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Alguma coisa está fora da ordem no Congresso
Mercado se dá conta de que o problema não é Haddad, mas o Centrão. Muito da alta do dólar tem a ver com a desconfiança de que a maioria do Parlamento não está interessada no equilíbrio fiscal — quer é privilégios
Luiz Carlos Azedo, publicado originalmente no Correio Braziliense
Uma canção de Caetano Veloso diz assim: “Eu não espero pelo dia/ Em que todos/ Os homens concordem/ Apenas sei de diversas/ Harmonias bonitas/ Possíveis sem juízo final/ Alguma coisa/ Está fora da ordem/ Fora da nova ordem/ Mundial”. Quando a gente olha para a política e a economia brasileiras, a impressão é exatamente essa, embora a ordem mundial esteja uma bagunça, nesse interregno entre a eleição de Donald Trump e o final de mandato do Joe Biden nos Estados Unidos.
No Congresso, economia e política estão juntas. Novas regras para as emendas parlamentares estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) exigem transparência e rastreabilidade das emendas, conforme as diretrizes constitucionais do Orçamento da União. O governo só liberou R$ 7,8 bilhões em emendas, dos R$ 25 bilhões que estavam sustados pelo STF. O restante precisa cumprir as novas regras.
Em retaliação, os deputados do baixo clero, principalmente os do PSD e do União Brasil, partidos que participam do governo, resolveram boicotar a aprovação do ajuste fiscal proposto pelo governo e negociado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com os líderes e os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
O governo conseguiu assinaturas para votar o pacote em regime de urgência, mas ontem Lira avaliou que não existe maioria para aprovar o pacote: “Hoje, o governo não tem os votos nem para aprovar as urgências. Não tenho dúvida de que o Congresso não vai faltar, mas está num momento de muita instabilidade”, justificou.
Por trás da barganha, há muita insatisfação com as mudanças nas regras do jogo, que davam poderes extraordinários para os deputados manipularem R$ 52 bilhões em emendas de acordo com seus interesses. Não se sabe quem é o autor nem a destinação específica de boa parte desses recursos. Os deputados mandavam o dinheiro para os prefeitos gastarem como quisessem, sem deixar rastro.
Se antes eram os deputados e senadores que os procuravam, agora são os ministros que procuram os parlamentares para conseguir verbas para seus projetos prioritários. Ocorre que as prioridades dos parlamentares são seus interesses de clientela — de parte de alguns, a ampliação do próprio patrimônio. Uma das razões de o Supremo ter sustado a execução das emendas é o fato de que mais de 10 parlamentares federais estão sendo investigados, em sigilo de Justiça, por causa de desvio de verbas de emendas.
A ironia da situação é que o mercado financeiro, agora, está se dando conta de que seu maior problema não é o ministro Fernando Haddad — são os políticos do Centrão. Muito da alta do dólar tem a ver com a desconfiança de que a maioria do atual Congresso não está interessada no equilíbrio fiscal. Gosta mesmo é de privilégios.
Pobreza e crescimento
A propósito, parece que o mundo vai acabar, quando se olha para Congresso e o mercado financeiro. Entretanto, em 2023, o Brasil alcançou os menores níveis de pobreza e extrema pobreza da série histórica iniciada em 2012 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O parâmetro internacional para medir a pobreza, definido pelo Banco Mundial (Bird), é de uma renda de até US$ 6,85 por pessoa por dia. No Brasil, cerca de R$ 665 por mês são considerados como situação de pobreza. O de extrema pobreza é de uma renda de até US$ 2,15 por dia. Ou então, cerca de R$ 209 mês.
Entre 2022 e 2023, 8,7 milhões de pessoas saíram da pobreza no país. O número total recuou de 67,7 milhões para 59 milhões — menor contingente desde 2012. Em proporção, passou de 31,6% para 27,4% da população. No mesmo período, 3,1 milhões de pessoas também saíram da extrema pobreza. Esse contingente recuou de 12,6 milhões para 9,5 milhões, chegando ao menor patamar desde 2012. Em termos percentuais, a queda foi de 5,9% para 4,4% da população.
Mas a contradição não para por aí. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que o Brasil deve ter um incremento de 3% no PIB. Os setores que mais contribuíram para esse crescimento registrado entre julho, agosto e setembro no Brasil foram os serviços (alta de 0,9%) e a indústria (alta de 0,6%). Na área de serviços, houve expansões em informação e comunicação (2,1%), outras atividades de serviços (1,7%), atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados (1,5%), atividades imobiliárias (1,0%), comércio (0,8%), transporte, armazenagem e correio (0,6%) e administração, defesa, saúde e educação públicas e seguridade social (0,5%). Na indústria, destaca-se o crescimento de 1,3% nas indústrias de transformação.
O relatório da Fundação Getúlio Vargas (FGV) aponta crescimentos sólidos em quesitos, como consumo das famílias (aumento de 4,5% no terceiro trimestre), Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF, 9,7%), exportação ( 2,4%) e importação ( 20,2%). Entretanto, há uma preocupação com o aumento de preços no país.
No acumulado dos últimos 12 meses, a inflação atingiu o patamar de 4,77%, puxada pelo aumento nos alimentos e nas tarifas de energia elétrica. Por causa disso, alguns defendem uma política recessiva. Assim, seria mais fácil controlar a inflação — bastaria subir os juros ainda mais. Para o mercado financeiro, isso é música, por causa dos títulos públicos.
Nas entrelinhas: Lula distensiona relação entre Poderes
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Brasiliense
Antes mesmo de tomar posse, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao restabelecer o diálogo político como método para resolução de conflitos, numa maratona de reuniões, ontem, distensionou as relações entre os Poderes da República. Ele se reuniu com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, e com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes. Depois, deu entrevista à imprensa sem incidentes. Pôs um ponto final no choque entre os Poderes, principalmente entre o Executivo e o Supremo, ao defender a harmonia entre eles. O vice-presidente Geraldo Alckmin também participou dos encontros.
O caminho crítico era principalmente a relação com Lira, em razão de duas agendas: a PEC da Transição, que envolve a questão do orçamento secreto, e a eleição para o comando da Casa. Ficou acertado que a emenda constitucional será apresentada até 15 de novembro, com objetivo de permitir que os recursos do Bolsa Família, incluindo os R$ 150 a mais para cada filho, extrapolem o teto de gastos. Essa autorização servirá para destinar recursos aos programas da Educação e da Saúde.
A proposta em elaboração pela equipe de transição deve ser encaminhada não somente a Lira, mas também ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que será o responsável por dar inicio à tramitação da PEC. Na Câmara, o projeto será apensado a outra Proposta de Emenda Constitucional que já esteja em condições de votação.
Na entrevista coletiva, Lula disse que se candidatou “com o compromisso de que é possível resgatar a cidadania do povo brasileiro, de que é possível a gente recuperar a harmonia entre os poderes, de que é plenamente possível recuperar a normalidade da convivência entre as instituições brasileiras”. Sem citar o presidente Jair Bolsonaro (PL), o presidente eleito destacou: “Instituições que foram atacadas, que foram violentadas pela linguagem nem sempre recomendável de algumas autoridades ligadas ao governo”.
Lula disse, também, que não pretende interferir nas eleições do Congresso, em fevereiro, quando Lira, aliado de Bolsonaro, e Pacheco disputarão a reeleição, na Câmara e no Senado, respectivamente. “Não cabe ao presidente da República interferir em quem será o presidente do Senado ou da Câmara. Ou seja, quem vai decidir quem será o presidente das casas serão senadores e deputados. O papel do presidente da República não é gostar ou não de presidente, é conversar com quem dirija a instituição”.
O presidente eleito aproveitou para mandar um recado aos bolsonaristas que estão fechando rodovias e protestando à porta dos quarteis, porque não aceitam o resultado das eleições. “Essas pessoas que estão protestando, sinceramente, não têm por que protestar. Deviam dar graças a Deus pela diferença ter sido menor do que aquilo que nós merecíamos ter de votos. E eu acho que é preciso detectar quem é que está financiando esses protestos, que não têm pé nem cabeça. Ofensas a autoridades, ameaças de fechamento, agressão verbal”, disse.
Urnas eletrônicas
Ontem, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, encaminhou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o relatório das Forças Armadas sobre as urnas eletrônicas. Os militares realizaram uma auditoria do pleito, diante de questionamentos de Bolsonaro e de seus apoiadores sobre a lisura do processo eleitoral. Eles haviam sido convidados pelo então presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, para integrar a Comissão de Transparência das Eleições, criada em setembro de 2021. Além de integrantes das Forças Armadas e de representantes da Corte Eleitoral, participam do grupo especialistas em tecnologia da informação e membros da sociedade civil.
O Ministério da Defesa destacou que “o documento foi produzido por uma equipe composta por oficiais de carreira especialistas em gestão e operação de sistemas de tecnologia da informação; em engenharia de computação e de telecomunicações; em defesa cibernética; entre outras; e seguiu rigorosamente os parâmetros estabelecidos na Resolução nº 23.673, de 14 de dezembro de 2021, do TSE”. É um ponto final nas especulações sobre o envolvimento das Forças Armadas no questionamento dos resultados eleitorais.
O relatório fora mantido em sigilo por exigência de Bolsonaro, mas Alexandre de Moraes havia determinado que fosse entregue e divulgado até ontem. Segundo a Defesa, o relatório também apresenta “observações, conclusões e sugestões relacionadas, especificamente, ao sistema eletrônico de votação, conforme as atribuições definidas pelo Tribunal às entidades fiscalizadoras”.
EUA vão às urnas para definir composição do Congresso e 'avaliar' desempenho de Biden
g1*
Joe Biden conseguirá manter suas magras maiorias no Congresso dos Estados Unidos? Ou o controle do Senado e da Câmara de Representantes voltará para as mãos dos republicanos, que passarão a obstruir as políticas do presidente?
As respostas para essas perguntas virão nesta terça-feira (8), durante as eleições de meio de mandato, nas quais estão em jogo a totalidade da Câmara de Representantes, 30 dos 100 assentos no Senado, além de 36 cargos de governadores e a renovação de praticamente todas as assembleias locais.
Essas eleições "midterms" funcionam praticamente como um referendo sobre o ocupante da Casa Branca. Em mais de 160 anos, o partido do presidente raramente escapou da punição.
1. O que vai ser votado?
Como acontece a cada dois anos, todos os 435 assentos na Câmara de Representantes dos EUA estão em disputa.
No Senado, que tem 100 cadeiras com mandato de seis anos, serão renovadas 35 - que começarão seu mandato em 3 de janeiro de 2023.
Os americanos também elegerão os governadores de 36 dos 50 estados da União, bem como uma série de autoridades locais.
2. Qual a expectativa de resultado?
De acordo com as últimas pesquisas, a oposição republicana tem boas chances de conquistar entre 10 e 25 novas cadeiras na Câmara, mais do que suficiente para consolidar uma maioria.
Em contrapartida, as pesquisas são menos claras sobre o destino do Senado, mas os republicanos parecem ter vantagem também.
Em resumo, por enquanto, nada está definido.
3. Quando saberemos o resultado?
Na eleição presidencial de 2020, devido à lentidão da contagem de votos em muitos estados, levou dias para ficar claro que Joe Biden era o presidente eleito. Os grandes veículos de comunicação o declararam vencedor, por meio de projeções matemáticas, apenas no sábado (votação foi numa terça).
Desta vez, provavelmente não será necessário esperar tanto, mas é possível que não se conheçam os vencedores das eleições na noite das eleições. Estados como Arizona, Nevada e Pensilvânia, que são fundamentais no mapa do controle do Senado, podem levar vários dias para contar todos os seus votos.
4. Quais os papéis de Biden e Trump na eleição?
Embora o nome de Joe Biden não apareça nas cédulas, muitos americanos veem esta eleição como um referendo sobre o presidente.
Mas também são um grande teste para o futuro político de Donald Trump, que se jogou de cabeça na campanha, fazendo comícios por todo o país.
Para ambos, de olho nas eleições de 2024, o resultado das 'midterms' pode indicar como seria uma possível reedição das eleições presidenciais de 2020.
5. Qual o impacto dessa eleição?
O resultado destas eleições será decisivo em todo o país.
Biden pede aos americanos um voto de confiança com maiorias suficientes para contornar as regras do Congresso que atualmente o impedem de legalizar o aborto em todo o país ou proibir fuzis de assalto.
Em quase todos os seus discursos, insiste que o futuro do aborto, das armas de fogo e do sistema de saúde dependerá do resultado dessa votação.
Por sua vez, os republicanos prometem liderar uma luta feroz contra a inflação, a imigração, o crime e continuar sua ofensiva contra os atletas transgêneros.
Alguns também consideram cortar a ajuda de Washington à Ucrânia.
Os candidatos do "Grand Old Party" também prometeram que, se obtiverem maioria legislativa, abrirão uma série de investigações parlamentares contra Biden, seu assessor na pandemia Anthony Fauci e seu ministro da Justiça Merrick Garland.
Também planejam enterrar o trabalho da comissão parlamentar que investiga o ataque de janeiro de 2021 ao Congresso por apoiadores de Trump.
Texto publicado originalmente no g1.
Nas entrelinhas: Lula inicia montagem de sua base no Congresso
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega hoje a Brasília com um a agenda carregada, na qual constam reuniões com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber. Do ponto de vista prático, isso significa que está operando a transição de governo junto aos demais Poderes, o que deve esvaziar ainda mais o poder do presidente Jair Bolsonaro nos dois meses que lhe restam de mandato. Indagado sobre as tensões políticas pós-eleitorais, um ministro do Supremo que dialoga com os dois lados minimizou a importância dos protestos realizados por bolsonaristas no fim de semana: “Lula já assumiu o vértice do sistema de poder”, ou seja, a alta burocracia federal já o pera a transição político-administrativa como deve ser.
O presidente Jair Bolsonaro, a propósito, continua sem agenda relevante e digerindo o resultado das eleições. Suas declarações são de líder da oposição. Até hoje não reconheceu formalmente a derrota nem cumprimentou o presidente eleito. Em seu pronunciamento após a eleição, deixou claro que considera seu grande legado a formação de uma direita organizada no Brasil. É a primeira vez que um político na Presidência da República se assume como um líder de direita. Líderes da antiga UDN, por exemplo, que eram a expressão da direita golpista durante a guerra-fria, jamais assumiram essa condição. Todos se diziam liberais, como Eduardo Gomes, Carlos Lacerda e Magalhães Pinto.
Os encontros com Lira e Pacheco são importantes para a construção da base parlamentar no novo governo e a viabilidade das medidas dos primeiros 100 dias de governo. O Orçamento de 2023 é uma bomba de efeito retardado, porque não prevê recursos para o Auxílio Brasil e para as políticas públicas. Por exemplo, verbas para a campanha de vacinação contra a Covid-19, que já dá sinais de que está voltando. Essa negociação é crucial, mas depende também de decisões sobre a equipe econômica do novo governo. A incorporação dos economistas André Lara Resende, Persio Arida e Guilherme Melo na equipe de transição descontentou os economistas do PT, que tinham expectativa de que o ex-senador Aloizio Mercadante fosse anunciado para comandar a política econômica do novo governo.
Governabilidade
A conversa de Lula com o vice-presidente, Geraldo Alckmin, coordenador da equipe de transição e responsável pela incorporação dos economistas do Plano Real, ontem, pode ter resultado na indicação do futuro ministro da Fazenda (ou da Economia, se for mantida a nomenclatura atual). É preciso pôr fim às especulações no mercado, que estão provocando instabilidade no câmbio e nas ações da Bovespa. Por exemplo, no caso da Petrobras, havia uma quase certeza no mercado financeiro de que a empresa seria privatizada, caso Bolsonaro fosse eleito. Essa possibilidade está descartada, mas ainda permanecem grandes dúvidas quanto à política de preços e as prioridades de investimentos da petroleira.
Pelo acordado durante o fim de semana, Lula deve se reunir com a equipe de transiçao para definir uma solução para a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, na tentativa de acomodar a extensão do Auxílio Brasil de R$ 600 para 2023. As conversas de Lula com Pacheco (PSD-MG) e Lira (PP-AL) são fundamentais para a governabilidade do novo governo. No caso de Pacheco, a relação é fundamental para o êxito do governo Lula, porque é uma Casa revisora e que sempre cumpriu um papel relevante no sentido de garantir a governabilidade. Além disso, Pacheco é o mais importante representante do PSD no Congresso, legenda que já negocia, por meio de seu presidente, Gilberto Kassab, sua participação no governo. Partido de centro-direita , a legenda tem 11 senadores e 42 deputados.
Uma conversa estratégica é com Arthur Lira, que controla o Orçamento da União. Seu partido foi a viga mestra da base de sustentação do governo, sob comando do presidente da legenda, Ciro Nogueira, o ministro da Casa Civil e responsável pelo diálogo entre o atual governo e os integrantes da equipe de transição de Lula. O caminho crítico da relação entre Lula e Lira é a eleição para a Presidência da Câmara, chave para os dois primeiros anos de mandato de Lula. Hoje, o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, deve revelar se a legenda do presidente Jair Bolsonaro lançará candidato a presidente da Câmara ou apoiará Lira.
Outro elemento complicador na relação com o Congresso é a posição do MDB, cujo presidente, Baleia Rossi (SP), foi adversário de Lira na sucessão de Rodrigo Maia, em 2020. O Renan Calheiros, por cacique da legenda e adversário de Lira, já critica Lula, porque estaria cedendo demais às exigências do Centrão. Com 42 deputados e dez senadores, o MDB saiu muito fortalecido da eleição. Sua candidata, Simone Tebet, foi decisiva para a eleição de Lula e deve integrar o novo governo. O MDB discute com o PSDB o Cidadania e o Podemos a formação de uma frente parlamentar no Congresso e, talvez, uma federação das quatro legendas.
Para aprovar a tal PEC da Transição, Lula precisará contar com o apoio de 219 deputados e 14 senadores que não foram reeleitos.
Nas entrelinhas: Na escolha de destino, o povo fará a sua parte
Luiz Carlos Azedo
Hoje teremos o segundo turno das eleições, com 156 milhões de eleitores aptos a votarem. A grande incógnita da disputa é o comportamento dos que não votaram no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e no presidente Jair Bolsonaro (PL) no primeiro turno, que receberam 57.259.504 (48,4%) e 51.072.345 (43,2%) dos votos, respectivamente. Aproximadamente 10 milhões de eleitores votaram nos demais candidatos — principalmente Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT), que obtiveram 4,22% e 3,06% dos votos válidos. Por gravidade, haveria uma distribuição proporcional entre os dois candidatos, mas não é assim que as eleições funcionam.
As pesquisas mais recentes mostram a repetição de um fenômeno ocorrido no primeiro turno: uma reação dos eleitores antipetistas contra o favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que está provocando um empate técnico entre ambos, embora Lula permaneça sendo o favorito. Como não existe o mesmo fator surpresa do primeiro turno a favor de Bolsonaro, pode ser que isso resulte também no aumento do comparecimento dos eleitores que rejeitam o presidente da República e não votaram no primeiro turno. Ou seja, a eleição é imprevisível. Tudo vai depender do percentual de abstenções.
A última pesquisa CNT de Opinião, realizada pelo Instituto MDA, encomendada pela Confederação Nacional do Transporte e divulgada ontem, mostra o ex-presidente Lula com 46,9% das intenções de voto e Bolsonaro, que concorre à reeleição, com 44,9%. Considerando apenas os votos válidos, Lula aparece com 51,1% e o chefe do Executivo, com 48,9%. O problema é que o petista variou na margem de erro para baixo e o presidente, igualmente, para cima. São apenas 2,2 pontos de diferença entre ambos. A rejeição de ambos, 50% para Bolsonaro, 45% para Lula, continua sendo uma variável decisiva.
Como ninguém ganha eleição de véspera e não nos cabe adivinhar o resultado, a única certeza é de que os eleitores estão diante de uma escolha entre dois projetos de país para as próximas décadas, num cenário internacional de grandes mudanças. Há muito mais coisas em jogo do que as virtudes e defeitos pessoais de Lula e Bolsonaro, que influenciam as escolhas da maioria dos eleitores. As eleições no Brasil são tradicionalmente “fulanizadas”, fruto da nossa herança “sebastianista”. Os próprios candidatos se julgam “salvadores da pátria”, como ficou evidente no debate da TV Globo de sexta-feira à noite.
Entretanto, Lula e Bolsonaro são portadores de projetos distintos do país, não estão sozinhos e simbolizam uma encruzilhada política, na qual estamos decidindo o rumo que o país vai tomar, sem um projeto claro de futuro. Sim, porque Lula fez sua campanha em cima das realizações de seu governo, no período que vai de 2002 a 2010. Esqueçam a Dilma, seu governo foi um estorvo para Lula, que somente a defendeu no debate para atacar o ex-presidente Michel Temer, a quem chamou de golpista.
Modelos
Quais foram as principais características do governo Lula? Uma aliança com os partidos do Centrão para garantir sua governabilidade; forte projeção na política internacional, tendo como eixo a articulação dos países em desenvolvimento, numa lógica Norte-Sul; política econômica que manteve o equilíbrio fiscal, mas atuou fortemente na economia a favor da transformação de grupos econômicos nacionais em players da economia globalizada; política de valorização do salário mínimo, com impacto generalizado na ampliação do mercado de consumo; e política de inclusão social e erradicação da miséria, com o programa Bolsa Família.
E o governo Bolsonaro, como atuou nesses quatro anos de mandato? Incorporou grande número de militares à gestão pública e consolidou sua aliança com os partidos do Centrão, entregando aos aliados a gestão do Orçamento das União; atuou fortemente para desregulamentar a economia, favorecendo setores produtivos ligados ao agronegócio; liquidou com as políticas sociais universalistas, principalmente na educação e na saúde; esvaziou os órgãos de fiscalização ambiental e adotou o darwinismo social como estratégia de governo, o que ficou muito evidente durante a pandemia da covid 19. Também avançou no sentido de priorizar a pauta dos costumes e incorporar as lideranças evangélicas ao seu governo.
Qual é a questão posta na votação de hoje para além dessas considerações: os dois projetos estão esgotados. Quando Lula critica a regulamentação do trabalho por conta própria (MEI) e defende a relação trabalho-capital com base no regime de contrato coletivo (carteira assinada), está se referenciando num tipo de economia que deixou de ser o padrão; a lógica do empreendedorismo, do sucesso pelo esforço individual, já disputa hegemonia com a velha consciência sindical classista.
Quando Bolsonaro propõe a adoção de um regime iliberal, com predomínio do Executivo em relação aos demais poderes e forte desregulamentação das relações trabalho-capital, está sugerindo uma ruptura institucional, de viés autoritário, para abrir caminho ao novo ciclo de modernização conservadora. Esse modelo também tem impacto na política externa, sobretudo do ponto de vista da questão ambiental.
É preciso novos paradigmas, com base em valores civilizatórios. O Estado democrático, a retomada do crescimento, a nova economia, a sustentabilidade, a liberdade individual e o respeito às minorias, a modernização do Estado, as novas relações capital-trabalho exigem uma nova política. Neste sentido, ao fazer suas escolhas, os eleitores estão cumprindo a sua parte. O por fazer depende das instituições e de quem for o novo presidente eleito hoje.
Família, costumes e uso da fé: o que esperar de Damares no Senado?
Brasil de Fato
Fechando a semana, o programa Central do Brasil desta sexta-feira (7), você acompanha uma reportagem sobre as projeções do mandato da Damares Alves (Republicanos), ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos eleita senadora pelo Distrito Federal com 714.562 (44,98%). Damares se projeta como a principal voz feminina de Bolsonaro para sua agenda conservadora e de costumes e se credencia pela capacidade de mobilizar apoios e a atenção da mídia. Segundo analistas que foram ouvidos pela reportagem, uma potencial ameaça ao campo progressista em qualquer cenário no segundo turno das eleições
Ainda sobre o resultado do primeiro turno das eleições, edição também analisa os fatores que podem ter garantido a vitória de Cláudio Castro (PL) para o governado do estado do Rio de Janeiro. Cientistas políticos analisam esta reeleição, já no primeiro turno, como fruto de uma política que usou recursos para conseguir alianças políticas locais, incluindo os evangélicos e a influência das milícias em alguns territórios do estado.
E tem mais!
O Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais está com uma campanha de financiamento coletivo para reformar sua sede. O imóvel, da década de 1940, foi palco da fundação de diversas entidades de defesa dos trabalhadores e, agora, precisa de reparos estruturais. Além dos retrocessos trabalhistas, os jornalistas de Minas Gerais também relatam que vêm enfrentando uma série de ataques políticos. No centro de Belo Horizonte, foi feita uma pichação com os dizeres "jornalista bom é jornalista morto". Além disso, houve também ataques físicos, como a agressão a um repórter fotográfico que cobria uma manifestação em defesa de Jair Bolsonaro.
O programa Central do Brasil é exibido de segunda a sexta-feira, às 12h30, pela Rede TVT e pelos canais do Brasil de Fato.
Matéria publicada originalmente pelo portal Brasil de Fato
Ministros do STF veem ‘cartilha autoritária’ em defesa de reforma
Andréia Sadi | G1
Três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ouvidos pelo blog afirmam que o presidente Jair Bolsonaro (PL) está chantageando ao propor uma reforma da Corte.
Como a GloboNews revelou em 5 de setembro, a ideia circula desde maio no Palácio do Planalto, mas ganhou força após ser verbalizada pelo próprio presidente diante de possibilidade de vitória no segundo turno.
Esses ministros do STF preferem não polemizar publicamente e preferem aguardar o resultado das eleições. Mas nos bastidores, chamam a ideia de "cartilha autoritária".
“[Hugo] Chávez fez na Venezuela, [Viktor] Orbán na Hungria, idem na Polônia. É a cartilha autoritária. Roosevelt tentou nos Estados Unidos, mas o Congresso rejeitou", afirma um integrante do STF.
Outros veem uma nova chantagem de Bolsonaro para que, se reeleito, o ministro Alexandre de Moraes arquive inquéritos que miram a família do presidente e aliados.
Em agosto, bolsonaristas já haviam feito um movimento semelhante, buscando um pacto que envolveria o arquivamento desses inquéritos em troca do fim dos ataques do presidente às Cortes superiores e da incitação a protestos no 7 de setembro.
Em busca de saber qual a chance de uma reforma do STF passa, ministros do STF procuraram a cúpula do Congresso.
Na Câmara, o Centrão – que comanda a Casa – confirma que a ideia circula por lá, mas diz que qualquer discussão só vai ocorrer após o segundo turno.
Integrantes não bolsonaristas do Senado também confirmaram a existência da ideia de reforma do STF, e deram detalhes: a proposta para mudar regras para o STF inclui:
- Elevar o número de ministros dos atuais 11 para 16;
- Estabelecer mandato fixo, hoje inexistente;
- Aumentar a idade mínima dos indicados de 35 para 50 anos;
- Permitir que o Congresso indique ministros – atualmente, só o presidente pode fazê-lo.
- Vetar decisões monocráticas (tomadas por um só ministro) que afetem outros poderes – como, por exemplo, alguma que busque obrigar o Congresso a instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Só poderiam decisões colegiadas.
*Matéria publicada originalmente no portal G1. Título editado
Nas entrelinhas: Uma Rosa no comando do STF (e o espinho)
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Não, esse texto não tem nada a ver com o velho samba de Nelson Cavaquinho, em cuja a alegoria poética o espinho quer apenas passar com sua dor, jamais machucar a flor. Estamos tratando da eleição da ministra Rosa Weber para a Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), ontem, para liderar a Corte de 12 de setembro até outubro de 2023, quando se aposentará compulsoriamente, ao completar 75 anos. Assumirá no lugar do ministro Luiz Fux, em pleno curso do processo eleitoral, tendo como vice-presidente Luís Roberto Barroso, um dos alvos preferidos dos ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Supremo.
Não, esse texto não tem nada a ver com o velho samba de Nelson Cavaquinho, em cuja a alegoria poética o espinho quer apenas passar com sua dor, jamais machucar a flor. Estamos tratando da eleição da ministra Rosa Weber para a Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), ontem, para liderar a Corte de 12 de setembro até outubro de 2023, quando se aposentará compulsoriamente, ao completar 75 anos. Assumirá no lugar do ministro Luiz Fux, em pleno curso do processo eleitoral, tendo como vice-presidente Luís Roberto Barroso, um dos alvos preferidos dos ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Supremo.
Como magistrada, é uma rosa de ferro, acostumada a tomar decisões difíceis. Na segunda-feira, por exemplo, enviou para a Procuradoria-Geral da República (PGR) um pedido de investigação de Bolsonaro por ter feito ataques ao sistema eleitoral, sem provas, durante encontro com embaixadores estrangeiros.
Deu sequência à ação na qual parlamentares da oposição questionam a conduta do presidente por abuso de poder econômico, improbidade administrativa e crime contra o Estado democrático de Direito. Houve forte reação da opinião pública e das chancelarias estrangeiras aos ataques que Bolsonaro fez ao sistema eleitoral brasileiro, principalmente à urna eletrônica, à Justiça Eleitoral e aos ministros Edson Fachin, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e Alexandre de Moraes, que assume o comando da Corte durante as eleições.
Apesar de pôr mais lenha na fogueira das tensões entre Bolsonaro, o espinho, e o Supremo, essa foi uma decisão de praxe, pois cabe à PGR decidir se pede a instauração de apurações formais contra autoridades com foro privilegiado, o que é muito improvável. O procurador-geral da República, Augusto Aras, é um aliado quase incondicional de Bolsonaro. Provavelmente, a PGR pedirá o arquivamento do caso, como vem fazendo sistematicamente em assuntos que envolvem o presidente. Nos bastidores, Aras é uma das autoridades que mais se queixam da atuação do Supremo, que teria usurpado atribuições do Executivo e do Legislativo, segundo afirma nos bastidores da Praça dos Três Poderes.
Gaúcha de Porto Alegre, Rosa Weber tomou posse na Suprema Corte em 2011, depois de ter sido indicada pela então presidente Dilma Rousseff. Presidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de 2018 a 2020, ou seja, durante a eleição de Bolsonaro. Fez carreira na Justiça do Trabalho, na qual ingressou em 1976, como juíza substituta no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul). Em 1981, foi promovida ao cargo de juíza-presidente, que exerceu sucessivamente nas Juntas de Conciliação e Julgamento de Ijuí, Santa Maria, Vacaria, Lajeado, Canoas e Porto Alegre.
Judicialização
Pela própria trajetória como magistrada, Rosa é protagonista de um fenômeno polêmico, que vem sendo muito questionado e também estudado no Brasil: a judicialização da política, a partir de uma concepção formal sobre as atribuições e relações entre os poderes. O debate político, porém, deu à expressão, cujo sentido é normativo, um caráter pejorativo.
A rigor, há dois modelos em discussão. No primeiro, trata-se de uma República constitucional com predomínio das instâncias eleitorais-majoritárias de representação, na qual o Judiciário é voltado à aplicação da lei aos casos individuais e com limitada interferência nas decisões legislativas e governamentais. É mais ou menos nesse campo que se posicionam Bolsonaro, os militares que ocupam o Palácio do Planalto, os políticos do Centrão que dão sustentação ao governo e Aras.
O outro modelo consagra a cooperação e complementariedade entre os poderes nas decisões políticas, com base na Constituição de 1988, que deu ao Estado brasileiro as características de uma democracia ampliada, com maior participação da sociedade civil nas agências governamentais. Nesse modelo, o Judiciário tem o papel de formular os valores compartilhados e servir de canal de expressão para grupos minoritários cujos direitos não são levados em conta pela representação da maioria.
Nesse contexto, ao longo dos últimos 20 anos, o Supremo emergiu como poder moderador na relação entre os poderes Executivo e Judiciário e entre o Estado e sociedade, ocupando espaços na definição de políticas públicas e na garantia de direitos sociais, sempre que o Executivo os contrariava ou o Legislativo se omitia, como nos casos do aborto, das terras indígenas, das relações homoafetivas etc.
A existência da Justiça Trabalhista e da Justiça Eleitoral, que antecedem a Constituição de 1988, já era expressão dessa tendência, que ganhou mais vigor a partir da democratização do país. São inúmeros os temas nos quais o STF é demandado em ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) para garantir direitos de entes federados ou dos cidadãos em sua relação com o Estado. Rosa tende a reafirmar essa tendência à frente do Supremo, até por uma questão de coerência doutrinária e trajetória pessoal na magistratura.
Nas entrelinhas: “Orçamento secreto” é moeda de troca eleitoral
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
O Congresso aprovou, ontem, a Lei Orçamentária de 2023, com a manutenção da regra que mantém o chamado “orçamento secreto”, um conjunto de emendas negociadas entre os parlamentares e o relator do Orçamento da União sem que os responsáveis pela sua indicação sejam revelados. O relator da Lei Orçamentária, senador Marcos Do Val (Podemos-ES), retirou do texto o caráter impositivo das emendas e criou um mecanismo para que os autores secretos das emendas possam remanejá-las sem que seus nomes, destinação e valor sejam revelados. A nova lei também aumenta o poder do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sobre a distribuição desses recursos entre os deputados. No Senado, acontece a mesma coisa com o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Neste ano, o montante do “orçamento secreto” chega a R$ 16 bilhões, que estão sendo controlados pelo Centrão e são utilizados como moeda de troca nos arranjos eleitorais regionais. Nos bastidores, há relatos de que emendas bilionárias são oferecidas a candidatos para que retirem candidaturas majoritárias e a lideranças de partidos para que façam coligações. Os líderes de bancada que dão sustentação a Lira aproveitam as emendas para aumentar o controle sobre suas bancadas e a sua própria influência nos respectivos partidos.
As emendas do relator previstas para o Orçamento de 2023, cujo montante chega a R$ 19 bilhões, já são moeda de troca na eleição da nova Mesa da Câmara, na próxima legislatura. Lira se movimenta como candidato à reeleição em 2023; o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, como bom mineiro, ainda não abriu o jogo. No momento, as emendas do relator são uma dor de cabeça para o senador mineiro, por causa de um “sincericídio” do senador Do Val, que admitiu ter recebido R$ 50 milhões em emendas, que destinou ao seu estado, por ter votado a favor da eleição de Pacheco, por influência do ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (União Brasil).
A oposição tentou impedir a aprovação da medida, por considerar que o texto amplia o sigilo do “orçamento secreto”. Votaram contra a pedida 110 deputados de PT, PSB, PCdoB, PSol, Rede e Novo. Em 2020 e 2021, apenas 1,8% de todo o recurso destinado às emendas de relator foi de autoria da oposição.
O “orçamento secreto” desequilibra o jogo entre o Centrão e a oposição, que acaba isolada, porque os recursos estão sendo diretamente destinados às bases eleitorais dos parlamentares que fizeram as indicações. É um mecanismo de blindagem para quem já tem mandato, contra os pretendentes de seus próprios partidos que não controlam esses recursos, na negociação do apoio de prefeitos, vereadores e deputados estaduais. Do ponto de vista da legislação eleitoral, é uma excrescência, porque significa a volta ao clientelismo, quiçá à formação de caixa dois eleitoral.
Fundo eleitoral
Esse desequilíbrio é ainda maior porque o fundo eleitoral somente começará a ser distribuído quando tiver início a campanha eleitoral oficialmente. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por meio da Portaria nº 579/2022, determinou o valor a que cada partido político terá direito na distribuição dos R$ 4,9 bilhões do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). É a maior soma de recursos já destinada ao Fundo desde a criação, em 2017, e foi distribuído entre os 32 partidos políticos registrados no TSE com base em critérios específicos. O Partido Novo (Novo) renunciou ao repasse dos valores, sua cota será revertida ao Tesouro Nacional.
O União Brasil, resultante da fusão do Democratas (DEM) com o Partido Social Liberal (PSL), receberá o maior montante, com mais de R$ 782 milhões. Em seguida, estão o Partido dos Trabalhadores (PT), com pouco mais de R$ 503 milhões; o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), com R$ 363 milhões; o Partido Social Democrático (PSD), com R$ 349 milhões; e o Progressistas, com aproximadamente R$ 344 milhões. Juntas, essas cinco legendas respondem por 47,24% dos recursos distribuídos.
Os recursos do Fundo Eleitoral ficarão à disposição do partido político somente depois de a sigla definir critérios para a distribuição dos valores. Esses critérios devem ser aprovados pela maioria absoluta dos membros do órgão de direção executiva nacional e precisam ser divulgados publicamente. As federações partidárias são tratadas como um só partido também no que diz respeito ao repasse e à gestão dos recursos públicos destinados ao financiamento das campanhas eleitorais.
Três federações partidárias estão aptas a participar das eleições gerais de outubro: Federação PSDB Cidadania, integrada pelo Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB) e pelo Cidadania; Federação PSol Rede, que reúne o Partido Socialismo e Liberdade (PSol) e a Rede Sustentabilidade; e Federação Brasil da Esperança (FE Brasil), integrada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e Partido Verde (PV).
Nas entrelinhas: A insensatez e o efeito manada
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A Marcha da Insensatez, da historiadora Barbara Tuchman, que venceu o prêmio Pulitzer por duas vezes, trata de situações nas quais seus protagonistas contrariaram seus próprios interesses, nos casos da Guerra de Tróia, da Reforma Protestante, da Independência dos Estados Unidos e da Guerra do Vietnã. Nesses episódios, as lideranças políticas mais poderosas tomaram decisões catastróficas. Por isso, o livro é um clássico da política.
Tuchman descreve a desastrosa atuação dos papas do fim do século XV e início do XVI, a arrogância da aristocracia inglesa frente às colônias americanas e, por fim, a cegueira da elite político-militar dos EUA na Guerra do Vietnã. O mundanismo — o enriquecimento do alto clero — dividiu a Igreja e embalou a Reforma de Lutero e Calvino. A inflexibilidade e a cobiça da aristocracia inglesa resultaram na perda de suas Colônias na América do Norte. A Guerra do Vietnã levou os Estados Unidos a uma de suas mais profundas e longas crises políticas.
No Brasil, estamos vivendo um momento parecido. Estão em xeque nossa ordem democrática e a institucionalidade da economia. Ulysses Guimarães, o grande patrono da nossa Constituição Cidadã, quando alguém se queixava do Congresso, costumava dizer que a safra de parlamentares seguinte seria pior. Sua pilhéria virou uma maldição, porque o grau de deterioração das práticas políticas no Congresso só aumenta.
Depois que os políticos do Centrão, aliados ao presidente Jair Bolsonaro, passaram a dar todas as cartas no nosso Parlamento, um câncer corrói as entranhas da política brasileira, o chamado orçamento secreto, que cedo ou tarde será mais um caso de polícia. Para completar, o bilionário fundo eleitoral destinado aos partidos nas eleições está se transformando num obstáculo à renovação dos costumes políticos.
Criou-se uma situação de absurda desvantagem entre quem tem mandato, e usufrui de verbas do Orçamento da União, estruturas de gabinete e recursos abundantes de campanha, e aqueles que serão candidatos e não têm as mesmas possibilidades. Como se não bastasse, agora vem o pacote de bondades da PEC da Eleição, que será a bandeira eleitoral de quem pleiteia a reeleição.
Seu objetivo seria mitigar os efeitos da inflação na vida da população de mais baixa renda, mas isso é apenas uma cortina de fumaça para o que realmente está acontecendo. São medidas de curto prazo, de caráter populista, que não vão resolver os problemas da população, porque o rombo fiscal que provocará será um fator acelerador da própria inflação, corroendo os seus benefícios.
Mais graves são as consequências em termos institucionais, como o desrespeito ao calendário eleitoral e o abuso do poder econômico nas eleições, de um lado, e a ruptura na institucionalidade de nossa economia, devido à falta de responsabilidade fiscal, de outro. A insegurança jurídica provocada por emendas à Constituição casuísticas, aprovadas à toque de caixa, ampliam o cenário de incertezas em relação ao futuro da própria moeda, o real.
A três meses das eleições, essas medidas que estão sendo aprovadas no Congresso desnudam um descolamento dos partidos políticos e seus representantes dos verdadeiros interesses da sociedade. São um fator de enfraquecimento da própria democracia. Já passamos por outras situações semelhantes, ao longo da história, que nos levaram a profundas crises.
A hiperinflação da década de 1980, que coincidiu com a transição à democracia, ainda hoje nos cobra pedágios, pois nunca mais conseguimos ingressar num ciclo longo e sustentável de crescimento, mesmo depois de o Plano Real ter estabilizado a nossa moeda e as privatizações terem se realizado, para restabelecer o equilíbrio das contas públicas. A Lei de Responsabilidade Fiscal está sendo rasgada.
Encenação
O preço desse fracasso está anunciado: é a iniquidade social que explode nas ruas e não será superada na campanha eleitoral com esse pacote de medidas proposto pelo governo. O Senado aprovou a PEC das Eleições com apenas um voto contrário, o do senador José Serra (PSDB-SP), um economista experiente, que governou São Paulo, conhece as contas públicas e entende de política de desenvolvimento.
Casa de ex-ministro e ex-governadores, muitos dos quais candidatos nestas eleições, o Senado protagonizou um acordão sem precedentes entre o presidente Bolsonaro, o Centrão e a oposição, num pacto do tipo “nos locupletemos todos”. Com toda a certeza, não será a Câmara que irá restaurar a moralidade.
O misancene que está sendo feito pela oposição, cujos parlamentares estão docemente constrangidos, apenas disfarça o efeito manada. A palavra de origem francesa — “mise en scène” — significa encenação. É o que está acontecendo nas manobras de obstrução da votação na Câmara. É muito difícil para um parlamentar com mandato em risco votar isoladamente contra as benesses anunciadas no pacto. Não teria como explicar aos eleitores.
O presidente Jair Bolsonaro aposta todas as fichas na PEC da Eleição para reverter a desvantagem em que se encontra em relação à preferência das parcelas mais pobres da população, principalmente no Nordeste. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acredita que as medidas o beneficiarão, porque estão sendo adotadas de última hora, diante do risco de derrota eleitoral do governo. É a marcha da insensatez.
Megacachês: Agropop surpreendido de calça curta
Célio Turino, de Outras Palavras
Sobre o desvio de recursos públicos para cachês milionários em shows de cantores Sertanejos/Agropop:
1) Megachês milionários não são comuns nem no mundo dos rodeios (quando tem patrocínio privado) ou grandes estrelas da música. Quando muito, R$ 500/600 mil e isso envolvendo toda a equipe de produção do show (banda, técnicos, dançarinos, direitos autorais e pessoal de apoio). Como parâmetro: em contratos via poder público, na Virada Cultural em São Paulo, por exemplo, o valor máximo em cachê é de R$ 300 mil (o que já é bastante elevado); shows em réveillon em cidades como o Rio de Janeiro também não pagam muito além disso; em Micaretas e São João, talvez alguns muito famosos recebam R$ 500/600 mil, mas são raros; Escolas de Samba do grupo especial no Rio de Janeiro receberam R$ 1,5 milhão para o carnaval de 2022 (notem, o cachê é para uma escola de samba inteira).
2) Ou seja, tem mutreta, tem desvio de verba pública, tem corrupção nesses cachês do milhão. Mesmo para contratações artísticas a lei exige que o poder público se paute pelo princípio da economicidade, além da moralidade, legalidade, publicidade e impessoalidade. Tem cartel político/Bolsonarista/sertanejo nessa história dos megacachês. Ministério Público, Tribunais de Contas e legislativos municipais, estaduais e nacional precisam investigar. O crime salta aos olhos! O Congresso Nacional precisa abrir #CPIdosSertanejos já! É preciso cruzar emendas e rastrear o caminho do dinheiro para verificar o quanto do valor desses cachês pode ter sido “devolvido” para os padrinhos. Esse é um duto de desvio na ordem de centenas de milhões de reais!
c) Afora a imoralidade desses valores, sobretudo em pequenos municípios, em que a população carece de serviços básicos.
d) Mas o desvio não para aí. Em 2019, o BNDES concedeu empréstimo de R$ 320 milhões para empresa recém-constituída (um mês antes da liberação do empréstimo). A finalidade? Administrar carreiras de cantores sertanejos. Um escândalo! Desse valor, R$ 200 milhões foram para um único cantor sertanejo! Alguma dúvida de que esse empréstimo foi totalmente irregular? Nenhum banco libera um valor desses para uma empresa constituída um mês antes.
Como parâmetro, a lei Aldir Blanc que preservou entre 430-450 mil postos de trabalho na cadeia produtiva da cultura (dados IPEA), em 4.700 municípios, contou com aporte total de R$ 3 bilhões. Isso após uma ampla mobilização, envolvendo dezenas de milhares de pessoas e a quase unanimidade no Congresso. Não é possível que uma única empresa receba mais de 10% desse valor! Esse empréstimo precisa ser investigado e muito.
e) Mais um parâmetro. Esses mesmos sertanejos que vivem falando mal da lei Rouanet estão se apropriando de dinheiro público via cachês em valores absurdos, drenando recursos de escolas e da saúde, sobretudo em pequenos municípios, onde a fiscalização passa despercebida. Cachês de até R$ 1,2 milhão! Sabem em quanto o governo fixou o teto para cachê artístico via lei Rouanet? R$ 3 mil (exatamente). Deve ser por essa razão que esses artistas Bolsonaristas têm tanto ódio da lei Rouanet, afinal, em um só show embolsam valor 400 vezes maior. Mesmo antes de o governo haver fixado o teto em R$ 3 mil, o valor máximo que a lei Rouanet autorizava para cachê artístico era de R$ 45 mil. Mais um parâmetro para comparação: o valor que a empresa recebeu equivale a 25% de todo valor arrecadado pela Lei Rouanet em todo o Brasil (aproximadamente R$ 1,2 bi).
A lei Rouanet atende mais de 4 mil projetos em todo país, grande parte deles gratuitos para o público, beneficiando dezenas de milhares de empresas e garantindo centenas de milhares de postos de trabalho na cadeia produtiva das artes e da cultura. Para aprovação de um projeto a lei exige: projeto detalhado; justificativa; descrição e cronograma de trabalho; explicitação de público beneficiado; contrapartida social e de acessibilidade; orçamento detalhado, com valores padrão e teto nos valores; parecer técnico de especialista; aprovação em colegiado (CNIC); captação de patrocínio junto a empresas privadas (que também analisam o projeto); prestação de contas; análise detalhada das contas para quitação final.
Enquanto isso, esses artistas aproveitadores e manipuladores dos fãs, seguem fazendo sinal de arminha com a mão, pregando o ódio e a mentira e se declarando cidadãos de bem, defensores de “Deus, Pátria e Família”, ao mesmo tempo em que se locupletam com o dinheiro público. No fundo não passam de oportunistas e desonestos, que desonram a tradição da música brasileira de raiz.
*Texto publicado originalmente no site Outras Palavras
Nas entrelinhas: PSDB ainda negaceia apoio a Simone Tebet
Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas / Correio Braziliense
Ao lado dos presidentes do MDB, Baleia Rossi (SP), e do Cidadania, Roberto Freire, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) disse, ontem, que contará com apoio do PSDB para consolidar sua candidatura de “centro democrático”, como preferiu denominar a chamada terceira via. O presidente tucano, Bruno Araújo, grande artífice da retirada da candidatura do ex-governador João Doria, não participou da entrevista coletiva. Há tensões ainda no PSDB, embora o grupo responsável pela remoção de Doria da disputa, encabeçado pelo governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, apoie Simone.
A Pesquisa CNN/RealTime Big Data para as eleições presidenciais, divulgada ontem, sem o nome de Doria entre os candidatos, foi um banho de água fria nas articulações internas da legenda a favor da emedebista. O levantamento mostra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com 40% das intenções de voto no primeiro turno, seguido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), com 32%; e por Ciro Gomes (PDT), com 9%. Depois aparecem André Janones (Avante) e Simone Tebet (MDB), com 2%, e Luciano Bivar (União Brasil), com 1%.
Na pesquisa com todos os candidatos, Doria aparecia com 4%. Esses votos foram redistribuídos entre Lula (1%), Bolsonaro (1%), Ciro Gomes (1%) e Simone (1%). Não pontuaram os pré-candidatos Vera Lúcia (PSTU), Pablo Marçal (Pros), Sofia Manzano (PCB), Felipe d’Avila (Novo), Leonardo Péricles (UP) e José Maria Eymael (DC). Brancos ou nulos somam 9%. Os indecisos e os que não responderam são 5%. Foram ouvidas por telefone três mil pessoas entre segunda-feira (23) e a terça (24). A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
Com esses números, a ala do PSDB que defende uma candidatura própria ganhou novo fôlego, com o argumento de que seria preciso aguardar mais algumas semanas para decidir os rumos da legenda, apesar das expectativas das cúpulas do MDB e do Cidadania de que o apoio a Simone Tebet se consolide logo. O adiamento dessa decisão reforça a percepção de que o objetivo principal da maioria dos deputados tucanos seria cuidar da própria reeleição e da manutenção dos governos estaduais, principalmente o de São Paulo.
O presidente do MDB, Baleia Rossi, é o grande patrono da candidatura de Simone, não apenas porque controla 20 dos 27 diretórios regionais do partido, mas porque também tem um papel importante nas eleições em São Paulo. O governador Rodrigo Garcia está numa situação difícil, em quarto lugar nas pesquisas, atrás de Fernando Haddad (PT), que lidera, Márcio França (PSB) e Tarcísio Freitas (Republicanos). Precisa do apoio do prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), para garantir uma base de apoio robusta na maior metrópole do país. Sem isso, corre o risco de não ir sequer ao segundo turno.
São Paulo
Garcia é a principal âncora da candidatura de Tebet no PSDB, mas isso pode não se traduzir em intenções de votos. É o que as pesquisas estão mostrando. No momento, a prioridade dele é construir uma aliança pirata com Márcio França, que passou a ser o principal obstáculo para que chegue ao segundo turno. O ex-governador divide mais votos com o tucano do que com Haddad. Isso explica a razão de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de o próprio PT não se esforçarem para remover a candidatura de França ao Palácio dos Bandeirantes.
A situação é tão dramática que a eventual candidatura de França ao Senado, na chapa de Haddad e na aba do chapéu do vice de Lula, o ex-governador Geraldo Alckmin, já seria de grande serventia para Garcia, pois amplia as condições para que ultrapasse Freitas, o candidato de Bolsonaro, o que está sendo muito difícil. A verdade é que o xadrez eleitoral paulista continua sendo um vetor decisivo das articulações da terceira via, porém, não é a prioridade dos tucanos de São Paulo. A preocupação maior é manter o controle do Palácio dos Bandeirantes. Doria pagou por isso.
Em contrapartida, bem ao estilo dos caciques do MDB, a cúpula da legenda endossou a candidatura de Simone Tebet. Nem os que apoiam Lula, a maioria do Nordeste, nem os que estão defendendo a reeleição de Bolsonaro, no Sul do país, têm força para impor suas orientações ao partido. A candidatura de Simone se equilibra nessa igualdade dos contrários, numa sigla que tem tradição de cristianizar candidatos, como aconteceu com Ulysses Guimarães, em 1989; Orestes Quércia, em 1994; e Henrique Meirelles, em 2018.
Simone Tebet é uma novidade na disputa eleitoral, por seu perfil liberal progressista e por carregar a bandeira do empoderamento das mulheres, além de um olhar feminino sobre os problemas nacionais. Sobretudo a agenda dos direitos humanos e do combate à exclusão e às desigualdades sociais.