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Nas entrelinhas: Lula distensiona relação entre Poderes

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Brasiliense

Antes mesmo de tomar posse, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao restabelecer o diálogo político como método para resolução de conflitos, numa maratona de reuniões, ontem, distensionou as relações entre os Poderes da República. Ele se reuniu com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, e com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes. Depois, deu entrevista à imprensa sem incidentes. Pôs um ponto final no choque entre os Poderes, principalmente entre o Executivo e o Supremo, ao defender a harmonia entre eles. O vice-presidente Geraldo Alckmin também participou dos encontros.

O caminho crítico era principalmente a relação com Lira, em razão de duas agendas: a PEC da Transição, que envolve a questão do orçamento secreto, e a eleição para o comando da Casa. Ficou acertado que a emenda constitucional será apresentada até 15 de novembro, com objetivo de permitir que os recursos do Bolsa Família, incluindo os R$ 150 a mais para cada filho, extrapolem o teto de gastos. Essa autorização servirá para destinar recursos aos programas da Educação e da Saúde.

A proposta em elaboração pela equipe de transição deve ser encaminhada não somente a Lira, mas também ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que será o responsável por dar inicio à tramitação da PEC. Na Câmara, o projeto será apensado a outra Proposta de Emenda Constitucional que já esteja em condições de votação.

Na entrevista coletiva, Lula disse que se candidatou “com o compromisso de que é possível resgatar a cidadania do povo brasileiro, de que é possível a gente recuperar a harmonia entre os poderes, de que é plenamente possível recuperar a normalidade da convivência entre as instituições brasileiras”. Sem citar o presidente Jair Bolsonaro (PL), o presidente eleito destacou: “Instituições que foram atacadas, que foram violentadas pela linguagem nem sempre recomendável de algumas autoridades ligadas ao governo”.

Lula disse, também, que não pretende interferir nas eleições do Congresso, em fevereiro, quando Lira, aliado de Bolsonaro, e Pacheco disputarão a reeleição, na Câmara e no Senado, respectivamente. “Não cabe ao presidente da República interferir em quem será o presidente do Senado ou da Câmara. Ou seja, quem vai decidir quem será o presidente das casas serão senadores e deputados. O papel do presidente da República não é gostar ou não de presidente, é conversar com quem dirija a instituição”.

O presidente eleito aproveitou para mandar um recado aos bolsonaristas que estão fechando rodovias e protestando à porta dos quarteis, porque não aceitam o resultado das eleições. “Essas pessoas que estão protestando, sinceramente, não têm por que protestar. Deviam dar graças a Deus pela diferença ter sido menor do que aquilo que nós merecíamos ter de votos. E eu acho que é preciso detectar quem é que está financiando esses protestos, que não têm pé nem cabeça. Ofensas a autoridades, ameaças de fechamento, agressão verbal”, disse.

Urnas eletrônicas

Ontem, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, encaminhou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o relatório das Forças Armadas sobre as urnas eletrônicas. Os militares realizaram uma auditoria do pleito, diante de questionamentos de Bolsonaro e de seus apoiadores sobre a lisura do processo eleitoral. Eles haviam sido convidados pelo então presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, para integrar a Comissão de Transparência das Eleições, criada em setembro de 2021. Além de integrantes das Forças Armadas e de representantes da Corte Eleitoral, participam do grupo especialistas em tecnologia da informação e membros da sociedade civil.

O Ministério da Defesa destacou que “o documento foi produzido por uma equipe composta por oficiais de carreira especialistas em gestão e operação de sistemas de tecnologia da informação; em engenharia de computação e de telecomunicações; em defesa cibernética; entre outras; e seguiu rigorosamente os parâmetros estabelecidos na Resolução nº 23.673, de 14 de dezembro de 2021, do TSE”. É um ponto final nas especulações sobre o envolvimento das Forças Armadas no questionamento dos resultados eleitorais.

O relatório fora mantido em sigilo por exigência de Bolsonaro, mas Alexandre de Moraes havia determinado que fosse entregue e divulgado até ontem. Segundo a Defesa, o relatório também apresenta “observações, conclusões e sugestões relacionadas, especificamente, ao sistema eletrônico de votação, conforme as atribuições definidas pelo Tribunal às entidades fiscalizadoras”.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-lula-distensiona-relacao-entre-poderes/

Eleitor vota de forma antecipada em Lansing, Michigan, nesta segunda-feira (7) — Foto: Evelyn Hockstein/Reuters

EUA vão às urnas para definir composição do Congresso e 'avaliar' desempenho de Biden

g1*

Joe Biden conseguirá manter suas magras maiorias no Congresso dos Estados Unidos? Ou o controle do Senado e da Câmara de Representantes voltará para as mãos dos republicanos, que passarão a obstruir as políticas do presidente?

As respostas para essas perguntas virão nesta terça-feira (8), durante as eleições de meio de mandato, nas quais estão em jogo a totalidade da Câmara de Representantes, 30 dos 100 assentos no Senado, além de 36 cargos de governadores e a renovação de praticamente todas as assembleias locais.

Essas eleições "midterms" funcionam praticamente como um referendo sobre o ocupante da Casa Branca. Em mais de 160 anos, o partido do presidente raramente escapou da punição.

1. O que vai ser votado?

Como acontece a cada dois anos, todos os 435 assentos na Câmara de Representantes dos EUA estão em disputa.

No Senado, que tem 100 cadeiras com mandato de seis anos, serão renovadas 35 - que começarão seu mandato em 3 de janeiro de 2023.

Os americanos também elegerão os governadores de 36 dos 50 estados da União, bem como uma série de autoridades locais.

2. Qual a expectativa de resultado?

De acordo com as últimas pesquisas, a oposição republicana tem boas chances de conquistar entre 10 e 25 novas cadeiras na Câmara, mais do que suficiente para consolidar uma maioria.

Em contrapartida, as pesquisas são menos claras sobre o destino do Senado, mas os republicanos parecem ter vantagem também.

Em resumo, por enquanto, nada está definido.

3. Quando saberemos o resultado?

Na eleição presidencial de 2020, devido à lentidão da contagem de votos em muitos estados, levou dias para ficar claro que Joe Biden era o presidente eleito. Os grandes veículos de comunicação o declararam vencedor, por meio de projeções matemáticas, apenas no sábado (votação foi numa terça).

Desta vez, provavelmente não será necessário esperar tanto, mas é possível que não se conheçam os vencedores das eleições na noite das eleições. Estados como Arizona, Nevada e Pensilvânia, que são fundamentais no mapa do controle do Senado, podem levar vários dias para contar todos os seus votos.

4. Quais os papéis de Biden e Trump na eleição?

Embora o nome de Joe Biden não apareça nas cédulas, muitos americanos veem esta eleição como um referendo sobre o presidente.

Mas também são um grande teste para o futuro político de Donald Trump, que se jogou de cabeça na campanha, fazendo comícios por todo o país.

Para ambos, de olho nas eleições de 2024, o resultado das 'midterms' pode indicar como seria uma possível reedição das eleições presidenciais de 2020.

5. Qual o impacto dessa eleição?

O resultado destas eleições será decisivo em todo o país.

Biden pede aos americanos um voto de confiança com maiorias suficientes para contornar as regras do Congresso que atualmente o impedem de legalizar o aborto em todo o país ou proibir fuzis de assalto.

Foto mostra uma mulher negra protestando pelo direito ao aborto no dia 24 de junho, em frente à Suprema Corte dos EUA, em Washington, DC. | Foto: Jacquelyn Martin/AP

Em quase todos os seus discursos, insiste que o futuro do aborto, das armas de fogo e do sistema de saúde dependerá do resultado dessa votação.

Por sua vez, os republicanos prometem liderar uma luta feroz contra a inflação, a imigração, o crime e continuar sua ofensiva contra os atletas transgêneros.

Alguns também consideram cortar a ajuda de Washington à Ucrânia.

Os candidatos do "Grand Old Party" também prometeram que, se obtiverem maioria legislativa, abrirão uma série de investigações parlamentares contra Biden, seu assessor na pandemia Anthony Fauci e seu ministro da Justiça Merrick Garland.

Também planejam enterrar o trabalho da comissão parlamentar que investiga o ataque de janeiro de 2021 ao Congresso por apoiadores de Trump.

Texto publicado originalmente no g1.


Lula inicia montagem de sua base no congresso | Imagem: Maurenilson Freire/Correio Brasiliense

Nas entrelinhas: Lula inicia montagem de sua base no Congresso

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega hoje a Brasília com um a agenda carregada, na qual constam reuniões com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber. Do ponto de vista prático, isso significa que está operando a transição de governo junto aos demais Poderes, o que deve esvaziar ainda mais o poder do presidente Jair Bolsonaro nos dois meses que lhe restam de mandato. Indagado sobre as tensões políticas pós-eleitorais, um ministro do Supremo que dialoga com os dois lados minimizou a importância dos protestos realizados por bolsonaristas no fim de semana: “Lula já assumiu o vértice do sistema de poder”, ou seja, a alta burocracia federal já o pera a transição político-administrativa como deve ser.

O presidente Jair Bolsonaro, a propósito, continua sem agenda relevante e digerindo o resultado das eleições. Suas declarações são de líder da oposição. Até hoje não reconheceu formalmente a derrota nem cumprimentou o presidente eleito. Em seu pronunciamento após a eleição, deixou claro que considera seu grande legado a formação de uma direita organizada no Brasil. É a primeira vez que um político na Presidência da República se assume como um líder de direita. Líderes da antiga UDN, por exemplo, que eram a expressão da direita golpista durante a guerra-fria, jamais assumiram essa condição. Todos se diziam liberais, como Eduardo Gomes, Carlos Lacerda e Magalhães Pinto.

Os encontros com Lira e Pacheco são importantes para a construção da base parlamentar no novo governo e a viabilidade das medidas dos primeiros 100 dias de governo. O Orçamento de 2023 é uma bomba de efeito retardado, porque não prevê recursos para o Auxílio Brasil e para as políticas públicas. Por exemplo, verbas para a campanha de vacinação contra a Covid-19, que já dá sinais de que está voltando. Essa negociação é crucial, mas depende também de decisões sobre a equipe econômica do novo governo. A incorporação dos economistas André Lara Resende, Persio Arida e Guilherme Melo na equipe de transição descontentou os economistas do PT, que tinham expectativa de que o ex-senador Aloizio Mercadante fosse anunciado para comandar a política econômica do novo governo.

Governabilidade

A conversa de Lula com o vice-presidente, Geraldo Alckmin, coordenador da equipe de transição e responsável pela incorporação dos economistas do Plano Real, ontem, pode ter resultado na indicação do futuro ministro da Fazenda (ou da Economia, se for mantida a nomenclatura atual). É preciso pôr fim às especulações no mercado, que estão provocando instabilidade no câmbio e nas ações da Bovespa. Por exemplo, no caso da Petrobras, havia uma quase certeza no mercado financeiro de que a empresa seria privatizada, caso Bolsonaro fosse eleito. Essa possibilidade está descartada, mas ainda permanecem grandes dúvidas quanto à política de preços e as prioridades de investimentos da petroleira.

Pelo acordado durante o fim de semana, Lula deve se reunir com a equipe de transiçao para definir uma solução para a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, na tentativa de acomodar a extensão do Auxílio Brasil de R$ 600 para 2023. As conversas de Lula com Pacheco (PSD-MG) e Lira (PP-AL) são fundamentais para a governabilidade do novo governo. No caso de Pacheco, a relação é fundamental para o êxito do governo Lula, porque é uma Casa revisora e que sempre cumpriu um papel relevante no sentido de garantir a governabilidade. Além disso, Pacheco é o mais importante representante do PSD no Congresso, legenda que já negocia, por meio de seu presidente, Gilberto Kassab, sua participação no governo. Partido de centro-direita , a legenda tem 11 senadores e 42 deputados.

Uma conversa estratégica é com Arthur Lira, que controla o Orçamento da União. Seu partido foi a viga mestra da base de sustentação do governo, sob comando do presidente da legenda, Ciro Nogueira, o ministro da Casa Civil e responsável pelo diálogo entre o atual governo e os integrantes da equipe de transição de Lula. O caminho crítico da relação entre Lula e Lira é a eleição para a Presidência da Câmara, chave para os dois primeiros anos de mandato de Lula. Hoje, o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, deve revelar se a legenda do presidente Jair Bolsonaro lançará candidato a presidente da Câmara ou apoiará Lira.

Outro elemento complicador na relação com o Congresso é a posição do MDB, cujo presidente, Baleia Rossi (SP), foi adversário de Lira na sucessão de Rodrigo Maia, em 2020. O Renan Calheiros, por cacique da legenda e adversário de Lira, já critica Lula, porque estaria cedendo demais às exigências do Centrão. Com 42 deputados e dez senadores, o MDB saiu muito fortalecido da eleição. Sua candidata, Simone Tebet, foi decisiva para a eleição de Lula e deve integrar o novo governo. O MDB discute com o PSDB o Cidadania e o Podemos a formação de uma frente parlamentar no Congresso e, talvez, uma federação das quatro legendas.

Para aprovar a tal PEC da Transição, Lula precisará contar com o apoio de 219 deputados e 14 senadores que não foram reeleitos.

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Nas entrelinhas: Na escolha de destino, o povo fará a sua parte

Luiz Carlos Azedo

Hoje teremos o segundo turno das eleições, com 156 milhões de eleitores aptos a votarem. A grande incógnita da disputa é o comportamento dos que não votaram no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e no presidente Jair Bolsonaro (PL) no primeiro turno, que receberam 57.259.504 (48,4%) e 51.072.345 (43,2%) dos votos, respectivamente. Aproximadamente 10 milhões de eleitores votaram nos demais candidatos — principalmente Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT), que obtiveram 4,22% e 3,06% dos votos válidos. Por gravidade, haveria uma distribuição proporcional entre os dois candidatos, mas não é assim que as eleições funcionam.

As pesquisas mais recentes mostram a repetição de um fenômeno ocorrido no primeiro turno: uma reação dos eleitores antipetistas contra o favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que está provocando um empate técnico entre ambos, embora Lula permaneça sendo o favorito. Como não existe o mesmo fator surpresa do primeiro turno a favor de Bolsonaro, pode ser que isso resulte também no aumento do comparecimento dos eleitores que rejeitam o presidente da República e não votaram no primeiro turno. Ou seja, a eleição é imprevisível. Tudo vai depender do percentual de abstenções.

A última pesquisa CNT de Opinião, realizada pelo Instituto MDA, encomendada pela Confederação Nacional do Transporte e divulgada ontem, mostra o ex-presidente Lula com 46,9% das intenções de voto e Bolsonaro, que concorre à reeleição, com 44,9%. Considerando apenas os votos válidos, Lula aparece com 51,1% e o chefe do Executivo, com 48,9%. O problema é que o petista variou na margem de erro para baixo e o presidente, igualmente, para cima. São apenas 2,2 pontos de diferença entre ambos. A rejeição de ambos, 50% para Bolsonaro, 45% para Lula, continua sendo uma variável decisiva.

Como ninguém ganha eleição de véspera e não nos cabe adivinhar o resultado, a única certeza é de que os eleitores estão diante de uma escolha entre dois projetos de país para as próximas décadas, num cenário internacional de grandes mudanças. Há muito mais coisas em jogo do que as virtudes e defeitos pessoais de Lula e Bolsonaro, que influenciam as escolhas da maioria dos eleitores. As eleições no Brasil são tradicionalmente “fulanizadas”, fruto da nossa herança “sebastianista”. Os próprios candidatos se julgam “salvadores da pátria”, como ficou evidente no debate da TV Globo de sexta-feira à noite.

Entretanto, Lula e Bolsonaro são portadores de projetos distintos do país, não estão sozinhos e simbolizam uma encruzilhada política, na qual estamos decidindo o rumo que o país vai tomar, sem um projeto claro de futuro. Sim, porque Lula fez sua campanha em cima das realizações de seu governo, no período que vai de 2002 a 2010. Esqueçam a Dilma, seu governo foi um estorvo para Lula, que somente a defendeu no debate para atacar o ex-presidente Michel Temer, a quem chamou de golpista.

Modelos

Quais foram as principais características do governo Lula? Uma aliança com os partidos do Centrão para garantir sua governabilidade; forte projeção na política internacional, tendo como eixo a articulação dos países em desenvolvimento, numa lógica Norte-Sul; política econômica que manteve o equilíbrio fiscal, mas atuou fortemente na economia a favor da transformação de grupos econômicos nacionais em players da economia globalizada; política de valorização do salário mínimo, com impacto generalizado na ampliação do mercado de consumo; e política de inclusão social e erradicação da miséria, com o programa Bolsa Família.

E o governo Bolsonaro, como atuou nesses quatro anos de mandato? Incorporou grande número de militares à gestão pública e consolidou sua aliança com os partidos do Centrão, entregando aos aliados a gestão do Orçamento das União; atuou fortemente para desregulamentar a economia, favorecendo setores produtivos ligados ao agronegócio; liquidou com as políticas sociais universalistas, principalmente na educação e na saúde; esvaziou os órgãos de fiscalização ambiental e adotou o darwinismo social como estratégia de governo, o que ficou muito evidente durante a pandemia da covid 19. Também avançou no sentido de priorizar a pauta dos costumes e incorporar as lideranças evangélicas ao seu governo.

Qual é a questão posta na votação de hoje para além dessas considerações: os dois projetos estão esgotados. Quando Lula critica a regulamentação do trabalho por conta própria (MEI) e defende a relação trabalho-capital com base no regime de contrato coletivo (carteira assinada), está se referenciando num tipo de economia que deixou de ser o padrão; a lógica do empreendedorismo, do sucesso pelo esforço individual, já disputa hegemonia com a velha consciência sindical classista.

Quando Bolsonaro propõe a adoção de um regime iliberal, com predomínio do Executivo em relação aos demais poderes e forte desregulamentação das relações trabalho-capital, está sugerindo uma ruptura institucional, de viés autoritário, para abrir caminho ao novo ciclo de modernização conservadora. Esse modelo também tem impacto na política externa, sobretudo do ponto de vista da questão ambiental.

É preciso novos paradigmas, com base em valores civilizatórios. O Estado democrático, a retomada do crescimento, a nova economia, a sustentabilidade, a liberdade individual e o respeito às minorias, a modernização do Estado, as novas relações capital-trabalho exigem uma nova política. Neste sentido, ao fazer suas escolhas, os eleitores estão cumprindo a sua parte. O por fazer depende das instituições e de quem for o novo presidente eleito hoje.

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Damares Alves foi eleita senadora pelo Distrito Federal com44,98% dos votos - Evaristo Sá/AFP

Família, costumes e uso da fé: o que esperar de Damares no Senado?

Brasil de Fato

Fechando a semana, o programa Central do Brasil desta sexta-feira (7), você acompanha uma reportagem sobre as projeções do mandato da Damares Alves (Republicanos), ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos eleita senadora pelo Distrito Federal com 714.562 (44,98%). Damares se projeta como a principal voz feminina de Bolsonaro para sua agenda conservadora e de costumes e se credencia pela capacidade de mobilizar apoios e a atenção da mídia. Segundo analistas que foram ouvidos pela reportagem, uma potencial ameaça ao campo progressista em qualquer cenário no segundo turno das eleições

Ainda sobre o resultado do primeiro turno das eleições, edição também analisa os fatores que podem ter garantido a vitória de Cláudio Castro (PL) para o governado do estado do Rio de Janeiro. Cientistas políticos analisam esta reeleição, já no primeiro turno, como fruto de uma política que usou recursos para conseguir alianças políticas locais, incluindo os evangélicos e a influência das milícias em alguns territórios do estado.

E tem mais!

O Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais está com uma campanha de financiamento coletivo para reformar sua sede. O imóvel, da década de 1940, foi palco da fundação de diversas entidades de defesa dos trabalhadores e, agora, precisa de reparos estruturais.  Além dos retrocessos trabalhistas, os jornalistas de Minas Gerais também relatam que vêm enfrentando uma série de ataques políticos. No centro de Belo Horizonte, foi feita uma pichação com os dizeres "jornalista bom é jornalista morto". Além disso, houve também ataques físicos, como a agressão a um repórter fotográfico que cobria uma manifestação em defesa de Jair Bolsonaro.

O programa Central do Brasil é exibido de segunda a sexta-feira, às 12h30, pela Rede TVT e pelos canais do Brasil de Fato.

Matéria publicada originalmente pelo portal Brasil de Fato


Bolsonaro dá entrevista em Brasília em 7 de outubro. — Foto: Rafael Sobrinho/ TV Globo

Ministros do STF veem ‘cartilha autoritária’ em defesa de reforma

Andréia Sadi | G1

Três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ouvidos pelo blog afirmam que o presidente Jair Bolsonaro (PL) está chantageando ao propor uma reforma da Corte.

Como a GloboNews revelou em 5 de setembro, a ideia circula desde maio no Palácio do Planalto, mas ganhou força após ser verbalizada pelo próprio presidente diante de possibilidade de vitória no segundo turno.

Esses ministros do STF preferem não polemizar publicamente e preferem aguardar o resultado das eleições. Mas nos bastidores, chamam a ideia de "cartilha autoritária".

“[Hugo] Chávez fez na Venezuela, [Viktor] Orbán na Hungria, idem na Polônia. É a cartilha autoritária. Roosevelt tentou nos Estados Unidos, mas o Congresso rejeitou", afirma um integrante do STF.

Outros veem uma nova chantagem de Bolsonaro para que, se reeleito, o ministro Alexandre de Moraes arquive inquéritos que miram a família do presidente e aliados.

Em agosto, bolsonaristas já haviam feito um movimento semelhante, buscando um pacto que envolveria o arquivamento desses inquéritos em troca do fim dos ataques do presidente às Cortes superiores e da incitação a protestos no 7 de setembro.

Em busca de saber qual a chance de uma reforma do STF passa, ministros do STF procuraram a cúpula do Congresso.

Na Câmara, o Centrão – que comanda a Casa – confirma que a ideia circula por lá, mas diz que qualquer discussão só vai ocorrer após o segundo turno.

Integrantes não bolsonaristas do Senado também confirmaram a existência da ideia de reforma do STF, e deram detalhes: a proposta para mudar regras para o STF inclui:

  • Elevar o número de ministros dos atuais 11 para 16;
  • Estabelecer mandato fixo, hoje inexistente;
  • Aumentar a idade mínima dos indicados de 35 para 50 anos;
  • Permitir que o Congresso indique ministros – atualmente, só o presidente pode fazê-lo.
  • Vetar decisões monocráticas (tomadas por um só ministro) que afetem outros poderes – como, por exemplo, alguma que busque obrigar o Congresso a instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Só poderiam decisões colegiadas.

*Matéria publicada originalmente no portal G1. Título editado


Supremo Tribunal Federal à noite DF | Imagem: rafastockbr/Shutterstock

Nas entrelinhas: Uma Rosa no comando do STF (e o espinho)

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Não, esse texto não tem nada a ver com o velho samba de Nelson Cavaquinho, em cuja a alegoria poética o espinho quer apenas passar com sua dor, jamais machucar a flor. Estamos tratando da eleição da ministra Rosa Weber para a Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), ontem, para liderar a Corte de 12 de setembro até outubro de 2023, quando se aposentará compulsoriamente, ao completar 75 anos. Assumirá no lugar do ministro Luiz Fux, em pleno curso do processo eleitoral, tendo como vice-presidente Luís Roberto Barroso, um dos alvos preferidos dos ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Supremo.

Não, esse texto não tem nada a ver com o velho samba de Nelson Cavaquinho, em cuja a alegoria poética o espinho quer apenas passar com sua dor, jamais machucar a flor. Estamos tratando da eleição da ministra Rosa Weber para a Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), ontem, para liderar a Corte de 12 de setembro até outubro de 2023, quando se aposentará compulsoriamente, ao completar 75 anos. Assumirá no lugar do ministro Luiz Fux, em pleno curso do processo eleitoral, tendo como vice-presidente Luís Roberto Barroso, um dos alvos preferidos dos ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Supremo.

Como magistrada, é uma rosa de ferro, acostumada a tomar decisões difíceis. Na segunda-feira, por exemplo, enviou para a Procuradoria-Geral da República (PGR) um pedido de investigação de Bolsonaro por ter feito ataques ao sistema eleitoral, sem provas, durante encontro com embaixadores estrangeiros.

Deu sequência à ação na qual parlamentares da oposição questionam a conduta do presidente por abuso de poder econômico, improbidade administrativa e crime contra o Estado democrático de Direito. Houve forte reação da opinião pública e das chancelarias estrangeiras aos ataques que Bolsonaro fez ao sistema eleitoral brasileiro, principalmente à urna eletrônica, à Justiça Eleitoral e aos ministros Edson Fachin, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e Alexandre de Moraes, que assume o comando da Corte durante as eleições.

Apesar de pôr mais lenha na fogueira das tensões entre Bolsonaro, o espinho, e o Supremo, essa foi uma decisão de praxe, pois cabe à PGR decidir se pede a instauração de apurações formais contra autoridades com foro privilegiado, o que é muito improvável. O procurador-geral da República, Augusto Aras, é um aliado quase incondicional de Bolsonaro. Provavelmente, a PGR pedirá o arquivamento do caso, como vem fazendo sistematicamente em assuntos que envolvem o presidente. Nos bastidores, Aras é uma das autoridades que mais se queixam da atuação do Supremo, que teria usurpado atribuições do Executivo e do Legislativo, segundo afirma nos bastidores da Praça dos Três Poderes.

Gaúcha de Porto Alegre, Rosa Weber tomou posse na Suprema Corte em 2011, depois de ter sido indicada pela então presidente Dilma Rousseff. Presidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de 2018 a 2020, ou seja, durante a eleição de Bolsonaro. Fez carreira na Justiça do Trabalho, na qual ingressou em 1976, como juíza substituta no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul). Em 1981, foi promovida ao cargo de juíza-presidente, que exerceu sucessivamente nas Juntas de Conciliação e Julgamento de Ijuí, Santa Maria, Vacaria, Lajeado, Canoas e Porto Alegre.

Judicialização

Pela própria trajetória como magistrada, Rosa é protagonista de um fenômeno polêmico, que vem sendo muito questionado e também estudado no Brasil: a judicialização da política, a partir de uma concepção formal sobre as atribuições e relações entre os poderes. O debate político, porém, deu à expressão, cujo sentido é normativo, um caráter pejorativo.

A rigor, há dois modelos em discussão. No primeiro, trata-se de uma República constitucional com predomínio das instâncias eleitorais-majoritárias de representação, na qual o Judiciário é voltado à aplicação da lei aos casos individuais e com limitada interferência nas decisões legislativas e governamentais. É mais ou menos nesse campo que se posicionam Bolsonaro, os militares que ocupam o Palácio do Planalto, os políticos do Centrão que dão sustentação ao governo e Aras.

O outro modelo consagra a cooperação e complementariedade entre os poderes nas decisões políticas, com base na Constituição de 1988, que deu ao Estado brasileiro as características de uma democracia ampliada, com maior participação da sociedade civil nas agências governamentais. Nesse modelo, o Judiciário tem o papel de formular os valores compartilhados e servir de canal de expressão para grupos minoritários cujos direitos não são levados em conta pela representação da maioria.

Nesse contexto, ao longo dos últimos 20 anos, o Supremo emergiu como poder moderador na relação entre os poderes Executivo e Judiciário e entre o Estado e sociedade, ocupando espaços na definição de políticas públicas e na garantia de direitos sociais, sempre que o Executivo os contrariava ou o Legislativo se omitia, como nos casos do aborto, das terras indígenas, das relações homoafetivas etc.

A existência da Justiça Trabalhista e da Justiça Eleitoral, que antecedem a Constituição de 1988, já era expressão dessa tendência, que ganhou mais vigor a partir da democratização do país. São inúmeros os temas nos quais o STF é demandado em ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) para garantir direitos de entes federados ou dos cidadãos em sua relação com o Estado. Rosa tende a reafirmar essa tendência à frente do Supremo, até por uma questão de coerência doutrinária e trajetória pessoal na magistratura.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-uma-rosa-no-comando-do-stf-e-o-espinho/

Presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, preside sessão que analisa veto sobre orçamento impositivo | Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Nas entrelinhas: “Orçamento secreto” é moeda de troca eleitoral

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

O Congresso aprovou, ontem, a Lei Orçamentária de 2023, com a manutenção da regra que mantém o chamado “orçamento secreto”, um conjunto de emendas negociadas entre os parlamentares e o relator do Orçamento da União sem que os responsáveis pela sua indicação sejam revelados. O relator da Lei Orçamentária, senador Marcos Do Val (Podemos-ES), retirou do texto o caráter impositivo das emendas e criou um mecanismo para que os autores secretos das emendas possam remanejá-las sem que seus nomes, destinação e valor sejam revelados. A nova lei também aumenta o poder do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sobre a distribuição desses recursos entre os deputados. No Senado, acontece a mesma coisa com o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Neste ano, o montante do “orçamento secreto”  chega a R$ 16 bilhões, que estão sendo controlados pelo Centrão e são utilizados como moeda de troca nos arranjos eleitorais regionais. Nos bastidores, há relatos de que emendas bilionárias são oferecidas a candidatos para que retirem candidaturas majoritárias e a lideranças de partidos para que façam coligações. Os líderes de bancada que dão sustentação a Lira aproveitam as emendas para aumentar o controle sobre suas bancadas e a sua própria influência nos respectivos partidos.

As emendas do relator previstas para o Orçamento de 2023, cujo montante chega a R$ 19 bilhões, já são moeda de troca na eleição da nova Mesa da Câmara, na próxima legislatura. Lira se movimenta como candidato à reeleição em 2023; o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, como bom mineiro, ainda não abriu o jogo. No momento, as emendas do relator são uma dor de cabeça para o senador mineiro, por causa de um “sincericídio” do senador Do Val, que admitiu ter recebido R$ 50 milhões em emendas, que destinou ao seu estado, por ter votado a favor da eleição de Pacheco, por influência do ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (União Brasil).

A oposição tentou impedir a aprovação da medida, por considerar que o texto amplia o sigilo do “orçamento secreto”. Votaram contra a pedida 110 deputados de PT, PSB, PCdoB, PSol, Rede e Novo. Em 2020 e 2021, apenas 1,8% de todo o recurso destinado às emendas de relator foi de autoria da oposição.

O “orçamento secreto” desequilibra o jogo entre o Centrão e a oposição, que acaba isolada, porque os recursos estão sendo diretamente destinados às bases eleitorais dos parlamentares que fizeram as indicações. É um mecanismo de blindagem para quem já tem mandato, contra os pretendentes de seus próprios partidos que não controlam esses recursos, na negociação do apoio de prefeitos, vereadores e deputados estaduais. Do ponto de vista da legislação eleitoral, é uma excrescência, porque significa a volta ao clientelismo, quiçá à formação de caixa dois eleitoral.

Fundo eleitoral

Esse desequilíbrio é ainda maior porque o fundo eleitoral somente começará a ser distribuído quando tiver início a campanha eleitoral oficialmente. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por meio da Portaria nº 579/2022, determinou o valor a que cada partido político terá direito na distribuição dos R$ 4,9 bilhões do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). É a maior soma de recursos já destinada ao Fundo desde a criação, em 2017, e foi distribuído entre os 32 partidos políticos registrados no TSE com base em critérios específicos. O Partido Novo (Novo) renunciou ao repasse dos valores, sua cota será revertida ao Tesouro Nacional.

O União Brasil, resultante da fusão do Democratas (DEM) com o Partido Social Liberal (PSL), receberá o maior montante, com mais de R$ 782 milhões. Em seguida, estão o Partido dos Trabalhadores (PT), com pouco mais de R$ 503 milhões; o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), com R$ 363 milhões; o Partido Social Democrático (PSD), com R$ 349 milhões; e o Progressistas, com aproximadamente R$ 344 milhões. Juntas, essas cinco legendas respondem por 47,24% dos recursos distribuídos.

Os recursos do Fundo Eleitoral ficarão à disposição do partido político somente depois de a sigla definir critérios para a distribuição dos valores. Esses critérios devem ser aprovados pela maioria absoluta dos membros do órgão de direção executiva nacional e precisam ser divulgados publicamente. As federações partidárias são tratadas como um só partido também no que diz respeito ao repasse e à gestão dos recursos públicos destinados ao financiamento das campanhas eleitorais.

Três federações partidárias estão aptas a participar das eleições gerais de outubro: Federação PSDB Cidadania, integrada pelo Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB) e pelo Cidadania; Federação PSol Rede, que reúne o Partido Socialismo e Liberdade (PSol) e a Rede Sustentabilidade; e Federação Brasil da Esperança (FE Brasil), integrada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e Partido Verde (PV).

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Inflação e dívidas | Foto: Denys Kurbatov/Shutterstock

Nas entrelinhas: A insensatez e o efeito manada

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

A Marcha da Insensatez, da historiadora Barbara Tuchman, que venceu o prêmio Pulitzer por duas vezes, trata de situações nas quais seus protagonistas contrariaram seus próprios interesses, nos casos da Guerra de Tróia, da Reforma Protestante, da Independência dos Estados Unidos e da Guerra do Vietnã. Nesses episódios, as lideranças políticas mais poderosas tomaram decisões catastróficas. Por isso, o livro é um clássico da política.

Tuchman descreve a desastrosa atuação dos papas do fim do século XV e início do XVI, a arrogância da aristocracia inglesa frente às colônias americanas e, por fim, a cegueira da elite político-militar dos EUA na Guerra do Vietnã. O mundanismo — o enriquecimento do alto clero — dividiu a Igreja e embalou a Reforma de Lutero e Calvino. A inflexibilidade e a cobiça da aristocracia inglesa resultaram na perda de suas Colônias na América do Norte. A Guerra do Vietnã levou os Estados Unidos a uma de suas mais profundas e longas crises políticas.

No Brasil, estamos vivendo um momento parecido. Estão em xeque nossa ordem democrática e a institucionalidade da economia. Ulysses Guimarães, o grande patrono da nossa Constituição Cidadã, quando alguém se queixava do Congresso, costumava dizer que a safra de parlamentares seguinte seria pior. Sua pilhéria virou uma maldição, porque o grau de deterioração das práticas políticas no Congresso só aumenta.

Depois que os políticos do Centrão, aliados ao presidente Jair Bolsonaro, passaram a dar todas as cartas no nosso Parlamento, um câncer corrói as entranhas da política brasileira, o chamado orçamento secreto, que cedo ou tarde será mais um caso de polícia. Para completar, o bilionário fundo eleitoral destinado aos partidos nas eleições está se transformando num obstáculo à renovação dos costumes políticos.

Criou-se uma situação de absurda desvantagem entre quem tem mandato, e usufrui de verbas do Orçamento da União, estruturas de gabinete e recursos abundantes de campanha, e aqueles que serão candidatos e não têm as mesmas possibilidades. Como se não bastasse, agora vem o pacote de bondades da PEC da Eleição, que será a bandeira eleitoral de quem pleiteia a reeleição.

Seu objetivo seria mitigar os efeitos da inflação na vida da população de mais baixa renda, mas isso é apenas uma cortina de fumaça para o que realmente está acontecendo. São medidas de curto prazo, de caráter populista, que não vão resolver os problemas da população, porque o rombo fiscal que provocará será um fator acelerador da própria inflação, corroendo os seus benefícios.

Mais graves são as consequências em termos institucionais, como o desrespeito ao calendário eleitoral e o abuso do poder econômico nas eleições, de um lado, e a ruptura na institucionalidade de nossa economia, devido à falta de responsabilidade fiscal, de outro. A insegurança jurídica provocada por emendas à Constituição casuísticas, aprovadas à toque de caixa, ampliam o cenário de incertezas em relação ao futuro da própria moeda, o real.

A três meses das eleições, essas medidas que estão sendo aprovadas no Congresso desnudam um descolamento dos partidos políticos e seus representantes dos verdadeiros interesses da sociedade. São um fator de enfraquecimento da própria democracia. Já passamos por outras situações semelhantes, ao longo da história, que nos levaram a profundas crises.

A hiperinflação da década de 1980, que coincidiu com a transição à democracia, ainda hoje nos cobra pedágios, pois nunca mais conseguimos ingressar num ciclo longo e sustentável de crescimento, mesmo depois de o Plano Real ter estabilizado a nossa moeda e as privatizações terem se realizado, para restabelecer o equilíbrio das contas públicas. A Lei de Responsabilidade Fiscal está sendo rasgada.

Encenação

O preço desse fracasso está anunciado: é a iniquidade social que explode nas ruas e não será superada na campanha eleitoral com esse pacote de medidas proposto pelo governo. O Senado aprovou a PEC das Eleições com apenas um voto contrário, o do senador José Serra (PSDB-SP), um economista experiente, que governou São Paulo, conhece as contas públicas e entende de política de desenvolvimento.

Casa de ex-ministro e ex-governadores, muitos dos quais candidatos nestas eleições, o Senado protagonizou um acordão sem precedentes entre o presidente Bolsonaro, o Centrão e a oposição, num pacto do tipo “nos locupletemos todos”. Com toda a certeza, não será a Câmara que irá restaurar a moralidade.

O misancene que está sendo feito pela oposição, cujos parlamentares estão docemente constrangidos, apenas disfarça o efeito manada. A palavra de origem francesa — “mise en scène” — significa encenação. É o que está acontecendo nas manobras de obstrução da votação na Câmara. É muito difícil para um parlamentar com mandato em risco votar isoladamente contra as benesses anunciadas no pacto. Não teria como explicar aos eleitores.

O presidente Jair Bolsonaro aposta todas as fichas na PEC da Eleição para reverter a desvantagem em que se encontra em relação à preferência das parcelas mais pobres da população, principalmente no Nordeste. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acredita que as medidas o beneficiarão, porque estão sendo adotadas de última hora, diante do risco de derrota eleitoral do governo. É a marcha da insensatez.

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Gustavo Lima durante show | Foto: reprodução/Outras Palavras

Megacachês: Agropop surpreendido de calça curta

Célio Turino, de Outras Palavras

Sobre o desvio de recursos públicos para cachês milionários em shows de cantores Sertanejos/Agropop:

1) Megachês milionários não são comuns nem no mundo dos rodeios (quando tem patrocínio privado) ou grandes estrelas da música. Quando muito, R$ 500/600 mil e isso envolvendo toda a equipe de produção do show (banda, técnicos, dançarinos, direitos autorais e pessoal de apoio). Como parâmetro: em contratos via poder público, na Virada Cultural em São Paulo, por exemplo, o valor máximo em cachê é de R$ 300 mil (o que já é bastante elevado); shows em réveillon em cidades como o Rio de Janeiro também não pagam muito além disso; em Micaretas e São João, talvez alguns muito famosos recebam R$ 500/600 mil, mas são raros; Escolas de Samba do grupo especial no Rio de Janeiro receberam R$ 1,5 milhão para o carnaval de 2022 (notem, o cachê é para uma escola de samba inteira).

2) Ou seja, tem mutreta, tem desvio de verba pública, tem corrupção nesses cachês do milhão. Mesmo para contratações artísticas a lei exige que o poder público se paute pelo princípio da economicidade, além da moralidade, legalidade, publicidade e impessoalidade. Tem cartel político/Bolsonarista/sertanejo nessa história dos megacachês. Ministério Público, Tribunais de Contas e legislativos municipais, estaduais e nacional precisam investigar. O crime salta aos olhos! O Congresso Nacional precisa abrir #CPIdosSertanejos já! É preciso cruzar emendas e rastrear o caminho do dinheiro para verificar o quanto do valor desses cachês pode ter sido “devolvido” para os padrinhos. Esse é um duto de desvio na ordem de centenas de milhões de reais!

c) Afora a imoralidade desses valores, sobretudo em pequenos municípios, em que a população carece de serviços básicos.

d) Mas o desvio não para aí. Em 2019, o BNDES concedeu empréstimo de R$ 320 milhões para empresa recém-constituída (um mês antes da liberação do empréstimo). A finalidade? Administrar carreiras de cantores sertanejos. Um escândalo! Desse valor, R$ 200 milhões foram para um único cantor sertanejo! Alguma dúvida de que esse empréstimo foi totalmente irregular? Nenhum banco libera um valor desses para uma empresa constituída um mês antes.

Jorge and Matheus during show | Foto: Shutterstock/A.PAES

Como parâmetro, a lei Aldir Blanc que preservou entre 430-450 mil postos de trabalho na cadeia produtiva da cultura (dados IPEA), em 4.700 municípios, contou com aporte total de R$ 3 bilhões. Isso após uma ampla mobilização, envolvendo dezenas de milhares de pessoas e a quase unanimidade no Congresso. Não é possível que uma única empresa receba mais de 10% desse valor! Esse empréstimo precisa ser investigado e muito.

e) Mais um parâmetro. Esses mesmos sertanejos que vivem falando mal da lei Rouanet estão se apropriando de dinheiro público via cachês em valores absurdos, drenando recursos de escolas e da saúde, sobretudo em pequenos municípios, onde a fiscalização passa despercebida. Cachês de até R$ 1,2 milhão! Sabem em quanto o governo fixou o teto para cachê artístico via lei Rouanet? R$ 3 mil (exatamente). Deve ser por essa razão que esses artistas Bolsonaristas têm tanto ódio da lei Rouanet, afinal, em um só show embolsam valor 400 vezes maior. Mesmo antes de o governo haver fixado o teto em R$ 3 mil, o valor máximo que a lei Rouanet autorizava para cachê artístico era de R$ 45 mil. Mais um parâmetro para comparação: o valor que a empresa recebeu equivale a 25% de todo valor arrecadado pela Lei Rouanet em todo o Brasil (aproximadamente R$ 1,2 bi).

A lei Rouanet atende mais de 4 mil projetos em todo país, grande parte deles gratuitos para o público, beneficiando dezenas de milhares de empresas e garantindo centenas de milhares de postos de trabalho na cadeia produtiva das artes e da cultura. Para aprovação de um projeto a lei exige: projeto detalhado; justificativa; descrição e cronograma de trabalho; explicitação de público beneficiado; contrapartida social e de acessibilidade; orçamento detalhado, com valores padrão e teto nos valores; parecer técnico de especialista; aprovação em colegiado (CNIC); captação de patrocínio junto a empresas privadas (que também analisam o projeto); prestação de contas; análise detalhada das contas para quitação final.

Enquanto isso, esses artistas aproveitadores e manipuladores dos fãs, seguem fazendo sinal de arminha com a mão, pregando o ódio e a mentira e se declarando cidadãos de bem, defensores de “Deus, Pátria e Família”, ao mesmo tempo em que se locupletam com o dinheiro público. No fundo não passam de oportunistas e desonestos, que desonram a tradição da música brasileira de raiz.

*Texto publicado originalmente no site Outras Palavras


Simone Tebet | Foto: Agência Senado

Nas entrelinhas: PSDB ainda negaceia apoio a Simone Tebet

Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas / Correio Braziliense

Ao lado dos presidentes do MDB, Baleia Rossi (SP), e do Cidadania, Roberto Freire, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) disse, ontem, que contará com apoio do PSDB para consolidar sua candidatura de “centro democrático”, como preferiu denominar a chamada terceira via. O presidente tucano, Bruno Araújo, grande artífice da retirada da candidatura do ex-governador João Doria, não participou da entrevista coletiva. Há tensões ainda no PSDB, embora o grupo responsável pela remoção de Doria da disputa, encabeçado pelo governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, apoie Simone.

A Pesquisa CNN/RealTime Big Data para as eleições presidenciais, divulgada ontem, sem o nome de Doria entre os candidatos, foi um banho de água fria nas articulações internas da legenda a favor da emedebista. O levantamento mostra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com 40% das intenções de voto no primeiro turno, seguido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), com 32%; e por Ciro Gomes (PDT), com 9%. Depois aparecem André Janones (Avante) e Simone Tebet (MDB), com 2%, e Luciano Bivar (União Brasil), com 1%.

Na pesquisa com todos os candidatos, Doria aparecia com 4%. Esses votos foram redistribuídos entre Lula (1%), Bolsonaro (1%), Ciro Gomes (1%) e Simone (1%). Não pontuaram os pré-candidatos Vera Lúcia (PSTU), Pablo Marçal (Pros), Sofia Manzano (PCB), Felipe d’Avila (Novo), Leonardo Péricles (UP) e José Maria Eymael (DC). Brancos ou nulos somam 9%. Os indecisos e os que não responderam são 5%. Foram ouvidas por telefone três mil pessoas entre segunda-feira (23) e a terça (24). A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

Com esses números, a ala do PSDB que defende uma candidatura própria ganhou novo fôlego, com o argumento de que seria preciso aguardar mais algumas semanas para decidir os rumos da legenda, apesar das expectativas das cúpulas do MDB e do Cidadania de que o apoio a Simone Tebet se consolide logo. O adiamento dessa decisão reforça a percepção de que o objetivo principal da maioria dos deputados tucanos seria cuidar da própria reeleição e da manutenção dos governos estaduais, principalmente o de São Paulo.

O presidente do MDB, Baleia Rossi, é o grande patrono da candidatura de Simone, não apenas porque controla 20 dos 27 diretórios regionais do partido, mas porque também tem um papel importante nas eleições em São Paulo. O governador Rodrigo Garcia está numa situação difícil, em quarto lugar nas pesquisas, atrás de Fernando Haddad (PT), que lidera, Márcio França (PSB) e Tarcísio Freitas (Republicanos). Precisa do apoio do prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), para garantir uma base de apoio robusta na maior metrópole do país. Sem isso, corre o risco de não ir sequer ao segundo turno.

São Paulo

Garcia é a principal âncora da candidatura de Tebet no PSDB, mas isso pode não se traduzir em intenções de votos. É o que as pesquisas estão mostrando. No momento, a prioridade dele é construir uma aliança pirata com Márcio França, que passou a ser o principal obstáculo para que chegue ao segundo turno. O ex-governador divide mais votos com o tucano do que com Haddad. Isso explica a razão de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de o próprio PT não se esforçarem para remover a candidatura de França ao Palácio dos Bandeirantes.

A situação é tão dramática que a eventual candidatura de França ao Senado, na chapa de Haddad e na aba do chapéu do vice de Lula, o ex-governador Geraldo Alckmin, já seria de grande serventia para Garcia, pois amplia as condições para que ultrapasse Freitas, o candidato de Bolsonaro, o que está sendo muito difícil. A verdade é que o xadrez eleitoral paulista continua sendo um vetor decisivo das articulações da terceira via, porém, não é a prioridade dos tucanos de São Paulo. A preocupação maior é manter o controle do Palácio dos Bandeirantes. Doria pagou por isso.

Em contrapartida, bem ao estilo dos caciques do MDB, a cúpula da legenda endossou a candidatura de Simone Tebet. Nem os que apoiam Lula, a maioria do Nordeste, nem os que estão defendendo a reeleição de Bolsonaro, no Sul do país, têm força para impor suas orientações ao partido. A candidatura de Simone se equilibra nessa igualdade dos contrários, numa sigla que tem tradição de cristianizar candidatos, como aconteceu com Ulysses Guimarães, em 1989; Orestes Quércia, em 1994; e Henrique Meirelles, em 2018.

Simone Tebet é uma novidade na disputa eleitoral, por seu perfil liberal progressista e por carregar a bandeira do empoderamento das mulheres, além de um olhar feminino sobre os problemas nacionais. Sobretudo a agenda dos direitos humanos e do combate à exclusão e às desigualdades sociais.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-psdb-ainda-negaceia-apoio-a-simone-tebet/

Petrobrás flag | SERGIO V S RANGEL

Privatização da Petrobras? Veja o que aconteceu com ex-estatais pelo mundo

Julia Braun, BBC News Brasil*

A proposta de privatização da Petrobras, anunciada pelo ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, na última semana, reacendeu discussões sobre o impacto de medidas de desestatização na eficácia produtiva de empresas e no controle dos preços dos combustíveis.

Enquanto membros do governo de Jair Bolsonaro (PL) e defensores da redução da presença do Estado nas relações econômicas do país comemoraram o anúncio, representantes da Federação Única dos Petroleiros (FUP-CUT) afirmaram que o presidente verá "a maior greve da história da categoria" caso avance na intenção.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que a privatização da estatal não está em seu "radar" neste momento — a proposta precisa ser aprovada pelo Congresso antes que o presidente possa assinar o decreto para incluir a Petrobras no Plano Nacional de Desestatização (PND).

Iniciativas de privatizações geram debates acalorados não só no Brasil, mas em diversos outros países que já colocaram ou cogitaram colocar medidas semelhantes em prática.

Não são incomuns casos de petrolíferas que decidiram seguir o caminho da capitalização como forma de obter mais recurso — como fez a própria Petrobras em 2010 — ou de governos que desinvestiram em determinados setores para ampliar a concorrência.

Mas quando se trata de grandes estatais produtoras de petróleo se tornando majoritariamente privadas, não há uma gama gigantesca de exemplos, de acordo com especialistas consultados pela BBC News Brasil.

A reportagem consultou estudiosos do mercado de gás e petróleo e da área de privatizações para identificar alguns dos mais notáveis casos e entender o que aconteceu com essas empresas.

Eles apontam que não há um único caminho a ser seguido por petrolíferas estatais no momento da privatização — mas que casos de sucesso costumam acontecer quando há ambiente regulatório forte e estável para atrair investimentos. Especialistas dizem, ainda, que a gestão privada costuma aumentar a eficiência operacional, mas argumentam que nem sempre a desestatização é a melhor escolha — a depender do momento político e econômico do país.

E quando se fala no assunto, os grandes exemplos citados são o da Rússia, que colocou em prática um grande projeto de privatizações após o fim da União Soviética (URSS); da YPF na Argentina, que voltou a ser estatizada após mudanças no governo; e da multinacional BP, no Reino Unido. Há ainda casos de petroleiras privatizadas no Canadá, França, Itália e Espanha, entre outros. Entenda:

Rússia e a formação da oligarquia

Após o colapso da URSS em 1991, o governo da Rússia — sob o comando do presidente Boris Yeltsin — colocou em prática um amplo projeto de privatizações.

O esforço foi iniciado em outubro de 1991 e concluído em julho de 1994, quando dois terços da indústria russa já era de propriedade privada.

Boris Yeltsin em discurso em 1989 em Moscou
Presidente Boris Yeltsin colocou em prática um amplo projeto de privatizações na Rússia

A desestatização do setor de gás e petróleo foi regulamentada por um decreto presidencial em 1992. Petroleiras e refinarias foram agrupadas, transformando-se em empresas de capital aberto.

A Lukoil, considerada a maior companhia russa não-estatal do setor de petróleo, foi formada em 1991 quando três estatais sediadas na Sibéria se fundiram. Em 1993, ela foi privatizada e transformada em uma empresa de capital aberto.

A Gazprom também se tornou privada nesse contexto. A empresa, porém, retornou ao controle do governo no início dos anos 2000, e em 2021 foi responsável por 68% da produção de gás russa.

Especialistas afirmam, porém, que o modelo de privatização adotado pela Rússia ajudou a criar um poderoso grupo de magnatas, os oligarcas russos, e a aprofundar a desigualdade no país.

O economista Marshall Goldman, especialista em economia da URSS, afirma em seu livro "The Piratization of Russia: Russian Reform Goes Awry" que o movimento de desestatização russo apenas transformou o monopólio do Estado em um monopólio privado.

"Mas o monopólio privado não funciona de maneira muito diferente", disse o autor em sua obra.

Logo da Gazprom
A Gazprom retornou ao controle do governo no início dos anos 2000

O governo utilizou um sistema de privatização por meio de vouchers, previamente implementado na Checoslováquia.

Sob esse modelo, o governo distribuiu vouchers entre a população, que poderiam ser usados para comprar ações das cerca de 15.000 empresas que estavam sendo desestatizadas. Empresários bem relacionados, porém, adquiriram enormes blocos desses vouchers e garantiram grandes participação ou controle das companhias.

O movimento criou uma oligarquia russa que ainda está intimamente ligada a uma grande parcela da riqueza nacional. Eles controlam importante parte de setores como o de energia, mineração, mídia e transporte do país e possuem conexões no governo central.

Segundo Sérgio Lazzarini, professor do Insper e estudioso das privatizações, após o fracasso na Rússia, o sistema de vouchers deixou de ser considerado. "Esse modelo é bastante controverso e se provou que não funciona bem".

"A passagem de ativos aconteceu também de uma forma não transparente na Rússia, o que contribuiu ainda mais para a concentração de renda dos oligarcas", afirmou o especialista à BBC News Brasil.

Quando chegou ao governo em 1999, Vladimir Putin começou a controlar os oligarcas. Aqueles que seguiram alinhados politicamente com o atual presidente tornaram-se ainda mais bem-sucedidos. Mas alguns dos oligarcas originais que se recusaram a seguir essa linha foram forçados a fugir do país.

Talvez o oligarca mais conhecido fora da Rússia seja o empresário Roman Abramovich, proprietário do Chelsea Football Club. Com um patrimônio estimado em US$ 14,3 bilhões (R$ 73 bilhões), ele fez sua fortuna vendendo ativos após a queda da União Soviética.

Roman Abramovich
Roman Abramovich, que tem patrimônio estimado em US$ 14,3 bilhões (R$ 73 bilhões)

Em março deste ano, uma investigação da BBC revelou novas evidências sobre como Abramovich lucrou bilhões de dólares de forma indevida ao fazer negócios com o Estado russo na área do petróleo.

O russo teria comprado a estatal de petróleo Sibneft do governo russo em 1995, pela qual pagou cerca de US$ 250 milhões (R$ 1,2 trilhão). Contudo, ele revendeu a empresa ao Estado, em 2005, por US$ 13 bilhões (R$ 65 bilhões).

Abramovich e outros oligarcas russos foram sancionados pela União Europeia, Reino Unido e Estados Unidos após a invasão à Ucrânia. O magnata do futebol decidiu então se afastar de algumas de suas funções e vender o Chelsea.

O Instituto Ucraniano para o Futuro (UIF), uma organização independente com sede em Kiev, culpa a ampla influência dos oligarcas na sociedade, na indústria e na política ucranianas pela falta de desenvolvimento do país.

Reino Unido e BP

A multinacional britânica de capital aberto BP foi privatizada em fases, entre 1979 e 1987.

A desestatização aconteceu durante a onda de privatizações implementada pela ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher.

Margaret Thatcher em 1978 em Londres
Margaret Thatcher comandou o governo britânico entre 1979 e 1990

Durante o governo da Dama de Ferro (1979-1990), muitas companhias e serviços que haviam sido estatizados no mandato do ex-primeiro-ministro Clement Attlee entre 1945 e 1951 foram transformados em empresas privadas: indústrias, siderúrgicas, ferroviárias, aeroviárias, aeroportos e companhias de gás, eletricidade, telecomunicações e água.

Em 1979, o governo de Thatcher vendeu pouco mais de 5% de suas ações da BP e reduziu sua participação na empresa para 46%, tornando-se minoritário pela primeira vez desde que a petroleira foi incorporada pela Inglaterra em 1909.

A participação estatal foi sendo reduzida ainda mais nos anos seguintes e, em 1987, a privatização foi concluída quando o governo vendeu suas últimas ações.

Inicialmente chamada de Anglo-Persian Oil Company Limited e depois de British Petroleum, a petroleira se fundiu com a americana Amoco em 1998 e adquiriu a também americana ARCO e a escocesa Burmah Castrol em 2000, tornando-se oficialmente BP plc em 2001.

Logo da BP
BP foi privatizada em fases, entre 1979 e 1987

No livro "The Org: The Underlying Logic of the Office", o economista Raymond Fisman e o historiador Tim Sullivan descrevem como nas primeiras décadas após a privatização, a BP se tornou um exemplo no setor energético de como uma estatal pouco lucrativa poderia ser transformada em um negócio frutífero com a privatização.

O comando da empresa foi todo substituído por funcionários empenhados em cortar custos e reduzir riscos e alguns empreendimentos que antes faziam parte da companhia — como os dedicados à produção de alimento e mineração de urânio, por exemplo — foram vendidos.

"A BP passou de perdas de quase US$ 1 bilhão [cerca de R$ 5 bilhões na cotação atual] em 1992 para lucros de quase US$ 5 bilhões [R$ 25 bilhões] até o final de 1997. A folha de pagamento foi reduzida para 53.000 [funcionários], bem abaixo das 129.000 pessoas que a BP empregava antes", escreveram Fisman e Sullivan.

Em 2005, uma refinaria da BP no Texas explodiu, matando 15 e ferindo cerca de 170 pessoas. Em 2006, um vazamento em um oleoduto da BP derramou centenas de milhares de galões de petróleo em uma baía no Alasca.

E em 2010, a plataforma Deepwater Horizon, de propriedade da empresa suíça Transocean e operada pela BP no Golfo do México, explodiu e afundou, matando 11 funcionários.

Durante os meses seguintes, quase 5 milhões de barris de petróleo foram despejados no oceano, no que é considerado o maior vazamento acidental de petróleo da história. Cinco Estados (Flórida, Alabama, Mississippi, Louisiana e Texas) foram atingidos pela mancha de óleo, que encobriu aves marinhas, danificou praias e provocou enormes perdas para as indústrias de pesca e turismo.

O acidente de 2010, em especial, prejudicou a imagem da empresa, que teve sua avaliação rebaixada por agências de risco após o desastre.

Explosão na plataforma Deepwater Horizon
Em 2010, a plataforma Deepwater Horizon explodiu e afundou, deixando 11 mortos

A BP foi alvo de múltiplos processos judiciais, vários deles movidos pelo governo americano, tanto por violações criminais quanto por violações a regulações civis. Em um acordo considerado o maior do tipo na história americana, a BP concordou em pagar cerca de US$ 20 bilhões (aproximadamente R$ 100 bilhões) ao governo federal e aos cinco Estados afetados pela catástrofe ambiental.

No ano passado, os lucros da petroleira atingiram seu maior nível em oito anos, impulsionados pelo aumento dos preços do gás e do petróleo no mercado internacional. Após um ano de perdas em 2020, a BP fechou 2021 com ganho de US$ 12,85 bilhões (R$ 64 bilhões).

Os lucros continuaram a crescer no primeiro trimestre de 2022, alcançando um patamar de US$ 6,2 bilhões (R$ 31 bilhões) — mais do que o dobro dos US$ 2,6 bilhões (R$ 13 bilhões) que a empresa lucrou no mesmo período do ano passado.

O balanço provocou um movimento pela imposição de uma taxação especial, destinada a coletar parte do que é chamado de "lucro inesperado". A ideia por trás desse tipo de imposto é taxar empresas que se beneficiaram de uma situação pela qual não são responsáveis, como é o caso da alta dos preços de gás e petróleo.

Segundo fontes ouvidas pela BBC, o Tesouro britânico está estudando a possibilidade de adotar tal imposto para o setor energético do país. A BP, porém, rejeita a ideia e afirmou que novas taxas poderiam significar menos investimentos em projetos de energia renovável.

Argentina e o caso YPF

Tanques da estatal argentina de energia YPF em Comodoro Rivadavia, na província patagônica de Chubut
Tanques da estatal argentina de energia YPF em Comodoro Rivadavia, na província patagônica de Chubut

A estatal e maior produtora de petróleo da Argentina, Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF), foi privatizada em 1999, mas reestatizada em 2012, durante o governo de Cristina Kirchner.

A YPF foi criada em 1922 como a primeira petroleira estatal integrada verticalmente em todo o mundo. Durante o período inicial da ditadura militar, que se estendeu de 1976 a 1983, houve um recuo na política de nacionalização no país.

O governo abriu ao setor privado a possibilidade de concessões e permitiu contratos da YPF com terceiros. Essas medidas foram parcialmente anuladas em 1974 e posteriormente reorganizadas em 1985 pelo governo de Raúl Alfonsín.

Mas a privatização só foi concretizada no fim do governo de Carlos Menem, em 1999.

O primeiro passo desse processo foi a transformação da YPF de uma empresa estatal para uma de sociedade anônima com capital aberto. A desestatização foi concluída quando o Estado argentino vendeu 14,99% de suas ações à empresa espanhola Repsol.

No fim de 2011, a Repsol já controlava 57% do capital da YPF.

Em abril de 2012, porém, a presidente Cristina Kirchner apresentou um projeto de lei ao Congresso que declara "de utilidade pública e sujeito à expropriação" 51% do capital da YPF. O texto foi aprovado com ampla maioria no Congresso e a repatriação efetivada.

O governo culpava a YPF pela queda na produção petrolífera, o que teria obrigado a Argentina a gastar muito com a importação de combustível, num momento em que o país sofria uma escassez de dólares devido a uma fuga de capitais.

Economistas que também apoiaram a medida afirmaram ainda que, desde que a Repsol assumiu o controle da YPF, houve fuga sistemática de divisas sem reinvestimento para a exploração, tornando o modelo insustentável.

Cristina Krichner em 2008
YPF foi privatizada em 1999, mas foi reestatizada em 2012, durante o governo de Cristina Kirchner

Uma pesquisa realizada na época do anúncio da reestatização pelo jornal portenho La Nación mostrou que seis em cada dez argentinos apoiavam a medida.

A YPF, por sua vez, afirmava que as próprias políticas econômicas intervencionistas do governo deram origem à crise energética no país.

Fora do país, a medida gerou grande desconforto com o governo da Espanha e outras potências. A decisão foi duramente criticada pela União Europeia, FMI e pelos centros econômicos mundiais.

A nacionalização desencadeou ainda uma intensa batalha jurídica entre o governo e a Repsol, que terminou em um acordo de US$ 5 bilhões (R$ 25 bilhões) de indenização pela expropriação das ações.

"A reestatização da YPF aconteceu sem nenhum amparo regulatório institucional", diz Sérgio Lazzarini, do Insper.

"Ao mesmo tempo, é preciso um ambiente institucional e legal relativamente estável para que os investimentos privados prosperem, algo que faltou na Argentina após a privatização da petroleira".

Antes de ser estatizada, a empresa tinha um valor de mercado de cerca de US$ 16 bilhões (R$ 80 bilhões). No momento do anúncio da expropriação, a empresa já havia perdido quase metade de seu valor, passando a US$ 8 bilhões (R$ 40 bilhões).

Dez anos depois, as ações da YPF valem 75% menos, segundo análise feita pelo jornal argentino El Clarín. O valor de mercado da companhia está hoje em torno de US$ 3,4 bilhões (R$ 17 bilhões).

As ações da YPF estão sendo negociadas a cerca de US$ 5 (R$ 25) desde a invasão russa na Ucrânia. Em 2012, elas chegavam a US$ 41 (R$ 204), segundo o Clarín.

Afinal, existe uma receita para o sucesso?

Segundo os especialistas consultados pela BBC, não há um único caminho a ser seguido por petrolíferas estatais no momento da privatização.

Da mesma forma, nem sempre a desestatização é a melhor escolha, a depender do momento político e econômico do país, de acordo com Sérgio Lazzarini.

"Às vezes pode ser indicado apenas melhorar a governança, blindar a empresa de interferência governamental, atrair mais investimentos e implementar estratégias para desinvestir setores estratégicos e ampliar a concorrência", diz o professor do Insper.

"Mas experiência em geral, não só no setor do petróleo, mostra que a gestão privada, de fato, aumenta a eficiência operacional".

Refinaria Presidente Bernardes da Petrobras em Cubatão, estado de São Paulo
Refinaria Presidente Bernardes da Petrobras em Cubatão, estado de São Paulo

Lazzarini lançou em março deste ano o livro "The Right Privatization - Why Private Firms in Public Initiatives Need Capable Governments" (A Privatização Certa - Porque Empresas Privadas em Iniciativas Públicas Precisam de Governos Capazes, em tradução livre).

Na obra, o especialista destaca justamente a importância de um governo bem-organizado e preparado no processo de privatização de estatais de diversos setores.

"E o que são governos capazes? Governos que levam o tema da privatização para o debate público adequadamente e criam um ambiente regulatório adequado para tratar do problema", diz.

Ainda segundo Lazzarini, os casos de sucesso costumam acontecer quando há um ambiente regulatório forte e institucional estável que consiga atrair investimentos, além de competição no setor. "Os preços só começam a cair quando há mais atores e mais competição", diz.

Patrick Heller, diretor Executivo do Natural Resource Governance Institute e pesquisador do Centro de Direito, Energia e Meio Ambiente da Universidade da Califórnia em Berkeley, lista ainda outros fatores que considera essenciais para uma boa transição.

"O primeiro deles é fazer uma boa avaliação dos preços das ações antes da privatização. Definir um bom mecanismo para encontrar um valor inicial de referência e a partir daí seguir com as negociações", diz.

"Fazer isso sempre foi complexo, mas está ainda mais difícil neste momento, diante das incertezas reais em torno do futuro da indústria de petróleo e gás no mundo e da necessidade de se investir em energia limpa".

Heller lembra ainda da importância da transparência em qualquer processo de privatização. "Todas as etapas precisam ser transparentes, seja no momento da avaliação dos ativos, da definição dos modelos de privatização ou de estabelecer os requisitos para que as partes tenham acesso aos recursos desestatizados", afirma.

"Por fim, há um terceiro ponto importante e que se conecta ao anterior, que é a construção de um processo justo e objetivo", diz. Segundo Heller, o princípio deve ser obedecido independentemente do modelo de privatização escolhido.

"É preciso se certificar de que as ações não sejam entregues a pessoas politicamente conectadas ou que um grupo específico de investidores seja privilegiado".

Segundo os especialistas, os casos de fracasso na história acontecem justamente quando esses princípios não são respeitados.

"Pode haver falhas em três estágios da privatização: no desenho do modelo, na implementação e na fase pós-privatização", diz Sérgio Lazzarini.

Para o professor do Insper, quando há falha no modelo, por vezes troca-se o monopólio estatal por um privado, como aconteceu na Rússia.

"Na implementação é preciso estar atento para falhas no momento de identificar compradores e licitar a venda. Já no pós os problemas estão na não regulamentação do setor ou definição dos padrões de qualidade e quantidade dos investimentos", complementa Lazzarini.

Os estudiosos afirmam ainda que associar diretamente a queda dos preços dos combustíveis a um sucesso na privatização nem sempre é o melhor caminho, já que o preço no setor é ditado internacionalmente e muito influenciado por fatores externos.

"Em geral, empresas privadas do setor de gás e petróleo tendem a ser mais eficientes quando se trata de gerenciar recursos e custos de produção", diz Patrick Heller. "Mas o petróleo é uma commodity global e, portanto, o que mais influencia os preços que chegam até os consumidores não é a eficiência de uma empresa de extração em particular, mas sim o mercado global de energia".

*Texto publicado originalmente no BBC News Brasil