Congresso Nacional

Alon Feuerwerker: De omelete em omelete, vão acabando os ovos da democracia constitucional

O Brasil contempla a demolição explícita do edifício democrático-constitucional erguido na passagem que fechou o período de hegemonia militar (1964-85). Essa transição culminou na Carta de 1988, feita pelo Congresso com poderes constituintes eleito em 1986. A nova ordem ainda não nasceu, mas a velha já morreu. Ainda que de vez em quando pareça estar viva.

É sintomático que o respeito à letra da Constituição tenha deixado de ser argumento importante para decisões judiciais mais relevantes. Aqui, as formalidades importam pouco: quando o julgador descumpre uma norma constitucional a pretexto de estar interpretando um princípio constitucional abstrato qualquer, apenas reveste a coisa de alguma elegância.

A Carta de 88 mal veio e já entrou na linha de tiro. Imediatamente, o liberalismo econômico abriu campanha contra os aspectos corporativos, estatizantes e distributivos dela. Restavam porém relativamente intocados alguns mecanismos sociais conservadores. E os um dia reverenciados direitos e garantias individuais, que a faziam “uma das mais modernas do mundo”.

Agora não mais. Cada pedaço do texto passou a ser alvo de desconstrução. A moda vinha ganhando novas cores desde os anos 90, quando a esquerda se acostumou a ir ao STF sempre que derrotada nas reformas pró-capitalistas do governo do PSDB. E a tendência só se reforçou. Hoje, o Supremo virou no dia-a-dia casa revisora e “vetadora” do Congresso e do Executivo.

Uma aberração, mas lógica. A esquerda exige do STF respeito à letra da Constituição contra a obrigatoriedade da prisão após condenação em segunda instância, no contexto do respeito às garantias e direitos individuais. E festeja quando o tribunal, e não vê contradição nisso, revoga as normas constitucionais antiaborto e em defesa da chamada família tradicional.

Já o jornalismo levanta-se em armas na luta pelas liberdades de expressão e imprensa, mas aceita bem relativizar qualquer outro direito individual ou coletivo, se for necessário para combater a corrupção. Vale, para quem não é da casa, o “não se faz o omelete sem quebrar os ovos”. De vez em quando lamentam-se “excessos”, por atrapalharem a empreitada. E só.

A direita nunca chegou a curtir o texto de 1988, pelos motivos já apontados, mas o abandono dele pela esquerda e pela imprensa vem sendo fatal. O resultado mais bizarro é transformar o STF numa espécie de regência de onze regentes, e com amplos poderes constituintes. Uma completa anomalia pelo ângulo da assim chamada democracia representativa.

Este status quo é insustentável, e os exemplos históricos indicam que deverá ser substituído por alguma forma centralizada de poder político, quando a sociedade estiver esgotada da bagunça, pela absoluta impossibilidade de essa bagunça produzir prosperidade e paz social razoavelmente sustentáveis no tempo. A dúvida é quem vai cortar o nó górdio desta vez.

O apodrecimento político do Brasil de 2018 é exatamente função de nenhum ator ter a força para promover a ruptura, amputar o membro gangrenado. O nome mais lógico para a missão será o presidente eleito em 2018, um candidato a Bonaparte, ainda que trazido pela urna. Não chegará a ser uma novidade para nós, mas só estará disponível em janeiro de 2019.

Ele vai enfrentar entretanto inimigos formidáveis. Um são as corporações de Estado empoderadas e endeusadas pela opinião pública que viu nelas, com alguma razão, o instrumento disponível para mudanças políticas que não deu para fazer pelo voto. Ou alguém acha que STF, MPF, TCU etc vão se recolher apenas por haver um novo presidente saído da urna?

Outro desafio será um país plenamente convencido, após anos de doutrinação, à esquerda e à direita, de que os corruptos são a razão maior de o Estado não ter dinheiro para resolver os problemas da saúde, da educação, da segurança, dos transportes públicos. E que portanto basta eleger um governo honesto para os recursos aparecerem.

Como não basta, o novo presidente precisará tirar algum coelho da cartola para que a frustração popular não se volte contra ele bem cedo. Um coelho disponível, já que a Constituição foi para o vinagre e o processo constituinte está em curso aos trancos e barrancos, é pegar uma carona nele, tomando a liderança e chamando a sociedade para participar.

* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

No encerramento do 19º Congresso Nacional, Roberto Freire é reeleito presidente do PPS

Deputado foi reconduzido à presidência do PPS por mais quatro anos

No terceiro e último dia do 19º Congresso Nacional do PPS, neste domingo (25), em São Paulo, o deputado federal Roberto Freire (SP) foi reeleito para a Presidência Nacional do partido para um novo mandato de 4 anos. A chapa vencedora no pleito ainda contará com o deputado federal Rubens Bueno (PR) na primeira vice-presidência; o deputado estadual Davi Zaia (SP) como secretário-geral; e Régis Cavalcante (AL) na Secretaria de Finanças.

Os demais membros efetivos da Comissão Executiva Nacional da legenda são Arnaldo Jardim (SP), Arnaldo Jordy (PA), Carmen Zanotto (SC), Raimundo Benoni (MG), Luciano Rezende (ES), Luiz Carlos Azêdo (RJ), Luzia Ferreira (MG), Comte Bittencourt (RJ), Cristovam Buarque (DF), Renata Bueno (PR), Soninha Francine (SP), Wober Júnior (RN) e Daniel Coelho, deputado federal por Pernambuco que se filiou neste domingo ao PPS.

eleicao dn“Tenho plena consciência de que nós estamos aqui dando um passo e estamos abertos para discutir o novo. O novo está vindo. Já não somos mais o que éramos”, afirmou Freire durante o seu discurso após a eleição.

O presidente reeleito do PPS relembrou alguns momentos marcantes de sua trajetória e da história do partido, sucessor do Partido Comunista Brasileiro (PCB). “Eu já disputei eleição de presidente do PCB com Oscar Niemeyer, um gênio brasileiro. Isso não é para qualquer um. É para guardar como uma honra para mim em minha biografia”, destacou.

Freire ressaltou a importância da integração dos movimentos cívicos ao PPS, uma das grandes marcas do congresso realizado neste fim de semana. “Tivemos alguns momentos em que estamos apontando o futuro. Não podemos dizer o que vai acontecer, mas certamente estamos fazendo uma nova história do PCB/PPS. Que vai ficar para trás, mas não será esquecido”, celebrou.

“Vamos fazer história”

discurso roberto freire 1Ainda durante o seu pronunciamento neste domingo, Roberto Freire disse que o PPS vai “continuar fazendo história”. “Estamos abrindo as portas para uma nova formação política, e essa ideia sempre esteve presente nesse partido. O partido tentou fusão, imaginou incorporação. A nova formação não é um novo partido, é uma nova forma de se fazer política”, afirmou. “Costumo dizer que só tive um partido na minha vida: é este que está aqui. Daqui não saí desde 1962.”

“Queremos ser algo diferente para o futuro. Não vou chegar lá, mas essa juventude e o que eles representam precisam ter essa capacidade”, prosseguiu o deputado. “São questões como essas que estão sendo colocadas pelo partido. As conferências já mostraram isso. Nós já não somos mais o que éramos. Não somos mais aquilo, mas teremos continuidade.”

O presidente nacional do PPS recordou que o “experimento histórico” do socialismo real foi derrotado, “e a derrota caiu em nossa cabeça com a queda do Muro [de Berlim]”. “Agora está se dando uma outra mudança, pois mudaram os paradigmas de antes.” “Até hoje, parte da esquerda vê discussões como essas com ojeriza. Estamos dando um novo passo transformador. Estamos saindo daqui sabendo que o PPS, o velho PCB, está construindo aquilo que pode ser a forma de representação política”, celebrou Freire.

No encerramento de sua fala, o deputado parabenizou todos os participantes do XIX Congresso Nacional da legenda. “Com imensa alegria, saio daqui com esperança”, finalizou. (Fábio Matos/Assessoria do Parlamentar – Fotos: Karina Sérgio Gomes)


19º Congresso Nacional: Dirigentes do PPS reafirmam compromisso com o País e as mudanças exigidas pela sociedade

“Tenho orgulho desse partido. Como é bom ser do PPS”, afirmou Soninha na saudação

Na abertura do 19º Congresso Nacional do PPS, nesta sexta-feira (23), no Hotel Bourbon Ibirapuera, em São Paulo, os dirigentes do partido reafirmaram compromisso com o País e as mudanças que a sociedade brasileira exige neste momento de transformações em todo mundo.

A vereadora da capital paulista, Soninha Francine, fez a saudação inicial e destacou que o partido precisa dar respostas para os anseios da sociedade e disse que o encontro é uma oportunidade para a formulação de propostas.

“Tenho orgulho desse partido. Para que estamos aqui afinal de contas? Por que fazemos parte de um partido político e qual a visão que esse partido tem? O que é consenso entre nós? É preciso que isso fique bem claro. Inevitavelmente teremos divergências, mas isso tem que ficar claro e pacificado entre nós. O momento é de troca para que possamos nos comunicar para a sociedade. Vamos desfrutar das nossas divergências com convergências. Como é bom ser do PPS”, afirmou.

História de orgulho

abertura manenteO líder do PPS na Câmara dos Deputados, Alex Manente (SP), disse que o PPS tem uma história que orgulha a todos os seus integrantes. Segundo o parlamentar, o partido precisa trabalhar para evitar os extremos políticos que surgem na disputa eleitoral e ameaçam o futuro do Brasil.

“Vivemos em tempos que a população tem repudiado todas as formas de se fazer política, o que é um erro. Temos que mostrar nossa história e a nossa capacidade de mudar o nosso País. Buscando adesões de jovens, mulheres e de pessoas experientes. Vemos uma batalha polarizada com a extrema direita e a extrema esquerda. Temos quadros qualificados em todas as áreas que conseguem debater os caminhos para o nosso futuro. Sairemos domingo desse Congresso fortalecidos. Vamos ajudar o País que queremos recuperar e resgatar o orgulho dos brasileiros”, afirmou.

 

Parceria com o novo

mato grossoJá o presidente do PPS de Mato Grosso e integrante do movimento Agora!, Marcos Marrafon, destacou o respeito que o partido possui em todo o País.

“Venho de uma união de forças e espiritos em torno do movimento Agora! Trazemos a ideia de um Brasil mais simples, sustentável e menos desigual. Encontramos no seio do PPS uma forma para essa construção, caminho que não é fácil. O velho morreu e o novo não nasceu. Um novo tempo, um novo olhar mostra a força da transição e da renovação e, mais uma vez, o PPS sai na vanguarda com um discurso de inovação e construção, como a parceria com o Agora!”, disse.

Um partido decente

deniseA ex-deputada federal do PPS pelo Rio de Janeiro, Denise Frossard, afirmou que o PPS é um partido decente aos olhos de uma sociedade que exige mudanças.

“O momento é do PPS porque é um partido decente. Temos que atender o desejo do povo brasileiro, ajudar a começar a mudar tudo que está aí. Vejo isso com esperança. Estou feliz de estar viva para participar desse momento da história do Brasil. Um momento de tomada de consciência”, ressaltou.

 

 

Aliança

márcio françaO vice-governador de São Paulo, Marcio França (PSDB), destacou, ao representar o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o presidente do PSB, Carlos Siqueira, que o PPS sempre foi um importante aliado.

“O PPS foi o primeiro partido que apoiou o laçamento de Eduardo Campos para a disputa presidencial. Nos sonhamos juntos um sonho que poderíamos intermediar os extremos, criar uma coisa nova com o melhor de cada um dos partidos.  Nosso reconhecimento eterno por esse momento. Nos do PSB e PPS temos um identidade muito forte e parece somos um o mesmo partido. O PPS é um partido com muitos quadros e isso não é comum. É uma referência em quadros e tenho certeza que ajudará a conduzir o nosso País para o lugar que ele merece ”, afirmou.

 

Obrigação de transformar

cristovam congressoO senador Cristovam Buarque (PPS-DF) disse que o PPS tem a “obrigação de transformar” o instante fatal que o País vive,  de radicalização entre a extrema-direta e a esquerda – representada pelo lulopetismo -, em um “momento mágico”, em  resposta as propostas atrasadas e nostálgicas oferecidas pelos dois lados.

Ele disse que o 19º Congresso Nacional do PPS é a oportunidade para a construção de um centro democrático sem ser  nostálgico, e que o partido está preparado para ser a “semente da esperança num Brasil mágico e não fatal”, ajudando o  Brasil a superar o atraso científico, a desigualdade e a desagregação do País.

 

 

Um novo olhar para um novo tempo

jardim aberturaPara o presidente do PPS de São Paulo e secretário de Agricultura estadual, Arnaldo Jardim, o partido deve utilizar o slogan do 19º Congresso Nacional, “um novo olhar, para um novo tempo”, como um guia de orientação para os três dias do encontro.

“Pode parecer obvio para algumas pessoas, lideranças e partidos políticos, incapazes de entender a crise que passa o País. É preciso rever diretrizes das políticas públicas e a necessidade de se repensar a forma de nos relacionarmos com a sociedade. Temos o desafio de um novo tempo. O tempo da informática, da diversidade e do mundo instantâneo, um desafio e exige de todos nós”, disse.


Em discurso emocionado, Freire diz que 19º Congresso Nacional do PPS tem grande “dimensão histórica”

Presidente do PPS afirmou que o centro dos debates deve ser “a nova formação política”

O 19º Congresso Nacional do PPS, aberto na noite desta sexta-feira (23) em São Paulo, tem dimensão histórica e representa uma grande oportunidade para o início da construção de uma nova formação política. A avaliação é do deputado federal Roberto Freire (SP), presidente nacional do partido, que se emocionou em seu discurso inaugural e foi aplaudido de pé pelo público.

Durante o pronunciamento, o parlamentar recordou de outros momentos marcantes da história do PCB/PPS e citou um congresso emblemático realizado no Rio de Janeiro.

“Eu estava me lembrando de um outro congresso que foi tremendamente atritado porque estávamos ali discutindo toda uma vida. Esse congresso foi no Rio de Janeiro. Há vários episódios, é algo marcante”, relembrou. “Ali já começava a ficar caracterizada a derrota do que imaginávamos ser um mundo novo. O fim da experiência do chamado socialismo real. E começamos a preparar a mudança, que foi das mais difíceis.”

Ao traçar um paralelo com o momento atual, o presidente do PPS destacou a proximidade entre o partido e os movimentos cívicos que vêm se integrando à legenda como um fator que pode significar a concretização de uma transformação efetiva.

“Estamos vivendo um momento em que o PPS quer entender como ter futuro. Tal como lá atrás imaginávamos com a mudança dolorida ter futuro, a oportunidade que se oferece agora é que esse futuro pode ser mais radioso”, projetou Freire.

“A representação da cidadania já não se continha dentro dos partidos tradicionais. Começava a surgir a necessidade de uma outra representação para a sociedade”, prosseguiu o deputado. “Dizíamos isso muito antes do tempo. Muitos ainda não perceberam, mas o PPS, hoje, percebeu que esse tempo chegou.”

No momento mais emocionante da abertura do Congresso Nacional do PPS, Freire afirmou que o centro dos debates deve ser “a nova formação política”. “Estamos dando o primeiro passo. Por isso, esse congresso tem essa dimensão. Ele será histórico por isso”, projetou.

“Quero dizer que isso me dá uma alegria muito grande. Não estou emocionado com nada dolorido, ao contrário. Esse congresso representa muito. Podemos estar construindo algo e nós podemos ser protagonistas. O Brasil está precisando de protagonistas para ver se teremos um futuro melhor.”

“Aggiornamento”

Roberto Freire também falou sobre o processo de “aggiornamento” enfrentado pelo PCB/PPS no passado, que qualificou como “dolorido, mas necessário”. “No documento que foi orientador daquele congresso, se dizia que estávamos vivendo outro momento histórico. Discutíamos isso, apontando naquele momento algumas questões que não estavam muito claras. Falávamos que era necessário pensar uma nova formação política”, relembrou.

“Nós podemos estar fazendo um congresso que pode significar um novo futuro. Não tem a dramaticidade daquele, mas tem também uma carga de mudança e busca de futuro tanto quanto aquela. Aquela em cima de uma derrota, com depressão, dolorida. Essa aqui, com esperança. Estamos vivendo um dos melhores momentos que o PCB/PPS já experimentou em toda a sua história”, prosseguiu Freire.

Para o parlamentar, o Brasil passa por um momento “de profunda crise de todas as instituições”. “Agora nós estamos antenados com esse processo de profunda mudança na realidade mundial. Tudo o que é sólido se desmancha no ar, como dizia [Karl] Marx quando analisava o processo da Revolução Industrial. É um processo que atinge os partidos políticos e todas as nossas instituições, corroídas também pela corrupção.”

Movimentos cívicos e centro democrático

Em sua fala, o deputado Roberto Freire reiterou a importância da integração dos movimentos da cidadania – como Agora!, Acredito, Livres, Renova Brasil, entre outros – ao partido. “O PPS foi escolhido por alguns desses movimentos. Essa nova formação política vai substituir os partidos, que são datados da Revolução Industrial”, analisa. “O PPS quer, junto com esses movimentos, ajudar e participar da mudança. Nós queremos construir essa nova formação política. Não sabemos como vai ser. Evidente que não será o que somos hoje.”

Na parte final do discurso, Roberto Freire reconheceu que ainda há muita indefinição em relação ao cenário eleitoral. “O Brasil precisa de alguém que tenha a coragem de dizer o que temos de fazer. É fundamental que todos nós busquemos a unidade do centro democrático. E algo que é importante ter presente: estamos enfrentando uma crise política que não tem nada de previsível. Não sabemos o cenário daqui a uma semana”, admitiu.

“No dia 7 de outubro [data do 1º turno das eleições], a sociedade brasileira vai dizer que caminhos vamos tomar. Vai se ter a chancela fundamental da soberania popular”, finalizou o deputado.


Luiz Werneck Vianna: A vitória da Constituição

A saída do labirinto em que nos perdemos já foi encontrada na obediência ao calendário eleitoral, e não à toa ele já virou alvo dos que desejam mover para trás a roda da História

Para quem queria a ocupação das ruas pelo povo, o cenário deste carnaval que passou, com as multidões que mobilizou nos blocos e nas escolas de samba, principalmente na capital paulista, ainda sem tradição nesse tipo de manifestação carnavalesca, surpreendeu os mais céticos, que não esperavam a volta da alegria na vida popular. Embora sem perder a conotação de crítica social, o momento catártico foi o dominante entre a nova geração, que ainda não conhecia a experiência carnavalesca, em particular entre as jovens que acorreram em massa aos blocos, num movimento indisfarçável de afirmação de gênero.

Com esse registro, a que se deve acrescentar o do desfile das escolas de samba, a política conta com mais uma matéria para a reflexão nesta hora de seleção das candidaturas presidenciais, ainda sem definição. Relativizando o caso de alguns desfiles que optaram por uma crítica política contundente ao governo, uma vez não se pode evitar o comentário do jornalista Ancelmo Gois, ao lembrar que no Brasil “prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia e uma escola comandada por um bicheiro, a querida Beija-Flor, vence o carnaval que fala de corrupção” (O Globo 15/2).

Essa hora de escolha que já tarda, não só pelas dificuldades naturais ao momento que se vive, mas também porque a cultura do golpismo, essa segunda pele da nossa política, já encontrou uma nova modalidade de conspirar contra o processo eleitoral, a partir de uma declaração de um delegado de polícia sobre um inquérito de presumidas ações praticadas pelo presidente da República. O mais triste desse episódio está no fato de envolver um alto membro do Poder Judiciário, de quem sempre se esperam atos e palavras de concórdia, e esteja ele puxando a corda em favor do prolongamento da nossa agonia.

A saída do labirinto em que nos perdemos já foi encontrada na obediência ao calendário eleitoral, e não à toa ele já virou alvo dos que desejam mover para trás a roda da História, em mais uma tentativa de destituição por um processo judicial do chefe do Executivo, como está em curso, uma vez que não contam nem com as ruas nem com os quartéis. Nos seus cálculos malévolos maquinam que com o governo acéfalo caberia ao Poder Judiciário o exercício de um governo de transição que dirigiria, amparado pela Polícia Federal, o processo eleitoral. Tal solução, ou algo próximo a ela, talvez seja o que nos falta para nos converter num imenso manicômio em que todos os internos se apresentem como candidatos à Presidência da República.

Mas o mundo gira e a Lusitana roda, imprevistamente o cenário e o enredo se transfiguram com um movimento de peças desse jogo de xadrez ainda distante de encontrar um vencedor. Nessa nova disposição, provocada pela intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, o centro de gravidade da crise se desloca do tema da corrupção política para o da violência e da criminalidade organizada, cujo poder já ameaçava nacionalizar-se e se projetar no campo da política. Mudando o repertório, o peso dos atores envolvidos igualmente muda, com a depreciação do papel do Poder Judiciário, até então o principal protagonista da conjuntura, que cede lugar ao Poder Executivo, que trouxe a iniciativa para si e para a corporação militar, numa arriscada operação que se esforçou por se manter, malgrado alguns senões, nos trilhos constitucionais, a essa altura chancelada por esmagadora maioria nas duas Casas legislativas.

Um dos efeitos colaterais dessa intervenção foi o de revelar o tema da segurança como central para partidos e candidatos na formulação dos seus programas. Ao contrário da blague famosa, parece que aqui, pelos sucessos recentes, o tema da economia valerá na hora do voto menos do que se previa.

Confirma-se, mais uma vez, o desamor da política brasileira pela linha reta. Aos sobressaltos, dia após dia, avança-se para o momento eleitoral, quando o destino das urnas será selado pelo êxito ou fracasso da intervenção federal na política de segurança.

Os dados estão lançados. E ainda sujeitos à manipulação humana, que pode ser decisiva para a boa sorte da iniciativa de alto risco do Executivo. Muitos não a querem por cálculo eleitoral, ou pelo temor de que as Forças Armadas, peça central na intervenção sobre os aparatos de segurança, venha atropelar a ordem constitucional em nome de uma política de salvação nacional, pondo-se no lugar dos juízes que tinham como alvo o mesmo propósito. Neste tempo em que reina a suspicácia, conta contra a hipótese malévola o fato forte de que a corporação militar se tem comportado sob estritos padrões constitucionais e das normas que regulam seus princípios hierárquicos.

A competição eleitoral, tenha o resultado que tiver, importa mais por provocar a agregação de vontades e de programas do que pela candidatura vitoriosa, que, seja qual for, estará pautada pela agenda das questões discutidas exaustivamente ao longo destes três últimos anos. Será uma oportunidade, que não pode ser perdida, para uma recomposição partidária que nos emancipe do domínio das corporações que às nossas costas pretendem guiar nosso destino. Desde as magistrais lições de Pierre Bourdieu sobre o Estado se sabe que o segredo da força das corporações está em revestir os interesses particulares dos seus membros em pleitos públicos de caráter geral. No nosso caso, liberar a política transita pela limitação do poder das corporações, que com frequência impõe a todos a sua agenda de interesses particulares, em detrimento dos da maioria.

Mas, apesar de tanta confusão, neste país onde todos querem ser califa no lugar do califa, há algo a ser comemorado, qual seja, o fato de que todos os envolvidos nesse charivari nacional jurem estar agindo em nome da Constituição. E, de fato, se as aparências ainda contam, a sorte parece que vai sorrir para quem persuadir o maior número de eleitores de ser aquele que melhor representa o espírito do texto constitucional, que favorece a igualdade.

 

 


Nova Agenda do Brasil: FAP vai promover palestras e conferências no 1º trimestre de 2018

Fundação Astrojildo Pereira tem uma programação intensa de atividades para este primeiro trimestre de 2018

No dia 23 de março, por exemplo, antecipando o Congresso Nacional do PPS no fim de semana de 24 e 25 de março, no Hotel Meliá Ibirapuera (Av. Ibirapuera, 2534 – Moema), em São Paulo, será realizada a Conferência “Nova Agenda do Brasil”, com três grupos de debates:

Grupo A – O novo pacto entre o Estado e a sociedade;
Grupo B – O Brasil no mundo em transformação;
Grupo C – Desenvolvimento sustentável e inclusão social;

Cada grupo terá a palestra de um especialista convidado para introduzir a discussão e produzir um documento sobre o tema abordado. Antecipando o trabalho desses grupos, serão promovidos três seminários preparatórios com especialistas nos respectivos temas, nos dias 24 de fevereiro (Rio de Janeiro), 3 de março (São Paulo) e 10 de março (Brasília), que serão oportunamente divulgados.

FAP
A FAP é uma instituição aberta para análise, estudos e debates das complexas questões da atualidade, acessível a todo e qualquer cidadão. Tem como principal objetivo difundir os ideais democráticos e os princípios republicanos, a liberdade, a igualdade de oportunidades, a cidadania plena e a justiça social, mas sem ações eleitorais nem panfletárias.

Para tanto, realiza uma série de publicações e atividades no meio político, acadêmico e cultural, inclusive com um canal exclusivo na internet, a TVFAP.net, que exibe o #ProgramaDiferente.


O Estado de S. Paulo: A esquerda e o esquerdismo

Os verdadeiros partidos de esquerda são aqueles que não confundem a luta política com a destruição dos pilares da democracia representativa

Se o brasileiro que se considera de centro não tem ainda uma candidatura presidencial que represente seus ideais mais caros, como constatamos neste espaço no domingo retrasado (ver Um vazio a ser preenchido), o eleitor que defende os ideais da esquerda democrática tampouco tem melhor sorte.

Não há hoje, na ampla oferta de candidatos e partidos do chamado campo “progressista” que almejam o poder, nenhum que rejeite toda e qualquer ditadura, que preze a Constituição e que consiga superar seus limites ideológicos radicais para se apresentar como governante de todos os brasileiros, e não apenas da patota. Ao contrário, os partidos mais proeminentes entre os que se dizem de esquerda fazem campanha sistemática contra as instituições democráticas, como se estas fossem instrumentos de uma guerra política das “elites” contra o “povo”. Segundo esse ponto de vista, nenhuma derrota política que essa turma tenha sofrido ou venha a sofrer é aceitável, pois só pode ser resultado de um complô contra os interesses do “povo” – de quem o PT, o PSOL e quejandos se consideram os únicos e legítimos intérpretes. Afinal, sua teoria e prática conseguem ser ainda mais vazias que a da desusada luta de classes.

O caso do PT é o mais óbvio. A insurgência do partido contra as instituições não começou agora, em razão das vicissitudes judiciais de seu poderoso chefão, Lula da Silva, mas há muito tempo, praticamente desde a sua fundação. Quando o PT estava na oposição, não houve um único presidente da República contra o qual o partido não tenha feito campanha pelo impeachment. Uma vez no poder, o PT tratou de desmoralizar a política institucional, ao remunerar parlamentares em troca de votos e ao financiar partidos associados e a si mesmo com dinheiro desviado de estatais. De volta à oposição, por força do impedimento da presidente Dilma Rousseff, o PT seguiu em sua campanha de desmoralização das leis e da democracia, ao enxergar golpistas no Congresso e até no Supremo Tribunal Federal e ao deixar de reconhecer os crimes fiscais cometidos pelo “poste” inventado por Lula da Silva. Portanto, não constitui nenhuma novidade o fato de que o PT esteja a mobilizar mundos e fundos para não apenas jurar a inocência de seu padrinho, mas principalmente para atacar, de roldão, todo o arcabouço institucional brasileiro – Congresso, Judiciário e imprensa livre.

Diante disso, pode-se imaginar a frustração do eleitor que é de esquerda, mas não compactua com o “esquerdismo”, que, no léxico leninista, conforme lembrou Luiz Sérgio Henriques em artigo a propósito da hostilidade do PT à democracia (A difícil identidade do petismo, 21/1, pág. A2), designa um comportamento infantil, que tende a ver o mundo pela óptica do radicalismo, sem o menor espaço para a negociação.

Os verdadeiros partidos de esquerda – não os “esquerdistas” – são aqueles que não confundem a luta política com a destruição dos pilares da democracia representativa. Não é possível se considerar genuinamente de esquerda – o que inclui não apenas fazer a crítica ao sistema capitalista, mas também defender de modo intransigente as liberdades políticas e civis – e apoiar ao mesmo tempo ditaduras como a da Venezuela, como fazem oficialmente o PT e o PSOL.

Ademais, como salientou Luiz Sérgio Henriques em seu artigo, os partidos esquerdistas hoje no Brasil são reféns do culto à personalidade, alçando Lula da Silva à categoria de santo e impedindo, dessa maneira, a renovação de sua liderança. O resultado é a transformação do PT em mera barricada atrás da qual Lula pretende se proteger da Justiça.

A julgar pelo que dizem os capas pretas do petismo, nada disso vai mudar. O ex-prefeito Fernando Haddad, coordenador da campanha de Lula, por exemplo, disse ao Estado que “a esquerda vai ter que se repensar” a partir de 2019, mas se negou a reconhecer os erros do partido, atribuindo-os ao “sistema”, e reafirmou que “o lulismo vai sobreviver ao Lula por força de sua liderança”. Ou seja, a principal força política e eleitoral da autointitulada “esquerda” no País continuará refém do pensamento autoritário e excludente que tão bem caracteriza o demiurgo petista.

 


Samuel Pessôa: Olhando para a frente e para trás

Na coluna com o mesmo título publicada em 1º de janeiro de 2017, destaquei que o cenário de 2017 seria contingente à tramitação da proposta da Previdência.

Meu cenário central era que três quartos do texto seria aprovado, o que posteriormente ocorreu na comissão da Câmara em abril, e que, a aprovação definitiva pelo Congresso, seria uma condição para o que então escrevi:

"O crescimento econômico será de 0,3%, a inflação, de 5%, e a Selic no final de ano estará na casa de 10,5%, com câmbio por volta de R$ 3,40 por dólar".

O cenário mostrou-se errado. A tramitação da Previdência engasgou -talvez seja aprovada em fevereiro- e, no entanto, o mercado aceitou confortavelmente esse revés. Diferentemente do que ocorreu no segundo semestre de 2015, o câmbio e o risco-país não explodiram.

Adicionalmente, o PIB será de 1%, e não de 0,3%; a inflação será de pouco menos de 3%, e não de 5%, e a Selic é 7%, e não 10,5%.

A surpresa positiva na atividade veio da agropecuária. Este setor cresceu 12,5% e contribuiu, portanto, com 0,6 ponto percentual (pp) para o crescimento. A expansão da economia excluindo a agropecuária -que representa 5% do total- foi de 0,4%. Por outro lado, a safra excelente gerou forte surpresa desinflacionária: 1,6 ponto percentual da diferença de 2 pontos entre meu prognóstico e a inflação observada deveu-se à desinflação de alimentos. O restante da surpresa desinflacionária veio dos serviços: esperávamos desinflação neste setor de 1,4 pp, e ela foi de 2,4 pp. Meus modelos não captaram a quebra da inércia inflacionária nos serviços.

Também houve surpresa positiva na inflação dos EUA: ficou 0,6 ponto percentual abaixo do projetado.

Entrementes a dívida pública se acumula e nos aproximamos da dominância fiscal (quando a dívida é tão grande que a política monetária perde a capacidade de conter a inflação). Temos um encontro marcado com as contas públicas no primeiro semestre de 2019.

As surpresas positivas na inflação doméstica e internacional nos deram tempo: transpusemos 2017 com relativa calma, mesmo sem a aprovação da reforma da Previdência. Trata-se de um interregno. De fato, o mercado aponta que em 2020 a Selic subirá para a casa de 11% a 12%.

Para 2018, minha projeção é de crescimento de 2,8%, com recuo da agropecuária de 2%. O crescimento da economia excluindo agropecuária sairá de 0,4% em 2017 para 2,9% em 2018. Aceleração liderada pelo consumo das famílias e com recuperação, por volta de 4%, do investimento. A inflação deve ficar em torno de 3,5%, com os preços administrados rodando a 5%, e os livres, a 3,2%. Deve haver queda adicional na inflação de serviços de pouco menos de 1 ponto percentual e a inflação de alimentos ficará relativamente baixa, na casa de 2,5%. A safra de 2018 será muito boa, mas não excepcional como a de 2017.

Há dois riscos para o cenário básico. Primeiro que haja surpresa inflacionária na economia americana ou na chinesa. Os juros internacionais subiriam mais cedo.

O segundo risco é repetirmos 2014: o processo eleitoral não discutir o problema fiscal e não haver, portanto, delegação da sociedade para enfrentá-lo.

A solução do problema fiscal demandará um cardápio que associará em doses variáveis elevação de receita e redução do gasto. Há diversas combinações que atendem ao princípio da estabilidade fiscal. Elas não são neutras do ponto de vista distributivo. Há espaço para a política. Que ela seja empregada com sabedoria.

* Samuel Pessôa é economista

 


Luiz Carlos Azedo: A festa dos perus

O grande problema das eleições de 2018 é a disparidade de meios de campanha, em termos de tempo de televisão e recursos financeiros

Um velho ditado da política diz que não se convida os perus para a festa de Natal. É mais ou menos o que se tentou fazer na reforma política, por meio das redes sociais e dos movimentos políticos emergentes, com os grandes partidos brasileiros, sem sucesso. O que aconteceu no Congresso, pressionado pela crise ética, com centenas de políticos enrolados na Operação Lava-Jato, não foi um se salve quem puder, como muitos esperavam. O que houve foi uma verdadeira contrarreforma política, com a ajuda imprevidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ao proibir as doações de pessoas jurídicas sem que se modificasse antes o sistema eleitoral, com a adoção do voto distrital, simples ou misto.

Como naquele velho samba do Cláudio Camunguelo, Meu Gurufim — “eu vou fingir que morri, pra ver quem vai chorar por mim” —, as raposas do PMDB, PT, PSDB e DEM, principalmente, lideraram as modificações nas regras do jogo para beneficiar os grandes partidos e seus caciques. O surgimento de agremiações a partir dos movimentos de renovação política existentes nas redes sociais se tornou inviável, pois o sistema partidário foi congelado. Não há possibilidade do surgimento de um Emmanuel Macron, o novo presidente francês, à margem dos partidos já existentes. Mesmo entre eles, o grande problema das eleições de 2018 é a disparidade de meios de campanha, em termos de tempo de televisão e recursos financeiros.

A campanha no rádio e na TV, somados o horário eleitoral e as inserções, terá duas horas de duração por dia; os programas partidários, teoricamente criados para proporcionar o debate, foi reduzido de 50 minutos para 25 minutos, divididos em dois blocos de 12’30”, três vezes por semana, para presidente e deputado federal. O que fará a diferença são as inserções, cujo tempo total aumentou de 30 minutos para 70 minutos, em partes iguais para candidatos majoritários e proporcionais. A alocação do tempo das inserções entre os candidatos ficará a critério do partido ou da coligação. Dos 35 minutos destinados aos candidatos às eleições majoritárias, os partidos poderão alocar, por exemplo, 60% para o candidato a presidente e 40% para o candidato a governador.

Assim, o tempo máximo de propaganda no rádio e na TV alocado à campanha do candidato para presidente será de 7’22” nos dias com horário eleitoral para presidente (terças, quintas e sábados) e 4’18” nos dias sem horário eleitoral para presidente (segundas, quartas e sextas), se 100% do tempo das inserções para propaganda de eleições majoritárias for alocado para o candidato a presidente da República. Teoricamente, essa seria uma grande vantagem estratégica do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o candidato do PT.

Tamanho é documento
Somados, dez partidos ocupariam 73% do horário eleitoral. O PMDB teria até 7’03” de tempo se lançar candidato próprio. PSDB, 5’54”; PP, 4’3’’; PSD, 4’0’’; PR, 3’47’’; PSB, 3’47’’; PTB, 2’51”; DEM e PRB, 2’25”. Em contrapartida, Ciro Gomes, do PDT, teria 2’19”. O PPS, caso resolva lançar a candidatura de Cristovam Buarque, disporia de 1’16”. Marina Silva, da Rede, teria no máximo 13 segundos para campanha. Jair Bolsonaro, se resolver suas pendências com o Patriotas ou o Livres, teria 25 ou 19 segundos, respectivamente. Esses candidatos somente compensariam a desvantagem se coligando com alguns dos grandes partidos.

Pior é a distribuição dos fundos de financiamento público. O PT receberá R$ 118,7 milhões do fundo partidário e mais R$ 205 milhões do fundo eleitoral; PSDB, R$ 97,2 milhões mais R$ 179 milhões, respectivamente; PMDB, R$ 94,7 milhões mais R$ 238 milhões, respectivamente; PP, R$ 56,9 milhões mais R$ 132 milhões. Quem receberá menos, entre os grandes, será o PTB: R$ 35,2 milhões do fundo partidário e R$ 57 milhões do fundo eleitoral. Entretanto, a Rede, de Marina Silva, embora tenha sido a terceira colocada em duas eleições (na última, particularmente, foi inegavelmente prejudicada pelo abuso de poder econômico), contará com R$ 1,3 milhão do fundo partidário mais R$ 11 milhões do fundo eleitoral para todas as suas despesas de 2018, incluída a campanha eleitoral. É ou não é a festa dos perus?


Marco Aurélio Nogueira: A polarização está na política

Nossos políticos se dividiram em tribos sem identidade, cada qual com suas taras

O Brasil não é um país polarizado. No chão duro da vida, há mais consenso que dissenso. Diferenças de opinião e de visões do mundo convivem lado a lado, mas a base é uma só.

Todos querem viver em paz, tocar a vida, criar os filhos, trabalhar e se divertir. Torcem para que surjam governos vocacionados para fazer as coisas melhorarem, na economia, no emprego, no cotidiano. Vive-se na expectativa de que o Brasil consiga deixar de ser injusto e desigual, ainda que um conformismo fatalista ande de mãos dadas com o ceticismo e com uma enorme dificuldade de saber que providências tomar para que a desigualdade desapareça ou ao menos seja atenuada a ponto de curar a chaga que mantém 50 milhões de brasileiros na miséria, enquanto 30% da renda se concentra nas mãos de apenas 1% dos habitantes do País.

A maioria despreza a corrupção. Mas são muitos os que pensam que ela é intrínseca aos políticos e aos poderosos. Os brasileiros aprenderam a ver o corrupto como símbolo de um país que não consegue sair do lugar, onde a lei não vale para todos e o “malfeito” nasce como erva daninha adubada pela arrogância e pela certeza de impunidade dos que têm poder. A relação dos brasileiros com a corrupção é confusa. Há quem aceite o “rouba, mas faz” e tenha pena dos corruptos “bonzinhos” vitimizados por terceiros. É crescente, porém, o número de pessoas que deploram a inocência fingida dos acusados. Aplaudem por isso intervenções como a Lava Jato, que pela primeira vez está pondo na cadeia gente que se achava inatingível, acima do bem e do mal.

Todos sabem que estamos carentes de bons serviços públicos, que a educação e a saúde deixam a desejar, direitos são desrespeitados a céu aberto, o Estado não cumpre corretamente suas obrigações. Milhões sentem na pele o efeito dos preconceitos, da humilhação, da insegurança, da violência policial. Atribuem tais desgraças tanto à incompetência dos governos quanto à “certeza” de que os governos são conduzidos com os olhos nos mais ricos e privilegiados.

O brasileiro médio tem fé e esperança. Vê o Estado como provedor geral e protetor. Por essa via, transfere sua expectativa para políticos habilidosos em explorar a ingenuidade popular. Não entende por que a elite nacional se mostra cega e indiferente à miséria e à pobreza. Deixa-se seduzir por quem se anuncia como “salvador”.

A população brasileira não está em guerra consigo mesmo. Assiste, entediada, às disputas no Parlamento, entre a Justiça e a política, entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, como se fossem capítulos de uma novela sem data para acabar. Passam-se os dias, os personagens continuam os mesmos, como se não envelhecessem e não se recusassem a sair de cena.

O desentendimento entre os brasileiros é fruto do estupor de ver o País cheio de políticos que não cumprem seu papel e, ao longo das últimas décadas, perderam qualidade, alienaram-se das mudanças sociais, criaram atritos impregnados de ódio retórico. Foram se desmoralizando e, ao mesmo tempo, forçando a população a digerir a “raiva” e a “combatividade” manifestadas nos embates eleitorais.

A linguagem do ódio – cultivada sobretudo pelos extremos da esquerda e da direita – atiçou o conflito social, fazendo-o derivar para a baixaria cívica e a ignorância política. Basta atentar para as intervenções apopléticas que infestam as redes sociais. Vinda de uma esquerda que não sabe como agir longe do poder, tal postura alimenta uma direita grosseira e violenta repleta de convicções regressistas. E vice-versa.

As consequências estão aí. A intolerância leva à incompreensão do valor das alianças e negociações. Gente de esquerda radicaliza a pretexto de recusar a “conciliação”. O próprio PT, campeão das últimas “conciliações”, prega que haverá uma “rebelião popular” caso Lula seja condenado no dia 24 de janeiro. Ameaça com a “desobediência civil”, como se as massas estivessem furiosas e prontas para a “resistência”.
Fala em conspiração das elites e do Judiciário, apostando numa saída “nacional-popular” que iria além das regras do jogo democrático e sanearia o País.

Estamos pagando o preço da opção feita pelos políticos de criar na sociedade a percepção de que tudo se resolveria quando o lado A sobrepujasse o lado B. Descobriram o fantasma do neoliberalismo, a perversão do “comunismo”, a maldade das “elites brancas e endinheiradas”, a fantasia paradisíaca e alienante do presidente “igualzinho a você” que distribuiria dinheiro e benesses a bel-prazer.

Tanto fizeram que cresceu a sensação de que o País está cindido em dois polos incomunicáveis. Trocaram o fundamental pelo perfunctório, o trabalho político pertinaz pela agitação irresponsável, o reformismo progressivo pela estridência de promessas fáceis, o contato virtuoso com a população pelo jogo cínico dos bastidores e pela conclamação demagógica da “rebelião”.

Nossos políticos se dividiram em tribos sem identidade, cada qual com seu credo, suas taras e suas manias. Bloquearam os caminhos da sociedade. Nessa operação, mataram a serenidade e a inteligência política, levando consigo os mediadores, que constroem soluções.

A polarização criada pelos políticos continua ativa. Voltará com tudo nas eleições de 2018, que mais uma vez não nos apresentarão polos autênticos, substanciosos, mas tão somente uma caricatura deles.

Assim como em outros momentos da História recente, caberá aos brasileiros corrigir os desmandos e a mediocridade de seus políticos. Chamando-os às falas, quem sabe varrendo parte deles do mapa, quem sabe corrigindo o rumo dos que ainda terão serventia. Para tanto a sociedade terá de afirmar a unidade que lhe é própria, valorizando a democracia e as garantias constitucionais.

Não dá para saber quanto disso será alcançado em 2018.

Bom ano novo para todos.

 


Paulo Fábio Dantas Neto: Crise, reforma política e as âncoras da democracia brasileira

Se fosse possível escolheria não escrever sobre reforma política. Tenho, na contramão de certo senso comum que se formou no Brasil, a percepção de que no nosso atual sistema político, ancorado na Constituição de 88, há mais a conservar que a reformar. Mas não é possível ignorar um bordão que vive sendo repetido, mesmo que, na maioria dos casos, quem o repete não saiba exatamente o que quer reformar. Todo mundo quer políticos melhores, eu também. Mas penso ser ilusão supor que eles serão achados ao adotarmos sistemas de governo, de partidos e de eleições diferentes. Os problemas que temos estão em softwares, não no hardware. Partindo desse entendimento tentarei tratar do tema evitando caminhos argumentativos que, a meu ver, costumam ser estéreis.

O primeiro caminho a evitar é o de reiterar um diagnóstico áspero, por vezes indignado, sobre patologias da política brasileira. Nesse tom costumam convergir certezas ingênuas de senso comum e normativas nos campos jurídico, sociológico e econômico, bem como na imprensa e em hostes empresariais e do ativismo social. O mantra mais notável desse território argumentativo é o que proclama a reforma política como a “mãe de todas as reformas”. Um estribilho que reverbera em vozes certamente dissonantes se o debate for sobre qualquer outro tema. Ele garante simpatia, o aplauso é provável mas o resultado substantivo é o de não contribuir ao debate. Contribui para torná-lo medíocre, pois não esclarece de qual reforma se fala, cada qual pensa numa, ou em nenhuma.

O segundo caminho a evitar penso que é, na contramão do primeiro, o da defesa acrítica do status quo institucional do sistema político. Até teve sentido esse papel de contraponto cumprido, desde os anos 90, pela ciência política brasileira. Ela nos ofereceu pesquisas que permitiram enfrentar preconceitos frequentes em ambiente social hostil, que tende a estigmatizar a política, e evidenciou a racionalidade do assim chamado presidencialismo de coalizão, cujo fracasso é hoje diagnosticado. É preciso que a ciência política não capitule, por viés político e/ou timidez intelectual, perante esse senso comum, mas também não é sensato aferrar-se a achados pretéritos como se fossem dogmas infensos ao certo derretimento objetivo daquele arranjo institucional. Quem seguir esse caminho “teimoso”, de uma ciência que rejeita os fatos, também não dará contribuição positiva ao debate. O resultado seria contribuir para torná-lo esotérico.

Um terceiro caminho a evitar é o de buscar “culpados” pela necessidade de reforma política. Ele reduz a discussão a um embate de narrativas sob um emaranhado infindo e infinito de polarizações: liberais vs. desenvolvimentistas em economia; ativistas vs. garantistas em direito; conservadores vs. vanguardistas em cultura; direita vs. esquerda, ou governo vs. oposição, no campo estritamente político. Mais insolúveis, por intolerância, são polarizações entre autoproclamados democratas à esquerda e os que eles denunciam como golpistas, neoliberais e fascistas; bem como entre democratas juramentados à direita e os que esses últimos acusam de estatistas, stalinistas, bolivarianos e por aí vai. O preço a ser pago por quem ceder à tentação de visitar esse labirinto será o de, além de não contribuir ao debate, terminar contribuindo para torná-lo banal, ou interditá-lo.

Em fuga, tento manobrar entre esses três territórios minados para fixar, em termos de reforma política, apenas dois entendimentos. O primeiro é o de que a discutimos hoje sob o influxo de um equívoco que fez nascer a ideia de que ela é mãe de todas as reformas. Precisamente em 2013, após massivas manifestações públicas de insatisfações para com a política realmente existente, algum gênio do marketing sacou o bordão da reforma política (no sentido de mudança das regras do sistema político) e encontrou acolhida interessada em atores políticos com algum poder de fala e decisão. A partir daí vendeu-se à sociedade civil a ideia de que era preciso trocar o hardware da política brasileira, ideia que ajudou a esvaziar as ruas.

Até então, o eleitorado — um público mais amplo e menos informado que a sociedade civil — dava de ombros a essa questão, vista como técnica, como em parte realmente é. O que ele sentia na pele e compreendia bem eram os duros efeitos de políticas públicas (softwares) mal implementadas, cujo financiamento tornara-se problemático. Além disso, eleitorado e sociedade civil convergiam no ceticismo em relação ao desempenho da elite política. Através dos partidos ela exibe um padrão de interação política de má qualidade, outro software ruim. Só que o discurso de que mudar o hardware é solução para mazelas criadas pelos atores (do estado e da sociedade civil) ganhou terreno e acabou persuadindo até o eleitorado.

O segundo entendimento que desejo transmitir é sobre a crise que emoldura um discurso reformista forte, em relação ao tema. Vejo-a como crise de aperfeiçoamento e não de colapso da democracia brasileira. Estou longe de ignorar o potencial de risco que ronda o sistema político quando o cidadão comum deseja paz e grupos sociais e políticos organizados disputam um rude e surdo vale-tudo. Mas vejo no interior das nossas instituições as possibilidades de que essa crise seja vencida com uma subida de patamar. A modesta reforma eleitoral aprovada no Congresso Nacional há dois meses (sobre a qual já se falou e debochou fartamente como se fosse mero arranjo corporativo, para dizer o mínimo) sinaliza, a meu ver, uma rota: reformar, a cada momento, o que for praticável, em termos políticos, pois nenhuma convicção doutrinária é válida se não puder ser viabilizada democraticamente, logo, politicamente.

Sim, espero resultados de eleições para deputados em 2018, já com moderada cláusula de barreira e, a seguir, eleições sem coligações, para vereador (2020) e para deputados, em 2022. Após resultados objetivos, que venham análises de corpo presente sobre aquilo que realmente estiver morto. Creio ser essa atitude mais sensata e razoável do que ministrar extrema-unção a quem ainda não apenas respira, mas pode se reformar gradualmente, desde que mantido vivo. Penso — e o digo francamente — ser esse o caso do nosso sistema político.

Outras iniciativas moderadas serão necessárias para, por exemplo, resolver impasses nas regras de financiamento de partidos e campanhas. Sem demagogia, é preciso argumentar que a retirada completa do financiamento de empresas implica aumentar o fundo público destinado a esse fim. Mesmo que se baixem, como convém, os custos das campanhas, não é sensato (nem possível) querer fazê-lo como se as campanhas devessem retroceder ao tempo dos “santinhos” e do “corpo a corpo”. Somos uma democracia eleitoral de massas e, a menos que se queira substituir a democracia por outro regime, é preciso (e desejável) que a sociedade financie a competição política.

Penso que não estamos à beira de um precipício, como narrativas simplificadoras, eleitoralmente interessadas, querem nos fazer crer. Mas claro que há perigo na esquina. Há porque competidores preparam-se para eleições na contramão da política, com discursos intolerantes, salvacionistas ou justiceiros; e porque setores da sociedade civil veiculam discursos análogos. Apesar dessa babel — e em contraponto a ela — temos hoje, diferentemente da nossa experiência histórica, uma Constituição que cumpre um papel de agência. O País em que ela nasceu mudou e muda na direção do que ela apontou, isto é, na direção da complexidade das relações sociais e, consequentemente, dos mecanismos políticos que devem regulá-las. Complexidade que precisa ser conservada e não atirada ao lixo para dar passagem a qualquer tipo de solução simples, não política.

A Constituição e um calendário eleitoral são as âncoras que até aqui nos detém ante o precipício e nos prendem a um terreno áspero, mas real, de uma ampla democracia. O tema da reforma política é delicado pois afeta essas duas âncoras. Ideias, palavras e obras sobre ele podem ajudar a fixá-las mais solidamente, ou a fazerem-nas bambear.

* Paulo Fábio Dantas Neto é cientista político e professor da UFBA. Texto originário de exposição em Seminário sobre reforma política no TRE/ Ba, em 23.11.2017, e entregue para publicação no site Outra Bahia, em 08.12.2017.

 


Eliane Cantanhêde: Um ano que já vai tarde

2017 é um ano sem marca, com muita notícia, muita espuma e pouco resultado

O ano de 2017 vai acabando sem grandes marcas, ou com marcas mais negativas do que positivas. A três semanas do 31 de dezembro, cadê a reforma da Previdência? No que a Lava Jato andou? Que político com mandato foi julgado pelo Supremo? E o choque de empregos, que ninguém sabe, ninguém viu?

Assim, o ano teve, ou está tendo, muita emoção, muita notícia e muita espuma, mas poucos resultados efetivamente concretos, e o tempo que lhe resta parece pouco para uma surpresa realmente impactante. Tudo sempre pode acontecer, até mesmo nada. Parece o caso.

A reforma empacou por um problema comezinho: falta de votos. O PMDB titubeou, o PSDB está perdido no meio da multidão e ambos serviram de pretexto para os demais partidos da base aliada cruzarem os braços. O novo coordenador político do governo, Carlos Marun, assume na quinta-feira e admite quase candidamente que espera uma “onda positiva”. Ah, bem!

Já a oposição surfa num populismo barato, puxado pelo ex-presidente Lula, que está careca de saber que a reforma é fundamental e que não vai ameaçar as aposentadorias, mas sim garantir que elas sejam mantidas no futuro. Assim como Lula não gastou um tico de sua imensa popularidade para aprovar uma reforma que sabia essencial, agora ele lidera a gritaria da sua “esquerda” contra as mudanças com o único intuito de atrapalhar a vida do presidente Michel Temer, já, e a campanha dos adversários do PT, em 2018. E o interesse nacional? Conta?

Na Lava Jato e seus desdobramentos, tivemos um ano de grandes turbulências com duas denúncias consecutivas da PGR contra o presidente da República. Convenhamos, nada trivial. Mas deu em quê? Num desgaste enorme de Temer, na paralisia do governo, no troca-troca infernal para “convencer” os deputados a votarem contra. No fim, as denúncias foram derrotadas e Temer ficou, mas ficou fraco. E a turma da J&F foi para a cadeia.

Curitiba fez o que tinha de fazer e praticamente esgotou sua parte nesse latifúndio (o da Lava Jato), até mesmo com a transferência de quadros da PF e do MP para outros Estados. Mas a diligência de lá não parece se reproduzir no resto do País, com exceção do Rio, onde toda a cúpula política foi parar em Benfica, e do DF, onde as coisas estão acontecendo.

O nó continua sendo no Supremo. Alguém lembra da “lista do Janot”, que virou “do Fachin”? E as investigações sobre os campeões Renan Calheiros, Romero Jucá e Aécio Neves, por onde andam? E sobre a presidente do PT, Gleisi Hoffmann? Todos disputarão as eleições, lépidos e fagueiros.

Se o Supremo julgou alguma coisa, foram o “caso Aécio”, para os plenários ratificarem ou não medidas cautelares contra parlamentares, e a revisão do foro privilegiado, que joga a responsabilidade para instâncias inferiores, mas não garante que a Justiça seja feita. Aliás, o próprio ministro Luís Roberto Barroso, arauto do fim do foro, já admitiu isso publicamente. E esse julgamento nem acabou...

No Congresso, idas e vindas, sem chegar a lugar nenhum. De um lado, as dez medidas contra a corrupção viraram um Frankenstein e estão jogadas em alguma gaveta. De outro, a atualização da Lei Contra Abuso de Autoridade fez que ia, mas não foi.

Ok, a economia dá sinais de ânimo, mas, além da Previdência, Temer é obcecado por um choque de empregos. Há um aumento de oferta de vagas, mês a mês, mas muito longe de poder ser chamado de “choque”. A recuperação é lenta, enquanto o País e o presidente têm pressa.

Então, qual a marca de 2017? Nenhuma. Foi, ou está sendo, um ano em que aconteceu tudo, mas não resultou em nada. Vai saindo de fininho, deixando uma enorme interrogação sobre o decisivo 2018.