Congresso Nacional
Merval Pereira: Argumento eleitoral
Providencialmente para o governo Temer, a reforma da Previdência se transformou no tema central da campanha presidencial que já começou, mesmo que indiretamente. Depois de tempos patinando sem encontrar argumentos políticos convincentes de mobilização de sua base para a aprovação do projeto, o governo ganhou inesperadamente o argumento que faltava: PT e PSDB, cada qual à sua maneira, se colocam contra a reforma, aquele escancaradamente, este subrepticiamente, porque receiam que a reforma alavanque a economia, levando água para o moinho governista.
Essas atitudes partidárias de potenciais adversários estão convencendo a base governista na Câmara de que talvez o risco imediato de desagradar eleitores se transforme em trunfo de médio prazo, fazendo com que governistas disputem a eleição em condições econômicas favoráveis, com desemprego em baixa e investimentos em alta.
O discurso do combate aos privilégios está ganhando apoio na opinião pública, informam pesquisas internas, e as corporações de servidores públicos que se colocam contrárias à reforma não são, em sua maioria, eleitores dos partidos do centrão, e sim do PT, que deu continuidade à reforma previdenciária iniciada no governo de Fernando Henrique e engavetou-a para não trombar com os sindicatos.
O PSDB, que tem historicamente compromisso com as reformas e as privatizações, está correndo o risco de cometer o mesmo erro de 2006, quando o então candidato presidencial Geraldo Alckmin se abraçou às estatais para se livrar da pecha de privatista lançada pelo PT.
Agora, parte do partido já não representa um setor modernizador homogêneo da sociedade, contra os privilégios, mas busca o apoio desses mesmos privilegiados, numa equivocada ânsia de votos onde não é bem visto, pelas suas virtudes, das quais abre mão para cultivar defeitos.
Verdade seja dita, o governador Geraldo Alckmin mantém o discurso a favor da reforma da Previdência. Só não tem força para fechar questão, diante da reação de um grupo minoritário. Dependendo do tamanho dessa dissidência, pode ser que o partido se reencontre com seus valores.
O governo, enfim, encontrou uma linguagem efetiva para reunificar sua base partidária, colocando na mente de seus apoiadores a dúvida cruel: se não aprovarem a reforma, quem ganhará é o PT, que a combate, e não necessariamente os governistas. E a conseqüência será a piora da economia, fazendo com que a oposição chegue à eleição reforçada.
O governo terá que apertar o cinto mais fortemente para compensar a repercussão negativa da derrota. Se a reforma da Previdência for aprovada, e a economia pegar ritmo de crescimento, os beneficiados serão os governistas. Não votar, portanto, não é uma opção para quem está no barco do governo, incluindo nesses até mesmo os que votaram a favor da continuação das investigações contra Temer.
Tratados em conseqüência como inimigos a serem destruídos, estão sendo aceitos de volta ao ninho governista, mesmo que com ressalvas.Voltaram a receber benesses, mesmo que em medida menor que os fiéis. Neste fim de semana está sendo decidido se é possível votar a reforma na semana de 18, ou se a dificuldade persistente obrigará a adiar o esforço.
Nesse caso, a decisão é marcar a votação para o dia 2 de fevereiro, na volta do recesso. Assim o governo teria mais de um mês para trabalhar as dissidências que ainda resistem. A volta do recesso pode ser benéfica, se o deputado constatar na sua base que o bicho não é tão feio quanto parece. Mas há o risco de muitos desistirem, se sentirem de perto a rejeição à reforma da Previdência.
Rita de Cássia Biason: “Corrupção não se acaba, se controla”
Cientista política avalia que o Brasil ainda precisa progredir no monitoramento e controle contínuos dos gastos públicos para combater a corrupção
Por Germano Martiniano
A corrupção é um dos males da política e, segundo organismos internacionais, caracteriza-se pela utilização de recursos públicos para fins privados. No Brasil, o fenômeno tem atravessado séculos, entranhado na estrutura política do Estado. Desde a redemocratização do país, em 1985, dois presidentes, Fernando Collor e Dilma Roussef, sofreram impeachment, tendo seus governos fortemente marcados por desvios de recursos públicos.
Atualmente, o Brasil assiste à "Lava-Jato", uma das maiores operações de combate à corrupção já vista no mundo e que colocou diversos políticos de alto escalão - e empresários brasileiros - atrás das grades. Porém, como afirma Rita de Cássia Biason, cientista política, professora da UNESP e coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Corrupção, “a corrupção não se acaba, se controla, e os países que obtiveram controle sobre ela, foram aqueles que fizeram e fazem monitoramento contínuo sobre os gastos públicos, e é neste quesito que o Brasil precisa progredir”. Confira, a seguir, trechos da entrevista com Rita de Cássia Biason:
Rita, por que existe tanta corrupção no Brasil? Nosso sistema político favorece esse fenômeno?
Em parte o sistema favorece, mas o que ainda mais falta é controle. Quando se fala em corrupção, existem três mecanismos importantes para se controlar: primeiro, a prevenção, que é o arcabouço normativo, os procedimentos existentes para se prevenir a corrupção; segundo, e no outro extremo, temos a punição, como temos visto na “Lava-Jato”, todo ordenamento de julgamentos e condenações. O Brasil é muito eficaz nestes dois extremos, entretanto, o combate à corrupção não é nem a priori nem a posteriori, ela é um processo. Isso posso afirmar com base em pesquisa que coordenei, juntamente com o Instituto Ethos, de 2014 a 2016, sobre os dispositivos normativos de controle da corrupção e de transparência na União.
Nossa falha é o instrumento intermediário que é o controle, dispositivo essencial para se acompanhar os gastos públicos. Por exemplo, um processo licitatório de grandes obras tem que ser fiscalizado durante todo o processo e não apenas no final, como ocorre tradicionalmente durante a prestação de contas. Os responsáveis seriam os Tribunais de Contas ou próprio Ministério Público, porém, não existe esse acompanhamento sistemático, e quando se observa já houve a prática de corrupção. O que se tenta fazer é punir, isso apenas reitera nossa tradição positivista punitiva de acreditar que a lei é suficiente e resolve tudo. Os países que obtiveram controle na corrupção, pois corrupção não se acaba, foram aqueles que fizeram, e fazem, monitoramento contínuo sobre os gastos públicos. Uma das formas desse monitoramento sistemático é a publicização de informações e a transparência nos processos.
Você acredita que a corrupção é inerente à cultura brasileira, que está nos pequenos atos do cidadão brasileiro e se expande para vida pública?
Não, são duas coisas distintas. Temos no Brasil o que se chama de pequena corrupção, que está ligada as transgressões e não necessariamente afetam o coletivo, e a grande corrupção, que é aquela que afeta um número maior de pessoas do que a pequena corrupção. A pequena corrupção está ligada ao indivíduo que comete uma violação, pois ele faz está excluído do acesso a bens e serviços. Por exemplo, uma pessoa que necessita de uma mamografia, urgentemente, tem que aguardar meses para ser chamada pelo hospital público, então ela oferece um dinheiro por fora a algum servidor para poder ser atendida mais rapidamente. Portanto, eu não entendo como um processo de cultura brasileira. A pequena corrupção eu vejo como falta de acesso aos serviços e bens públicos. Já a grande corrupção ocorre pela falta de controle, que foi citada acima. É uma questão mais institucional do que cultural.
Quais as melhores práticas para se combater a corrupção? A Sra. acredita que um dia esta prática terá fim?
Ela tende a diminuir se olharmos com mais acuidade para nosso sistema de controle. Porém, sempre com momentos de vulnerabilidade. A Alemanha, que é tida como modelo de controle de corrupção, teve o caso de corrupção da Siemens, conglomerado industrial alemão que pagava propina a agentes públicos em países em desenvolvimento para obtenção de contratos. Ou seja, mesmo nos países considerados mais íntegros há também falhas no controle.
A operação Lava-Jato é um marco no combate à corrupção no Brasil?
Ela é um marco em termos punitivos, mas há momentos que antecedem a Lava Jato que devem ser destacados. O primeiro deles foi o processo de impeachment do Collor por “caixa dois”. O segundo marco foi o Mensalão, o esquema de compra de votos dos parlamentares, e cujo julgamento coube ao ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Joaquim Barbosa. Muito da jurisprudência que se tem hoje para a Lava-Jato se deve ao caso do Mensalão. A Lava-Jato representa um marco pela extensão e pelo caráter punitivo, porém o ineditismo e o marco vêm mais do Mensalão, no sentido jurídico, de abrir precedentes para a operação atual.
A Lava-Jato é apolítica?
Uma parte dela sim, que é aquela que os envolvidos têm uma preocupação de se punir os corruptos no Brasil. Porém, existe outra parte que se aproveita da Lava-Jato para aumentar seu protagonismo frente aos poderes legislativo e o executivo. Quando vemos a estrutura de sistema de poder no Brasil, o legislativo e o executivo sempre tiveram grande protagonismo na política brasileira, com o judiciário sempre ficando à mercê na tomada de decisões. Com a Lava-Jato, o judiciário teve a possibilidade de “aflorar”.
A sra. acha que o governo Temer tem tentado obstruir a operação Lava-Jato? E independentemente dos que são contra, a operação vai conseguir cumprir seus objetivos até o fim?
Eu não vejo o Temer tentando vetar ou interferir na Lava-Jato. Eu vejo que esta operação tem uma autonomia muito grande, se fosse no começo da operação poderíamos até analisar dessa forma. Hoje, podem até acontecer alguns ruídos por parte do governo de Temer, não do Temer em si, mas parte do judiciário que é contra algumas partes da operação, mas no geral a operação está conseguindo avançar.
O grande problema da Lava-Jato, atualmente, é a sua longevidade, com quase quatro anos de operação, que pode levá-la ao próprio esvaziamento. Quando se tem um processo de investigação de corrupção deve ser muito preciso, rigoroso e rápido. Quanto mais se avança com a operação, mais se abre possibilidades de interferência. Desta forma, a longevidade da operação, com a quantidade de investigações que se abriu e se abrem, faz com que haja possibilidade para interferências externas. Tem de haver uma limitação em torno desse processo, ela tem que concluir um ciclo e, se necessário, abrir para as extensões que surgiram durante a operação.
E as delações premiadas, há quem diz que é uma confirmação de que o “crime compensa”. Como a sra. enxerga essa prática?
Nos EUA existe a delação premiada desde os anos 60 é chamada de plea bargain. É um recurso válido aqui e acolá, pois quando se fala em corrupção, falamos de um processo que tende a não deixar pistas, indícios e provas objetivas. Se você verificar para nosso Código Penal, é necessário provas objetivas. Por exemplo, para se colocar o Sérgio Cabral na prisão foram necessárias provas objetivas e essas provas precisam ser muito bem documentadas. Necessita-se então de extratos bancários, número de contas na Suíça e outros detalhes, que quem cometeu o crime e foi preso, não irá denunciar. Assim é necessária uma rede de delatores/colaboradores para que se chegue a essas informações. As delações fazem parte do percurso de obtenção de provas. É um benefício legal concedido ao réu, em uma investigação criminal, que queira denunciar os companheiros. A delação não é aleatória, a pessoa que a faz tem que apresentar provas do que ela está falando. A contrapartida é a redução de pena de quem colabora ou cumprimento em regime semi-aberto. Não entendo que haja uma idéia de o crime compensa, apenas uma facilidade para os que investigam os casos de corrupção.
O ministro Gilmar Mendes afirmou dias atrás que a supressão do Foro Privilegiado, tem caráter simbólico, e que não será isso que acabará com a corrupção no Brasil, e que pode, inclusive, agravar. Como você analisa essa afirmação?
O fim do Foro Privilegiado, ou Foro Especial por Prerrogativa de Função, dará agilidade ao julgamento, pois não será necessário criar um julgamento especial para políticos. Por outro lado, se levarmos o julgamento para a primeira instância, e tenho de concordar com Gilmar Mendes, pode haver juízes partidários que se valerão de recursos jurídicos para proteger quem está sendo acusado. Outra possibilidade é a morosidade no julgamento pelos tribunais de 1ª Instância, uma ação contra um político, pode levar décadas. Têm-se os dois lados!
Por fim, como a sra. interpreta a atual situação política do país? Acredita em renovação para 2018?
Pensando no âmbito de composição do Congresso Nacional e disputa a presidência, os candidatos que têm se manifestado até agora não suscitam nenhuma renovação significativa. Na verdade, desde a década de 90, são os mesmos personagens, portanto não acredito que haja renovação. O único candidato diferente é o Bolsonaro, porém é um candidato que assusta pelo discurso conservador. O que acredito é que haverá uma renovação do comportamento dos candidatos a presidente e dos congressistas, que estarão mais vulneráveis - desde a campanha- e mais suscetíveis a denúncias durante a disputa. Não acredito que tenhamos novas figuras com potencial catalizador. O que observo é que o cenário eleitoral, em 2018, será de conflitos e polarizações.
* Rita de Cássia Biason é cientista política, com doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado em Ciência Política pela Universidade de Valladolid- Espanha. Atualmente é professora na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Franca e coordena, na mesma instituição, o Centro de Estudos e Pesquisas sobre Corrupção.
Merval Pereira: Melhor não fica
No mesmo dia em que uma pesquisa de opinião revelou que 60% dos brasileiros consideram ruim ou péssimo o desempenho dos atuais deputados e senadores, um dos símbolos do pior Congresso dos últimos tempos, o palhaço Tiririca, subiu pela primeira vez — e provavelmente última — à tribuna para anunciar que está abandonando, decepcionado, a política ao término de seu segundo mandato. Tiririca é um símbolo da disfunção de nosso sistema eleitoral, e sua decepção não tem a menor importância, mas revela a que pontos chegamos.
A rejeição ao trabalho do Congresso atingiu o seu maior número desde o início da série de pesquisas do Datafolha, em 1993. Além da desaprovação recorde de 60%, a aprovação desceu a apenas 5%, também o pior número já registrado. O deputado federal Tiririca parecia que estava renunciando ao mandato com seu discurso, onde se disse “envergonhado”, “decepcionado” com os colegas e com a política brasileira e pediu que os outros parlamentares “olhem pelo país”. Mas ficará no cargo até o final do mandato, sem se recandidatar. Não se sabe o que Tiririca fez de seus dois mandatos, pois, além de nunca ter falado da tribuna até ontem, limitou-se a ser um dos mais assíduos e menos eficientes dos deputados.
Seus projetos tinham objetivos certos, a sua corporação, assim como a maioria dos colegas: pediu isenção de pedágio para os palhaços e bolsas de educação para os filhos dos palhaços. E foi acusado, até mesmo, de ter usado dinheiro público “para viajar e fazer show”. Com a verba de gabinete, teria comprado uma passagem de Ipatinga para Brasília depois de um show. Nada grave, diante do histórico dos companheiros que o envergonham.
Em 2010, foi o mais votado em São Paulo, com 1,35 milhão de votos, alegando que com Tiririca “pior não fica”. Em 2014, teve 1,01 milhão de votos e ficou em segundo lugar, atrás de Celso Russomanno, astro popular em outra dimensão. “Subo nessa tribuna pela primeira vez e pela última vez. Não por morte. Porque estou abandonando vida pública. (...) Saio decepcionado mesmo” declarou.
Ele afirmou que, após o segundo mandato, percebeu que “não dá para fazer muita coisa”. “Costumo dizer que parlamentar trabalha muito e produz pouco”, disse, elencando “mordomias” que parlamentares têm direito, como um salário líquido de R$ 23 mil. Para ele, “não vai mudar. O sistema é esse. É toma lá, dá cá”, afirmou.
Além de ser consequência da ignorância política do eleitorado e de um sistema eleitoral que passou a buscar em subcelebridades como jogadores de futebol, artistas de todos os tipos, inclusive palhaços, e comunicadores de rádio e TV os votos que aumentariam suas bancadas e, principalmente, a participação no Fundo Partidário, Tiririca alimentava-se desse sistema que agora critica.
PRB e PR somam 60 votos na Câmara e têm em suas fileiras, respectivamente, como puxadores de votos, o deputado mais votado, Celso Russomanno, com 1.524.286 votos, e o segundo mais votado, Tiririca, que teve 1.016.796. Graças a isso, o PRB elegeu oito deputados em São Paulo, três levados pela votação de Russomanno. Já Tiririca elegeu outros dois deputados, e o PR fez uma bancada de seis deputados federais em São Paulo.
Além de aumentar as bancadas de seus partidos, esses puxadores de voto aumentam também o Fundo Partidário, distribuído pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anualmente aos partidos que participaram das eleições para a Câmara. A maior parte dos recursos — 95% — é distribuída entre os partidos de acordo com o número de votos obtidos na eleição para a Câmara dos Deputados (os 5% restantes são divididos igualmente).
Cada voto obtido por uma legenda equivale, todo ano, a uma determinada quantia. Na sua mais recente versão, o Fundo estava em cerca de R$ 800 milhões, o que dá por cada voto válido R$ 12,00. Os grandes puxadores de voto também recebem uma atenção especial dos partidos, assim como os grandes craques de qualquer esporte têm remuneração variável pela performance, ou executivos recebem bônus por produtividade. Russomano, por exemplo, “deu” ao PRB mais de R$ 18 milhões nos quatro anos de seu mandato atual. Tiririca, mais de R$ 12 milhões ao PR. Mas eles também representam a distorção da vontade do eleitor quando seus partidos fazem coligações com outros que nada têm a ver com seus programas.
O ex-presidente Lula, ao terminar seu mandato de deputado constituinte, o qual desempenhou tão mediocremente quanto Tiririca agora, saiu esbravejando contra a Câmara, onde, segundo ele, havia 300 picaretas em atividade parlamentar. Quando chegou à Presidência 15 anos depois, Lula foi em busca daqueles 300 picaretas para governar à base da fisiologia e da corrupção pura e simples. O falecido deputado Ulysses Guimarães dizia que o próximo Congresso é sempre pior do que o anterior, numa cáustica visão sobre a falta de renovação de nossa política partidária. E o Datafolha comprova que a percepção da população sobre nossos parlamentares só faz piorar.
Sem Tiririca, melhor não fica.
Mauricio Huertas: De onde virá o novo que o eleitor busca em 2018?
Um vovô que coloca brinco, bermudas coloridas, meias três quartos e sapato social na praia não é moderno. É ridículo. Mal comparando, partidos que mudam às pressas sua sigla, ou o nome fantasia, não passam a simbolizar a renovação da política simplesmente por um golpe de marketing, sem alterar a fundo o conteúdo obsoleto e as práticas execráveis. Tanto quando os corruptos, o que as novas gerações mais desprezam e repudiam é político hipócrita, demagogo e mentiroso.
A moda agora é tirar o "partido" dos partidos. Só não tiram os bandidos. Incrível! Até o PMDB, metido em tanta lambança nas últimas décadas, vai voltar a ser MDB - relembrando os velhos tempos da luta contra a ditadura e valorizando o M de Movimento nas suas iniciais. E assim surgem Podemos, Avante, Livres, Patriotas e equivalentes. A velha sopa de letrinhas requentada. Será que ficaram modernos por isso? Vamos conferir nas urnas a quantidade de eleitores ingênuos que vão cair nessa pegadinha da nova língua do P ao contrário.
Porém, o que os cidadãos conscientes desejam - e esses novos movimentos cívicos que surgem espontaneamente e não dão liga com os velhos partidos representam - é algo que venha impactar verdadeiramente a agenda eleitoral e a ação política no Brasil. Mudanças efetivas na vida das pessoas, a melhoria da qualidade de vida, da situação econômica, da inserção social, da segurança, do emprego, da saúde, da educação, da igualdade de oportunidades.
Governos mais eficientes e responsáveis. Gestores públicos mais preparados. Um Estado mais ágil, conectado com as novas tecnologias e indutor do desenvolvimento. Uma sociedade mais justa e sustentável. Para tanto, é necessário que uma nova geração de políticos se apresente e se eleja - e as regras estão postas. Mas não será das velhas estruturas cartoriais maquiadas que surgirá o novo. Mudanças profundas são uma necessidade emergente, para o bem da democracia.
Isso leva a outro assunto: afinal, quem discorda da urgência de uma série de reformas estuturais, da previdenciária à tributária; da trabalhista à eleitoral - e todas muito mais robustas do que os puxadinhos improvisados que se vêem por aí? Mas, cá entre nós (e aqui voltamos aos políticos corruptos, hipócritas, demagogos e mentirosos), alguém acredita de fato nas reformas propostas por este presidente desacreditado, que mudam ao sabor dos humores do mercado, da volatilidade deste governo desprezível e de um Congresso medíocre que, embora eleito para representar a média do povo brasileiro, não passa de um antro de interesses privados e muitas vezes ilícitos?
O que nós queremos - e a nossa ida às urnas em outubro de 2018 pode ser um ponto de partida - é a ampliação dos instrumentos democráticos e dos preceitos republicanos à disposição do eleitor, na relação diária com o poder público e não apenas na proximidade das eleições, desmistificando a política e reaproximando-a do cidadão comum, sem o monopólio dos partidos nem a dependência de um salvador da pátria.
Exigimos dos políticos - os tradicionais e os novos convertidos - o respeito à diversidade do Brasil e dos brasileiros; o compromisso democrático com os interesses da maioria sem o descaso pelas minorias; um comportamento ético, responsável, transparente e tolerante com as diferentes correntes de opinião, mas que não se empobreça no debate estéril da polarização enraivecida nem descambe para as soluções mais extremadas, que nos parecem indesejáveis para a estabilidade do futuro governo - e que, bom ou ruim, mais à esquerda ou à direita, será legitimamente eleito por nós. E que vença o melhor.
* Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS/SP, diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), líder RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), editor do Blog do PPS e apresentador do #ProgramaDiferente
Fernando Gabeira: Reflexões sobre o provolone
Parei algum tempo para pensar na história do deputado que levava queijo provolone e biscoitos na cueca. Ele foi condenado a sete dias no isolamento. O queijo provolone custa R$ 35, o quilo. Na cela de Cabral foram encontrados queijos tipo Saint Paulin e Chavroux, ambos rondando os R$ 300, o quilo. Nada aconteceu, exceto a retirada dos alimentos importados.
Na verdade, acho que ambos os casos são simples infrações das regras do presídio. O do deputado Celso Jacob acabou resultando numa pena quase que perpétua. Durante muitos anos, ele será conhecido como o deputado do queijo na cueca. De um ponto vista social, é um ato inofensivo. Descoberto, revela um ser humano numa situação patética, dessas que podem acontecer com muitas pessoas ao longo da vida. São, ao mesmo tempo inofensivas mas destruidoras, se divulgadas.
Minha conclusão sobre esse caso não é nada popular, a julgar pelas reações das pessoas com quem comentei meu desconforto. Sinceramente, acho que ele deveria sofrer algum tipo de punição por infringir a regra e que não deveria exercer o mandato desde quando foi condenado. No entanto, o sistema penitenciário poderia tratar o caso como a centenas de outros no presídio, sem exposição pública.
Sei que a luta contra a corrupção é uma grande causa. Exatamente por abraçar algumas grandes causas, tenho também um pouco de medo delas. Às vezes, fazem com que gente ignore o outro e sua precária condição humana, no embalo da defesa de nossas ideias.
A revolução cultural chinesa foi um impacto para mim. Estava em Lisboa, rumo ao País de Gales, onde faria um curso de jornalismo. Aquelas imagens de homens seminus com cartazes pendurados no peito me traziam desconforto. Com o tempo, conheci melhor o que se passou na China, e cada vez mais a ação daqueles jovens com o livro vermelho de Mao Tsé-Tung na mão, prendendo e humilhando, pareceu-me uma maneira doentia de como uma sociedade autoritária pune as pessoas.
Até num filme sobre julgamento de líderes nazistas, lembro-me de uma cena, de um dos acusados mais velhos segurando a calça porque estava sem cintos, em que senti também um desconforto.
Os tempos passam, e a sociedade renova sua maneira de punir. Além da luta contra a corrupção, grandes temas como racismo, machismo, homofobia são causas que mobilizam. Nos Estados Unidos, há um grande movimento de denúncia de assédio sexual, derrubando um a um os acusados. No Brasil, o eixo do confronto esquerda-direita acabou se deslocando para essa área de costumes.
Sei que não posso evitar que toda essa energia emotiva se extravase. Mas sei também que os tribunais se deslocaram para as redes e que aí são feitos grandes julgamentos, de um modo geral aceitos de imediato pelas empresas. As opiniões individuais ganham peso, no entanto trazem também a responsabilidade de se informar melhor. O que nem sempre acontece.
Na rede, não existe um código pré-estabelecido, como na lei, ponderando crime e castigo. Ela não sentencia ninguém à perda da liberdade, ou qualquer tipo de multa. Ela trata da imagem e, às vezes, decreta o fim de uma carreira pública.
E, nesses casos, a distinção entre esquerda e direita é inócua. Recentemente, surgiu uma campanha afirmando que Caetano Veloso era pedófilo, porque fez amor com uma garota de 14 anos que se tornou sua mulher e mãe dos seus filhos.
O caso mais doloroso foi a saída de William Waack de seu posto de trabalho. Ele disse uma frase condenável. Mas existe ponderação entre a pena e a frase? Eu o conheci na Alemanha, éramos correspondentes, ele para o “Estadão”, eu para a “Folha”. Convivemos na época, estivemos juntos quando os sérvios invadiam a Croácia, no início dos grandes conflitos na região. Sempre o achei um excepcional jornalista. E nós precisamos dele no Brasil, com sua experiência e conhecimento do mundo.
Sou um dos responsáveis pela valorização desses temas no Brasil. Influência dos anos de Europa. Também de lá, creio, muitas ideias se transportaram para as universidades americanas. Respeitadas as diferenças nacionais, é um mesmo movimento por direitos civis aqui e nos Estados Unidos. A experiência americana é um dos temas que me preocupam. Trump ganhou as eleições. É um equívoco pensar que não existem retrocessos. Como evitá-los nesse contexto tão apaixonado?
Nesse domingo de manhã, a única pista que me ocorre é esta: o conhecimento do outro, do que não concorda com suas ideias liberais. Entender o apelo nostálgico a um passado mais ordeiro, a ansiedade com as transformações muita rápidas, o medo de aniquilamento de seu universo cultural, da dissolução da família.
Nada evitará que o debate seja intenso. Mas talvez possa ter um nível de respeito e senso de justiça que permitam em certos momentos, a todos, ultrapassarem sua luta identitária para a condição de brasileiro num país arruinado.
Merval Pereira: O semipresidencialismo
A proposta do semipresidencialismo em análise. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que estabelece o semipresidencialismo como forma de governo no país atribui ao presidente da República, que seria eleito pelo voto direto, um papel mais amplo do que o de árbitro de decisões do governo. O Artigo 61 confere ao presidente a competência de propor leis ordinárias e complementares. Por sua vez, o Artigo 84 permite ao chefe de Estado vetar total e parcialmente projetos de lei.
Ele está sendo debatido pelo presidente Michel Temer com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que acumula a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Eunício de Oliveira, além de lideranças políticas, e pode ser apresentado ainda neste governo, mas não poderia entrar em vigor em 2018, pois já temos menos de um ano para as eleições.
Além do mais, o tema é controverso, pois a mudança do presidencialismo para o parlamentarismo já foi derrotada duas vezes em plebiscito, e o Supremo ainda julgará se é possível fazer tal mudança apenas por emenda constitucional, sem novo plebiscito. Octavio Amorim Neto, professor associado da EBAPE/FGV-Rio e atualmente investigador visitante do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa no período 20172018, um especialista nesse tipo de sistema de governo, principalmente no sistema português, que estuda há 20 anos, fez, a meu pedido, uma análise da PEC, baseando seus comentários nos trabalhos dos politólogos Robert Elgie, Matthew Shugart e John Carey.
O semipresidencialismo é um sistema de governo cuja constituição estabelece um chefe de Estado diretamente eleito pelo povo e um primeiro-ministro e um gabinete dependentes da confiança parlamentar. Há duas formas de semipresidencialismo: o chamado regime premierpresidencial, em que o primeiro-ministro e o gabinete são coletivamente responsáveis apenas perante o Parlamento — Portugal desde 1983 e a Vª República Francesa são exemplos desse subtipo. Há também o regime presidencial-parlamentar: trata-se de uma forma de semipresidencialismo em que o primeiro-ministro e o gabinete são coletivamente responsáveis perante tanto ao Parlamento, quanto ao presidente. A Rússia de hoje em dia e a República de Weimar são exemplos bem conhecidos.
Segundo Octavio Amorim Neto, a literatura acadêmica é praticamente unânime na constatação de que o regime premier-presidencial, em que é baseada a proposta em discussão, é superior ao presidencial-parlamentar no que diz respeito tanto ao desempenho governamental quanto à qualidade da democracia. Ele suspeita que uma das razões para a retenção daquelas duas atribuições presidenciais — a de propor leis e de vetar propostas — diga respeito à batalha que ainda está por ser travada no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na sua avaliação, os advogados do projeto poderão arguir que, com os poderes que o presidente ainda terá sob o semipresidencialismo, o novo sistema de governo estará bem mais próximo do polo presidencialista do que do parlamentarista, permitindo que o atual presidencialismo puro seja alterado apenas por emenda à Constituição, e não por plebiscito.
Paradoxalmente, analisa, o veto parcial é mais poderoso do que o total, uma vez que, por meio daquele, o presidente poderá tentar eliminar apenas trechos de uma lei que desagradem a um setor da maioria parlamentar, jogando-o contra o setor ao qual os trechos são desejáveis. Já o uso do veto total força o presidente a confrontar abertamente a maioria parlamentar que aprovou o projeto em questão. “O veto parcial propiciará ao chefe de Estado táticas do tipo ‘divide et impera’ face à maioria parlamentar, maximizando o poder presidencial. Além disso, a capacidade de propor leis ordinárias e complementares poderá criar o risco de que o presidente venha a competir com o primeiro-ministro pelo controle da agenda legislativa do Congresso”, analisa Neto.
Para evitar conflitos entre poderes, ele acha que seria importante eliminar a capacidade de propor leis e o poder de veto parcial, mantendo-se o veto total, e deixar bem claro o papel fundamental de árbitro do governo a ser exercido pelo presidente. A arbitragem presidencial se ampararia, diz Octavio Amorim Neto, nas atribuições privativas de indicar, nomear e exonerar o primeiro-ministro, de dissolver a Câmara dos Deputados e de convocar novas eleições (Artigo 84). “Porém, não sei se o STF aceitaria que tal redução dos poderes do presidente da República às condições de chefe de Estado, comandante supremo das Forças Armadas e árbitro do governo fosse efetuada apenas por meio de uma emenda constitucional. (Nas próximas colunas abordarei outros aspectos da proposta, baseado nos comentários de Neto).
Luiz Werneck Vianna: A sucessão e o novo espírito do tempo
O cenário pela frente não favorece previsões de desenlaces felizes para os nossos dilemas. A política brasileira encontra-se criptografada, indecifrável para os mortais comuns, que a cada dia são aturdidos pelos meios de comunicação com notícias de que o fim do nosso mundo está próximo e não há o que fazer para salvá-lo do pântano da corrupção em que estaria atolado. Nossos profetas do apocalipse são prisioneiros de suas fabulações sobre a História do País, que identificam como um experimento malsucedido a ser “passado a limpo” por sua intervenção redentora. Querem nos fazer crer que atuam em nome de ideais e sem interesse próprio, mas o gato está escondido com o rabo de fora, pois em meio à alaúza que provocam se pode entrever a manipulação da sucessão presidencial de 2018.
Essa sucessão abre uma janela de oportunidade para uma agenda inovadora que procure, em meio a um amplo processo de deliberação pública, identificar novos rumos legitimados pelo voto para o País. No entanto, caso se frustre esse caminho por desastradas ações dos agentes políticos, pode apontar para o derruimento do regime da Carta de 88, concedendo passagem às potências malignas que ora nos espreitam. O cenário que se tem pela frente, é forçoso reconhecer, não favorece previsões de desenlaces felizes para os dilemas com que ora nos confrontamos.
Aqui, ao que parece, Maquiavel foi banido do nosso repertório político desde o advento da Operação Lava Jato, há três anos presença dominante na conjuntura sem que, salvo exceções, a copiosa literatura que lhe é dedicada leve em conta as circunstâncias que envolvem as ações dos atores e dos fins que erraticamente perseguem. Desarmados de suas lições, anacronicamente recuamos ao medievo, atribuindo-se - “maquiavelicamente”? - precedência dos valores da moralidade sobre a razão política. Ignora-se que o realismo político que Maquiavel preconizava estava a serviço de um ideal cívico, qual seja o de criar na Itália um Estado capaz de livrá-la da dominação estrangeira.
No campo do Direito, é Weber o ignorado em sua veemente recusa às pretensões “patéticas”, em suas palavras, dos juízes que se comportam nos seus julgamentos em “nome de postulados de justiça social”. Exemplares, no caso, os juízes que desafiam a ordem racional-legal ao recusarem, em nome do que sua corporação entende como o justo, a aplicação a lei da reforma da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT.
Quem busca o futuro opera no plano do aqui e agora a partir de experiências acumuladas - a História não conhece o tempo vazio. Há sempre um começo, uns mais felizes que outros por propiciarem um terreno seguro para o bom andamento de suas sociedades, tal como Tocqueville caracterizava a singularidade do caso americano; outros, ao contrário, vão exigir esforços sempre renovados a fim de que a sociedade venha a encontrar, por ensaio e erro, um sistema de ordem que favoreça a sua reprodução ao longo do tempo.
Em nosso caso, dadas as condições de origem - uma colônia de exploração que logo recorreu ao trabalho escravo -, os “caminhos para a civilização”, que não nos seriam naturais, deveriam proceder de cima pela ação de uma elite a exercer um papel pedagógico que nos trouxesse da barbárie às luzes do ideário do liberalismo político, na luminosa análise de Euclides da Cunha em ensaio famoso. Desde aí o acesso ao moderno nos viria da ação de elites ilustradas, fórmula conservada pela República ao longo do processo de modernização que vai de Vargas a Lula.
Somos filhos dessa longa construção, de cujos lógica, arquitetura e estilo começamos a nos desprender quando o governo de Dilma Rousseff, distante um oceano do pragmatismo do seu mentor, hipotecou, em nome de suas convicções pessoais, a sorte da sua administração na tentativa arriscada de conceder sobrevida ao que, à vista de todos, Lula incluído, mais se assemelhava a um caso terminal. A própria presidente Dilma, logo após sua reeleição, vai reconhecer a exaustão do modelo vigente de capitalismo de Estado ao nomear o liberal Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda.
Nesse sentido, o impeachment importou bem mais do que uma trivial crise política, na medida em que trouxe consigo a crítica da modelagem do nosso capitalismo centrado no papel do Estado, levado a uma situação falimentar no governo Dilma, crítica que se radicalizou quando foram sentidos os efeitos nefastos da severa depressão econômica que se abateu sobre o País. O passado deixou de iluminar o futuro, como amargamente agora constatamos, em que pesem os sucessos acumulados no curso do nosso longo processo de modernização.
Processos de modernização pelo alto, em suas variantes brandas, como os que ocorreram nos governos de JK, FHC e Lula, ou duras, incidentes no Estado Novo de 1937 e no recente regime militar, têm a característica comum de serem, mais ou menos, segundo os casos, refratários à auto-organização da vida social. Nosso sindicalismo, mais forte presença entre nós de vida associativa dos setores subalternos, que nasceu nos primeiros anos da República animado pelos princípios da autonomia, foi, como notório, incorporado à malha estatal pela chamada Revolução de 30, que, de fato, veio a estabelecer na política brasileira a modelagem típica dos processos de modernização autoritária.
A derrota dessa experiência, inesperada da forma como ocorreu - um impeachment encaminhado por um parlamentar a quem faltava densidade política contrariado em seus interesses, fundado em razões técnicas ininteligíveis para o homem comum -, deixou atrás de si um imenso vazio. Sem as escoras do nosso passado, que cederam pela ação corrosiva de um novo espírito do tempo, marchamos nas trevas. A hora da sucessão é mais que propícia para a descoberta de novas luzes que tenham sua fonte de energia na sociedade civil, aliás, já identificadas nas jornadas de junho de 2013.
Míriam Leitão: Necessidade imediata
Atuação do governo e do Congresso ameaça sabotar a recuperação. O desemprego, depois de atingir o pico de 13,7%, vem caindo e estava, ao fim de outubro, em 12,2%. A massa de rendimentos no começo do 2016 registrava queda de 4%, agora está em alta de 4,2%. O mercado de trabalho começa a se recuperar da destruição em massa de postos de trabalho iniciada em dezembro de 2014. Mas o Brasil faz o errado de imediato e posterga o certo, e isso enfraquece a recuperação.
É certo incluir mais 18 mil pessoas dentro do inchado serviço público federal? Pois, uma proposta de emenda constitucional acaba de ser aprovada na Câmara para que servidores de Roraima e Amapá, que entraram nos serviços dos ex-territórios entre 1988 e 1993, passem a ser servidores da União. O autor da proposta é o senador por Roraima, Romero Jucá. O mesmo que fala em necessidade de ajuste fiscal em nome do governo Temer. E ele apresentou essa PEC por que? Interesse eleitoral e demagogia. Esse não é o momento de aumentar o número de servidores. Da mesma forma que, em maio de 2016, com o desemprego aumentando em avalanche no setor privado, não era hora de aprovar aumentos salariais para funcionários públicos até 2019. Agora, o governo tenta adiar o reajuste do ano que vem, mas o Congresso não se move para votar.
O mercado de trabalho vai se ajustando aos poucos. A economia dá sinais discretos de recuperação. Talvez o PIB do terceiro trimestre traga a boa notícia de ter sido positivo — calcula-se algo em torno de 0,3% — e com o sinal bom de alta no investimento. É o que se prevê sobre o dado, que sai hoje. Olhando os números do mercado de trabalho, o que se vê é que a máquina de destruir emprego, ligada pela recessão iniciada no governo Dilma Rousseff, começa a reduzir seu apetite.
Há 586 mil desempregados a menos do que no final de julho e 868 mil pessoas a mais com emprego. A maioria aceitou uma ocupação informal ou criou seu próprio trabalho. Os dados comparados com o trimestre anterior (maio-junhojulho) mostraram melhora, mas em relação ao mesmo trimestre do ano passado, houve piora. Ainda assim, o economista José Márcio Camargo acha que o quadro já inspira alguma confiança. Ele acredita que o país está perto de uma virada nessa comparação anual. No começo do ano, a diferença em relação à taxa do início de 2016 era de 3,1 pontos percentuais; agora é de 0,4. Ele acha que o país terminará 2017 melhor do que no fim do ano passado, com o desemprego em 11,5%. Quando a taxa começou a subir no início do segundo mandato de Dilma, José Márcio previu que chegaria a 13%. Parecia exagero. E chegou a 13,7%.
O pior passou no mercado de trabalho, mas o desemprego ainda é muito alto. Portanto, a taxa de criação de emprego tem que ser acelerada para dar algum conforto às famílias. Mas isso não acontecerá com o Congresso se recusando a aprovar medidas de ajuste, fechando os olhos para a urgência de uma reforma no sistema de aposentadorias e pensões. O governo está em contradição sistemática, como nesse episódio da entrada de 18 mil funcionários a mais na folha da União. E o que disse a equipe econômica? Nada. E o que fez o Planalto para impedir a aprovação desse aumento de gastos? Nada. O governo parece dizer: ajuste, ajuste, minha clientela à parte.
O IBGE tem divulgado dados impressionantes da realidade brasileira. O país precisa urgentemente aumentar o esforço para tirar do trabalho infantil quase um milhão de menores em situação irregular, por não serem registrados ou por terem entre 5 e 13 anos. Trinta mil dessas crianças têm entre cinco e nove anos. O Brasil é desigual, extremamente, mais do que as lentes do instituto captam porque o que está sendo medida é a desigualdade na renda do trabalho. A população de 60 anos ou mais cresce em ritmo acelerado, como também mostra o IBGE; de 2012 para 2016 aumentou 16%.
Diante da necessidade urgente de proteger as crianças e preparar a Previdência para a elevação da idade da população, o que é feito? Desidrata-se a proposta de reforma que estabelece a idade mínima para se aposentar em 53 anos e 55 anos agora e que só em vinte anos chegará aos níveis em que já estão México e Chile, de 62 e 65 anos. E a reforma pode nem ser votada. Este governo, com suas contradições e seu labirinto, vai acabar em 12 meses e 30 dias. O Brasil permanecerá com suas urgências imediatas, pedindo que o país seja capaz de tomar as decisões certas. Antes que seja tarde.
José Roberto de Toledo: Brasil 8 x 1 EUA
Deputados brasileiros agitam bem mais as mídias sociais do que seus colegas americanos
Embora se especule sobre qual será o peso da campanha digital só na disputa presidencial, é na eleição legislativa que a ligação direta via celular do eleitor terá mais impacto na urna em 2018. Indício disso é a energia que os atuais deputados federais estão gastando para ampliar sua pegada virtual: 93% criaram páginas no Facebook e as alimentam duas vezes ao dia, em média. Mais importante, seus investimentos estão se pagando – e com juros muito maiores do que no país que inventou as redes digitais.
Os deputados brasileiros agitam bem mais as mídias sociais do que seus colegas americanos. Em novembro, os donos de cadeiras na Câmara provocaram seis vezes mais interações em suas páginas no Facebook do que os deputados dos Estados Unidos. Em outubro, a diferença foi de dez vezes. Em setembro, sete vezes. Na média, 8 x 1. É o que revela comparação inédita do desempenho de parlamentares dos dois países – feita por esta coluna usando a plataforma CrowdTangle.
Dos 513 deputados federais brasileiros no exercício do mandato, 478 têm páginas próprias no Facebook. Juntas, provocaram 19 milhões de compartilhamentos, “likes” e comentários ao longo dos últimos 30 dias. Já as 402 páginas dos 435 deputados gringos renderam menos de 3 milhões de engajamentos no mesmo período. O deputado Jair Bolsonaro, sozinho, engajou mais.
Sim, há mais páginas de parlamentares brasileiros, mas não é daí que vem a diferença. Comparando-se as médias de interação por página, as nacionais bateram 40,5 mil em novembro, contra 7 mil das estrangeiras. Praticamente a mesma desproporção: 5,8 vezes mais. Por que, então, os legisladores de Brasília dão um banho de interatividade nos de Washington? Intensidade e quantidade.
Os deputados brasileiros publicam duas vezes mais do que os colegas do norte. A atividade constante aumenta a chance de serem vistos por mais gente. Há deputados como Delegado Francischini (SD-PR) que passam de 13 posts por dia – quase todos fazendo campanha para Bolsonaro 2018 ou atacando seus adversários.
A metralhadora de “posts” seria pouco eficiente se não mirasse em um alvo grande. O dos brasileiros é quatro vezes maior do que o dos americanos. Somadas, as páginas dos deputados daqui têm 47,8 milhões de seguidores, contra 11,7 milhões das de lá. O dobro de publicações para uma audiência que é o quádruplo da gringa explica o porquê de os brasileiros agitarem tão mais.
Como eles conseguiram tantos seguidores? Quantos são gente e quantos são clones? Pessoas pagas para administrar dezenas de perfis falsos nas mídias sociais existem há anos na política. Mas, como ficou demonstrado pelos hackers russos na eleição nos Estados Unidos em 2016, não são exclusividade brasileira. Qual o peso dos “fakes” no Brasil? Faltam estudos para calculá-lo com precisão.
Os deputados mais bem-sucedidos em engajar pessoas no Facebook são, não por acaso, os que pertencem a grupos com militâncias aguerridas: ex-policiais, pastores evangélicos, militares ou da esquerda. Dos Top 10 em interações, dois são Bolsonaro (pai e filho), um é delegado, outro é major, um é pastor, dois são petistas, uma é do PCdoB e um é do PDT. Os dez estão mais para as pontas do que para o centro do espectro político.
Além de militantes – reais ou virtuais –, os Top 10 também publicam muito: oito posts/dia, em média. Produzir conteúdo, embalá-lo, publicá-lo diariamente, monitorar o resultado – tudo isso consome recursos. Desde que assumiram, os 513 deputados já gastaram R$ 127 milhões de verba pública em divulgação e consultorias de comunicação. É mais uma vantagem que os deputados terão sobre os neófitos que pretendem tomar seu lugar.
Merval Pereira: Fora do prumo
O PSDB decididamente perdeu o rumo. No mesmo momento político em que decide dar ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, a presidência do partido com o objetivo de tentar uni-lo em torno de sua candidatura à Presidência da República no ano que vem, toma duas atitudes completamente divisionistas: a bancada na Câmara decidiu impor condições para aprovar a reforma da Previdência, defendendo privilégios para servidores públicos; e divulga um documento pelo Instituto Teotônio Vilella com pretensas diretrizes para o programa partidário que não foi colocado em discussão.
Tudo indica que o partido acredita mesmo que a eleição de 2018 tem semelhanças com a de 1989, tanto que retornou no tempo para defender nesse documento supostamente partidário um “choque de capitalismo”, coisa que o então candidato do PSDB Mario Covas pediu em 1989.
Como o partido é reconhecido como o que tem dos melhores quadros de economistas, responsáveis pelo Plano Real, é espantoso que nenhum deles — Pedro Malan, Edmar Bacha, Elena Landau — tenha sido pelo menos consultado sobre esse texto divulgado. Não é à toa que Gustavo Franco decidiu deixar o PSDB para aderir ao Partido Novo, e André Lara Resende, Pérsio Arida e Armínio Fraga estejam afastados do partido, assessorando novos potenciais candidatos.
E é igualmente inexplicável que se lance um projeto de programa para as eleições de 2018 quando o partido está em fase de transição na sua direção nacional. Fora que a defesa de um “Estado musculoso”, em contraposição ao “Estado mínimo” ou “Estado forte” é um achado linguístico desastroso, que pode encobrir novas incoerências na questão das privatizações que já foi uma pedra no caminho da candidatura presidencial de Alckmin em 2006.
Do mesmo modo, a defesa de pontos programáticos históricos como a reforma da Previdência esbarra em interesses corporativos e populistas de parte da bancada de deputados, que pede mais concessões ao governo em sua proposta. O documento da bancada exige benefício integral na aposentadoria por invalidez, independentemente do lugar onde o problema ocorreu; permissão para acumular benefícios (pensão e aposentadoria) até o teto do INSS, hoje em R$ 5.531 e acima do que o governo propõe; e uma regra de transição especial para que os servidores que ingressaram no sistema até 2003 possam ter integralidade (último salário da carreira) e paridade (mesmo reajuste salarial dos ativos) sem ter que cumprir idade mínima de 65 anos (homem) e 62 anos (mulher).
Quer dizer, o PSDB, que iniciou a reforma da Previdência como projeto de Estado, está sendo mais corporativista que o governo do PMDB. O partido já havia explicitado sua incoerência na campanha presidencial de 2014, quando votou pelo fim do fator previdenciário, mecanismo engenhoso aprovado pelo governo do PSDB para compensar a impossibilidade de aprovar a idade mínima para aposentadoria, derrotada na Câmara pela falta de um voto, justamente a do tucano Antonio Kandir, que alegadamente se equivocou na hora de votar apertando a tecla errada.
Para completar as trapalhadas, fala-se agora em acabar com as prévias, frustrando a pretensão do prefeito de Manaus, Arthur Virgílio, de disputar a indicação. Claro que é uma atitude voluntarista de Arthur Virgílio, já que a maioria do partido já se decidiu pela candidatura Alckmin. Mas, pelo menos enquanto tentam convencê-lo a desistir, não deveriam aventar a hipótese de não haver prévias. Foi o próprio Geraldo Alckmin quem disse que, se houvesse mais de um candidato à Presidência da República entre os tucanos, a prévia partidária era a melhor saída.
Roberto Freire: O parlamentarismo e as forças do atraso
Bastou o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pedir a inclusão na pauta da Corte de um mandado de segurança que trata da mudança do sistema político brasileiro, e setores da oposição começaram a vituperar a surrada cantilena de que estaria em curso um “golpe” com o objetivo de retirar os poderes constitucionais do presidente da República a ser eleito em outubro de 2018. Em nota conjunta assinada pelos presidentes do PT, do PCdoB, do PDT e até do PSB, não há sequer criatividade ou imaginação para fugir da narrativa falaciosa da vitimização, como se essas forças políticas tivessem sido “golpeadas” por quem supostamente estaria disposto a impedir o curso natural do processo democrático. Trata-se, evidentemente, de um despautério.
Permanentemente refratária a toda e qualquer proposta de mudança para o país – como se tem observado na postura desses partidos em meio aos debates sobre as reformas –, essa oposição perdeu o discurso, a razoabilidade e qualquer contato com o mundo real, motivo pelo qual está absolutamente isolada em relação à esmagadora maioria da população brasileira. Como se o Brasil vivesse hoje em uma espécie de “nirvana”, em perfeita estabilidade e harmonia, sem nenhum problema, tais forças políticas que compõem uma esquerda atrasada e obsoleta não admitem sequer discutir as reformas necessárias ao país. Ao fim e ao cabo, tal conservadorismo acaba se transformando em uma ação profundamente reacionária.
O mandado de segurança em questão (nº 22.972), curiosamente de autoria do então deputado petista Jaques Wagner, questiona o Supremo sobre a viabilidade de o Congresso Nacional decidir pela mudança para o sistema parlamentarista sem a necessidade de uma consulta popular nos moldes dos plebiscitos realizados em 1963 e 1993. A proposta foi apresentada em 1997, teve uma série de ministros relatores durante esse período e estava já há alguns anos sem tramitar na Corte. Desde março de 2016, no entanto, a petição está pronta para ser analisada pelo plenário do STF. No último dia 14 de novembro, o ministro Alexandre de Moraes solicitou a inclusão da ação na pauta de julgamentos do colegiado.
Ao contrário do que pregam o PT e seus aliados, penso que temos de debater o parlamentarismo com seriedade. Por esse sistema, sobre o qual já me manifestei favoravelmente inúmeras vezes, a queda do gabinete se dá sem que haja uma crise política traumática. Quando não se consegue obter uma nova maioria parlamentar, a Câmara é dissolvida e são convocadas novas eleições. Não há traumas institucionais – como acontece, por exemplo, no longo, penoso e desgastante processo de impeachment, como vimos com Collor e, mais recentemente, Dilma.
Não por acaso, trata-se do sistema vigente na maioria dos países do mundo democrático. Com exceção dos Estados Unidos, todas as grandes nações desenvolvidas são parlamentaristas. O presidencialismo, por sua vez, é filho direto do absolutismo monárquico e gerador de impasses e crises permanentes. Especialmente no Brasil, esse sistema impulsiona os “salvadores da pátria” ou demiurgos que pretendem exercer um poder quase imperial. Lamentavelmente, dois dos candidatos que aparecem nas últimas pesquisas eleitorais para 2018, Lula e Bolsonaro, têm justamente essa característica e são exemplos emblemáticos de quem não tem qualquer compromisso com a democracia nem com o bom funcionamento das instituições e dos Poderes da República.
Há quem defenda que uma modificação tão profunda no sistema político brasileiro deveria ser feita somente após o processo eleitoral de 2018 e não poderia prescindir de uma consulta popular – é uma ponderação razoável que, obviamente, deve ser considerada. Mas que seja discutida, então, a possibilidade de adoção do parlamentarismo já a partir de 2022, tendo o próximo presidente a responsabilidade de liderar um processo de transição. Seria um notável avanço para o país e um passo importante para qualificarmos o processo político e nos alinharmos às principais democracias do planeta.
É fundamental que as forças políticas formulem propostas construtivas para o Brasil. Devemos construir o futuro, e não reagir sistematicamente às reformas que podem conduzir o país a um novo patamar de desenvolvimento. O parlamentarismo é o que existe de mais avançado no mundo democrático. Não temos o direito de perder mais essa chance histórica.
Hubert Alquéres: O condestável de Temer
Reza o folclore político que, ao passar a faixa presidencial para seu sucessor, Hermes da Fonseca teria dito a Venceslau Brás: “olha Venceslau, Pinheiro Machado é tão bom amigo que governa pela gente”. O mesmo pode-se dizer de Rodrigo Maia. Ele está tão próximo de Michel Temer que governa pelo presidente. Nomeou o novo ministro das Cidades, definiu como será a repartição do butim da pasta entre o “Centrão ampliado” e vai fazer o presidente do BNDES. Ai do ministro que não cair em sua graça. É tombo certo.
O fortalecimento do condestável de Temer foi uma decorrência natural do papel que jogou na votação das duas denúncias contra o presidente. Ainda que tenha sobrevivido ao seu Waterloo, Michel Temer saiu da refrega extremamente enfraquecido. Sua base de sustentação, antes estimada em 80% dos parlamentares, desidratou.
Sem votos para aprovar um mínimo de uma reforma da Previdência para chamar de sua, passou a depender dos parlamentares que sabem jogar o jogo do toma lá, dá cá. Deu-se a repetição de uma velha lei da política: presidente fraco, parlamentares vorazes. Mesmo se submetendo a essa lógica, ficou sem a garantia de que levaria adiante seu programa de reformas.
O jeito foi apelar para a figura emergente do presidente da Câmara, estabelecendo com ele um governo de coabitação, uma espécie de “parlamentarismo a lá Temer”, com Maia exercendo, de fato, o papel de primeiro ministro. Nada de substancial importância será implementado pelo governo sem o seu nhil obstat. É dele a responsabilidade de viabilizar qualquer votação, incluindo as mudanças na Previdência.
A assunção de Maia é produto da conjunção de uma série de fatores. A começar da mudança de perfil do governo Temer. Inicialmente o governo se sustentava em um tripé: o seu núcleo duro formado por velhos camaradas do PMDB, pela equipe econômica e pelo PSDB, que lhe emprestava credibilidade junto ao mercado e à sociedade.
Esse suporte ruiu. Não só porque alguns dos membros do núcleo duro foram abatidos pela Lava Jato, mas também porque a crise levou de roldão o PSDB, com os tucanos perdendo credibilidade e densidade. Reféns da dúvida existencial de ser ou não ser governo, os tucanos deixaram de ser um parceiro confiável. De fininho, estão saindo do governo.
Como em política não há tempo para o vácuo, o DEM ocupou o espaço, avançando na ampliação do Centrão com seu partido e mesmo com parlamentares do PMDB. O papel de Maia foi o de ser a argamassa desse novo pacto, transformando-se na liderança natural do chamado “Centrão ampliado”.
A dúvida é se é um movimento de fôlego curto ou se é de longo alcance, com vistas a 2018. O “Pinheiro Machado” de Temer pensa grande. De imediato quer turbinar seu partido, ampliando sua bancada de 29 para 45 deputados. Por sua vez, o presidente sonha em ter alguém na urna eletrônica que defenda o seu legado.
Com o PSDB perdendo protagonismo -- por enquanto não oferece expectativa de poder --, potencializa-se a centrifugação do centro, com os partidos deste campo buscando outras alternativas. Nesse quadro, a confluência dos interesses de Temer e Maia poderia desembocar em uma candidatura de centro-direita, com nome, RG e CPF: Henrique Meirelles.
Qual o grau de competitividade dessa candidatura, difícil prever. Teria, claro, o handicap de um tempo televisivo mastodôntico, o que em uma campanha eleitoral não é pouco. A certeza deste trunfo estaria na aliança do DEM, PMDB e as siglas do Centrão - PP, PR, PSD, entre outros.
Os estrategistas do Palácio do Planalto incensam a candidatura Meirelles confiantes na recuperação da economia e no seu impacto na população até as eleições. Temer seria, portanto, um cabo eleitoral não desprezível. Na hipótese de tudo dar certo, Rodrigo Maia se reelegeria presidente da Câmara em 2019 e continuaria como o condestável do novo governo, assim como Pinheiro Machado foi em vários governos da República Velha.
Sonhar não custa. Mas a vida costuma contrariar os sonhos. Além de Meirelles ser um andor pesado de se carregar, dada principalmente à sua falta de carisma, o grau de rejeição do governo Temer é de tal envergadura que seria suicídio político alguém disputar eleição como seu candidato.
Mais: o ritmo lento da recuperação da economia não justifica projeções triunfalistas para o horizonte de 2018. Se a economia crescer 2% no próximo ano, como estima a equipe econômica, não será nenhuma Brastemp. Dificilmente a melhora terá impacto profundo no humor dos brasileiros.
O governo de coabitação implica em riscos para o próprio Rodrigo Maia. Se a reforma da Previdência não for aprovada, será responsabilizado pelo fracasso. Dada a inanição do governo em matéria de popularidade, seu próprio partido pode pressioná-lo para descolar de Temer para não sofrer uma hecatombe eleitoral. Sem falar que terá de administrar a ciumeira do Senado e as armadilhas montadas por caciques peemedebistas.
Na linha fina em que terá de se equilibrar, convém ao condestável de Temer levar em conta o velho conselho de Pinheiro Machado: “nem tão depressa que pareça fuga, nem tão devagar que pareça provocação”.
* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo