas. Campos de trabalhos forçados também eram política de Estado que, não diferente dos horrores nazistas, eram usados de modo a “readequar” esses indivíduos para o padrão valorizado à época.

No recorte contemporâneo, episódios como a ratificação do apoio do PT, do PC do B e do PSOL ao regime de exceção de Nicolás Maduro são execráveis e demonstram uma profunda incoerência de grande parte da esquerda brasileira. Os partidos citados, por exemplo, se posicionam como defensores da população LGBT, mas traem profundamente suas bases ao apoiarem um líder que em mais de uma ocasião proferiu ofensas homofóbicas a seus opositores em um dos países que mais persegue LGBTs no mundo.

No campo do casamento igualitário, as democracias liberais — não sem luta — foram as mais bem-sucedidas em garantir e expandir esse direito à população LGBT. Atualmente, o casamento entre pessoas do mesmo sexo é permitido em 24 países em um processo que se iniciou em 2001 com a vanguarda dos Países Baixos. Pode parecer pouco, mas a legalização, na maior parte desses países, ocorreu após 2010, o que representa uma tendência positiva no âmbito dos direitos das minorias.

Em contrapartida, países com antecedentes comunistas, ainda que não proíbam expressamente a homossexualidade, tendem a ser mais homofóbicos e menos abertos a diversidade. Em 2012, promulgou-se, na Rússia, uma lei que proíbe as paradas LGBTs pelos próximos 100 anos e mais da metade da população, segundo pesquisa do instituto Vtsiom, acredita que a homossexualidade deveria ser punida.

No PPS há o entendimento de que o socialismo revolucionário foi corretamente derrotado pela história. Os erros passados da esquerda se mostraram claros no sentido de indicarem a necessidade de uma mudança para um modelo ideológico que valorizasse a tolerância, o humanismo e o diálogo como a forma mais efetiva de se alcançar uma sociedade verdadeiramente justa e plural.

Bruno Couto - Coordenador Estadual do PPS Diversidade (RJ) e Romeu Tavares - PPS Diversidade (São Gonçalo)


Seminário Internacional: “Desafios políticos de um mundo em intensa transformação”

André Amado

Nas crises, uma das primeiras vítimas é a capacidade de encarar o futuro com esperança e otimismo. Em parte, porque não entendemos o que está acontecendo a nosso redor. Presenciamos perplexos a fragilização de conceitos tradicionais de classe, partido e religião no âmbito da chamada prosperidade econômica que, a reboque da globalização e do avanço tecnológico, aumentou não só as diferenças entre ricos e pobres, mas também o número de desempregados, além de provocar deslocamento de populações, flageladas pela nova ordem econômica.

Não surpreende – mas preocupa – a recrudescência de rancores, ódios, intolerância e xenofobia, sentimentos que envenenam as relações entre pessoas, povos e países. Assustam, também, as propostas de solução que se embriagam de simplificações, como se a sobrevivência de uns pudesse compensar as provações dos outros. É a hora dos extremismos, do fundamentalismo, visões caolhas do mundo que conspiram contra um dos pilares da civilização moderna, a democracia.

É em momentos como este que se escrevem as grandes páginas da história. Seja pelas mãos de lideranças políticas, seja pelo vigor de movimentos sociais, seja pelo conluio de ambos atores, de todo comprometidos com a construção do futuro, a tarefa a cumprir implica combater os impulsos alimentados pelos sectarismos e, ao mesmo tempo, favorecer o primado da razão, do poder iluminante das ideias, da reflexão livre de verdades prontas e capaz de desmontar preconceitos e inibir exclusões, na busca de caminhos alternativos e consensuais de saída da crise.

Ninguém questiona a extensão e a complexidade da crise que vem assolando o Brasil nos últimos tempos. Resolvê-la só pelo viés do jogo político ou pelo arsenal de respostas dos economistas poderá ser tão efetivo quanto evitar as guerras com propostas militares de paz.

O Deputado Roberto Freire (PPS-SP) propôs e o Senador José Anibal (PSBD-SP) aceitou a convocação de um seminário em que se discutissem os desafios políticos que tanta desestabilização tem provocado nesse começo do terceiro milênio.

O patrocínio da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e do Instituto Teotônio Vilela (ITV), centros de estudo e formação política ligados ao Partido Popular Socialista (PPS) e ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), respectivamente, de forma alguma antecipa tratamento político-partidário dos temas. Apenas identifica os promotores originais da iniciativa que, para legitimar-se – estabeleceu-se desde o início – teria de congregar personalidades do universo político, acadêmico e jornalístico do Brasil e do mundo e buscar lançar alguma luz sobre os temas de interesse comum da sociedade.

A lista dos participantes e a definição das mesas de trabalho, que reproduzo a seguir, revelam a importância atribuída pelos organizadores ao atendimento dos objetivos do evento.

As mesas serão:

- A crise de representação política e o futuro da democracia;

- A globalização e a mudança da estrutura das sociedades;

- A revolução tecnológica e o mundo do trabalho; e

- Mãos Limpas e Lava Jato, relações de força e limites.

Para discutir esses temas, que decerto eriçam as preocupações de uma grande maioria, convidaram-se, do exterior, Adrian Wooldridge (co-autor de A Quarta Revolução), Alessandro Ferrara (filósofo, Roma2, Tor Vergata), Gianni Barbacetto (co-autor de Operação Mãos Limpas), Mario Albuquerque (sociólogo e consultor, Chile), Mauro Magatti (sociólogo, UC de Milão, Itália) e Stefan Foster (co-autor de Riqueza Pública das Nações).

Os participantes brasileiros serão Caetano Araújo (sociólogo, Senado Federal), Carlos H. Britto Cruz (físico, UNICAMP e FAPESP), Cristovam Buarque, Demétrio Magnoli (sociólogo, membro do GACINT-USP), Dora Kaufman (socióloga e pesquisadora, ATOPOS USP e TIDD PUC/SP), Fernando Henrique Cardoso, José Álvaro Moisés (Professor Titular do Departamento de Ciência Política da USP), José Anibal Marcelo Moscogliati (Subprocurador-Geral da República), Marco Aurelio Nogueira (cientista político, UNESP), Marcus Melo (cientista político, UFPE), Oscar Vilhena (Diretor da Faculdade de Direito, FGV), Roberto Freire, Rodrigo Chemim (Procurador criminal, Paraná) e Sergio Fausto (sociólogo, Fundação Fernando Henrique Cardoso),

 

André Amado é secretário Executivo do Seminário Internacional “Desafios políticos de um mundo em intensa transformação”.


Refundar a Esquerda Democrática

Depois de fundada pelo Partidão na década de 20, aprofundada pelo Partido dos Trabalhadores na década de 80, infundada pela clonagem de legendas com o mesmo DNA petista nas décadas de 90 e 2000, e finalmente afundada pelos chamados governos de coalizão (feat corrupção) de Lula e Dilma, parece ter chegado a hora de refundar a esquerda brasileira com os sobreviventes deste período paleolítico e potenciais agregados, como jovens ativistas, sustentabilistas, sociais-democratas e hackers da nova política.

Não que seja tarefa simples, a começar pela definição do que é ser de esquerda ou de direita hoje. Diante da complexidade do mundo atual, o binarismo idelológico se torna cada vez mais obsoleto, extemporâneo e inconclusivo. Isto se já não bastasse, além do fracasso do socialismo no mundo, o PT ter enxovalhado esse conceito teórico sem nunca ter executado minimamente um programa de esquerda - vide os exemplos petistas em administrações municipais, estaduais e no governo federal.

As experiências mais próximas vivenciadas pelo Brasil com o que se convencionou chamar de esquerda não passaram de discursos oposicionistas e, no governo, de flertes esporádicos: com o trabalhismo populista de Getúlio Vargas, a brevidade de Jango entre o parlamentarismo oportunista e o golpe de 64, e posteriormente com os acenos à social-democracia de FHC e Lula, sendo o tucano - que surfava na onda do Real - prejudicado pelo casamento arranjado com o PFL e por episódios como a compra de votos para a reeleição; e o petista, apesar do sucesso de políticas compensatórias e ações de combate à miséria, por ter se rendido a tudo aquilo que o PT prometia enfrentar desde a sua criação.

Fato é que chegamos a esta crise sem precedentes - o que leva a população a condenar genericamente, não sem razão, a política e os políticos, mas sobretudo a esquerda, cujas ideias jamais foram implementadas por aqui. Eis o desafio de quem ainda busca vida inteligente na terra arrasada da democracia representativa brasileira, com algum viés esquerdista: a opção pela redução das desigualdades, pela justiça social, pela cidadania plena, pela distribuição de renda, pela promoção da cultura da paz, pelo papel regulador do Estado e até pela manutenção da utopia - características que em geral a direita despreza.

É neste contexto, por exemplo, que o filósofo Ruy Fausto apresenta o livro "Caminhos da Esquerda" - que a grande imprensa tem debatido - e que outros grupos vem se reunindo para tentar ir além do debate político partidarizado, polarizado, raivoso e estéril, dispostos a encontrar alguma luz no fim do túnel para transportar os ideólogos da esquerda democrática da atual arena visceral para um campo vicejante.

Se é desalentador um cenário em que as primeiras sondagens para 2018 apontem a força crescente de um Bolsonaro à direita ou a teimosa e renitente popularidade de Lula quase como um novo Macunaíma, o herói sem caráter da esquerda preguiçosa, também é verdade que chegou o momento de agir com firmeza e efetividade para construir uma alternativa melhor.

A luz que o eleitorado busca não pode ser, à esquerda, o fogo-fátuo da decomposição petista, nem o farol da direita bolsonarista que se apresenta como trem-bala mas não passa de maria fumaça. Para repor a esquerda nos trilhos, também parece pouco adequado depositar esperanças nos maquinistas de trem-fantasma Guilherme Boulos e Ciro Gomes, que se lançam com ações e pensamentos descarrilados.

Exercícios de futurologia à parte, o mais provável é que o próximo eleito seja um nome do atual sistema - até porque a necessária reforma político-partidária não deve avançar muito além dos limites protecionistas e do instinto de sobrevivência dos atuais congressistas. Alguém tarimbado e de perfil mais próximo do centro, evitando as saídas mais extremistas, é o que se busca na maioria dos partidos.

A centro-direita busca uma peça confiável na plataforma mais tradicional (Geraldo Alckmin, Rodrigo Maia ou Henrique Meirelles, por exemplo) ou reconfigurada (João Doria). A centro-esquerda não descarta um movimento de código aberto (lança balões de ensaio como Joaquim Barbosa e busca outras figuras do meio jurídico para a vaga de vice), mas deve mesmo optar por algum relançamento: Marina Silva, Eduardo Jorge, Fernando Gabeira, Cristovam Buarque e até Fernando Haddad são nomes sempre bem cotados.

Outra opção seriam os outsiders da política, salvadores da pátria que surgem como astros com luz própria e acabam quase sempre com o brilho efêmero de um vaga-lume. Historicamente podem se dar bem com um banho de marketing "collorido", como ocorreu em 1989 com o fictício caçador de marajás que se tornou presidente do Brasil. Mas o fim dos aventureiros costuma ser trágico e a eleição presidencial não pode servir como startup de malucos. Por isso é hora de reinstalar o sistema da esquerda democrática, eliminando os bugs da velha política.


FAP auxilia na construção do manual do XIX Congresso Nacional do PPS

A FAP terá “o grande papel no processo de levar o debate para intelectualidade que está fora do partido”

Germano Martiniano

A Fundação Astrojildo Pereira (FAP) auxiliou na construção da proposta de resolução políticado XIX Congresso Nacional do PPS, que será realizado em dezembro. Por meio de seu dirigente, Caetano Ernesto Pereira de Araújo, sociólogo, que foi indicado pela Executiva do PPS para ser o relator do documento político, foram produzidos alguns textos, que foram discutidos e reformulados até se chegar ao texto principal de debate do Congresso: Garantir a transição e avançar nas reformas.

A proposta de resolução política, dentro contexto do governo de transição e de avanço nas reformas, irá discutir os temas, Globalização e antiglobalização; Mudanças no mundo do trabalho, Mudanças no mundo da política; Da euforia à crise: o trajeto brasileiro os últimos anos; e por fim o papel da Mulher na política. De acordo com Caetano, estes temas foram escolhidos “a partir dos debates recentes do partido” e FAP terá “o grande papel no processo de levar o debate para intelectualidade que está fora do partido”.

“O objetivo do texto é estimular o debate. Nele será votada uma resolução política elaborada com base na discussão que existir. A resolução não será o texto de abertura. Nesse texto discutimos a situação internacional e nacional. Possivelmente a resolução política vai ter como centro a discussão nacional”, disse Caetano.

Indo de encontro com o que disse o dirigente da FAP, o então presidente do partido em exercício, Davi Zaia, afirmou que o objetivo é construir uma resolução no Congresso que aponte os rumos da atuação partidária e estabeleça propostas para o futuro do País.

“Na última reunião do Diretório Nacional [em março] aprovamos as normas congressuais e o texto base, mas como recebemos várias sugestões de mudanças, o Secretariado ficou encarregado de compatibilizar as sugestões e oferecer um texto final para o início das discussões. Agora estamos disponibilizando o documento a todos os filiados para com isso permitir que os Diretórios Municipais e Estaduais possam aprofundar esse debate nos congressos e daí construir, até dezembro, no encontro nacional, uma resolução que aponte rumos para a atuação do PPS nos próximos anos e formular uma proposta visando o futuro do País”, acrescentou Zaia.

Congresso
O XIX Congresso Nacional será realizado nos dias 8, 9 e 10 de dezembro em local ainda a ser definido, conforme as “regras gerais”, aprovadas em abril pelo Diretório Nacional. Já os encontros municipais ocorrerão entre os dias 1º de junho e 30 de setembro, enquanto que os estaduais iniciam em 1º de outubro e se encerram em 30 de novembro.

Os Diretórios Estaduais ficarão responsáveis pela definição das regras gerais dos congressos em suas áreas de abrangência e devem preservar o que determina as normas estabelecidas na Resolução Orgânica 01/2017. Elas deverão ser aprovadas em ata para afastar dúvidas sobres às decisões das etapas do Congresso Nacional.

Além disso, a resolução estabelece como serão definidos os participantes nas instâncias municipais, estaduais e nacional do congresso, assim como o número de delegados e o direito a “voz e voto” em cada etapa.

Confira, aqui, o documento do XIX Congresso Nacional. 

Manual do Congresso:
http://www.pps.org.br/wp-content/uploads/2017/06/Manual-para-o-19-congresso-nacional-do-PPS.pdf

Fonte:
http://www.pps.org.br/2017/06/21/veja-o-manual-e-os-documentos-do-xix-congresso-nacional-do-pps-que-vai-ser-realizado-em-dezembro/


Garantir a transição e avançar nas reformas 

Documento de Abertura das Discussões do XIX Congresso Nacional do PPS tem como tema “Garantir a transição e avançar nas reformas”. O texto, que será debatido nos congressos municipais, estaduais e nacional, aborda questões como a globalização, as mudanças no mundo do trabalho e da política e estabelece a formulação do programa partidário 2017/2018.

 

I - Globalização e antiglobalização

1  –  Afirma-se  no  cenário  internacional  recente  uma  nova  e  preocupante configuração: ganha expressão política nos países desenvolvidos o movimento  de  contestação  aberta  ao  processo  de  globalização,  ao  lado  de  ações  de resistência  e recusa de suas consequências indesejadas, particularmente no que se refere ao investimento e ao emprego. Os maiores exemplos dessa  inflexão,  até  o  momento, são  a  retirada  do Reino Unido da  União  Europeia  e  a  vitória eleitoral de Donald Trump nos Estados Unidos.

2   –   Essas    movimentações retiram sua   força do descontentamento, da insegurança, do ressentimento  e  da desesperança de grandes massas de trabalhadores de indústrias tradicionais  alijados  do  emprego  ao  longo  das  últimas décadas por força, de um lado, do avanço tecnológico na robótica e na informática e, de outro lado, da competição com as fábricas exportadas para os  países  periféricos.  Sua  vitória  no  país  hegemônico  em  termos  econômicos  e  militares, ao lado de seu avanço nos países europeus, abre a porta para cenários  sombrios, de incerteza e risco para os avanços recentes ocorridos no mundo, em  termos de avanço da democracia e redução da pobreza.

3 – A maior parte do protagonismo político neste novo cenário se concentra em lideranças,  partidos  e  programas  nacionalistas  e  conservadores,  situados  à direita  do  espectro  político.  No  entanto,  há  setores  importantes  da  esquerda europeia  e  norte-americana,  inclusive  das  esquerdas  novas,  desvinculadas  dos  partidos tradicionais, que partilham com a nova direita conservadora a nostalgia  da  época  em  que  os  conflitos  de  classe  estavam  circunscritos  aos  Estados  nacionais  e  podiam  ser  equacionados  no  interior  de  seus  limites.  Há  uma esquerda  estatista  e  nacionalista,  para  a  qual  a  globalização  é  apenas  o  novo  nome  do  imperialismo  e  o  retorno  ao  passado  não  apenas  é  possível  como  desejável.

4  –  Nesse  quadro,  o  PPS  reafirma  seu  entendimento  histórico  a  respeito  do processo  de  globalização.  Trata-se  de  um  processo  objetivo,  decorrente  da  revolução  científica  e  tecnológica  que  vivemos  há  décadas.  No  entanto,  suas  consequências econômicas e sociais não estão pré-determinadas, mas dependem de embates e acordos políticos, que refletem interesses e motivações diferentes e  opostas.  A  emergência  da  China  como  potência  econômica  mundial,  o crescimento da Coreia, da Índia e, mais recentemente, do Vietnam, da Indonésia e das Filipinas, com a  consequente  retirada  de milhões de pessoas da miséria, foram a contrapartida do declínio da indústria nos Estados Unidos e na Europa. A revolução na informação deu ao capital uma mobilidade inédita na história,  concomitante à redução dos poderes dos Estados nacionais sobre a sua agenda.  A  inserção  dos  diversos  países  nesse  fluxo  móvel  de  capitais  passou  a  ser  condição necessária a seu sucesso econômico e, consequentemente, cresceram  os custos econômicos e sociais da autarquia e do isolamento.

3  –  No   médio   prazo,   portanto,   políticas   de   fechamento   econômico,   que consideram o comércio em particular e as relações internacionais de forma geral  como um jogo de soma zero estão fadadas ao fracasso. Conforme a experiência  recente,  tais  processos  autárquicos  submetem  as  populações  a  um  processo progressivo  de  pauperização  e  afastam  os  países  que  as  adotam  do  centro  da  inovação  científica  e  tecnológica  no  mundo.  Em  condições  de  normalidade  democrática, não seriam eleitoralmente sustentáveis.

4  –  No  entanto,   consequências  eleitorais  resultantes  de  situações  de  alta  complexidade        são    de   difícil   previsão.     Já   é   perceptível     o   aumento      do  chauvinismo   e   da   xenofobia  na   Europa   e   nos   Estados   Unidos,   aumento  relacionado  ao  crescimento  político  de  candidatos  que  sustentam  a  agenda  isolacionista. O belicismo  segue o mesmo caminho, acolhido com destaque no programa do  governo Trump.  Cruzar a fronteira da democracia na direção de  saídas autoritárias é, portanto, uma possibilidade real para a direita nacionalista e conservadora, na Europa e nos Estados Unidos.

5  –  A  inviabilidade  dessa  estratégia,  no  entanto,  mesmo  no  curto  prazo,  é  evidente. Nenhum dos grandes problemas atuais pode ser resolvido apenas com  o esforço dos Estados nacionais no interior de suas fronteiras.  A globalização  acentuou os nexos de interdependência entre Estados e sociedades ao redor do mundo.  Todos dependem para sua resolução  de cooperação internacional, com  destaque   para   a   regulação   do   comércio   mundial;   o   combate   ao   crime,  particularmente no que se refere ao tráfico de pessoas, armas  e drogas, além da  lavagem   de   dinheiro;   a   proteção   dos   direitos   humanos;   assim   como   o desenvolvimento  científico  e  tecnológico. É  esse  também,  principalmente,  o  caso do  enfrentamento  dos problemas  ambientais e de sua prevenção  e,  nesse rumo,  a  pactuação  de  uma  transição  para  uma  economia  com  baixo  teor  de  carbono.  Afinal,  os  mecanismos  de  deterioração  do  meio  ambiente  nunca  respeitaram as fronteiras nacionais.

6  –  O  mesmo  ocorre  com  as  novas  questões,  que  o  desenvolvimento  do processo  de  globalização leva  ao  centro da  agenda internacional. A  regulação  pactuada da mobilidade de capitais; a intensificação dos fluxos migratórios, seja  à procura de trabalho, seja em razão da guerra, doença ou fome nos países de  origem;  a  expansão  do  terrorismo  islâmico;  e  as  ameaças  à  paz  mundial  que resultam  dessa  conjuntura,  como  a  guerra  na  Síria,  a  escalada  de  tensões  na península  coreana  e  a  aliança  russo-norte-americana  que  se  configura  após  a eleição de Trump; todas essas questões  exigem, para seu eficaz enfrentamento, não  a ameaça recíproca de intervenção militar, mas a abertura permanente para  a negociação.

7 – Nessa perspectiva, resulta claro que no processo de globalização, interesses  e valores entram em choque, choques que estão na raiz dos conflitos políticos e  militares  que  vivemos.  No  entanto,  o  avanço  recente  de  posições  políticas belicistas  na Europa e nos Estados Unidos  constitui um fator agravante dessas tensões, que eleva o risco de um desfecho militar das diversas crises e constitui,  por si, nova ameaça à paz mundial.

8 –  Por tudo isso o PPS  mantém sua crítica à política externa de corte terceiro mundista, em favor de uma política alternativa, em prol da retirada de barreiras  ao comércio internacional e da integração cada vez maior, econômica, social e  cultural,  entre  os  países.  Uma  política,  portanto,  de  combate  ferrenho  ao  chauvinismo, ao belicismo, à xenofobia e ao isolamento nacional. Uma política  que  tenha  como  norte  o  fortalecimento  e  a democratização  dos  organismos internacionais, a resistência ao hegemonismo das grandes potências e o avanço  das políticas de integração regional.


II - As mudanças no mundo do trabalho

9 –  A dinâmica do desenvolvimento científico e tecnológico, contudo, guarda  autonomia       em     relação     aos    conflitos    políticos     nacionais      em    torno     das  consequências  do  processo  de  globalização.  O  ritmo  da  inovação  prossegue  acelerado  e  acumula  impactos  profundos,  e  por  vezes  devastadores,  sobre  a  organização do mundo do trabalho.

10   –   Categorias   inteiras   de   trabalhadores   são   substituídas   por   máquinas;  dissemina-se o uso de impressoras em 3D, cada vez mais baratas e eficientes,  para  a  produção de  objetos  de  todo  tipo;  a  disponibilidade  de  informação  em  tempo  real  permite  a  comercialização  de  frações  de  uso  de  veículos  de  transporte e de residências, como  ocorre com o Uber e a Airbnb. O trabalho se  fragmenta: em vez de vínculos permanentes com uma empresa, mediados por contratos, para a realização de um só tipo de atividade, padrão que está na base  dos sistemas sindicais e previdenciários atuais, uma nova situação tende a ser  mais frequente: a multiplicidade de trabalhos temporários simultâneos.

11 –  A condição de trabalhador autônomo tem  mais afinidade com esse novo  mundo que o ideal do passado recente de uma só atividade, um só contrato, com  apenas uma empresa, do começo ao fim da vida produtiva. No entanto, é preciso  reformar      a  legislação      trabalhista,    a   representação       sindical     e  o   sistema  previdenciário para  incorporar  os novos  tipos de  trabalhador  que  surgem  e  se  disseminam.

12  –  Fragmentação  e  descontinuidade  do  trabalho  caminham  ao  lado  de tendências opostas no campo da educação. A nova situação demanda cada vez  mais     uma     educação      permanente.       A    maior     parte    das    profissões      atuais  desaparecerá  em  alguns  anos,  de  modo  que  as  pessoas  devem  ser  preparadas  para    aprender      a   realizar     diferentes     atividades.      Um     conteúdo   torna-se fundamental: a capacidade de aprender –  e essa capacidade deve ser exercitada  ao longo da vida inteira.

 

III - Mudanças no mundo da política

13  –  Também  o  mundo  da  política  sofre  o  impacto  da  globalização  e  da disponibilidade        irrestrita    de    informação       em     tempo      real.    A    primeira  consequência  observada  foi  a  mudança  significativa  do  mapa  das  posições políticas nos países democráticos.

14 – No decorrer do século XX, a tendência nesses países foi de  simplificação  das posições políticas relevantes. Na direita, houve um processo de fusão entre  os  partidos  liberal  e  conservador.  Na  esquerda,  o  modelo  socialdemocrata  tornou-se dominante.

15  –  A  partir  dos  anos  1970,  contudo,  o  campo  das  posições  políticas  foi  alterado pela necessidade de posicionamento, à esquerda e à direita, perante o processo   de   globalização.   O   campo   da   direita   dividiu-se   entre   liberais  extremados e conservadores nacionalistas. No campo da esquerda, aprofundou-se  a  divisão  entre  cosmopolitas,  herdeiros  das  tradições  internacionalistas,  e  nacionalistas.

16 -  Ou seja, os eixos esquerda/direita e nacionalismo/cosmopolitismo dividem  o  mapa  da  política  dos  países  democráticos  em  quatro  quadrantes.  Nesses  países, na operação da política, as alianças se formam  alternadamente segundo  um      ou    outro      critério.    Em      certos      momentos,        predomina        o     eixo  cosmopolitismo/nacionalismo;  e  vemos  governos  inteiramente  cosmopolitas,  como      o   da    Alemanha       dos    últimos      anos,    que    reúne     conservadores        e  socialdemocratas;  ou  governos  que  representam  alianças  entre  a  esquerda  e  a  direita nacionalistas, como o primeiro governo do Syriza, na Grécia. Em outros,  predomina o eixo esquerda direita, e vemos governos de partidos ou coalizões  que  reúnem  liberais  e  nacionalistas,  como  o  governo  conservador  britânico,  enquanto a “Geringonça” portuguesa, que governa desde o final de 2016, resulta  de um acordo de todo o campo da esquerda.

17  –  A segunda  consequência do  processo  de  globalização na  política incidiu  sobre a forma da representação política, pondo em cheque o modo de operação  tradicional dos partidos políticos.  O acesso de massas à informação tem sido a  condição  das  enormes  manifestações  que  se  sucedem  neste  século.  Houve  a  primavera  árabe,  o  movimento  dos  indignados  na  Espanha,  o  “ocupar  Wall  Street” americano, para mencionar alguns dos mais importantes. Democracia foi  a  reivindicação  fundamental  dessas  manifestações.  A  implantação  de  regras  democráticas  onde  estas  não  existiam  e  o  aperfeiçoamento  da  representação  onde já havia democracia. O fato é que a condição da mobilização é a operação  das  redes  sociais,  de  modo,  que  movimentos  desse  porte  se  tornaram  uma  possibilidade permanente.

18  –  Nos países democráticos a agenda passa, portanto, pelo aperfeiçoamento  da  representação. Mesmo  quando os movimentos não  resultam  no  surgimento de    novos     partidos,     demanda-se        a   prestação     de    contas     permanente       de  representantes   para   seus   representados   e   a   democratização   das   estruturas  partidárias, com propostas como  a adoção de mandatos “coletivos”, a proibição  de  reeleição  para  qualquer  cargo  e,  até  mesmo,  o  uso  do  sorteio  parar  o  preenchimento de certas posições.

IV – Da euforia à crise: o trajeto brasileiro nos últimos anos

19 – Durante a vigência da Carta de 1988 dois projetos alternativos de esquerda  ganharam corpo no Brasil. O primeiro, parcialmente implementado no governo  de  Fernando  Henrique  Cardoso,  pode  ser  chamado  de  projeto  reformista.  Podemos chamar o segundo, implementado a partir do final do governo Lula e  nos dois mandatos de Dilma Rousseff, de projeto compensatório.

18 – O projeto reformista parte de uma premissa simples: o Estado brasileiro foi  formatado,   ao       longo    de    sua   história,    para    a   preservação,   por      ação     e  principalmente  por  omissão,  dos  privilégios  dos  grupos  dominantes.  Ao  se  aceitar  a  democracia  como  único  caminho  possível  e  desejável  de  mudança,  superar  tais  privilégios  passou  a  significar  reformatar  o  Estado,  de  forma  a  inverter o sentido de sua ação. Daí a necessidade de diferentes reformas, cujo  conjunto foi chamado pelo PPS de “reforma democrática do Estado”.

19 – O projeto compensatório, por sua vez, considera fundamental a construção  de  um  pacto, com a  participação  do  Estado, empresários  e  representantes dos trabalhadores e dos movimentos sociais. Conforme esse pacto, o Estado tomaria  as  providências  necessárias  para  garantir  o  lucro  dos  empresários  e  caberia  a estes   a   responsabilidade   pelo   investimento,   o   emprego   e   o   salário.   Os  trabalhadores excluídos do sistema teriam acesso a uma rede de compensações e  benefícios diversos garantidos pelo governo.

20   –   O   modelo   compensatório,   justificado   com   argumentos   da   tradição  keynesiana  e  cepalina,  tem  como  premissa  a  capacidade  quase  ilimitada  de  intervenção do Estado, como investidor e como indutor do investimento privado  e como inspiração a era de ouro do Estado de Bem-estar social europeu, durante  a  qual  um  pacto  semelhante  teve  sucesso.  Desconsidera,  no  entanto,  a  crise  desse modelo na Europa, desde pelo menos a  década de 1970, em decorrência  da sua crise fiscal e, posteriormente, das consequências da globalização. Desde  então, os governos perderam progressivamente as condições de garantir o lucro  das  empresas;  as  empresas,  por  sua  vez,  não  puderam  mais  garantir  uma  tendência de crescimento do emprego e do salário; e a rede de segurança passou  a enfrentar problemas crescentes de financiamento e gestão.

21  –  Cumpre lembrar que o PT, embora crítico duro do governo de Fernando  Henrique  Cardoso,  havia,  aparentemente,  alterado  sua  posição  a  partir  da  campanha  eleitoral  de  2002.  Aceitou  o  Plano  Real,  comprometeu-se  com  a manutenção da estabilidade econômica, calou-se sobre as privatizações e, uma  vez  no  governo,  iniciou  uma  política  de  reformas,  com  apoio  do  PPS,  no  governo, e do PSDB, na oposição.

22  –   Cedo,   no   entanto,   abandonou   o   caminho   das   reformas.   Em   2004,  pressionado  por  seus  aliados  conservadores,  abortou  a  proposta  de  reforma  política  que  havia  tramitado  até  então  com  seu  apoio,  pronta  para  entrar  em  pauta  no  plenário  da  Câmara  dos  Deputados.  Sustentado  nos  ganhos  obtidos  pelo governo anterior e por uma conjuntura externa favorável, abandonou, aos  poucos,  a  agenda  reformista  e,  após  a  crise  de  2008  iniciou  uma  inflexão  na  política  econômica,  assumida  por  completo  no  primeiro  mandato  de  Dilma  Rousseff sob o nome de “nova matriz econômica”.

23 – Hoje, é evidente o fracasso rotundo da nova matriz, assim como do projeto compensatório de  que  era  parte.  Vulnerável  ao  impacto  concomitante  de  uma  crise  ética,  uma  crise  econômica  e  uma  crise  política,  o  governo  Dilma  foi  abreviado  por  decisão  do  Congresso  Nacional,  segundo  rito  aprovado  pelo  Supremo Tribunal Federal.

24  –  Antes  da  análise  dessas  três  crises  e  do  processo  de  impeachment  delas  resultante, vale lembrar o primeiro  e mais sério revés  sofrido pelo governo: as  jornadas de junho de 2013. Naquele momento, as ruas foram tomadas por uma  sequência  de  manifestações,  as  mais  importantes  havidas  no  país  desde  a  campanha das  “Diretas Já”. Sua eclosão e sustentação foram inesperadas, pois  nada houve anteriormente que indicasse o grau de descontentamento que nelas  se  manifestou.  A  situação  econômica  já  comprometia  o  crescimento,  dando  alertas  de risco há algum tempo, mas os resultados desastrosos da nova matriz  não  haviam  ameaçado  ainda  o  emprego.  O  desemprego  era  baixo  e  a  renda  média dos trabalhadores mantinha-se mais elevada que nos anos anteriores. Do  ponto de vista ético, o lento desenrolar do processo do  Mensalão exacerbou a  insatisfação antiga e generalizada da população com o sistema político. Mesmo  assim,  do  ponto  de  vista  político,  apesar  das  rusgas  de  sempre,  a  coalizão  governamental parecia sólida.

25  –  No  entanto,  em  pouco  tempo,  manifestações  convocadas  em  torno  de  reivindicações       relacionadas       à   mobilidade      urbana      repetiram-se      com     um  comparecimento   cada   vez   maior   e   uma   pauta   de   reivindicações   também  crescente. O que demandavam os manifestantes? Em primeiro lugar, mobilidade  urbana,  depois  segurança  pública,  particularmente  contra  a  violência  policial, finalmente,  antes  de  serem  dissolvidas  pela  guerra  entre  policiais  militares  e partidários da ação direta, saúde e educação. Ironicamente, depois de 10 anos de  governos que se apresentavam como de esquerda, os cidadãos pediam a ação do  Estado.  Reclamavam  contra  a  ausência  do  Estado  como  planejador  urbano  e  como provedor e regulador  do fornecimento de serviços de segurança, saúde e  educação  à  população. Se  contarmos  o  repúdio  manifesto  ao sistema  político,  wua agenda poderia ser expressa nas palavras de ordem  de “reforma política”  e  “reforma democrática do estado”.

26  –  A  partir  de  20 13,  as  três  crises  mencionadas  se  intensificaram,  seu cronograma  e  andamento  foram  convergindo   e  suas  consequências  foram mutuamente  potencializadas.  A  vitória  eleitoral  de  2014  foi  uma  “vitória  de  Pirro”  e  o  seu  resultado  imediato  foi  convencer  os  eleitores  que  a  campanha  governista  havia  sido  deliberadamente  enganosa.  Logo  após  a  posse  e  os  primeiros atos do governo passou a ficar claro para uma extensa maioria que o  governo  estava  estabelecendo  um  rumo  oposto  ao  prometido  na  campanha. Paralelamente,  os  primeiros  resultados  da  operação  Lava-Jato  mostraram  o  funcionamento  de  um  sistema  de  corrupção  muito  mais  extenso,  complexo  e  duradouro       que    o   precedente       do   Mensalão.       Foi    o   suficiente     para    o  desencadeamento de uma campanha a favor do impeachment da presidente.

27 –  Paralelamente, a crise econômica ganhou intensidade. Os grandes grupos  empresariais do país, aliados do governo desde 2002, beneficiados com favores  governamentais        de    todo    tipo,   concedidos      de    forma    abundante,       embora  discricionária, mostravam preocupação. A crise não poderia chegar ao extremo  do  caos,  na  economia  e  na  ordem  pública.  Vocalizaram  para  o  governo  a  necessidade      de    uma     política   de    ajuste   fiscal,   de    modo     a   proceder     à  recomposição das contas públicas.  O governo tentou implementar essa política,  contra  a  oposição  permanente  de  grande  parte  de  sua  base  parlamentar.  No  momento  em  que  ficou  clara  a  incapacidade  de  o  governo  levar  a  cabo  essa  política, o chamado “PIB” brasileiro aderiu à tese do impeachment.

28 – Finalmente, a oposição empresarial ao governo encontrou eco no PMDB e  nos  partidos  conservadores  da  coalizão  governamental.  Na  esteira  de  um crescendo de desentendimentos uma aliança de doze anos foi desfeita. A partir  de então, a vitória do impeachment foi apenas uma questão de tempo.

29  –  O governo Temer assume, portanto, com um mandato claro: proceder ao  ajuste  fiscal,  implementar  as  reformas  necessárias  para  tal,  principalmente  a  reforma  da  previdência,  estancar  a  recessão  e  retomar  o  crescimento.  Essa  agenda  interessa  evidentemente  aos  empresários,  mas  interessa  também  aos  trabalhadores e às camadas mais pobres da população, que seriam claramente os  mais  prejudicados  com  a  continuidade  e  agravamento  da  crise .  Aprendemos,  desde o Plano Real, que estabilidade econômica é condição de qualquer política  de equidade. Tivemos no governo Dilma a prova reversa dessa afirmação: o fim  da  estabilidade  causa  aumento  da  pobreza  e  da  desigualdade.  Em  síntese,  a  agenda   Temer   tem   um   aspecto   progressista,   que   justifica   o   apoio   e   a  participação da esquerda e do PPS no seu governo.

30 – No entanto, os pontos de confluência não podem ser usados para mascarar as  fontes  de  conflito  no  interior  da  aliança  que  sustenta  o  governo.  Primeiro, aceitar uma política de ajuste fiscal implica reconhecer que o acesso ao dinheiro  público passa a ser um jogo de soma zero. Mais recursos com uma finalidade  implicam necessariamente menos recursos para outra. Não por acaso lideranças corporativas  do  meio  empresarial  manifestam-se  hoje  pela  manutenção  de  subsídios  diversos  pagos  com  recursos  públicos.  Em  que  pese  vários  setores  entenderem  essa  reivindicação  como  progressista,  ela  concorre  com  o  déficit  secular do Estado, que pesa sobre a grande maioria dos brasileiros mais pobres e  deve, em linhas gerais, ser recusada na perspectiva de um programa de governo  da esquerda reformista.

31  –  Além  disso,  a  questão  da  reforma  democrática  do  Estado,  que  levou  milhares  de  brasileiros  às  ruas  em  2013,  tende  a  ser  encarada  de  maneira limitada  pelo  governo.  Sua  principal  tarefa  é  a  restauração  da  estabilidade  econômica, de modo que toda reforma passa pelo crivo de sua contribuição para  esse objetivo. A reforma da previdência tem o seu foco na economia de recursos  públicos de modo a dar sustentabilidade ao sistema. Está correto, é um avanço, mas há mais a ser feito nessa área, na perspectiva de maximizar a equidade e a  sustentabilidade do sistema. A reforma tributária terá como centro o aumento da  arrecadação  e  talvez  a  simplificação  do  sistema.  Avançará,  no  entanto,  na  tributação  dos  dividendos,  das  grandes  fortunas,  na  substituição  do  caráter  regressivo      do   sistema     atual    por    um    outro    no    qual    os   ricos    paguem  proporcionalmente   mais   que   os   pobres?   Poderá   o   PMDB   e   os   partidos  conservadores  que  passaram  pelo  governo  do  PT  formular  uma  política  de planejamento  urbano  que  reduza  o  peso  do  transporte  individual  e  aumente  a  importância  do  transporte  coletivo?  Há  no  horizonte  do  governo  Temer  uma  política de segurança pública que reconheça a violência policial como parte do  problema? Sabemos que a resposta a essas e a outras perguntas análogas tende a  ser negativa.

32 –  O ciclo político que tem início com o impeachment de Dilma Rousseff  se  encerrará  com  as  eleições  de  2018.  Quais  são  os  cenários  previsíveis?  Em  termos econômicos, os dados indicam até o momento para o sucesso da política de recuperação. A expressiva queda da inflação, a tendência à queda nas taxas  de juros, a retomada, ainda tímida, do crescimento, apontam nessa direção. Se  tudo, inclusive a aprovação das reformas, ocorrer no cronograma esperado pelo  governo, os indicadores positivos poderão chegar até à reversão do quadro de  desemprego.       Nesse     caso    o  governo      terminaria     seu   mandato      com     algo  semelhante  a  um  Plano  Real  em  pequena  escala  nas  mãos.  Em  condições  do  século XX isso seria mais do que suficiente para eleger o novo presidente. Hoje,  contudo, o leque das demandas é mais complexo.

33 –  Se o quadro econômico aponta para um futuro cada vez menos incerto, o  oposto  ocorre  no  que  respeita  ao  quadro  político.  A  imprevisibilidade  reina nesse ponto. A qualquer momento, o governo Temer pode encontrar seu fim na  decisão  do  Supremo  Tribunal  Federal  sobre  irregularidades  cometidas  na  campanha. A operação Lava-Jato segue seu curso e não sabemos ainda quais os  nomes que serão atingidos nos próximos meses, nem se haverá tempo para sua  exclusão  do jogo eleitoral  ou  para  sua  reabilitação junto à opinião  pública.  O  fato é que ficam cada vez mais escassos os nomes de partidos e candidatos não  mencionados nos trabalhos da Lava-Jato. Não é possível prever ainda o impacto  eleitoral da divulgação dos resultados da Lava-Jato sobre os principais partidos.  Uma possibilidade real é a debacle eleitoral de todos os partidos mencionados,  como já ocorreu em parte com o PT nas eleições de 2016. O mesmo vale para todos os candidatos tradicionais dos maiores partidos.

34  –  Examinemos  o  quadro  eleitoral  à  luz  dos  quatro  quadrantes  da  política democrática no mundo globalizado. Vemos, em primeiro lugar, o surgimento de  uma candidatura até o momento competitiva, no campo da direita conservadora,  algo  inédito  na  vigência  da  Constituição  de  1988.  Bolsonaro  vocaliza  o  nacionalismo estatista, conectado com a política econômica do regime militar; o conservadorismo nos costumes; e o autoritarismo na política. Tudo em sintonia com seus similares europeus.

35  –  A  direita  liberal  no  Brasil,  embora  com  representantes  em  diversos  partidos,  tem  sido  historicamente  representada  pelos  Democratas  e  por  seu  antecessor, o PFL. Nas eleições presidenciais tem acompanhado as candidaturas  do  PSDB,  em  razão  da  aliança  desses  partidos  no  governo  de  Fernando  Henrique e na oposição aos governos de Lula e Dilma Roussef.  O PSDB, por  sua  vez,  representou  mais  claramente  essa  corrente  política  nos  momentos  do  seu percurso em que se afastou do lado  social das políticas sociais-liberais de  Fernando Henrique para restringir-se às propostas econômicas, principalmente  aquelas de ajuste e responsabilidade fiscais. É possível, portanto, que, mais uma  vez, um candidato do PSDB canalize o voto desse quadrante.

36 – Com as hesitações e, até certo ponto, a retirada do PSDB desde que se viu  na   oposição,   o   campo   da   esquerda   cosmopolita   está   pouco   povoado   no  momento.  Vimos  que  o  PT  ensaiou  por  um  breve  momento  reivindicar  o  protagonismo no seu interior. De forma semelhante, a  REDE, de Marina Silva, tenta abordar sua agenda pelo lado da sustentabilidade. No entanto, para parte importante  da  expressão  parlamentar  da  REDE,  sustentabilidade  é  apenas  um  adendo moderno a concepções de Estado, economia e política características da  esquerda tradicional. Assim como o PSDB transita entre os campos da esquerda  e da direita cosmopolitas, a REDE se locomove entre a esquerda nacionalista e estatista  e  um  campo  de  esquerda  cosmopolita,  centrado  na  sociedade  civil.  Resta como ator possível nesse campo, o PPS. Talvez seja o partido com maior  clareza  acerca  dos  impasses  que  uma  esquerda  moderna  deve  enfrentar,  em razão  de  sua  história,  mas  não  conseguiu,  nas  eleições  recentes,  densidade  político-eleitoral  suficiente  para  a  apresentação  de  candidaturas  próprias  e  a  demarcação pública de suas posições. No entanto, o fracasso sucessivo do PT e  do  PSDB  em  representar  esse  campo  de  forma  consequente,  assim  como  as  limitações reveladas por outros partidos para fazer o mesmo, abre espaço para  uma  atuação  mais  incisiva  do  PPS  nesse  rumo.  Nesse  sentido,  a  candidatura  própria  a  Presidente  da  República  é  uma    possibilidade  que  não  pode  ser descartada com vistas à eleição de 2018.

37 – O campo da esquerda nacionalista e estatista tem o PT como seu principal  expoente.   Seu   candidato   será   Lula,   na   medida   em   que   sua   situação   de  investigado  na  operação  Lava-Jato  assim  o  permita.  Nesse  campo  disputam  espaço também o PSOL e o PDT, com a candidatura de Ciro Gomes exposta à  opinião pública. A proposta de campanha desse campo está expressa em recente manifesto de intelectuais de apoio à candidatura Lula: a retomada do programa  de campanha de Dilma em 2014.

40  –  Finalmente  temos  a  maior  parte  do  PMDB  e  os  demais  partidos  que  integram o chamado “centrão”. Políticos tradicionais, educados na distribuição  de  benefícios  com  recursos  públicos,  de  rala  identidade  ideológica,  transitam com  facilidade  pelos  quatro  quadrantes  analisados.  Apoiaram  os  governos  do  PT e, antes, os do PSDB. Podem  até  se aliar a Bolsonaro, por intermédio  das  bancadas religiosas. Entretanto, em razão da aliança do presidente Temer com o PSDB,  também  pode  se  gestar  uma   frente  construída  em  torno  de  uma  plataforma  de  centro-esquerda  cosmopolita.  No  entanto,  tudo  indica  que  o PMDB  e  o  PSDB  estarão  entre  os  setores  mais  atingidos  pela  renovação  eleitoral que a Lava-Jato propiciará.

41 – Nesse quadro o PPS deve, da definição de sua política de alianças para as  eleições,  considerar  três  pontos  relevantes.  Primeiro,  a  possibilidade  real  de  redução do espaço de convergência com o governo Temer depois da aprovação  das  reformas  trabalhista  e  previdenciária,  à  medida  que  uma  segunda  leva  de reformas (política e tributária) entre na agenda. Segundo,  a flexibilidade como  diretriz  necessária  para  enfrentar  a  complexidade  do  quadro  eleitoral.  Isso implica   evitar   toda   estratégia   fundada   na   bipolaridade,   uma   vez   que   há  interfaces  diferentes de discussão com atores dos vários campos mencionados,  com  exceção da direita conservadora. Terceiro, o uso inteligente da regra dos dois  turnos nas eleições, que permite combinar um  momento de afirmação da  identidade  política  do  partido  com  outro  de  construção  de  amplas  alianças  interpartidárias.

 


Programa do PPS 2017/2018 

O PPS considera que um programa democrático, reformista e de esquerda deve,  na conjuntura atual, se fundamentar nos seguintes pontos:

Uma visão positiva, embora crítica, do processo mundial de globalização como  indutor de  mudanças históricas  e  irreversíveis  em  todas  as  dimensões da vida  social.  Ao  mesmo  tempo,  é  preciso  construir  e  apoiar  políticas  que  visem  a  redução dos impactos negativos dessas mudanças sobre os setores sociais mais  frágeis.

A globalização só será uma fase positiva da história da humanidade se estiver  concatenada  com  uma  visão  cosmopolita  do  mundo,  o  que  supõe  avanços  políticos  democratizantes  nas  relações  internacionais  e  a  consolidação  de  governos democráticos ao redor do mundo.

Manter  a  crítica  a uma  política  externa de  corte  terceiro-mundista  em prol da  retirada de barreiras ao comércio internacional e da integração cada vez maior  entre os países, rechaçando igualmente o chauvinismo, o belicismo, a xenofobia  e  a  isolamento  nacional,  com  o  intuito  de  favorecer  a  democratização  dos  organismos internacionais, a resistência ao hegemonismo das grandes potências  e o avanço das políticas de integração regional.

Em  função  do  impacto  das  mudanças  tecnológicas  no  mundo  do  trabalho  é  preciso  reformar  a  legislação  trabalhista,  a  representação  sindical  e  o  sistema previdenciário para  incorporar  os novos  tipos  de  trabalhador que  surgem  e  se  disseminam; é preciso assumir uma atitude de autêntica e permanente reforma  das  instituições  e  da  legislação,  procurando  promover  e  garantir  uma  maior adaptação dos trabalhadores a essa nova situação.  No plano político, há uma crise na  democracia e não uma crise da democracia.

A  globalização  e  as  mudanças  tecnológicas  alteraram  o  mapa  político  bem  como  a  forma  convencional  de  como  a  política  era  feita  no  século  XX.  A  explosão das comunicações on-line em redes se alastrou e passou  a exigir uma  “nova  política”,  entendida  como  uma  luta  por  mais  democracia,  alterando formas de representação e operação da política.

No caso brasileiro deve-se anotar o esgotamento de dois projetos que estiveram  no poder depois da redemocratização. O projeto reformista dos governos FHC e  o projeto compensatório dos governos Lula e Dilma. Tal esgotamento faz com  que o país busque atualmente uma nova alternativa para o seu presente e o seu  futuro,  partindo  dos anseios  que  se  expressaram  desde  as  “jornadas  de  2013”  nas quais se propunham reformas para a melhoria da vida das pessoas.

O  impeachment  que  colocou  fim  ao  governo  Dilma  Rousseff,  alicerçado  na  comprovação dos desmandos praticados, foi uma demanda da sociedade e das  forças políticas objetivando superar uma crise devastadora que se abateu sobre o país.  O  governo  Temer  é,  portanto, derivado  dos  ditames  constitucionais  e  se  mantem  dentro  dos  quadros  do  regime  democrático  estabelecido  pela  Carta  Constitucional de 1988, sob o amparo das instituições políticas da República.

O  governo  Temer  se  configura,  portanto,  em  um  governo  de  transição  para  o  país se equilibrar e chegar em melhores condições às eleições presidenciais de  2018.  Suas  tarefas  fundamentais  são  realizar  o  ajuste  fiscal,  implementar  as  reformas necessárias para estancar a recessão, retomar o crescimento e garantir  estabilidade.  Em  síntese,  a  agenda  Temer  tem  um  aspecto  democrático  e  progressista que justifica até aqui o apoio e a participação da esquerda e do PPS  no seu governo.

Os  desafios  a  serem  enfrentados  pelo  governo  Temer  em  torno  da  agenda  de  reformas  coloca  claramente  os  pontos  e  o  terreno  no  qual  deve  aparecer  a  distintividade de um projeto de esquerda democrática para o país. É em torno de  um  grande  projeto  de  “reforma  democrática  do  Estado”  que  se  deve  pautar  o debate e os encaminhamentos que estão colocados nas reformas da previdência, na reforma tributária e na reforma política.

Nessa  agenda  de  segundo  momento  de  reformas,  o  PPS  deve  prosseguir  nas  diretrizes     que    defende      historicamente.        No     caso    da    reforma      política,    o  aperfeiçoamento  da  representação,  por  meio  da  atualização  das  bancadas  de  deputados  de  cada  unidade  da  Federação,  da  mudança  da  regra  eleitoral  no  sentido do voto em lista fechada e do sistema distrital misto, da mudança das  regras de financiamento de campanha e, finalmente, da transição em direção ao  parlamentarismo.

No  que  se  refere  à  reforma  tributária,  o  PPS  deve  pugnar  pelo  retorno  da tributação sobre dividendos e, de maneira geral, pugnar pelo sentido progressivo  dos     impostos;       além      do     aumento        da    simplificação,        transparência         e  desconcentração do sistema tributário.

Diante  dos  possíveis  cenários  nos  quais  podem  ser  vislumbradas  algumas  candidaturas presidenciais para a campanha de 2018, a posição do PPS deve ser  “programática”,  apresentando-se  com  uma  candidatura  própria  ou  apoiando  outra candidatura. O importante para o PPS no atual quadro é fortalecer o que  torna distinto o seu programa dos projetos que se esgotaram nos governos pós-democratização  bem  como  dos  projetos   que  hoje  se  anunciam,   mas  que  padecem de um convencimento mais objetivo.

 


José Roberto de Toledo: Temer sepulta a política

A confiança em quase todas as instituições políticas despencou desde 2016

Temer fez o que ninguém conseguiu: transformou a Presidência da República em instituição menos confiável até do que os partidos políticos. Pesquisa inédita do Ibope revela que, de 0 a 100, a confiança dos brasileiros no presidente despencou de 30 para 14, desde 2016. Pela primeira vez, é menor do que a confiança nos partidos. De fato nada é menos confiável aos olhos da população hoje do que quem ocupa a Presidência. E esse nem é o pior problema detectado pelo Ibope.

No último ano, a desconfiança na política em geral bateu todos os recordes – segundo a edição 2017 do Índice de Confiança Social, que o Ibope pesquisa e calcula anualmente desde 2009. Do governo federal às eleições, passando pelo Congresso e pelos partidos, a confiança em quase todas as instituições políticas despencou desde 2016, com exceção dos (recém-eleitos) governos locais. A maioria delas chegou ao seu ponto mais baixo em 2017.

Já é ruim o suficiente porque mostra que, ao contrário do que dizem os políticos, as instituições que eles comandam não estão funcionando – não aos olhos de quem os elege. Mas nem é o tamanho inédito da descrença da população nas estruturas que exercem o poder que mais preocupa. Quando se compara a outras instituições, percebe-se que a crise de confiança não é generalizada. Ao contrário, ela tem foco e sujeito determinado.

Em 2009, a confiança nas instituições políticas era 15 pontos menor do que a confiança média nas demais instituições: 48 a 63. Oito anos depois, a desconfiança na política dobrou, e a no resto ficou praticamente estável. O processo começou com os protestos de junho de 2013, se aprofundou com o impeachment de Dilma e chegou a seu ápice com Temer. Em 2017, o “gap” de confiança nas instituições que envolvem políticos – em relação às demais instituições – chegou a inéditos 35 pontos: 25 a 60.

“Com o descrédito da política, as pessoas estão se apegando à fé e à polícia. Ou seja, as instituições cuja percepção majoritária da população é que estão fazendo algo para melhorar”, diz a CEO do Ibope Inteligência, Márcia Cavallari.

De 2016 para 2017, a confiança média no conjunto das seis instituições políticas (governo federal, eleições, Congresso Nacional, partidos políticos, presidente e governos municipais) caiu 15%. Ao mesmo tempo, a confiança nas outras 14 instituições subiu, em média, 8%. Entre as mais confiáveis aparecem igrejas (subiram de 67 para 72), Polícia Federal (de 66 para 70), Forças Armadas (de 65 para 68) e meios de comunicação (de 57 para 61).

Projetando-se esse descompasso de confiança para as eleições presidenciais de 2018, percebe-se onde eventuais candidaturas-surpresa – e até um pretenso salvador da pátria – poderão se apoiar. Não há transposição direta de confiança de instituições para pessoas. Nem todo padre ou pastor será automaticamente um favorito na corrida presidencial. Mas terão influência.

O mesmo vale para militares (vide o crescimento da intenção de voto em Bolsonaro) e policiais federais. E promotores? A confiança no Ministério Público ficou estável em 54 pontos. É maior do que nos políticos, sindicatos e na Justiça em geral, mas menor do que nos bombeiros, policiais e até nos bancos.

Indubitável mesmo pela pesquisa é que quem estiver ligado ao governo federal ou umbilicalmente conectado ao presidente terá muito mais dificuldade para se eleger do que quem estiver contra ele. A falta de manifestações de rua expressivas e de panelaços pode dar a falsa impressão a deputados e partidos governistas de que sustentar Temer no poder não lhes custará tão caro assim. O autoengano é sempre um atalho para o suicídio político.

O Estado de S.Paulo

Fonte: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,temer-sepulta-a-politica,70001907392

 


O Globo: A proposta de uma antirreforma política

São inconcebíveis R$ 3,6 bilhões para campanhas e o ‘distritão’, de que se beneficiarão apenas políticos conhecidos, em prejuízo dos partidos e da renovação

A proximidade de outubro, quando se esgota o prazo para que mudanças na legislação eleitoral vigorem no pleito do ano que vem, agita um Congresso preocupado com as finanças da campanha. E como o tempo é curto, amplia-se a margem de risco da aprovação de medidas de um modo geral equivocadas, e, no caso do financiamento dos gastos eleitorais, contrárias ao interesse do contribuinte.

O perigo é real, como demonstra uma miscelânea batizada de reforma, sob relatoria do deputado Vicente Cândido (PT-SP), que ganhou notoriedade ao embutir emenda no projeto para que candidato condenado a até oito meses do pleito não seja preso. Logo recebeu o nome de “emenda Lula”, líder máximo do partido do deputado e condenado em primeira instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O reluzente chamariz desse projeto é o inconcebível aumento do Fundo Partidário, já em elevados R$ 800 milhões, para R$ 3,6 bilhões ou o equivalente a 0,5% da receita líquida da União. No pleito de 2022, seria reduzido para 0,25%. Em nada alivia para quem paga imposto.

É certo que a democracia tem um custo. Mas é preciso debater esta opção de uma contribuição compulsória de R$ 3,6 bilhões, pelo contribuinte, enquanto as contas públicas continuam muito desequilibradas, e persistem efeitos sobre a população da abissal recessão de 2015 e 2016. Na falta de emprego e na queda da renda.

Este projeto também avança em outro desatino, com a instituição do tal “distritão”, pelo qual cada estado seria um distrito, em que os mais bem votados ocupariam os assentos da bancada estadual, em ordem decrescente.

O sistema é muito simples de entender e, à primeira vista, irretocável do ponto de vista de preceitos democráticos. Afinal, entrariam na bancada os mais votados. Mas é positivo só mesmo à primeira vista.

Ao atender o senso comum — algo quase sempre perigoso —, o “distritão" só beneficiará candidatos à reeleição, portanto, já conhecidos, e famosos em geral. Irá em sentido contrário à necessidade de renovação na política, e ainda deixará em plano secundário os partidos, cujo fortalecimento é crucial para a democracia representativa.

Esboça-se a possibilidade da volta daquele clima de feira livre que o então presidente da Câmara Eduardo Cunha criou em 2015, ao tentar votar uma reforma política a toque de caixa, sem qualquer maior reflexão.

Enquanto isso, está em fase final de tramitação na própria Câmara proposta de emenda constitucional, já aprovada no Senado, com uma reforma eficaz, na medida certa: cláusula de desempenho para exigir que partidos tenham um mínimo de votos, a fim de ter acesso a prerrogativas como o uso do dinheiro do Fundo; e a extinção das coligações em pleitos proporcionais, para não ser distorcida a intenção do eleitor. Não se deve perder esta oportunidade.

Editorial O Globo

 


Eliane Cantanhêde: Em causa própria

Congresso prepara ‘surpresas’ contra a Lava Jato e a favor dos parlamentares

O Congresso Nacional já está levando palmadas da Lava Jato, broncas da opinião pública e notas baixas nas pesquisas, mas aproveita o recesso para fazer mais peraltices. Como o Estado vem antecipando, os parlamentares tentam usar a reforma política e a reforma do Código Eleitoral para favorecer os alvos da Justiça, do Ministério Público e da Polícia Federal.

Um dos exemplos mais lustrosos é a tal “emenda Lula”, que aumenta de 15 dias para oito meses o prazo em que os candidatos às eleições já de 2018 não podem ser presos, a não ser em flagrante delito. Oito meses é uma eternidade. Principalmente para cometer crimes impunemente.

Quem assume a ideia é o relator da comissão especial da reforma política, deputado Vicente Cândido (PT-SP), e fica evidente a intenção de garantir duas blindagens para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o único nome que os petistas de fato consideram para 2018. De um lado, dificultaria a prisão de Lula. De outro, garantiria a sua candidatura.

O argumento de Vicente Cândido é realista: caso aprovada, a mudança não beneficiaria apenas Lula, mas dezenas, ou centenas, de candidatos que estão com a PF, o MP e a Justiça no cangote. Logo, ele prevê um acordão para a votação em plenário. E nós, o que prevemos? Que haverá dezenas, ou centenas, de candidatos pintando e bordando por aí, ilesos.

A outra bondade coletiva gestada no Congresso, conforme o Estado de ontem, é numa outra comissão, a do Código de Processo Penal. Se nunca aprovou e até articulou estraçalhar as dez medidas anticorrupção sugeridas por procuradores, a Câmara agora tenta partir para cima de três pilares da Lava Jato: a delação premiada, a prisão preventiva e a condução coercitiva.

O relator é o deputado João Campos (PRB-GO), que pretende apresentar seu parecer em agosto, para votação em plenário já em outubro. Isso, claro, é só uma esperança dele e dos interessados diretos, que temem justamente as delações, prisões e conduções coercitivas. É improvável, porém, que haja clima para passos tão ousados na contramão da opinião pública.

Além dessas mudanças, há outras no Congresso sob encomenda para favorecer os próprios parlamentares. Exemplo: o projeto de parcelamento e perdão de dívidas tributárias e previdenciárias. Pois não é que os deputados e senadores que vão votar esse negócio de pai para filho devem R$ 532,9 milhões à União? Se isso não é legislar em causa própria, é o quê?

Essas iniciativas caracterizam o típico corporativismo, ou espírito de corpo, já que a maioria dos partidos (incluindo todos os maiores) e grande parte da Câmara e do Senado são atingidos pela Lava Jato e temem as novas delações que estão sendo negociadas principalmente com a Procuradoria-Geral da República, mas também com a Polícia Federal – caso do publicitário Marcos Valério, pivô do mensalão.

Não custa lembrar que iniciativas anteriores para livrar políticos ou para limitar as investigações não deram certo. A gritaria da sociedade foi mais forte e os parlamentares foram obrigados a voltar atrás na descaracterização das dez medidas anticorrupção, na nova lei de combate ao abuso de poder e na inclusão de parentes de políticos nas benesses da repatriação de recursos ilegais no exterior.

Ou seja, por enquanto, as ideias das comissões são apenas ideias, rascunhos que podem ser muito bem alterados antes de ganharem corpo e serem submetidos aos plenários para virarem lei. E não serão aprovadas se a sociedade, escaldada que está, ficar alerta e de olho vivo. Mais uma vez, é melhor prevenir, enquanto são só projetos, do que chorar sobre o leite derramado, depois da aprovação no Congresso.

 

 


Denis Lerrer Rosenfield: Parlamentarismo e importação de ideias

A aprovação de reformas, passa por negociações que nada têm de republicanas, embora sejam de interesse nacional

Volta e meia, imerso em crises, o país vê-se confrontado com propostas de reforma política, voltadas para a implementação do parlamentarismo no país. É como se, em um passe de mágica, todos os problemas fossem suscetíveis de um equacionamento simples, baseado em uma mera troca de sistema de governo. O problema, porém, reside em que as instituições parlamentaristas muito bem funcionam no nível dos princípios ou em seus países de origem. Nada disto, porém, corresponde ao seu funcionamento quando transplantadas a outros países de tradições e histórias distintas.

A questão, muito bem analisada na obra de Oliveira Vianna, consiste na refração das ideias e no deslocamento das instituições. Teria sentido simplesmente importar um sistema de governo? Seria ele “importável”? As ideias ganham, neste processo, outro significado a despeito de guardarem a aparência de sua significação anterior. Os “importadores” podem ter, inclusive, a melhor intenção, mas seus efeitos podem também não corresponder ao que foi projetado.

Operando em outro contexto institucional, conforme outra história, produzem consequências que não ocorreriam em seus países de origem. A depender do modo de utilização das ideias, elas podem vir a produzir grandes deslocamentos políticos. Como pode uma ideia constitucional vingar em países de tradição totalmente diferente? De que valem comparações, se essas não levarem em conta o contexto histórico de implementação destas ideias?

Há uma certa tendência na política brasileira de opção por grandes transformações, em vez de mudanças graduais que observariam os vários contextos particulares de sua concretização. O parlamentarismo pressupõe partidos políticos organizados, com doutrinas próprias, que disputem a opinião pública segundo as suas concepções. Procuram conhecê-la e persuadi-la do bem fundado de seus projetos.

Não são meros agregados de pessoas e interesses, mas deveriam possuir um propósito válido para toda a coletividade. Ora, observamos na cena política brasileira um forte componente fisiológico e, mesmo, de corrupção que faz com que a representação política seja falseada, ou seja, submetida a trocas dos mais diferentes tipos para que propostas coletivas sejam aprovadas.

A aprovação de reformas, por exemplo, passa por negociações que nada têm de republicanas, embora sejam de interesse nacional. Imagine-se, em um sistema parlamentarista, o não atendimento deste tipo de demanda. Ele não repercutiria somente na não aprovação de um projeto, mas produziria um voto de desconfiança, podendo levar à queda do Gabinete. Dado o caráter inorgânico dos partidos políticos brasileiros, poderíamos ter vários primeiros-ministros no transcurso do ano.

De nada adiantam grandes ideias, se elas não vierem acompanhadas de medidas básicas, que seriam de muito valia para um melhor regime republicano. Pense-se que um novo governante deveria, por sua vez, substituir os milhares de cargos comissionados, criando uma total balbúrdia na administração pública. Necessita o país de tal número de cargos?

É evidente que a inexistência de cláusula de barreira para a criação de partidos políticos é um poderoso estimulo à fragmentação partidária, tornando difícil qualquer organização. A observação histórica mostra que, em sistemas de governo presidencialistas ou parlamentaristas, poucos partidos fortes são de natureza a produzir a estabilidade governamental.

Tampouco são favorecidas as instituições se esta pletora de partidos for organizada sob a forma de eleições proporcionais se, dependendo da aliança, o voto em um partido redundar na escolha de outro. A proibição de coligações partidárias seria um poderoso instrumento de depuração do sistema político, produzindo um mínimo de organicidade. Haveria uma coincidência entre a representação política e a partidária.

Agora, na contramão de qualquer depuração, estamos vendo nascer propostas de financiamento público de eleições estimadas em mais de R$ 5 bilhões. Em um país em séria crise econômica, não deixa de ser um escárnio. Tome-se o caso da França. As perdas dos socialistas e republicanos, por suas derrotas legislativas, são estimadas em torno de poucas dezenas de milhões de reais, já feita a conversão. O partido de Macron ganhou em torno de 80 milhões. Os patamares são, comparativamente, para nós, muito baixos. No Brasil, fala-se de bilhões de reais como se fosse apenas o necessário, da mesma forma que a nossa corrupção é de país rico, sempre calculada em bilhões.

Partidos deveriam ser financiados, enquanto entidades privadas, por seus membros e simpatizantes. Deveriam fazer um esforço de coleta, o que é, para pessoas físicas, permitido pela nova legislação. Considerando que não há nenhuma organicidade partidária, parte-se agora, vista a proibição da contribuição empresarial, para o financiamento público, que, de público, só possui o nome, pois é originário de impostos de contribuições. Tirar-se-ia do orçamento da Saúde, da Educação ou da Habitação, por exemplo, para o financiamento dos partidos.

Hoje, sabe-se, graças à Lava-Jato, que os recursos de empresas eram só aparentemente privados, sendo resultado da corrupção e do desvio de recursos públicos. Graças a este esquema político perverso, os espetáculos políticos midiáticos puderem acontecer. A opinião pública, despreparada, comprou a mensagem que lhe foi oferecida. A política tornou-se assunto de marqueteiros, mercadores de imagens, pagos a preço de ouro.

Oliveira Vianna, em seu célebre livro, “O ocaso do Império”, assinalava que, no Segundo Reinado, os partidos tinham se tornado “simples agregados de clãs organizados para a exploração em comum das vantagens do ´poder”. Ou ainda, “os programas que ostentavam eram, na verdade, simples rótulos, sem outra significação que a de rótulos”. Parece que está falando dos dias de hoje. Como pode vingar um sistema representativo sem partidos dignos deste nome?

* Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul