Congresso Nacional
Luís Costa Pinto: Governo Temer prometeu estabilidade, mas há deficit sobre deficit
Brasil não está em um túnel, onde há luz no final. No ritmo de 2017, país alcançará fundo do poço
Antevisão do Caos
Kaos, para os gregos, era a desordem total. Era o cenário anárquico em que tudo acontecia e nada fazia sentido. Um fato não era decorrência de outro, nem gerado por ele. Daí derivou o nosso caos, mas na acepção que temos para a palavra usada para delimitar um mundo onde ainda pode haver esperança e o quinto dos infernos, fatos podem ser gerados a partir de outros. Juntos, sucessivos, criam uma cadeia de acontecimentos destinada a nos lançar num horizonte sombrio. Enfim, num futuro caótico.
Brasil, 2017: é o caos, camaradas.
A fragmentação da cobertura do noticiário político e econômico originado em Brasília não edita, não cola lado a lado, as fotografias das más notícias sobrepostas diariamente. Sendo assim, bate-nos diariamente a sensação de que um dia pode sempre ser pior do que o outro, mas induz-nos a crer na existência de uma luz no fim do túnel.
Forçoso alertar que não estamos num túnel. Túneis seguem em planos horizontais. Estamos num fosso. Fossos são verticais e o empuxo da gravidade faz cair até o fundo. Arrisco dizer que lá no rés-do-chão, caros leitores, não puseram mola alguma capaz de nos alçar novos voos. Há ali, isso sim, um alçapão e nele a dobradiça enverga para fora. Do lado de lá, o vácuo: um buraco negro. Brasil, 2017.
Onde venderam estabilidade e equilíbrio, hoje a realidade é deficit sobre deficit. Especula-se, agora, que em 2020 estanque a sangria dos cofres públicos por onde escorrem mais despesas que receitas. Onde tentaram empurrar uma reforma estabilizadora da Previdência Social, tornando isonômicos os ganhos futuros, sapeca-se mal ajambrada microrreforma em que a pedra de toque é exclusivamente a necessária fixação de idade mínima para a concessão de benefícios –mas que conserva intocáveis privilégios de militares, de funcionários públicos com altos salários e sobretudo não toca na indecente falta de mecanismos de cobrança da inadimplência previdenciária por parte de empresas.
Cantaram aos 4 ventos uma reforma do ensino médio e executaram-na a fórceps, cancelando o debate legislativo, por meio de medida provisória. As mudanças não virão: falta recursos à rede pública para as readaptações curriculares exigidas na MP. Foram cancelados programas bem sucedidos que integravam a incipiente rede brasileira de proteção social. Nos dois últimos anos quase 5 milhões de famílias brasileiras regressaram para o lado da miséria do muro que separa remediados, pobres e indigentes. O governo revogou R$ 10 reais no reajuste do salário mínimo para 2018. Fez isso ao mesmo tempo que confirmou despesas de R$ 13,4 bilhões em liberação de emendas parlamentares para quem votou contra a aceitação de abertura de processo no Supremo Tribunal Federal destinado a apurar denúncia de corrupção transformando Michel Temer em réu. Além do quê, o Palácio do Planalto acenou com uma reserva de mais R$ 1 bilhão a serem liberados em emendas de quem seguir fiel às suas linhas nos embates futuros.
Havia um fio de esperança na reforma política, que afinal podia mudar para melhor as regras vigentes para as eleições futuras. Desfiaram o fio, convertido em novelo de desesperança. Se vingar o “distritão” teremos a partir de 2019 um Congresso radicalmente pior em relação ao atual –o mais lastimável desde 1823. Caso aprovem de afogadilho um parlamentarismo meia-sola, imposto para tirar poderes do presidente da República concedendo-o a um Parlamento eleito sob suspeição e integrado por lideranças de partidos políticos estruturados sob máquinas mafiosas, o ciclo de dramas sucessivos se perpetuará. Não à toa, o grupo que ocupa o Planalto desde a deposição de Dilma Rousseff, em 2016, defende justamente o nefasto “distritão” e esse parlamentarismo-de-afogadilho.
Em que pese tudo o que foi dito até aqui, essencial fazer uma ressalva ao sistema de financiamento de campanhas eleitorais. Democracia dá trabalho e custa dinheiro. É o preço necessário a pagar por viver sob regras de civilidade. É claro que a forma de compor o fundo de R$ 3,6 bilhões para financiar campanhas e partidos, e mesmo a origem e extensão desse financiamento, podem e devem ser estudados à exaustão. A eliminação dos programas partidários semestrais e conversão da renúncia fiscal derivada deles em “depósito de criação” do fundo não é má ideia. Daí podem sair 50% das verbas do fundo. O cancelamento de emendas parlamentares individuais é outra boa ideia –o que renderia mais uns 30% do fundo. Por fim, a imposição de duras regras de limitação de gastos com ferramentas de controle dessas limitações e punições severas –até com perda de mandatos e impugnação de candidatos que desobedecerem aos limites– tem de ser levado em conta. Não há nem almoço, nem sistema democrático grátis.
Ao aceitar pagar o preço da máquina política que estrutura a sociedade, concede-lhe organicidade e constrói o mecanismo de freios e contrapesos por meio do qual os poderes republicanos e as instituições se autorregulam, faz-se urgente ampliar também as ferramentas de transparência por meio das quais os cidadãos controlam o funcionamento da democracia. Essa parte do debate ainda não veio à luz no Congresso, nem na mídia tradicional. Tem de vir.
Resta-nos pouco tempo para deter a cadência do Brasil no fosso cujo fim ainda não vislumbramos. A gravidade nos atrai para o buraco negro –e não se sabe o que há por trás das nebulosas atrás do alçapão. A desesperança nos espreita. Quando o cidadão médio brasileiro costurar as fotografias miseráveis que teimam lembrá-lo diariamente e sistematicamente de nossas tragédias cotidianas ele terá em mãos um painel com imagem desesperadora: o caos.
* Luís Costa Pinto, 48 anos, é jornalista. Trabalhou em publicações como Veja, Folha e O Globo. Teve livros e reportagens premiadas –por exemplo, "Pedro Collor conta tudo". É sócio da consultoria Idéias, Fatos e Texto.
José Augusto Guilhon: Diante de incertezas, aposta de políticos trará caos ao País
Tudo o que se pode dizer sobre o distritão com base em fatos, é que nada se pode dizer: um tal regime nunca existiu. O sistema sempre citado vigorou na dinastia Meiji no Japão até 1912. Ah, também se cita o Afeganistão, que nem sequer é um Estado, que dirá um exemplo.
Se vai eleger detentores de mandato, beneficiar caciques, famosos, religiosos, endinheirados, extremistas, representantes do crime organizado, não se sabe: apenas que trará o caos para o País e graves consequências sobre as expectativas dos investidores.
Enquanto estiver em pauta, provocará um arrefecimento das boas expectativas com que o investidor estrangeiro vem mirando nos negócios no País. Adotado, abre-se a possibilidade de estancamento e reversão da atual política econômica. Pior, a probabilidade da Câmara ser composta por inexperientes, sem compromissos claros com os eleitores, sem vínculo mínimo com ideias ou interesses, nem com o presidente eleito, é assustadora.
Conceitualmente, o distritão não é majoritário, que elege apenas o mais votado e exclui todos os demais. Tampouco é distrital, porque o mandatário não responde diretamente a nenhum local, nem representa algum interesse. Com isso, a falta de fidelidade do eleito ao eleitor será exponencialmente maior do que hoje.
Outra hipótese baseada em fatos é de que a maioria dos deputados diminuirá sua probabilidade de reeleição. Em São Paulo, por exemplo, a tendência desde 1982 foi de cerca de 25% eleitos com sua própria votação. Em 2014, provavelmente devido à proliferação de coligações, apenas seis dos 70 deputados federais se elegeram com o próprio voto (0,8%), enquanto 82% dependeram das sobras. Apenas 36 deputados federais de todo o País (7%) se elegeram com seus próprios votos.
A classe política brasileira, aceitando essa aposta para contornar as incertezas das próximas eleições, qual um Sócrates coletivo, não apenas bebe a cicuta, mas a prepara voluntariamente. Isto em benefício de uma nova classe “impolítica” de cujo perfil moral, social ou político nada se pode prever.
Caso se enterre o distritão, sem nada em seu lugar, fecha-se a brecha aberta pela crise geral e pela grave insatisfação difusa, pronta para explodir em indignação contra tudo e contra todos, sem que se tenham introduzido reformas produtivas.
Talvez fosse o caso de manter a discussão do distritão, e alguns de seus argumentos – como o suposto barateamento das eleições, e uma certa valorização dos que são mais votados – mantendo referências partidárias e minorias relevantes: trata-se de adotar distritos com até cinco assentos – isto é, um distrito com face humana, com forte enraizamento local – mantendo integralmente o voto proporcional, a que eleitores e candidatos já estão familiarizados, apesar de todas as insuficiências da proporcionalidade aberta. Se for discutido seriamente e eventualmente aprovado, a futura adoção de distritos uninominais combinada com voto proporcional de lista, tão elogiados e tão temidos, estará ao alcance da maioria dos 594 congressistas mediante lei ordinária.
* José Augusto Guilhon é professor titular de ciência política da FEA-USP
José Aníbal: Três poderes, uma só moral
Enquanto a reforma política tem a urgência de ser aprovada até um ano antes da eleição de 7 de outubro de 2018 para entrar em vigor, o respeito ao limite salarial do funcionalismo público é ponto nevrálgico não só em função das contingências fiscais da União, dos estados e dos municípios, mas passo fundamental para uma efetiva moralização da República.
Sem dúvida, os agentes públicos eleitos pela população, assim como os partidos políticos, precisam retomar a conexão com a sociedade, deixar de lado interesses privados e escusos para colocar em primeiro plano o bem comum e coletivo. Por isso, é preciso rechaçar ideias como a destinação bilionária de recursos públicos para financiar campanhas eleitorais, dinheiro que deveria ser empregado em investimentos sociais, políticas de educação e saúde, transporte, segurança...
Mas não é só isso a panaceia dos problemas nacionais. Dinheirama de igual grandeza escoa mensalmente dos cofres públicos, nos três níveis de governo e nos três poderes, por meio de artimanhas e penduricalhos, criados por castas de juízes, desembargadores, promotores, procuradores, parlamentares, assessores legislativos, membros do executivo e outros, para engordar seus já polpudos salários. Auxílios das mais diversas naturezas não passam de subterfúgio para amealharem vencimentos que já superam, em cerca de 15 vezes, a média salarial dos brasileiros.
Num país em que o trabalhador comum recebe R$ 2,1 mil, ainda somos “brindados” por um juiz do Mato Grosso que não se contenta em ganhar no máximo R$ 33,8 mil, leva uma bolada de meio milhão de reais num único mês e diz que não está nem aí para a opinião pública! E o que é pior: muitos dos tribunais que promovem essa derrama de dinheiro dos contribuintes para uns poucos privilegiados nem sequer abrem suas planilhas ao escrutínio social. Oxalá a ordem do Conselho Nacional de Justiça para abertura dessas verdadeiras caixas-pretas seja enfim cumprida e os brasileiros possam calcular o peso e o custo dessas elites burocráticas.
Paralelamente, Executivo e Legislativo também devem prestar contas à sociedade e combater diuturnamente as brechas usadas para o pagamento de supersalários, aposentadorias e pensões desproporcionais à realidade brasileira. Propostas como a reforma da Previdência visam justamente tornar o sistema mais igualitário e sustentável, mas a grita corporativista mais uma vez age para bloquear os interesses nacionais. Da mesma forma, resistem a colocar em votação no Senado a PEC 63/2016, da qual fui autor, que acaba com todas as brechas na lei para fazer o teto do funcionalismo, nos três poderes, ser efetivamente cumprido.
Na ânsia de proteger seus privilégios, há quem veja as críticas aos supersalários como reação ou vingança de uma classe política acuada pelas investigações de condenáveis esquemas de corrupção e desvios. Nada mais falso. Ambas as situações, a seu modo, são entraves à transformação do Brasil em um país melhor para a população em geral, com menos pobreza e injustiça e mais oportunidades de emprego, inovação e crescimento.
Como se vê, a agenda de mudanças de que precisamos é extensa. Não será do dia para a noite, nem com soluções tiradas da cartola ou reducionismos típicos de redes sociais, que o estado brasileiro deixará de ser paternalista, submetido ao patrimonialismo e corroído pela ineficiência, pela corrupção e pelo corporativismo. Para sermos uma República não só de direito, mas principalmente de fato, precisamos unir as forças refratárias ao populismo maniqueísta e, juntos, dar os primeiros passos dessa longa caminhada.
* José Aníbal é presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela. Foi deputado federal e presidente nacional do PSDB
PD #48: A reforma que não pode deixar de ser feita
Se o leitor pensa que vou falar de reforma da previdência ou trabalhista está enganado. Não pelo fato das duas não serem relevantes, são. Embora não necessariamente da forma como estão, uma, proposta, e a outra, aprovada. Quero falar de uma reforma que apenas começa a adentrar o centro de debate político, E, por estar até ontem, na penumbra, arrisca trazer surpresas muito desagradáveis para o país. Tudo o que se faz nas madrugadas no Congresso Nacional caminha em sentido contrário aos interesses nacionais e servem para proteger interesses nem sempre pronunciáveis.
Por Elimar Pinheiro
Revista Política Democrática #48
Partilho da proposição de que uma reforma politica é imprescindível, mas este Congresso não tem a legitimidade de realizar a reforma estrutural que o país exige, devendo-se ater a uma reforma minimalista, presa às normas eleitorais. Não se pode escolher nossos próximos representantes com base em uma legislação que não tem dado resultados positivos e sofre o repúdio, senão da maioria, de uma grande parte da opinião pública. Portanto, mudanças devem ser adotadas para ampliar a legitimidade de nossas instituições políticas, que tendem a se esfarelar cada vez mais no embate das corporações diversas em que se divide o Brasil, e a se desfazer em meio ao furacão dos escândalos de corrupção, que ainda não estagnaram. Cunha, Palocci, Funaro, Mantega, entre outros, estão aí para não me deixarem mentir.
Sei que a questão é complexa, e existem dezenas de propostas e pontos de vista a respeito, além de algumas teorias sofisticadas a partir das experiências internacionais. Sei também que não existe sistema eleitoral perfeito. Qualquer modelo tem suas vantagens e desvantagens. Se tivéssemos mantido o sistema dos anos 1950/1960, quando votávamos em presidente e vice, separadamente, teríamos hoje uma situação distinta, porque o vice teria sido também eleito. E, portanto, revestido de legitimidade, como ocorreu com Jango Goulart. É possível até que nem fosse o Temer.
Sei também que não podemos nos calar em face do que se prepara no Congresso. Ideias estapafúrdias e oportunistas como a adoção de uma lista partidária para o eleitor votar, na qual se esconderão os corruptos de todos os quilates ou a impossibilidade de prisão para um candidato oito meses antes das eleições ou ainda um fundo eleitoral, exorbitante, quase 4 bilhões de reais, em que o contribuinte estará dando recursos para partidos com os quais não concorda. Normas que, se aprovadas, conservarão o caráter nocivo da atual representação parlamentar.
Pontos
Portanto, vou abordar alguns poucos pontos que não poderiam ficar de fora nas mudanças necessárias para as próximas eleições, partindo de algumas mazelas mais ou menos bem conhecidas. Muitos outros pontos não serão contemplados, seja porque não é o caso de uma mudança profunda, seja porque ocuparia demasiado espaço abordar todos.
Em primeiro lugar nosso sistema eleitoral é caro. Muito caro. Este é o seu principal problema. E, por ser desta natureza, convida a prática do Caixa 2, ilegal e ilegítima, permitindo a corrupção generalizar-se. Além de solapar o processo de escolha dos representantes e desvirtuar os resultados eleitorais com a intervenção do poder econômico. Assim, cria um espaço habitado de forma proeminente por atores moralmente espúrios, repleto de desvios. O que é estranho. Afinal, salvo uma organização criminosa, nenhuma outra tem, nem perto, cerca de cinquenta por cento de seus membros contraventores, como o Congresso Nacional.
Por que isso ocorre? Porque o alto custo das eleições convidam à contravenção, facilitam e quase obrigam os participantes do campo político a adotarem práticas ilegais. Por isso, é imprescindível mudar as regras para baratear o processo eleitoral e, dessa forma, atrair atores que não estejam apenas interessados em fazer negócios, e se enriquecer, ou que sejam obrigados a servir interesses econômicos estranhos e, por vezes, escusos.
Baratear o processo eleitoral é a primeira tarefa de uma mudança no processo eleitoral. E de onde provém os custos elevados de nossas eleições? Entre suas causas duas se destacam: o alto custo de produção da mídia nas rádios e, sobretudo, na TV; e, o vasto território da disputa eleitoral. A reforma tem, portanto, como primeiro objetivo eliminar os programas eleitorais obrigatórios na TV, com toda sua parafernália conhecida e enganosa. Apenas debates entre os candidatos, regulados pelo Tribunal Superior Eleitoral, seriam permitidos. Mas, sendo permitido o programa de propaganda partidária, gratuita, no rádio, que é de pequeno custo.
Ora, como então os eleitores podem se informar a respeito dos candidatos, quando eles são centenas no caso de deputados? O fim do programa gratuito na TV não os atinge, pois eles apenas têm tempo de dizer: “Meu nome é Eneas”. Aqui vem a segunda parte do barateamento das eleições: a redução do território. Por que um deputado tem que ser eleito por todo o Estado? Por que estes não são divididos em circunscrições eleitorais que variam de 2 a 5 vagas? Por exemplo, se o DF tem 8 deputados federais, posso reduzi-lo a duas ou quatro circunscrições, no caso de São Paulo entre 14 e 35, e assim por diante. Por outro lado, posso obrigar cada partido a apresentar apenas candidatos conforme o número de vagas naquela circunscrição, sendo eleitos os mais votados. O resultado é um número reduzido de candidatos para cada eleitor escolher, e um forte debate interno nos partidos para a escolha de seus candidatos. Com poucos candidatos reduz-se a “poluição eleitoral”, na qual o eleitor tem que escolher entre centenas de candidatos. O que permite um bom conhecimento das opções, ao mesmo tempo que os candidatos poderão se locomover com menores custos, utilizando meios mais baratos para dar a conhecer suas propostas.
Custos
Sem custos em TV e com território reduzido, os custos eleitorais deverão cair para bem menos da metade. E, muito provavelmente, sem prejuízo para a informação do eleitor. Claro que há também desvantagens. Afirma-se que certos tipos de candidaturas ficariam inviáveis. É discutível. Talvez até possível, mas dependerá muito do tamanho da circunscrição. Os ganhos serão, no entanto, maiores, pois haverá o ingresso de pessoas na política com outros interesses e compromissos que não a ilicitude. Afirma-se ainda que um partido poderia estar em segundo lugar em várias circunscrições sem qualquer representante. E, outro, que se apresentou na metade das circunscrições do anterior, ter um ou dois representantes eleitos. É possível. Mas, como se disse anteriormente, não há sistema perfeito. Em qualquer um teremos vantagens e desvantagens. Estou convencido hoje em dia que barateando o processo eleitoral teremos um outro corpo de representantes, mais próximo do eleitor e com menos desvio provocado pela intervenção do poder econômico.
Esse sistema, por sua vez, evita um segundo mal de nosso processo eleitoral: votar em um candidato e eleger outro, graças a coligações. Neste caso, não existiria. Cada partido teria seus candidatos e os eleitos seriam os mais votados em cada circunscrição. O eleitor, assim, terá o seu voto respeitado, e reconhecido. Apenas a nível majoritário seria permitido coligações, mas sem consequências no tempo de TV, como ocorre hoje, porque este não existiria.
O segundo problema é o financiamento. Não é problema fácil e os exemplos do mundo mostram normas distintas. Em alguns países as empresas podem contribuir, em outros não. Em alguns existe fundo partidário, em outros não. Sugiro distinguir dois casos. Nas eleições parlamentares (Câmara de Vereadores, de Deputados Estaduais ou Federais) e de prefeitos o financiamento seria de doações individuais de pessoas físicas, até um valor de 5% de sua renda declarada no ano anterior, podendo o mesmo abater de seu imposto de renda. Ou, um valor máximo por pessoa, definido previamente pelo tribunal eleitoral, sempre passível de ser abatido do imposto de renda.
No caso das eleições majoritárias de presidente, Senado e Governo Estadual, em que não existe a divisão da circunscrição eleitoral (Estado ou país), ademais das doações poderiam os partidos utilizar o fundo partidário, expressamente designado para esta finalidade. Claro que há um prejuízo para o contribuinte, mas seria ingênuo imaginar que seria possível realizar uma eleição presidencial apenas com doações de militantes, amigos e simpatizantes dos partidos e candidatos.
O terceiro problema que quero aqui abordar refere-se ao leque partidário que temos hoje em dia, extremamente aberto, com praticamente 40 partidos legalizados e mais de 40 solicitando inscrição. É um número excessivo, em qualquer ângulo de análise. Por outro lado, sabe-se que alguns destes partidos são simples cabides de emprego ou forma pouco lícita de ganhar dinheiro. Partidos de circunstâncias, sem ideologia, sem história, sem base social como ocorre com a maioria dos pequenos partidos, e mesmo de alguns médios.
Delações
As delações referentes à compra de tempo de TV de partidos políticos por parte do PT – caso do PDT – nas últimas eleições presidenciais confirmam esta assertiva. Não me parece correto proibir a criação de novos partidos, seria engessar a sociedade e atentar contra o direito de organização dos cidadãos, mas pode-se proibir o acesso ao fundo partidário àqueles que obtiverem menos de 3% dos votos do eleitorado, distribuído em pelo menos seis estados da Federação. E restrições outras, a serem implementadas no âmbito dos Parlamentos. Este tipo de cláusula de barreira é imprescindível para se criar o mínimo de condições para a governabilidade. Isso obrigará a partidos pequenos, de boa respeitabilidade, a se juntarem – como o PPS tentou fazer com o PSB – ou a ampliarem sua audiência.
Uma lição importante pode-se tirar das eleições francesas para facilitar a construção da governabilidade, atribuindo condições mais favoráveis a criação de maiorias parlamentares. Trata-se da decalagem entre a eleição residencial e as parlamentares. No caso do Brasil, poder-se-ia fazer as eleições parlamentares ocorrerem 45 dias após as eleições para o Executivo. Essa forma facilita a que os eleitos no Executivo tenham uma maioria no Parlamento respectivo, o que cria melhores condições de governabilidade. Embora a obtenção da maioria não seja automática, e no nosso caso, talvez até impossível. Mas daria maior poder ao Executivo e maiores chances de se estabelecer uma governabilidade mais estável e menos corrupta.
Um quarto problema diz respeito aos limites da legitimidade obtida hoje pelos partidos, absolutamente comprometidos e desprestigiados, sem capacidade de renovação. O que nos obriga a pensar na possibilidade de adotar o sistema de candidaturas avulsas. Afinal, pode ser um instrumento de renovação da política e de aumento da legitimidade dos parlamentos. Enquanto ela não é criada, partidos como a Rede Sustentabilidade tomaram a iniciativa de reservar uma parte de suas vagas a candidaturas desta natureza, na qual os candidatos não têm vínculo partidário, tendo apenas que observar as suas regras éticas de funcionamento. O ideal, no entanto, é que a legislação considerasse esta possibilidade, definindo suas condições, como a apresentação da candidatura por um percentual dos eleitores.
Finalmente, duas outras medidas poderiam ser adotadas. A primeira referente a prestação de contas, que deveria ser on line e de livre acesso a todos os cidadãos para que as eleições sofressem menos deturpações provenientes de forças econômicas ilícitas e, simultaneamente, ganhassem mais transparência e aumentassem o poder de controle da população. Assim como, sua aprovação pelo Poder Judiciário em tempo expedito. E, para concluir, aparentemente o sistema de reeleição mostrou-se pouco afeito a nossa cultura política, assim, seria recomendável extingui-la e propor uma ampliação de cinco anos para os mandatos.
Este pequeno conjunto de normas tem o poder de provocar uma renovação importante em nossa política e, sobretudo, uma melhoria na qualidade da representação política? Não se pode afirmar com certeza, mas os indícios de melhoria são evidentes. De toda forma, a melhoria na nossa representação está relacionada a um problema mais profundo, que as regras simplesmente não resolvem, embora possam auxiliar ou prejudicar, trata-se da cultura política dos eleitores. Com menores custos e maior aproximação entre representantes e representados é possível que a política ganhe um maior prestígio em nossa sociedade e, com isso, possa interessar mais aos cidadãos e se renovar com maior rapidez, e para melhor.
É uma aposta, mas é necessário fazê-la. Afinal, se as regras não definem toda a qualidade da representação política pode ser uma ferramenta favorável, ou desfavorável. O que está se desenhando no Congresso Nacional, tudo indica, não irá favorecer esta renovação. Por isso, é imprescindível uma aliança dos deputados e senadores que têm compromisso com a construção da nação e não apenas consigo mesmo, e por decorrência com suas corporações, para criar normas de arejamento da política. É a batalha do momento.
* Elimar Pinheiro do Nascimento é sociólogo político e socioambiental, professor permanente do Programa de Pós-Graduação de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília e do Programa de Pós-Graduação Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas
Miriam Leitão: Energia em choque
O governo anunciou ontem que vai privatizar a Eletrobras, mas, na área de energia, o que deu choque o dia inteiro foi o conflito com Minas Gerais em torno das usinas da Cemig. A pressão política é para que elas sejam devolvidas à estatal mineira, e a empresa quer que o dinheiro saia do BNDES. Essa é apenas uma das várias frentes de batalha entre a economia e a política.
A venda de ações da Eletrobras, que pode render R$ 20 bilhões e vai diluir a participação da União na estatal, vai no caminho oposto ao que se discutiu o dia inteiro em torno da Cemig. O caso foi criado pela MP 579, de Dilma Rousseff, que impôs às geradoras a renovação antecipada das concessões ou o seu fim na data contratual. O estado era governado pelo PSDB e não aceitou a imposição. Agora, na hora de cumprir o que foi determinado, Minas Gerais é governada pelo PT, partido autor da proposta que agora se contesta. Neste momento, contudo, que a Cemig está para perder as usinas, formou-se uma coalizão em favor da estatal mineira que tem integrantes de diversos partidos. Esse grupo tem pressionado para que não seja feito o leilão que está marcado para o dia 27 de setembro e no qual o governo espera arrecadar R$ 11 bi. O governo conta com os recursos desse leilão para atingir a meta de R$ 159 bilhões de déficit este ano.
A bancada mineira propõe que a Cemig pague pela renovação das concessões de quatro hidrelétricas — São Simão, Miranda, Jaguara e Volta Grande — mas a equipe econômica acha que a estatal mineira não tem as garantias suficientes para fazer frente a um valor tão alto. A empresa não consegue apresentar uma proposta estruturada e tem pedido que o BNDES lidere um pool de bancos para emprestar à Cemig.
Existem outras frentes de problemas entre a política e a economia. A Comissão Mista de Orçamento (CMO) se indispôs com o governo após o veto a várias emendas feitas à Proposta de Lei Orçamentária. O ministro Dyogo Oliveira vai hoje à CMO explicar as razões dos vetos, muitos causados pelo fato de as propostas dos parlamentares terem sido sobre atribuições do executivo. O governo tenta também negociar o salvamento da proposta do Refis, oferecendo o adiamento do prazo de adesão e tentando a reformulação da proposta para evitar o relatório que transformou a renegociação de dívida num perdão dos devedores. Há, além disso, as divisões internas que agravam potenciais conflitos, como no caso da MP 777, que muda a taxa de juros de longo prazo, cobrada pelo BNDES.
O governo está fragilizado politicamente e os parlamentares que votaram para derrotar o pedido de investigação sabem que o presidente depende deles, principalmente diante da potencial ameaça de um novo pedido de investigação. A crise fiscal aumenta a dependência do governo de medidas que passam pelo Congresso. A maioria absoluta das propostas precisa da aprovação dos parlamentares. O governo tem que aprovar a nova meta para 2017, enviar o Orçamento de 2018, depende da aprovação de um projeto do Refis que signifique arrecadação e não doação de recursos a devedores, conta com os recursos do leilão das hidrelétricas mineiras para a meta de 2017. Tudo isso gera atrito entre a equipe econômica do governo e os políticos da base partidária.
Esses conflitos em torno de medidas específicas, e projetos que precisam apenas de maioria simples, servirão de testes para se saber se haverá chance de votação da reforma da Previdência. O risco é votar uma reforma desfigurada. Mas agora o perigo mais imediato é que nessas escaramuças na área fiscal seja difícil atingir-se a meta deste ano. Se o governo Temer ceder à bancada mineira no leilão das usinas, que eram da Cemig, a meta correrá perigo de não ser atingida. Além disso, aumentará a contradição com a decisão anunciada ontem sobre a Eletrobras. Diante de um problema parecido, de perda de ativos da Eletrobras, o governo vai fazer uma oferta primária de ações ao mercado, perdendo o controle da estatal, para que a empresa tenha recursos para pagar ao Tesouro e assim ter de volta as usinas. Não pode fazer o oposto e ajudar a Cemig a manter seus ativos à custa de recursos emprestados por bancos públicos.
Júlio Aurélio Vianna: 'Olho da reforma é o de manter a oligarquização do sistema partidário'
Pesquisador da Casa de Rui Barbosa acredita que distritão não melhora relação entre eleitos e eleitor
Por Marlen Couto, de O Globo
RIO - No livro "Viver em rede: as formas emergentes da dádiva" (7 Letras), com lançamento previsto para o início de setembro, o cientista político e pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa Júlio Aurélio Vianna Lopes analisa as mudanças provocadas pela emergência das redes sociais no nosso dia a dia e sua relação com a atual crise das democracias em todo o mundo, pano de fundo, no Brasil, das manifestações de junho de 2013 e da reforma política atualmente em tramitação no Congresso. Em entrevista ao GLOBO, Júlio Aurélio afirma que toda mudança no sistema político só é válida se propõe o empoderamento do eleitor e critica a reforma proposta pela Câmara: "É mudar para não mudar".
No livro, o senhor afirma que um candidato doa aos eleitores propostas, que são retribuídas pelos votos, assim como os governantes doam políticas públicas e são retribuídos com apoio dos governados. Hoje, no Brasil, essa conta não fecha e, por isso, há descrença com a política?
O consumo não está só no campo da economia, mas também na política é assim. A democracia moderna se organiza dessa forma: os eleitores são consumidores de políticas públicas e pagam com seus votos. Daí, a competição entre os partidos. Qual é a crise? Na atualidade, os consumidores estão se tornando ativos e não mais passivos, com os direitos do consumidor, clubes de compras, e outras formas de organização, com as redes sociais. Da mesma forma, na democracia, os eleitores sempre foram passivos, objetos das ações políticas partidárias, e hoje todos os sistemas eleitorais estão em crise, sejam distritais, proporcionais, parlamentaristas ou presidencialistas, apresentam descolamento entre eleitos e eleitores, porque há uma emergência de eleitores que querem ser ativos e não mais passivos dentro da democracia.
Com frequência, se diz por exemplo que o eleitor que anula o voto é desinteressado na política. Na verdade, esse eleitor quer participar mais da política?
Não é um desinteresse pela democracia, mas pelo seu atual formato. O eleitor não adere aos partidos porque não lhe dão reciprocidade e, assim, perde sua identificação. Isso ocorre porque os partidos pressupõem um eleitor passivo, a agenda política é definida pelos partidos, não pelo eleitorado, como se o eleitorado não tivesse sua agenda. O eleitorado diz há anos em pesquisas de opinião que saúde é uma prioridade, por exemplo, e isso não se traduz em políticas públicas. Isso está por trás do desânimo, do mal-estar das democracias modernas, o que impõe uma reforma profunda das instituições democráticas. É só contrastar a baixa adesão aos partidos e a crescente intensificação do debate sobre política nas redes sociais. O debate nas redes é muito intenso, independente da qualidade, que acho muito ruim, das bobagens e asneiras ditas. Muita intensidade significa que há potencial e interesse. O que precisamos é que a democracia, a institucionalidade, seja adequada. Em todo mundo, ela não é adequada hoje.
O que podemos fazer?
O dado fundamental vem do movimento de junho de 2013. Constatei que junho de 2013 tem afinidade com outros três movimentos, Occupy Wall Street, nos Estados Unidos, Plataforma Taksim, na Turquia, e os indignados, na Espanha. Eles tiveram efeitos diversos, mas todos têm críticas implícitas ou explícitas aos representantes, denunciaram em comum a falta de feedback político dos eleitos, a falta de vínculo e confiança, cada um a sua maneira. O modo como a crise da democracia moderna vai ser enfrentada tem que ser proposto. A proposta que trago no livro é o de uma democracia compartilhativa. Esses movimentos mostraram que as redes sociais têm potencial para apresentar agendas governamentais. O que a gente precisa num momento em que estamos nos tornando uma sociedade em rede é adequar a democracia a uma sociedade em rede. A participação esporádica tem que ser tão importante quanto a participação organizada.
Como fazer isso na prática?
A primeira característica é ter um eleitorado interativo, que compartilha suas ideias. A tecnologia já permite isso. No momento de votar, por exemplo, já se poderia por meio da tecnologia definir a pauta legislativa e as prioridades governamentais e do orçamento. São coisas simples que já podem ser feitas. Já temos isso pelo portal do Senado, com o e-cidadania.
Uma reforma política focada no processo eleitoral, como a que está em tramitação, é suficiente ou será preciso olhar também para o período pós-eleição?
Toda reforma política só é produtiva e valerá a pena, se tiver como norte o empoderamento do eleitorado. É isso que o eleitorado quer. Não é necessariamente o que os partidos querem. A reforma acentua o que já acontece no atual sistema. No atual, qual é o problema? 70% do legislativo não é eleito com votos próprios. São os campeões de voto que arrastam mais parlamentares. O distritão é uma proposta que solidifica isso. Já não são os partidos que são valorizados. No sistema atual, a pessoa já importa mais que o partido, no distritão isso se reproduz e se institucionaliza. E não resolve o tema do vínculo entre eleitor e eleitos. Não se empodera o eleitor. No distritão, pode-se ter até uma maioria excluída, porque os que votaram nos candidatos não eleitos não são contemplados e eles podem ser a maioria. Os partidos no Brasil já sofreram a maldição de um cara chamado Robert Michels (sociólogo alemão), que dizia que todos os partidos se tornariam oligarquias. Ele disse isso pouco antes da Primeira Guerra Mundial. E o sujeito foi acertando. Todos os partidos, de direita e de esquerda, foram se fechando em si mesmos. A reforma como está sendo pensada hoje é mudar para não mudar. Não muda a campanha eleitoral e faz-se um fundo bilionário. O sistema eleitoral deveria ser discutido junto do sistema de governo e do partidário. É um tripé. O olho da reforma é o de manter a oligarquização do sistema partidário. Os partidos impermeáveis e de aluguel ficam mantidos.
Por que não há reações e manifestações à discussão sobre a reforma política e ao governo Temer como as que ocorreram em junho de 2013?
As interpretações de junho de 2013 causam a atual polarização da política brasileira. As interpretações foram duas e formam o que o Pablo Ortellado (professor da USP) chama de polarização. Como movimento, junho de 2013 trouxe o tema da corrupção na política. Não podemos esquecer que a Lava-Jato é posterior, começou em 2014. Os protestos de 2013 foram um movimento pela qualidade dos serviços públicos republicano e democrático. A corrupção foi colocada como primeiro obstáculo a ser vencido para se ter saúde de qualidade, educação de qualidade, mobilidade urbana e serviços públicos em geral. A polarização não nasceu na eleição de 2014, mas a partir da interpretação do que foi esse movimento. Nenhuma duas interpretações sintetiza completamente o que foi de fato junho de 2013. Uma coloca que o PT é uma quadrilha responsável pela corrupção no Brasil, embora a manifestação tenha sido contra toda a classe política. A interpretação oposta é de que a corrupção não é o principal problema do país, mas uma distração para não enxergar as desigualdades sociais, os principais problemas. No entanto, essa interpretação não questiona a questão da qualidade dos serviços públicos, tema da manifestação de junho. Essa divisão da sociedade brasileira impede que haja manifestação, é uma trava. O que sustenta o governo Temer é essa divisão, a paralisia. Um lado não admite o outro e não conversa com o outro. Até para fazer e convocar uma manifestação, eles ficam sem chão. O governo Temer não resistiria, se houvesse uma manifestação unificada. Outra coisa é o cansaço. Mesmo nas manifestações contra a Dilma, havia um contingente que dizia assim: “sou contra todos esses políticos”. A maior parte do contingente em todas as manifestações pelo impeachment não era contra a Dilma apenas, mas contra a classe política. Tem gente que não participa dessa polarização, mas está cansada, desanimada. É o mal-estar da democracia moderna. Ele vai continuar e está fermentando.
O Globo: Financiamento público na eleição pode beneficiar partidos nanicos com R$ 45 milhões
Levantamento foi feito com base na divisão de recursos sugerida por relator da reforma política
Marco Grillo e Gabriel Cariello, do O Globo
A proposta original de criação de um fundo público para financiar as eleições, que prevê uma receita de R$ 3,6 bilhões para os partidos, destinaria em torno de R$ 45 milhões a oito legendas que sequer têm representantes no Congresso Nacional. O financiamento às siglas nanicas vai na contramão de uma das principais pautas em discussão na reforma política: a instituição de uma cláusula de barreira, que restringiria o acesso de legendas com desempenho eleitoral inexpressivo às verbas do governo federal.
O levantamento do GLOBO foi feito com base na divisão de recursos sugerida pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP), relator da reforma política. De acordo com o texto inicial, o chamado Fundo Especial de Financiamento da Democracia seria composto por 0,5% da receita corrente líquida da União — daí a estimativa de R$ 3,6 bilhões para 2018. Deste valor, 90% seriam reservados para o primeiro turno das eleições — cerca de R$ 3,24 bilhões.
A partir deste montante, a regra para a distribuição entre os partidos obedeceria a quatro critérios: 2% seriam repartidos igualitariamente entre as 35 legendas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE); outros 49% seriam divididos proporcionalmente à votação delas para a Câmara dos Deputados em 2014; o restante seria fracionado de acordo com o tamanho das bancadas na Câmara (34%) e no Senado (15%) em 10 de agosto deste ano.
O recorte dos R$ 45 milhões às oito siglas ausentes do Congresso — PCB, PCO, PMN, PPL, PSDC, PSTU, Novo e PRTB — leva em consideração um cenário em que elas lançariam candidatos a cargos no Executivo e no Legislativo. Os 10% destinados ao segundo turno das eventuais campanhas foram descartados na conta.
REGRA: 1/3 DO FUNDO PARA TRÊS PARTIDOS
A criação do fundo, que faz parte de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), foi aprovada na Comissão Especial de Reforma Política da Câmara. Já a partilha da verba, por não ser uma matéria que demande mudanças na Constituição, será analisada separadamente.
A divisão sugerida no relatório também separa mais de um terço do fundo (37%) para os três maiores partidos do país: PMDB, PT e PSDB.
— Com tantos partidos, não faz sentido distribuir dinheiro a rodo. É loucura um partido pequeno, que funciona praticamente com finalidade de mercado, receber valores exorbitantes. Agora, como se mede a representatividade? O número de deputado eleitos é o termômetro que temos. Outra solução seria usar o dinheiro público depois da campanha, como um ressarcimento. O partido paga a campanha e, depois, é ressarcido na proporção dos votos que recebeu. Ser for mal na eleição, recebe menos; se for bem, recebe mais. O Uruguai faz assim, só que lá são poucos partidos — argumenta o cientista político Carlos Ranulfo, da UFMG.
A dependência dos recursos da União aparece de maneira clara nos balanços financeiros das legendas. Em 2015 — os processos relativos a 2016 ainda estão em andamento no TSE —, o PSDC, por exemplo, registrou apenas R$ 144.695 em contribuições de filiados, o equivalente a 2,3% da arrecadação daquele ano. Já o fundo partidário, também composto por recursos públicos, representou 94,2% das receitas.
A situação do PMN é semelhante: em 2015, a sigla contou com R$ 113.170 em contribuições de pessoas físicas — todos dirigentes, nenhum filiado sem cargo na direção partidária —, o que representou somente 2% da receita anual. Já o bolo do fundo partidário significou 95,7% do orçamento.
A possibilidade da concepção do fundo bilionário é criticada inclusive por presidentes dos partidos nanicos. José Maria Eymael, que está à frente do PSDC, chama a proposta de “arrastão eleitoral”.
— Tira dinheiro da Educação, da Saúde e da Segurança para reeleger deputados. Não tem o menor sentido. Sou contra o fundo, mas esse valor (R$ 45 milhões para o conjunto de legendas sem deputados e senadores) também representa uma desproporção absoluta — afirma Eymael, que se posiciona contra a cláusula de barreira. — É uma indecência falar nisso sem igualdade de oportunidades. A gente já sofre com duas cláusulas de barreira: o tempo muito menor de propaganda na televisão e a divisão desigual do fundo partidário.
AUMENTO DE CUSTOS
Para o presidente do PMN, Antônio Carlos Massarollo, o projeto representa um “divórcio total do Congresso com a população”.
— Não vou nem entrar nos detalhes da forma como se pretende dividir. Mas, em uma situação em que o governo corta direitos dos trabalhadores e diz que não tem dinheiro para arcar com os compromissos, é um valor absurdo — aponta Massarollo, que defende que a base para a cláusula de barreira seja definida nas eleições municipais, não no pleito com abrangência nacional.
Para o cientista político Leonardo Barreto, o acesso ao fundo eleitoral também deveria ser condicionado à cláusula de barreira:
— É um conflito entre representatividade e governabilidade. A existência de partidos pequenos que são criados como negócios e vão receber dinheiro que pode nem ser usado para vencer a disputa é uma questão lateral. O que se vê é um movimento para tentar frear não a existência desses partidos, mas a chegada deles ao Congresso. O problema não é que existam, mas que dificultem o processo de tomada de decisão.
Barreto critica a vinculação do fundo para as eleições à receita corrente líquida do governo:
— O que vai determinar o custo de uma campanha, a partir desta regra, é quanto o candidato terá para gastar. Se a arrecadação do governo crescer nos próximos quatro anos, o dinheiro disponível para campanhas aumentará sem que os elementos que influenciam os custos necessariamente aumentem. O Congresso decide quanto as campanhas vão custar, e a sociedade tem de se adaptar a isso — afirma o cientista político.
Após pressão da opinião pública e dos próprios deputados, a proposta original do fundo de R$ 3,6 bilhões foi perdendo espaço. Um destaque foi apresentado propondo que o valor disponível para as eleições seja definido pelo Congresso durante a elaboração do Orçamento da União.
— O destaque já foi apresentado, e o tema deverá ir à votação na terça-feira — diz Vicente Cândido.
Fernando Gabeira: Conta de nunca chegar
Quando cheguei à Argélia para o exílio, o pernambucano Maurílio Ferreira Lima já morava lá. Levou-me para um passeio e passou num açougue para comprar carne. Fez a transação em francês mas, ao sair, disse da porta: “pendura”. Fiquei surpreso com a naturalidade e o sorriso do açougueiro. Maurílio revelou que esta era a única palavra em português que ensinou a ele.
Cada vez que o governo vem anunciar uma nota fiscal, lembro-me de Maurílio. É como se dissessem: “mais R$ 20 bilhões, pendurem”. Maurílio pagava suas contas em dia. Ao contrário do governo, tratava apenas do que comprava, e não de projeções para o ano seguinte. O governo pendurou R$ 20 bilhões em 2017 e anunciou que vai pendurar R$ 30 bilhões em 2018.
Quem vai pagar tanto dinheiro? Eles falam em economia nos gastos públicos. Não acredito. Os dados estão aí: deputados e senadores querem alguns bilhões para financiar suas campanhas.
Se fossem só os políticos, ainda havia uma esperança. A Justiça, que tem sido aliada da sociedade na luta contra a corrupção, é muito reticente quando se discutem os supersalários que excedem o teto legal. Nesta semana, falando com um procurador que atua no Norte do país, ele me passou um quadro desolador. Há promotores que chegam a ganhar R$ 125 mil mensais.
As notícias sobre juízes do Mato Grosso que receberam até R$ 500 mil frequentaram o noticiário e saíram em paz. Um dos juízes chegou a declarar: “não estou nem aí para o espanto que a notícia causou”. Ele não está mesmo. Considera legal receber, e pronto. O próprio Supremo Tribunal Federal sempre tem se manifestado a favor de quem ganha tanto dinheiro com salário e penduricalhos.
Nesse sentido, a orfandade dos brasileiros é total. Os políticos não só desviam dinheiro como inventam fórmulas para receber fortunas através de suas leis eleitorais. E a Justiça não mostra nenhuma sensibilidade para o problema. O que fazer nessas circunstâncias?
Dentro do quadro de apatia que se criou no país, parece que a alternativa é trabalhar e separar o dinheiro do imposto, assim como muitos, em áreas de risco, saem com o dinheiro exato do assalto. Mas é uma tática que tem seus limites. A máquina burocrática brasileira é muito pesada para o país. Ela se comporta como se estivéssemos nadando em dinheiro.
O grande problema da necessária austeridade é o próprio governo. Se ele tem um projeto de reforma da Previdência que implica em sacrifícios para alguns, quem vai apoiá-lo sabendo que não há reciprocidade nos esforços? O resultado disso é a marcha da insensatez que vai nos levando progressivamente ao caos. No momento, falamos em bilhões com tranquilidade, mas já há quem calcule em meio trilhão o rombo nos próximos anos.
Mas toda essa conversa sobre números acaba sendo abstrata. Nas estradas, caiu o policiamento; nas fronteiras, a redução de verbas dificulta a ação das Forças Armadas. Nos hospitais, então, a escassez mata.
Em 2013, a sociedade intuiu que isso estava errado e se manifestou nas ruas, queria serviços decentes para os impostos que paga. Naquele momento, as grandes empresas estavam tranquilas. Se reclamavam dos impostos, a resposta foi simples: ampliar isenções. O BNDES emprestava dinheiro a juros reduzidos, e os próprios políticos ofereciam isenções. De tal forma ofereceram que, no Rio, cabeleireiros, joalherias e até um prostíbulo tornaram-se isentos. A corrupção mostrou como recursos públicos eram drenados. A quebradeira agora vai colocar também em cena algo que não era tão discutido em 2013. Pedia-se um serviço decente em troca do imposto.
Agora, num momento em que cogitam a alta dos impostos, o Brasil merece um grande debate sobre como o bolo dos recursos públicos é dividido.
Por que há tantas isenções e qual o benefício que trazem para o país? Por que uma máquina com tanta gente é tão pouco produtiva? Por que salários tão altos, tantos penduricalhos?
No Congresso participei de inúmeros debates sobre isso, tentando convencer o governo, na época, a reduzir radicalmente as viagens, que custavam em torno de R$ 800 milhões por ano. Já havia os meios para isso: teleconferência, Skype. Hoje foram ampliados com novas alternativas.
O alto custo não é apenas com passagens, mas também com as diárias pagas aos funcionários. Por isso, quando se fala em reduzir custos e aumentar a produtividade, há sempre uma resistência. Apesar de haver gente bem-intencionada entre os funcionários, o ânimo para aumentar a produtividade de serviços públicos deveria vir do universo político.
Do mundo político não virá nada. Foi o próprio sistema político-partidário que criou esse monstro dispendioso. Os políticos, nesse episódio, não são uma solução, e sim uma parte substancial do problema. Se depender eles, o atraso se eterniza. Sempre que apertar, vão dizer: “pendurem”.
O Globo: Esquerda perde o rumo e tenta reescrever a História
Bloco nada aprende, mas também nada esquece. Não admite ter trazido de volta a inflação, contra os pobres, e se mantém ao lado da ditadura de Maduro
Sem rumo, partidos como o PT, o PSOL, o PCdoB, o PDT e outras organizações autodenominadas de esquerda, como a Central Única de Trabalhadores, têm dado exemplos diários de perda de capacidade de formular propostas realistas, construtivas, para o país. Esvaiu-se a vivacidade com que somavam ideias ao debate nacional, mesmo quando inspirados em modelos fracassados no século passado, como se viu na extinta União Soviética. É lamentável, porque a vitalidade da democracia depende da participação construtiva de todos.
Antes fecundo, o PT se mostra desértico em proposições para o país. Subsiste em estado de negação da própria crise, de fundamentos éticos. Limita-se à tentativa de reescrever o passado, com evidentes falsificações da História.
O PSOL, o PCdoB, o PDT e parcela da Rede aderiram à autodesconstrução. Está visível na Câmara e no Senado a virtual conversão desses partidos em satélites petistas, alinhados nos dogmas e na destruição da identidade.
Esses agrupamentos denominam-se de esquerda. É compreensível no atual e gelatinoso universo parlamentar, mesmo quando desfilam com ideias apropriadas do liberalismo, como é o caso das políticas de renda mínima.
Grave, porém, é a perene negativa à História. Na tentativa diária de reescrevê-la, renegam o direito à verdade, conceito que invocaram no campo jurídico para construir uma narrativa do passado sob a ditadura.
Abjuraram o exercício da política com o maniqueísmo. Cooptaram os movimentos sociais. Omitem os erros nas políticas de saúde e educação — o sistema educacional está devastado, sobretudo nas universidades, por uma pedagogia que alinhou a didática e a formação à negação do debate, admitindo-se apenas as ideias originadas na autodenominada esquerda.
Desequilibraram as contas públicas e reacenderam o estopim da inflação punitiva dos mais pobres. Nos governos de Lula e Dilma premiaram empresas financiadoras de campanhas — as “campeãs nacionais” —, com subsídios do Tesouro em volume dez vezes maior que o destinado aos programas sociais. Essas relações incestuosas emularam a corrupção sistêmica. No Congresso, PT, PSOL, PCdoB, o PDT e parte da Rede uniram-se na interdição do debate, debitando a culpa pela quebra do país na conta do PMDB, antigo sócio no poder e que governa há apenas 14 meses.
Dissimulam, também, na sedução totalitária. Exaltam Getulio Vargas e abstraem a ditadura do Estado Novo. Apoiaram o autoritarismo de Hugo Chávez na Venezuela até com negócios extremamente prejudiciais ao Brasil, como no projeto da refinaria de Pernambuco. E, agora, solidarizam-se com a ditadura de Nicolás Maduro abduzindo a centena de mortos neste ano e os incontáveis presos políticos. Sem aprender com os erros, tentam mudar a História.
Rubens Bueno: 2018, eleitor e partidos na berlinda
O Brasil vive nos últimos anos a política do precipício. Quando parece que a situação vai melhorar, caímos novamente no poço sem fundo da corrupção, chaga que impede a prestação eficiente de serviços públicos, abala a nossa economia e afeta a credibilidade externa do país.
A reversão desse quadro não se dará apenas com o combate efetivo a esse crime de lesa pátria, como vem fazendo a força-tarefa da Operação Lava Jato. Depende também, e principalmente, da mudança de postura dos partidos e do eleitor.
O ano de 2018 poderia se transformar no ponto de partida para essa virada. Teremos eleição do novo presidente da República, de governadores, deputados e senadores. É uma ótima oportunidade para expurgamos do meio político aqueles que chafurdam na corrupção e utilizam seus mandatos em benefício próprio. E qual o dever de casa que cabe a cada participante desse jogo?
Aos partidos cabe apresentar propostas claras para o país. Propostas e candidatos a presidente. Afinal, um partido que realmente deseja merecer o respeito e o voto do eleitor precisa dizer a que veio. E a eleição presidencial é o principal palco para isso.
Não é mais admissível, por exemplo, que o maior partido desse país, o PMDB, não lance candidato a presidente desde 1989.
A pluralidade faz bem a democracia e, numa eleição em dois turnos, nada melhor para o eleitor do que contar com uma ampla opção de escolha. Já está provado que a dicotomia política, o nós contra eles, o PT versus PSDB, não tem feito bem para a política brasileira.
Os partidos também devem ter o compromisso de escolher com critérios seus candidatos, de não vender espaço em suas chapas em troca de dinheiro, de afastar conhecidos corruptos de seus quadros evitando que famosos estelionatários eleitorais ludibriem o eleitor. Também precisam formar seus candidatos, prepara-los para exercício do cargo que desejam alcançar. Afinal, a incompetência também alimenta a corrupção, nem que seja por falta de ação.
Ao eleitor cabe também deixar de vender seu voto por uma promessa de emprego, por um convite para um churrasco ou por uns trocados quaisquer. O voto não é moeda de troca.
O voto certo, limpo, dado com consciência, pode melhorar a educação, a saúde, a segurança e o desempenho da economia do seu país.
Já o voto vendido alimenta a corrupção, suga os recursos públicos e impede que o país saia do atraso. Depois, não adianta nada sair por aí dizendo que são todos ladrões, que todo político é corrupto. Até porque quem vende seu voto se torna parte integrante da quadrilha.
O eleitor precisa ter em mente que o voto não é só um direito, é uma responsabilidade do cidadão com a construção de uma sociedade mais justa e ética. Por isso, é fundamental que cada um analise as propostas dos candidatos, pesquise sua vida pregressa, debata com familiares e amigos e até participe da campanha daquele político que considera melhor para o país, para seu estado ou sua cidade.
A resposta que será dada nas urnas, o voto consciente ali depositado, é que pode promover uma virada nesse país. Os políticos que hoje envergonham a sociedade não caíram de paraquedas. Alguém os botou lá. E esse alguém é o eleitor.
2018 está aí. O país vai mal e partidos e eleitores estão na berlinda. Vamos deixar tudo como está?
* Rubens Bueno é deputado federal pelo PPS do Paraná
José Anibal: A reforma política ideal, a possível e a reprovável
A missão essencial da classe política é colocar de fato como prioridade os interesses do país e da população. Não se trata de uma frase ingênua. Ao contrário, o que os atuais ocupantes de mandatos mais precisam é se reaproximar de seus eleitores, mostrar que, a despeito de todas as dificuldades que o país vive, existe compromisso com o que é melhor para o Brasil.
Por isso, se for aprovada a reforma política que se desenha, com soluções esdrúxulas e tomadas de costas para a sociedade, será o mesmo que assinar o divórcio entre eleitores e eleitos e colocar em xeque os rumos do arcabouço institucional do país.
O primeiro ponto a ser fortemente combatido é adotar o chamado distritão. Trata-se de um sistema deplorável mesmo como alternativa de transição para o almejado sistema distrital misto, adotado em países como a Alemanha e discutido agora pela França.
Esse modelo combina o maior número de vantagens dos outros sistemas – a eleição de um deputado por distritos pequenos, o que barateia o custo de campanha, e a defesa de bandeiras partidárias no âmbito estadual, permitindo a representação parlamentar das minorias –, assim como minimiza as imperfeições inerentes a qualquer regramento eleitoral.
Mudar o atual sistema para o distritão é jogar por terra o pouco que nos resta de ideologia, coesão partidária e coerência política e reduzir as eleições parlamentares a uma votação de programa de TV. Para o cidadão já descrente com a classe política, será que vai ser tão diferente escolher um deputado ou um vencedor de reality show?
Aí é que está o ponto crítico do distritão e o brutal erro de avaliação de seus defensores. Acreditar que um deputado tem maior chance de reeleição numa disputa personalizada e estritamente majoritária é fechar os olhos à realidade.
Um sistema como o proposto seria um convite à radicalização do discurso antipolítico, à chegada de subcelebridades ou de aventureiros financiados sabe-se lá como e por quem, em disputas ainda mais caras que as atuais, já que os candidatos continuarão tendo que percorrer estados inteiros, em vez de se concentrarem em um território menor, como prevê o modelo distrital.
A perspectiva da reforma política deve ser o eleitor, e não o eleito. Deve ser o anseio da sociedade por campanhas mais democráticas, menos perdulárias e dispendiosas, e não a busca de subterfúgios para a manutenção dos que hoje detém o poder. Nesse sentido, a proposta de um fundo bilionário para as campanhas, diante do atual cenário de crise fiscal e ajuste das contas públicas, chega a ser um escárnio.
Melhor seria incentivar doações privadas mediante um sistema mais rígido e rigoroso de controle, com limites claros e austeros tanto em relação a doações quanto aos gastos, coibindo pirotecnias e produções hollywoodianas. Seria um gesto importante evitar o uso de mais dinheiro do contribuinte, cansado de ver seus impostos revertidos em um poder público pouco eficiente, tomado de assalto por interesses corporativistas e pelo patrimonialismo.
A boa política é feita no caminhar entre o ser e o dever-ser, entre a decisão possível, tomada pela ética da responsabilidade, e o objetivo ideal, formado pela ética da convicção.
Nem sempre conseguiremos fazer avançar a proposta mais adequada, concessões são feitas para se atingir um degrau mais alto na escada da evolução.
O que é reprovável é apostar num tiro no escuro, acreditar em mudanças que não só não resolvem como agravam os problemas existentes. Em vez de renovar os pilares da representatividade e fortalecer a conexão entre eleitores e eleitos, a reforma política tal como se ameaça aprovar abala os mais essenciais fundamentos da democracia.
* José Aníbal é presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela. Foi deputado federal e presidente nacional do PSDB
Luiz Carlos Azedo: A volta do parlamentarismo
A principal experiência parlamentarista na nossa história é a do Império, na qual saquaremas (conservadores) e luzias (liberais) se revezaram no poder e produziram uma das mais perenes de nossas tradições políticas: a conciliação. Seu maior legado foi a nossa integridade territorial, pois assim se resolveu pela política o ciclo de rebeliões do período regencial que ameaçou dividir o país, desde a Revolução Pernambucana, que completou 200 anos. O pior legado são as sequelas da escravidão, que, graças à política de conciliação, foi mantida até 1888.
Na Corte de D. Pedro II, o parlamentarismo funcionou muito bem como um pacto de elites; o povo, a rigor, não contava. A proclamação da República, espelhada nos Estados Unidos e não na França, embalada pelas ideias positivistas de Benjamin Constant e a forte personalidade do presidente Floriano Peixoto, nosso primeiro grande caudilho, sepultou o parlamentarismo, mas não a conciliação, que ressurgiu das cinzas com a política café com leite.
Foi como subproduto da conciliação que o parlamentarismo voltou a ser adotado, em 1961, para garantir a posse do ex-presidente João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros. Evitou-se com ele o golpe de Estado que viria a ocorrer alguns anos depois, embalado pelas mesmas forças que haviam forçado o suicídio de Vargas e tentaram impedir a posse de Juscelino. A vitória do presidencialismo no plebiscito convocado por Jango impôs a radicalização política como destino, num momento em que a guerra fria por muito pouco não se tornou guerra quente.
Jânio renunciaria sete meses depois de tomar posse, num gesto que nunca foi muito bem explicado, mas resultou de uma contradição de seu governo: a adoção de uma política externa independente, que não se coadunava com o sistema de forças que havia garantido sua eleição. Com a renúncia do presidente Jânio Quadros, em agosto de 1961, João Goulart deveria assumir o governo. Naquela época, o vice eleito era o mais votado, independentemente da chapa. Uma manobra de trabalhistas e comunistas paulistas viabilizou a eleição do vice com a chapa Jan-Jan. O general Henrique Lott, candidato oficial do PTB, foi cristianizado.
Golpe
Mas a UDN (União Democrática Nacional) e os militares tentaram impedir a sua posse. Jango, que era aliado do PCB, estava em visita oficial à China comunista. O golpe fracassou porque o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, cunhado de Jango, encabeçou a chamada Campanha da Legalidade, a fim de garantir o direito previsto na Constituição de 1946 de que, na falta do presidente, assume o candidato eleito a vice.
Com o apoio do Comando Militar do Rio Grande do Sul e de líderes sindicais, de movimentos estudantis e de intelectuais, o golpe foi frustrado, mas para isso foi feito um acordo político no Congresso, com a adoção do sistema parlamentarista e consequente limitação dos poderes do presidente. Ele indicava os ministros, mas interferia muito pouco na vida dos ministérios. O primeiro-ministro indicado foi Tancredo Neves, do PSD (Partido Social Democrata) mineiro, que ocupou o cargo de setembro de 1961 até junho de 1962.
Plebiscitos
A eleição de Tancredo foi esmagadora: 259 votos a favor, 22 votos contra e sete abstenções. Mas Jango não aceitava o parlamentarismo e resolveu antecipar o plebiscito que referendaria o sistema de governo, marcado para 1965. Foi substituído por Brochado da Rocha, um político trabalhista, e Hermes Lima, que exerceu um mandato-tampão. Em janeiro de 1963, houve um plebiscito (consulta popular), para decidir sim ou não à continuidade do parlamentarismo. Com 82% dos votos, o povo optou pela volta do presidencialismo.
Restavam ainda três anos de mandato para João Goulart. Elaborado pelo economista Celso Furtado, acabou lançado o Plano Trienal, que previa geração de emprego, diminuição da inflação, entre outras medidas para pôr fim à crise econômica. Porém, o plano não atingiu os resultados esperados. A crise política se reinstalou e o golpe militar retomou sua marcha, consumando-se em março de 1964.
A adoção do parlamentarismo voltou a ser cogitada na Constituinte de 1987, mas fracassou por causa das idiossincrasias de políticos que se diziam parlamentaristas, mas abriram mão do regime de governo de olho na Presidência. O então presidente, José Sarney, chegou a admitir a aprovação do plebiscito, em troca de seis anos de mandato. Relator da Constituinte, Mario Covas rejeitou o acordo, com apoio de Ulysses Guimarães, que sempre foi presidencialista. Hoje, temos o “presidencialismo de coalizão” porque a Constituição de 1988 tem viés parlamentarista. Tanto que a legislação sobre o impeachment, enxertada no texto constitucional, se baseia numa lei da década de 1950.
O plebiscito convocado pela Constituinte para decidir entre os regimes republicano ou monarquista e os sistemas presidencialista e parlamentarista, em 1993, deu o resultado que já se esperava. Vitória da república presidencialista. Agora, o tema do parlamentarismo volta à pauta, defendido por partidos tradicionalmente parlamentaristas, mas com o apoio velado do presidente Michel Temer. A crise ética e a reforma política de fato criam condições para a aprovação de uma emenda constitucional estabelecendo o parlamentarismo mitigado, que poria fim a crises políticas de longa duração (em tese, essa é a vantagem). Mas também pode dar margem à existência de um projeto continuísta a la Putín, que bloqueie ainda mais a nossa democracia.