Conflitos
Bolsonaristas atacam PF e destroem veículos em Brasília
Made for Minds*
Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro tentaram invadir nesta segunda-feira à noite (12/02) a sede da Polícia Federal (PF), em Brasília, e destruíram vários carros e queimaram ônibus em vias públicas, apenas poucas horas depois da diplomação do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.
Os distúrbios começaram logo após a detenção do cacique xavante José Acácio Tsererê Xavante, de 42 anos, apoiador de Bolsonaro, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Alexandre de Moraes decretou a prisão temporária por dez dias de Tsererê Xavante, que participava de um protesto bolsonarista na frente do Palácio da Alvorada, em Brasília.
Moraes acatou assim pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), que acusa o líder indígena de ter participado de várias manifestações antidemocráticas na capital federal. Em 30 de novembro, o cacique foi filmado num ato contra a vitória de Lula em frente ao Congresso Nacional, quando hostilizou Moraes e o também ministro do STF Roberto Barroso.
Tentativa de invasão e distúrbios
Tsererê Xavante foi levado pelos policiais para a sede da PF, e bolsonaristas tentaram então invadir o local. Afastados pelas forças de segurança, se deslocaram por vias da cidade, destruindo veículos e postes de iluminação e ateando fogo em carros e ônibus. Eles também tentaram derrubar um ônibus de um viaduto.
A polícia disparou balas de borracha e lançou gás lacrimogêneo contra os manifestantes, que, por sua vez, lançaram pedras contra os policiais. Segundo as autoridades da capital federal, oito veículos foram incendiados pelos bolsonaristas.
Os manifestantes também bloquearam algumas das principais vias de Brasília. Devido aos bloqueios, várias pessoas ficaram retidas dentro de um dos maiores centros comerciais da capital federal, noticiou a imprensa local.
Hotel de Lula tem segurança reforçada
Os manifestantes bolsonaristas não reconhecem o resultado da eleição presidencial e defendem abertamente um golpe de Estado. O presidente Jair Bolsonaro não se manifestou sobre os protestos até a manhã desta terça-feira.
O ministro da Justiça, Anderson Torres, afirmou que "nada justifica as cenas lamentáveis" ocorridas em Brasília e acrescentou que a PF estava em contato com a Secretaria de Segurança Pública do DF para conter a violência e restabelecer a ordem. "Tudo será apurado e esclarecido", escreveu.
O hotel onde Lula está hospedado teve a segurança reforçada pela polícia militar por causa das manifestações. O futuro ministro da Justiça, Flavio Dino, afirmou que a segurança de Lula está garantida e que em nenhum momento houve risco ao presidente eleito.
O secretário de Segurança do Distrito Federal, Júlio Danil, também disse que Lula está em segurança e garantiu que os manifestantes que tentaram invadir a sede da PF serão responsabilizados. Ele acrescentou que a ordem foi restabelecida e disse desconhecer o número de pessoas detidas.
Cidade paralela bolsonarista
Desde o segundo turno da eleição presidencial, em 30 de outubro, milhares de apoiadores de Bolsonaro estão concentrados em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília. Eles criaram uma autêntica cidade paralela no local, a partir de onde exigem uma intervenção militar e um golpe de Estado.
Danil afirmou que parte dos manifestantes que praticaram violência nas ruas da capital veio do acampamento. "Quem for identificado será responsabilizado", disse. Ele detalhou que a manutenção desse acampamento vai ser reavaliada, ressalvando que o Exército tem jurisdição sobre o espaço.
Montado há mais de um mês, o acampamento, com tendas a perder de vista, tem evoluído e transformou-se numa pequena cidade, cuja missão é impedir a posse de Lula, em janeiro.
No meio do acampamento existe a "rua da restauração", onde se encontra um pouco de tudo, incluindo açaí, pastéis e churrasco, como numa espécie de feira.
Dezenas de banheiros encontram-se espalhados pelo acampamento, que ainda tem "lojas", cabeleireiros e até tendas para orações e apoio psicológico.
Patrulhas, muitas camufladas, andam pelas ruas da "cidade" para controlar e garantir a ordem.
Texto publicado no portal Made for Minds.
Mais de 300 já morreram em protestos no Irã, diz agência da ONU
g1*
Mais de 300 pessoas já morreram durante os protestos que tomaram conta do Irã e que pedem o fim do regime islâmico nos dois últimos meses, segundo levantamento da agência das Organizações das Nações Unidas (ONU) para os Direitos Humanos apresentado nesta terça-feira (22).
O país vive a maior onda de protestos de sua história, que eclodiram em reação ao caso da jovem curda Mahsa Amini, de 22 anos, que apareceu morta após ser presa no fim de setembro pela chamada polícia dos bons costumes do país por "uso inadequado" do véu islâmico, obrigatório no Irã.
As reivindicações, contra a repressão às mulheres, rapidamente se tornaram o maior movimento contra a República Islâmica desde a sua proclamação, em 1979.
O governo tem respondido com repressão às manifestações, e há diversos relatos apontam que tiros vindos de policiais durante os atos são os responsáveis pela maior parte da morte.
A agência da ONU não sustenta diretamente essa informação, mas descreve um "endurecimento da resposta das autoridades aos protestos que resultaram em mais de 300 mortes nos últimos dois meses".
"Instamos suas autoridades a atender às demandas das pessoas por igualdade, dignidade e direitos, em vez de usar força desnecessária ou desproporcional para reprimir os protestos", disse o porta-voz do chefe de direitos humanos da ONU, Volker Turk.
Os números apresentados pela ONU são similares aos da Organização Não Governamental (ONU) Iranian Human Rights Watch, , a principal organização de monitoramento das manifestações. A ONG fala em 380 mortes desde o início dos protestos. Ainda segundo esse balanço, 45 eram crianças.
Texto publicado originalmente no portal g1.
Míssil russo mata 2 na Polônia, país-membro da Otan, após intensos bombardeios à Ucrânia
g1*
Vítimas eram do leste polonês, próximo à fronteira com a Ucrânia. Ministério de Relações Exteriores da Polônia confirmou que foguete foi fabricado na Rússia e convocou o embaixador russo para tratar do caso
Duas pessoas morreram nesta terça-feira (15) na Polônia depois que o país foi atingido por um míssil russo. A informação foi confirmada pelo Ministério de Relações Exteriores da Polônia, que convocou o embaixador russo para tratar do caso.
O míssil caiu em uma fazenda de grãos no vilarejo de Przewodów, que fica no leste da Polônia, próximo à fronteira com a Ucrânia. De acordo com o governo polonês, a cidade foi atingida por volta das 15h40 no horário local (11h40, no horário de Brasília).
O presidente dos EUA, Joe Biden, disse após reunião com membros do G20 que informações iniciais indicam que o míssil provavelmente não foi disparado da Rússia, mas que as investigações continuaram para obter mais detalhes.
A Polônia é um país-membro da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), aliança militar formada em 1949 e que hoje conta com 30 países, incluindo EUA, Canadá, Reino Unido e França.
Os membros concordam em ajudar uns aos outros no caso de um ataque armado contra qualquer Estado membro. Na prática, um ataque a um país da Otan é considerado um ataque a todos os outros integrantes da aliança.
O presidente da Polônia, Andrzej Duda, afirmou que é muito provável que o país acione o Artigo 4 da Otan em uma reunião marcada para esta quarta-feira (16).
O Artigo 4 da Otan diz que "as Partes consultar-se-ão sempre que, na opinião de qualquer delas, estiver ameaçada a integridade territorial, a independência política ou a segurança de uma das Partes".
Além desse, o Artigo 5 do tratado também fala sobre invasões a nações que fazem parte da Otan. Ele diz que "um ataque armado contra uma ou várias delas na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque a todas" e prevê ainda a possibilidade de "emprego da força armada, para restaurar e garantir a segurança".
Como consequência do bombardeio, o G7, clube das nações mais ricas do mundo, está organizando uma reunião na quarta-feira, segundo a agência de notícias japonesa Kyodo.
Líderes globais que estão em Bali, na Indonésia, para a 17ª reunião da cúpula do G20, que reúne as maiores economias do mundo, foram convocados pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, para uma reunião de emergência após a explosão registrada na Polônia.
Além dos Estados Unidos, participam do encontro líderes da Alemanha, Canadá, Holanda, Japão, Espanha, Itália, França e Reino Unido.
O que diz a Polônia
O chefe do Escritório de Segurança Nacional da Polônia, Jacek Siewiera, disse que o presidente da Polônia conversou com o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, sobre a queda do míssil.
"Verificamos as premissas do Artigo 4 da Otan. Estamos em contato com nossos aliados e esperamos conversas com o lado americano", declarou Siewiera.
Segundo a Reuters, embaixadores membros da Otan vão se encontrar na quarta-feira para debater o assunto. Um dos diplomatas que confirmou o encontro à agência afirmou que a Organização "vai agir cautelosamente e precisará de tempo para verificar o que aconteceu com precisão".
A Polônia ainda pediu explicações sobre o caso ao embaixador da Rússia em Varsóvia.
O que diz a Rússia
Antes de a Polônia afirmar que seu território foi sido atingido por um míssil russo, o Ministério da Defesa da Rússia negou a alegação, que classificou como "uma provocação deliberada com o objetivo de agravar a situação".
Em comunicado, o governo russo afirmou que "nenhum ataque a alvos perto da fronteira entre Ucrânia e Polônia foi feito por meios de destruição russos".
Já o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou que não tem informações sobre o incidente.
A informação sobre a queda de mísseis russos foi revelada por um alto funcionário da inteligência dos Estados Unidos, que falou à Associated Press em condição de anonimato.
Inicialmente, o Pentágono afirmou que não era possível confirmar a informação de que mísseis russos atingiram a Polônia. "Não temos nenhuma informação neste momento para corroborar esses relatos e estamos investigando isso mais a fundo", disse o porta-voz do Pentágono, Patrick Ryder.
O presidente da Ucrânia Volodymir Zelensky acusou a Rússia de ter atacado a Ucrânia.
"Quanto mais a Rússia sentir impunidade, mais ameaças haverá para qualquer um ao alcance dos mísseis russos. Disparar mísseis conta o território da Otan. Este é um ataque de mísseis russos contra a segurança coletiva. Esta é uma escalada muito significativa. Devemos agir", afirmou Zelensky.
Reação de países da Otan
Após a confirmação sobre a explosão, a Otan afirmou que está em contato com a Polônia. "Estamos analisando estes relatos ligados à explosão na Polônia e em coordenação próxima com nossa aliada Polônia", disse a aliança em comunicado.
O porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Vedant Patel, disse que os relatos sobre a Polônia são preocupantes. "Estamos trabalhando com nossos parceiros do governo polonês e nossos parceiros da Otan para obter mais informações e avaliar o que aconteceu. Faremos essa determinação e também determinaremos as próximas etapas apropriadas", afirmou.
O presidente da França, Emmanuel Macron, pediu por "trabalhos de verificação necessários" e afirmou que a reunião do G20 na quarta-feira (16) será importante para aumentar a atenção com a guerra na Ucrânia.
O secretário de Relações Exteriores do Reino Unido, James Cleverly, por sua vez, afirmou que o governo britânico está "investigando com urgência relatos de mísseis caindo na Polônia". Ele também afirmou que está em contato com a OTAN e com o governo polonês.
A Estônia afirmou que as últimas notícias da Polônia são preocupantes. "Estamos consultando de perto a Polônia e outros aliados. A Estônia está pronta para defender cada centímetro do território da Otan. Estamos em total solidariedade com a nosso aliada próxima Polônia".
O presidente da Lituânia, Gitanas Nauseda, afirmou que está mantendo contato próximo com a Polônia e que a Lituânia presta solidariedade ao país. "Cada centímetro de território da Otan deve ser defendido", afirmou.
O primeiro-ministro da Eslováquia, Eduard Heger, disse que o país está preocupado com a notícia sobre a explosão. "Entrei em contato o primeiro-ministro polonês Mateusz Morawiecki para expressar nossa solidariedade e total apoio. Vamos consultar a Polônia e outros aliados sobre a situação", publicou.
O primeiro-ministro da República Tcheca, Petr Fiala, disse que os ataques de hoje à Ucrânia mostram que a Rússia quer destruir o país. "Se a Polônia confirmar que os mísseis também atingiram seu território, isso será uma nova escalada da Rússia. Apoiamos firmemente nosso aliado de União Europeia e Otan", escreveu.
A Letônia afirmou que terá uma reunião na quarta-feira (16) para avaliar a situação de segurança. "A Letônia e seus aliados da Otan estão prontos para qualquer situação para defender seus cidadãos e territórios", publicou em uma rede social o primeiro-ministro letão Krisjanis Karins.
O primeiro-ministro da Bélgica, Alexander De Croo, disse que o país condena veementemente o incidente em território polonês e envia condolências à famiília das vítimas e ao povo polonês. "A Bélgica está com a Polônia. Todos fazemos parte da família Otan que, mais do que nunca, está unida e equipada para proteger a todos nós", afirmou.
O Reino Unido, a Alemanha, a Holanda e o Canadá também disseram que estão acompanhando a situação e em contato com a Polônia e outros países aliados.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou que estava "alarmada com relatos de uma explosão na Polônia, após um ataque massivo de mísseis russos em cidades ucranianas". Ela também disse que a Comissão estava monitorando a situação de perto e em contato com autoridades polonesas.
Bombardeios russos
A Rússia voltou a atacar Kiev e outras grandes cidades da Ucrânia nesta terça-feira (15), no mesmo dia em que líderes do G20 pediram em conjunto que os bombardeios fossem interrompidos.
Horas antes do novo ataque, o presidente da Ucrânia Volodymir Zelensky discursou durante a cúpula do G20. Em seu pronunciamento, ele afirmou que este é um bom momento para o fim da guerra em seu país.
"Estou convencido que agora é o momento em que a guerra pode e deve ser interrompida", afirmou ele por vídeo em reunião com os países mais ricos do mundo.
Texto publicado originalmente no portal g1.
Oito meses de guerra: Rússia faz alerta de "bomba suja" em uma estratégia sem horizonte
Serguei Monin*, Brasil de Fato
A recente investida russa é marcada por uma mobilização, anexação de novos territórios e fortes bombardeios por toda a Ucrânia. Kiev, por outro lado, mantém a sua contraofensiva e coloca em xeque o controle de Moscou sobre Kherson, umas das regiões anexadas pela Rússia. Enquanto isso, tímidos acenos para a possibilidade de negociações de paz mantêm o impasse na crise entre Rússia e Ucrânia.
Esta semana começou com graves acusações por parte da Rússia de que a Ucrânia estaria concluindo a produção de uma arma radiológica chamada de "bomba suja", que combina material radioativo com explosivos convencionais. Na segunda-feira (24), o Ministério da Defesa russo acusou Kiev de planejar usar o armamento no intuito de organizar uma provocação para acusar a Rússia de usar armas de destruição em massa e lançar uma campanha antirussa no mundo.
No mesmo dia, o ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, realizou conversações com altos oficiais militares da Grã -Bretanha e dos EUA para alertar a comunidade internacional sobre a suposta ameaça ucraniana.
“Como resultado da provocação de ‘bomba suja’, a Ucrânia espera intimidar a população local, aumentar o fluxo de refugiados pela Europa e expor a Federação Russa como terrorista nuclear”, afirmou o chefe das tropas de proteção radiológica, química e biológica das Forças Armadas Russas, tenente-general Igor Kirillov.
Em resposta, os EUA, a Grã-Bretanha e a França emitiram uma declaração conjunta, classificando a declaração do Ministério da Defesa russo como uma "insinuação". A Ucrânia negou a produção de uma "bomba suja" e convocou inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica ao país para realizar monitoramento.
A narrativa russa sobre a suposta ameaça radioativa da Ucrânia é o mais recente desdobramento da atual fase da operação militar da Rússia no país vizinho, que completou oito meses na última segunda-feira (24). As movimentações de Moscou e a reação da comunidade internacional refletem o cenário de impasse que a guerra chegou atualmente.
Em uma primeira etapa da anunciada “operação especial militar” na Ucrânia, em 24 de fevereiro, a Rússia realizou uma tentativa de blietzkrieg, realizando massivos bombardeios no território ucraniano, inclusive nos arredores da capital Kiev. Com amplo apoio internacional e manutenção da resistência mobilizada das forças ucranianas, não foi alcançada a capitulação do governo ucraniano e o Kremlin modulou os seus objetivos, anunciando um recuo das tropas e concentrando as ações militares em Donbass, a região das repúblicas separatistas pró-Rússia.
Nos primeiros meses da guerra, o analista-sênior do International Crisis Group para a Rússia, Oleg Ignatov, em entrevista ao Brasil de Fato, defendeu a tese de que o Kremlin não estava se preparando para uma guerra total, considerando que as tropas executariam uma operação militar rápida. De acordo com ele, o objetivo inicial era realizar uma “operação de intimidação" para forçar uma mudança de regime na Ucrânia.
Assim, entre março e agosto, a ofensiva das tropas russas no sul e sudeste da Ucrânia foi relativamente bem-sucedida com o foco na tomada de controle de regiões como Donetsk, Lugansk, Kherson, Zaporozhye e Kharkov.
Uma terceira etapa que altera a dinâmica do conflito se inicia no fim de agosto e início de setembro com o anúncio da contraofensiva ucraniana. Em outubro, as forças de Kiev realizaram importantes retomadas de territórios ocupados pela Rússia, principalmente na região de Kharkov.
O contraataque ucraniano levou a uma nova inflexão russa em setembro, marcada pelo anúncio da mobilização de 300 mil novos reservistas para a guerra, a anexação de territórios ocupados na Ucrânia, novos bombardeios massivos em todo o território ucraniano, além das ameaças de uso de armas nucleares. Além disso, o presidente russo, Vladimir Putin, anunciou uma lei marcial nos territórios anexados das autoproclamadas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, e nas regiões ocupadas de Kherson e Zaporozhye, na última quarta-feira (19)
Em entrevista ao Brasil de Fato, a cientista política e do Centro de Estudos Russos e do Leste Europeu da Universidade de Helsinque, Margarita Zavadskaya, observa que toda a trajetória da estratégia russa na Ucrânia até aqui aconteceu sem um planejamento adequado.
“Pressupunha-se uma guerra rápida em 24 de fevereiro, e rapidamente ficou claro, nada ia acontecer de acordo com o plano inicial. Então agora, não é uma opinião somente minha, mas também a de muitos colegas que acompanham a situação, a impressão é de que não existe um plano. Não existe uma estratégia, e existem muitas decisões inconsistentes, como declarar um estado de guerra, mas não anunciar que existe uma guerra”, argumenta.
De acordo com a analista, “todas as decisões são tomadas de acordo com a circunstância e isso é uma notícia bem ruim”, porque “é difícil compreender o que quer o lado russo”. “E se nós não entendemos o que a Rússia quer, então é muito difícil realizar com ela quaisquer negociações”, acrescentou.
Enquanto isso, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, declarou nesta terça-feira (25) que a Rússia está pronta para o diálogo com todos os países, incluindo os EUA e o Papa Francisco, a fim de chegar a um acordo na Ucrânia.
“Estamos prontos para discutir tudo isso com os americanos, com os franceses e com o pontífice. Repito mais uma vez: a Rússia está aberta a todos os contatos. Mas devemos partir do fato de que a Ucrânia codificou [por lei] a não continuação das negociações”, disse Dmitry Peskov.
Em 30 de setembro, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky assinou um decreto declarando "a impossibilidade de negociações com o presidente russo Vladimir Putin".
Para a cientista política Margarita Zavadskaya, a possibilidade de haver negociações ou não será determinada pelos desdobramentos no campo de batalha.
Segundo a pesquisadora, entre muitos analistas há uma espécie de "wishful thinking", no qual todos querem que isso tudo termine o mais rápido possível, mas infelizmente a situação atual nos mostra que “pode ser um conflito desagradavelmente prolongado que não se resolverá no decorrer de um mês".
“Como a Ucrânia não pretende iniciar negociações […] e nós não entendemos exatamente o que quer a Rússia, então, no mau sentido, nós temos essa situação de impasse”, completa a cientista política.
Texto publicado originalmente no Brasil de Fato.
Após cúpula de emergência, G7 diz que apoiará Ucrânia 'até quando for preciso'
g1*
Em reunião de emergência convocada após o pior ataque da Rússia na Ucrânia, os líderes do G7 - o clube dos países mais ricos do mundo - declararam nesta terça-feira (11) que darão apoio financeiro, militar, humanitário, diplomático e legal ao governo ucraniano até quando for preciso.
A reunião teve a participação de Joe Biden (Estados Unidos), Liz Truss (Reino Unido), Fumio Kishida (Japão), Mario Draghi (Itália), Justin Trudeau (Canadá), Emmanuel Macron (França) e Olaf Scholz (Alemanha).
"Nós garantimos ao presidente (da Ucrânia) Volodymyr Zelensky que estamos inabaláveis e firmes em nosso compromisso para providenciar o apoio que a Ucrânia precisa para defender sua soberania e integridade territorial (...) Nós continuaremos a fornecer apoio financeiro, militar, humanitário, diplomático e legal ao governo ucraniano até quando for preciso", declararam os líderes, em um comunicado final conjunto.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, participou por videoconferência do encontro e pediu aos líderes que garantam às suas forças armadas capacidade de defesa aérea suficiente para deter a Rússia.
No depoimento, Zelensky voltou a descartar um diálogo com Vladimir Putin e também pediu ao G7 que apoie uma missão internacional na fronteira Ucrânia-Bielorrússia.
Também nesta terça-feira, um dia após um dos piores ataques russos a Kiev, a Ucrânia anunciou novos bombardeios a cidades estratégicas do país. Mísseis foram lançados contra Lviv - que fica próxima à fronteira com a Polônia - e Zaporizhzhia, onde fica a maior usina nuclear da Europa.
Mais tarde, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, disse nesta terça-feira (11) que a Rússia não recusaria uma reunião entre o presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em uma próxima reunião do G20 e que consideraria a proposta se a receber.
Falando na televisão estatal, Lavrov disse que a Rússia estaria disposta a "ouvir quaisquer sugestões sobre conversações de paz", mas que ele não poderia dizer antecipadamente qual seria o desfecho do diálogo em termos práticos.
Apesar da fala do chanceler russo, o Kremlin tem adotado uma postura agressiva e de contra-ofensiva. Há duas semanas, Vladimir Putin, fez um pronunciamento à nação pela TV anunciando a convocação de cerca de 300 mil reservistas no país inteiro, o que gerou uma grande onda de fuga de jovens russos.
Dias depois, quatro regiões da Ucrânia – Kherson, Zaporizhzhia, Luhansk e Donetsk – foram submetidas a um referendo organizado e realizado por Moscou sobre se os cidadãos locais queriam se separar da Ucrânia e se anexar à Rússia.
Putin anunciou vitória na consulta pública e, há duas semanas, assinou a anexação dos quatro territórios em uma cerimônia transmitida por telões em Moscou. A ONU e a comunidade internacional não reconhecem a anexação.
Texto publicado originalmente no g1.
Após Putin convocar 300 mil reservistas para guerra na Ucrânia, China pede "diálogo"
Thales Schmidt*, Brasil de Fato
Após uma escalada na guerra da Ucrânia, com a decisão por um referendo nos territórios ucranianos conquistados por Moscou e uma declaração de mobilização militar de Putin, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, defendeu nesta quarta-feira (21) uma saída "pacífica" para o conflito que já matou 5.916 civis, segundo cálculos da ONU.
Perguntado sobre a questão em coletiva de imprensa, Wang afirmou que a China tem uma posição "consistente e clara", defendeu a carta da ONU e destacou que "as preocupações legítimas de segurança de qualquer país devem ser levadas a sério".
"Apelamos às partes interessadas para que resolvam adequadamente as diferenças através do diálogo e da consulta. A China está pronta para trabalhar com membros da comunidade internacional para continuar a desempenhar um papel construtivo nos esforços de desescalada", disse Wang.
Em outras ocasiões, diplomatas chineses destacaram o expansionismo da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) quando perguntados sobre o conflito. Nessa mais recente ocasião, Wang não citou nominalmente a aliança militar liderada pelos Estados Unidos.
China e Rússia afirmam ter uma "aliança sem limites" e costumam apresentar uma frente unida diante dos Estados Unidos e do Ocidente, mas o prolongamento da guerra na Ucrânia tem tensionado a parceria. Quando o presidente russo, Vladimir Putin, e o líder chinês, Xi Jinping, se reuniram durante a cúpula da Organização de Cooperação de Xangai (SCO) na semana passada, Putin afirmou entender as "preocupações" chinesas com o conflito.
Nesta quarta-feira (21), Putin anunciou por meio de discurso na televisão a convocação de 300 mil reservistas para o campo de batalha e apoiou a realização de referendes de adesão à Rússia das autoproclamadas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, além das regiões ucranianas de Kherson e Zaporozhye.
O presidente russo disse que se a integridade territorial do país for ameaçada, a Rússia usará todos os meios à sua disposição.
"No caso de ameaça da integridade territorial da Rússia, usaremos todos os métodos, incluindo armas nucleares, isso não é um blefe", disse Putin.
*Texto publicado originalmente no portal do Brasil de Fato.
Revista online | Pobreza sem fronteiras
Marcelo S. Tognozzi*, especial para a revista Política Democrática online (46ª edição: agosto/2022)
A geração destes anos 20 do século 21 é uma geração de sobreviventes. Como há 100 anos, também encarara uma pandemia e uma guerra com potencial de se tornar conflito generalizado, não apenas do ponto de vista político e econômico, como já acontece, mas das armas. As crianças são cotidianamente expostas a todo o tipo de sofrimento num mundo cada vez mais conectado. Infâncias dilapidadas são compartilhadas pelas redes sociais pelos meninos e pelas meninas que um dia, daqui a 20, 30 anos, serão nossos políticos e governantes.
A guerra na Ucrânia mata ao menos duas crianças por dia, dizem os números oficiais da ONU. Aqueles meninos e meninas sobreviventes são expostos a todo tipo de risco, desde tráfico de pessoas a novas e antigas formas de exploração, violação e humilhação. Aqui no Brasil, a pandemia tirou de milhões de pequenos cidadãos pobres o direito ao ensino e à merenda escolar. Os meninos e meninas das famílias da classe média também ficaram sem aulas presenciais, mas puderam aprender pela internet e ir em frente.
A guerra no Leste Europeu cobra sua cota diária de vidas de crianças com bombas e tiros, mas também dizima pela fome outras dezenas, centenas, milhares na África, na América do Sul, no Caribe e na Ásia. O conflito fez subir os preços da comida, do gás de cozinha, dos combustíveis, e o empobrecimento é generalizado. Qualquer um que ande pelas ruas do Rio e de São Paulo, de Porto Alegre ou Belo Horizonte, Recife ou Salvador irá cruzar com famílias inteiras vivendo amontoadas, transformando caixotes de papelão em lares.
Confira, abaixo, galeria de imagens:
No México, 54,3% das crianças estão em situação de pobreza extrema, sem as condições mínimas de sobrevivência. Na Argentina, a situação não é diferente: 60% das crianças. A África dispensa apresentações, a exemplo da Índia, Síria e Afeganistão.
Infância pobre é o padrão. Olho para as crianças da minha família e agradeço a Deus e ao Universo pela sorte que elas têm de poder comer todos os dias, frequentar escola, usar roupas limpas, sapatos, gozar de lazer, viver num lar onde há respeito e amor.
As crianças vivem na pobreza globalizada, mas acessam a internet, ainda que de vez em quando, e, com o que ainda resta de inocência e sonho, mergulham no mundo das redes sociais, das pessoas bonitas, do consumo e da fartura. A riqueza mora ao lado ou no celular, dependendo da cidade, do bairro ou da rua. Como será a sociedade que estas crianças construirão depois de adultas? A globalização, tida e havida como geradora de riqueza e bem-estar, acabou trazendo mais pobreza e mais sofrimento.
Entre os três estados mais importantes do Brasil, o Rio é o que registra a maior taxa de desemprego. Em maio deste ano, tinha 15% de desempregados ou 1.323.000 trabalhadores sem trabalho. São Paulo registrou 10,8%, e Minas, 9,3%. Os dados são do IBGE. Provavelmente, existam muito mais desempregados, porque a pandemia ceifou a renda de milhões de cariocas agora dependentes da informalidade e que se tornaram camelôs, ambulantes nos sinais de trânsito, famílias amontoadas nas calçadas do Centro, da Zona Sul, em qualquer lugar da cidade.
A vida começou a piorar para os cariocas quando a Petrobras viveu o terremoto das investigações da Lava Jato. Em 2019, o Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) informava que a crise vivida pela Petrobras desde 2015 custou o emprego de 2,5 milhões de brasileiros, o “equivalente a 19% do desemprego” (daquele ano de 2019). O Rio, maior produtor de petróleo, sofreu mais.
Uma psicóloga com mais de 30 anos de clínica, de uma hora para outra, viu seu consultório em Copacabana se encher de pacientes sofrendo de depressão. Eram os demitidos pelas empresas fornecedoras da Petrobras. Aquela classe média chegava ao divã dilacerada. Não perdera apenas o emprego, mas o status, o estilo de vida. Estava sendo obrigada a se mudar de bairro, a tirar os filhos da escola, a recomeçar. Muitos daqueles profissionais superqualificados se refugiaram no Uber, outros mudaram de profissão, alguns conseguiram ir para o exterior. Mas todos, sem exceção, entraram para a estatística do Ineep, na qual estavam incluídos cálculos indicando que 60% dos investimentos realizados no Brasil neste ano de 2022 viriam da Petrobras, o que não aconteceu.
O Rio e a Petrobras tiveram um longo caso de amor que começou nos anos 1950 com a campanha do Petróleo é Nosso e que culminou com a criação da empresa em 1953. Depois de investigada pela Lava Jato, posta de joelhos no exterior pagando multas, algumas secretas, a Petrobras deu uma guinada de 180 graus. Passou a ser a queridinha de grandes fundos de investimentos internacionais como os trilionários The Venture Group e Blackstone. Trocou de amor.
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Hoje, a Petrobras exporta empregos ao invés de se preocupar em repor aqueles tragados pela crise instaurada a partir de 2015. Parece absurdo, mas não é. A empresa tem encomendado plataformas para empresas estrangeiras, deixando de lado as brasileiras onde atuavam os trabalhadores superqualificados, mandados para o divã e, depois, para o Uber. Sem contar os menos qualificados, sem divã ou Uber. Atualmente, das 14 empresas qualificadas para participar de licitações de construção de plataformas, apenas uma, a Queiroz Galvão Naval, é brasileira. As demais são estrangeiras ou controladas por capital estrangeiro.
A exportação de empregos virou algo banal. A empresa Keppel Shipyard apresentou proposta de US$ 2,98 bilhões na licitação das plataformas P-80 e P-82, valor 26% acima do preço estimado pela Petrobras. A Sembcorp Marine Rig & Floaters, segunda colocada, cotou o serviço em US$ 3,6 bilhões. Ambas são empresas de Cingapura, do outro lado do planeta.
É muito esquisito que poucas empresas estrangeiras ditem o preço nas licitações da Petrobras, oferecendo orçamentos acima do estimado. Isso não aconteceu nem nos tempos da Lava Jato, quando o Ministério Público processou empresas acusadas de integrar um cartel. O próprio MP constatou que as empresas do cartel cotavam suas propostas pelo preço máximo estimado pela estatal nas licitações. Imagine se elas tivessem cobrado acima, como estão fazendo as multinacionais de Cingapura.
E por que a Petrobras exporta empregos para Cingapura quando o Rio de Janeiro, onde está sua sede, tem um dos maiores índices de desemprego do Brasil? Nesta era pós Lava Jato, a direção da petroleira decidiu implementar critérios técnicos e financeiros considerados absurdos para a classificação de fornecedores, inviabilizando a participação das brasileiras e também de muitas estrangeiras, que, mesmo estando pré-qualificadas para participar das licitações, se recusam a oferecer lances, diante do excesso de exigências da estatal, as quais vão muito além do praticado no mercado internacional.
Nesse cenário, as companhias brasileiras, que pagaram multas e fizeram acordos de leniência, continuam sendo punidas, mesmo depois de acertarem as contas com a Justiça. Perderam o direito de competir, mesmo tendo capacidade técnica, pessoal qualificado e potencial para gerar os empregos de que tanto necessitam os brasileiros.
Uma empresa e seu quadro de funcionários não podem ser confundidos com executivos processados e condenados por crimes. Na Alemanha, a Siemens e a Volkswagen tiveram problemas com a Justiça, mas lá ninguém confundiu pessoa física com pessoa jurídica. A falta de concorrência nas licitações da Petrobras, tão questionada pelas investigações da Lava Jato, ficou ainda maior nos dias de hoje, com três ou quatro empresas estrangeiras participando das licitações e determinando os preços dos projetos bem acima do estimado pela estatal.
É uma injustiça o Rio de Janeiro ser eternamente punido pela Petrobras, que mantém seus estaleiros à míngua, enquanto dá empregos em Cingapura ou na Coréia da Samsung, Hyundai e Daewoo. Esta política mostra o quanto a empresa se desconectou dos brasileiros, ao mesmo tempo que vai na contramão da conjuntura atual. Depois da pandemia e da guerra na Ucrânia, as empresas estratégicas querem proximidade com seus fornecedores, preocupadas em diminuir riscos políticos, geográficos e econômicos.
Um investimento de quase US$ 3 bilhões (cerca de R$ 16 bilhões) numa plataforma representaria uma injeção de dinheiro na economia fluminense capaz de gerar pelo menos uns 10 mil empregos diretos e dezenas de milhares de indiretos. Agora, imagine se multiplicarmos isso por 10, 20 plataformas. Isso mudaria a cara do Rio de Janeiro, refletindo em todo o Brasil. O Rio hoje é uma cidade com alto índice de violência e centenas de milhares de crianças condenadas a serem cidadãs de segunda classe, como acontece nos países nossos vizinhos ou na África.
Num texto brilhante, publicado em março deste ano, meu amigo Jamil Chade, pai de 2 garotos, descreve, com clareza e emoção à flor da pele, a história de meninos e meninas vítimas de todo tipo de violência. Jamil nos leva aos cárceres do Estado Islâmico, à Servia, a um campo de refugiados no Quênia e à cidade de Bagamoyo, na Tanzânia, onde conheceu duas meninas, de no máximo 10 anos de idade, que brincavam no pátio de um hospital. Conversou com elas e mostrou um cartão de visitas com seu nome, porque as garotas não entendiam direito quem era aquele homem branco com um bloquinho na mão e uma câmera fotográfica pendurada no pescoço.
Passou um tempo, e o Correio fez uma conexão Genebra-Bagamoyo. Dentro de um envelope surrado, Jamil encontrou um pedido desesperado de ajuda de uma das meninas. Suplicava que a levasse dali e prometia amor para sempre. Jamil chorou o choro dos impotentes, o mesmo que eu chorei quando li seu texto. Aquela criança faria qualquer coisa – qualquer coisa! – para escapar daquela escuridão miserável: “preciso sair daqui”.
As guerras, a inflação, a falta de educação e de cidadania são irmãs da miséria e da fome. Elas hoje brincam de mãos dadas pelos campos de refugiados da África, nas cidades destruídas da Ucrânia, nas noites de terror do Afeganistão, nas calçadas superpovoadas de Nova Dehli, do Rio, de São Paulo, nas palafitas de Manaus e Belém ou nas ruas de terra batida das periferias de Recife e Salvador.
Estas irmãs, agora, também andam pelas ruas de Paris, Madrid, Londres ou Roma. Em plena pandemia, um amigo diplomata ligou para contar que, em Genebra, os pobres estavam pedindo esmola nos sinais. Nos Estados Unidos, a pobreza também chegou forte. No fim do ano passado, uma pesquisa mostrou que cerca de 30% dos americanos não conseguiam bancar despesas básicas, 12% dos chefes de família amargavam dificuldade para comprar comida e 28% dos negros e 20% dos latinos não pagavam aluguel em dia. A pobreza virou vizinha, habita as calçadas do Champs Élysées, da Gran Via ou uma esquina da 5ª Avenida. Daí o desespero da Comissão Europeia e do governo Biden com a inflação estourando nos 2 dígitos.
Temos uma geração de sobreviventes que, cedo ou tarde, irá se confrontar com outros desta mesma geração tocados pela sorte de estudar, comer, receber amor e respeito. O abismo entre a classe média e os pobres ficou tão grande, tão profundo, a ponto de transformar num privilégio coisas básicas como comer, tomar banho, vestir e estudar. A bomba-relógio armada a partir do pós-guerra dividiu o mundo entre ricos e pobres. Agora, faz tique-taque nas grandes cidades do mundo desenvolvido. A miséria deixou de ser invisível, remota, para se tornar presente, cotidiana, ousada e incômoda.
Antigamente - ou seja, há uma década, no máximo -, uma pessoa saía do Brasil, da África ou da Ásia para ser pobre ou remediado nos Estados Unidos ou na Europa, porque a vida era mais digna, as crianças comiam e estudavam. A brutal concentração de renda patrocinada pelo setor financeiro, tão criticada pelo filósofo Stéphane Hessel, gerou a globalização da pobreza. E ao escrever sobre ela, há mais de 20 anos, o professor Milton Santos foi profético: “A globalização mata a noção de solidariedade, devolve o homem à condição primitiva do cada um por si e, como se voltássemos a ser animais da selva, reduz as noções de moralidade pública e particular a um quase nada”.
Sobre o autor
*Marcelo S. Tognozzi é jornalista e consultor independente. Fez MBA em gerenciamento de campanhas políticas na Graduate School Of Political Management - The George Washington University e pós-graduação em Inteligência Econômica na Universidad de Comillas, em Madri.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto/2022 (46ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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ONU alerta para malefícios na vida de vítimas de desaparecimentos forçados
ONU News*
Este 30 de agosto é o Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados. Para as Nações Unidas, esse tipo de violência se tornou um problema global e não se restringe a uma região específica do mundo.
No passado, muitas pessoas desapareciam por consequência de ditaduras militares. Hoje, a prática acontece também em situações complexas de conflito interno, especialmente como meio de repressão política de opositores.
Impacto dos desaparecimentos forçados
Milhares de pessoas desapareceram durante conflitos ou períodos de repressão em pelo menos 85 países ao redor do mundo.
O desaparecimento forçado tem sido frequentemente usado como estratégia para espalhar terror na sociedade. O sentimento de insegurança gerado por essa prática não se limita aos familiares próximos dos desaparecidos, mas atinge também suas comunidades e a sociedade como um todo.
De particular preocupação são a perseguição contínua de defensores de direitos humanos, familiares de vítimas, testemunhas e advogados que lidam com casos de desaparecimento forçado, o uso pelos Estados de atividades antiterroristas como desculpa para o descumprimento de suas obrigações, e a impunidade.
A ONU também pede atenção especial a grupos específicos de pessoas especialmente vulneráveis, como crianças e pessoas com deficiência.
Tortura
As Nações Unidas também alertam que as vítimas de desaparecimentos forçados são frequentemente torturadas e temem constantemente por suas vidas, além de estarem cientes de que suas famílias não sabem o que aconteceu com elas e que há poucas chances pequenas de que alguém venha em seu auxílio.
Essas pessoas, quando retiradas do recinto de proteção da lei e ficam “desaparecidas” da sociedade, são privadas de todos os seus direitos e ficam à mercê de seus captores.
Mesmo que a morte não seja o resultado e a vítima seja finalmente libertada do pesadelo, as cicatrizes físicas e psicológicas desta “forma de desumanização e a brutalidade e tortura” que muitas vezes a acompanham permanecem.
Familiares das vítimas
Os familiares e amigos das vítimas experimentam angústia, sem saber se a vítima ainda está viva ou onde está detida, em que condições e em que estado de saúde. Além disso, sabem que estão ameaçados, que podem sofrer o mesmo destino e que a busca da verdade pode expô-los a um perigo ainda maior.
A angústia da família é frequentemente agravada pelas consequências materiais do desaparecimento. Em alguns casos, a legislação nacional pode impossibilitar o saque de uma pensão ou o recebimento de outros meios de subsistência na ausência de uma certidão de óbito.
Quando mulheres são vítimas diretas do desaparecimento, se tornam particularmente vulneráveis à violência sexual.
As crianças também podem ser vítimas, direta e indiretamente. A perda de um dos pais por desaparecimento também é uma grave violação dos direitos humanos de uma criança.
Origens do dia
O dia internacional aprovado na Assembleia Geral em dezembro de 2010. A resolução expressava profunda preocupação com o aumento de desaparecimentos forçados ou involuntários em várias regiões do mundo.
A ONU saudou a adoção da Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados, criada em 1992, que é um conjunto de princípios para todos os Estados.
*Texto publicado originalmente na ONU News. Título editado.
Miguel Nicolelis: ‘Podemos chegar a 500 mil mortos na metade do ano’
Professor da Universidade Duke (EUA) faz previsões catastróficas e afirma que, sem implantações de medidas restritivas imediatamente, uma ‘tsunami irá varrer o Brasil’
Constanca Tatsch, O Globo
RIO — Hecatombe significa uma “destruição ou desgraça em grande escala”. E é o termo usado pelo médico, neurocientista e professor catedrático da Universidade Duke (EUA) Miguel Nicolelis para descrever a situação do Brasil em meio à pandemia da Covid-19. Segundo ele, se não forem implementadas medidas restritivas imediatamente, o Brasil deve alcançar a marca de 500 mil mortes em julho. Segundo o ex-coordenador do Comitê Científico do Consórcio Nordeste para a Covid-19, além do colapso sanitário, já ocorre um colapso funerário.
Já estamos com quase 3 mil óbitos por dia. Por que março vive uma explosão de mortes?
A explosão de forma sincronizada em todo o Brasil é decorrente das eleições (municipais, em novembro) e das aberturas indiscriminadas. Com as festas natalinas e o carnaval, explodiu de vez. Como medidas mais rígidas não aconteceram, infelizmente as previsões se concretizaram, e chegamos a um colapso. Hoje é difícil prever qual vai ser a taxa de óbitos daqui a duas, três semanas. A gente não consegue ver limite ou pico.
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Há pacientes em São Paulo morrendo na fila de espera por vagas nos hospitais. O que se pode fazer a esse respeito?
O prefeito e o governador têm que criar coragem e fechar a capital e a Grande SP, impedindo o fluxo nas rodovias. Não dá para continuar empurrando com a barriga. Ou faz agora, ou as pessoas vão morrer na rua. São Paulo já colapsou há dias. Quando cruza 90% de ocupação, já foi. Só na logística para achar o leito e transferir, as pessoas vão morrer. O Brasil inteiro colapsou.
O que precisa ser feito para evitar o desabastecimento dos insumos hospitalares?
Tem que comprar esses medicamentos no mercado internacional, mas não estão entregando. O Brasil tinha que ter feito um estoque enorme, mas é desespero. É uma hecatombe. Como se a gente estivesse numa guerra, o inimigo tivesse tomado o Brasil, e a gente tivesse optado por não se defender porque quem deveria criar nossa estratégia de defesa renunciou ao papel de defender a sociedade da maior tragédia humanitária da nossa história.
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O senhor acha que o lockdown deve ser nacional ou bastam medidas regionalizadas?
No Reino Unido, em dezembro, o comitê científico disse que em 12 dias o sistema hospitalar ia colapsar. O primeiro-ministro fechou o país. Hoje, a Inglaterra anunciou que teve a menor taxa de transmissão, óbitos e internações desde setembro. Porque fez o que tinha que fazer. Não teve lero-lero. Não tem saída. Nós sempre seguimos as ondas europeias. Avisamos em outubro que a segunda onda ia chegar aqui, agora certos lugares da Europa estão na terceira onda e vai chegar também. É duro dizer isso, mas vai piorar muito se não fizermos nada. E tem que ser a nível nacional, com medidas sincronizadas. Não adianta fechar um estado e deixar o resto aberto porque o vírus está em todo lugar, se espalha pelas rodovias, pelos aeroportos. Vamos chegar a 300 mil óbitos com uma rapidez impressionante. Podemos chegar a 500 mil na metade do ano, no meio do inverno.
Mesmo com a vacinação?
Mesmo com a vacinação, sem lockdown, dificilmente será possível reverter essa situação. Teríamos que vacinar 3 milhões de pessoas por dia por 60 dias, começando imediatamente. É altamente improvável. Enquanto isso, se tivermos 2 mil mortes por dia por 120 dias, teremos mais 240 mil mortes. É uma estimativa grosseira, só para ilustrar que chegaríamos a 500 mil mortes em meados de julho.
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Como o senhor avalia esse pedido do presidente Jair Bolsonaro ao STF, de que só ele pode definir lockdown?
Esse documento vai rodar o mundo e vai servir como prova definitiva de que as intenções da Presidência não são voltadas ao bem maior da sociedade. E, quando um mandatário renuncia à sua obrigação máxima de proteger e salvar seus cidadãos, outros poderes da República têm que intervir. O presidente botou no papel o que o mundo inteiro já sabia, que ele quer fazer o oposto do necessário para evitar um genocídio no Brasil.
O senhor falou no Twitter que o colapso funerário começa em pequenas cidades
Já começou. Vi um município de Pernambuco onde corpos estavam se acumulando num terreno baldio. Já temos registros de filas enormes em cartórios para registrar os óbitos, dificuldades de manejo de corpos nos hospitais, a Associação Brasileira de Funerárias recomendando que não deem férias aos funcionários, faltam urnas. Os sinais são claros. Não sei como alguém ainda não vê o tsunami que vai varrer o Brasil. Não vai mais ser só crise sanitária, começam a ter distúrbios sociais.
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É o caso de uma mobilização internacional para ajudar o país?
O Brasil precisa de ajuda. Pedimos aos países amigos com excedente de vacinas, mas o que os governos desses países falam publicamente e reservadamente é que não tem um interlocutor. Não somos um país pária, somos um país radioativo. O Brasil não é um problema só dos brasileiros, é um problema do mundo. Se não controlarmos a pandemia, nossas fronteiras são porosas, as variantes daqui vão escapar, e o mundo sabe disso.
O Globo: Com pandemia no ápice, conflitos entre Bolsonaro, governadores e prefeitos emperram medidas de combate
Governador da Bahia, Rui Costa (PT), que também enfrenta críticas de prefeitos bolsonaristas, disse que vai acionar a Procuradoria-Geral do Estado para atuar contra o presidente
Bernardo Mello, Gustavo Schmitt e Sérgio Roxo, O Globo
RIO E SÃO PAULO - No momento mais crítico da pandemia, com o Brasil prestes a atingir a marca de 300 mil mortos, o confronto entre o presidente Jair Bolsonaro, governadores e prefeitos vem dificultando a adoção de medidas no combate ao coronavírus. Além de terem decretos questionados por Bolsonaro, que ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) ontem contestando o toque de recolher adotado por Bahia, Rio Grande do Sul e Distrito Federal, governadores de pelo menos oito estados enfrentam embates com prefeitos, alinhados ou não ao presidente, que rejeitam restrições em seus municípios.
Leia: Em ação no STF, Bolsonaro compara restrições impostas por governadores a estado de sítio
Ontem, governadores que foram alvos do pedido no STF — que deve ser negado pela Corte — reagiram ao presidente. O governador da Bahia, Rui Costa (PT), que também enfrenta críticas de prefeitos bolsonaristas, disse que vai acionar a Procuradoria-Geral do Estado para atuar contra o presidente, a quem chamou de “aliado do vírus”.
O Consórcio Nordeste, formado por todos os estados da região, classificou o pedido de Bolsonaro como “inusitado”, enquanto Ibaneis Rocha (MDB) prorrogou o toque de recolher no Distrito Federal. O gaúcho Eduardo Leite (PSDB) ironizou a ação e disse que Bolsonaro “mais uma vez chega atrasado” ao debate. Leite também lembrou que o STF autorizou estados e municípios a determinarem suas próprias restrições, prevalecendo a regra mais rígida.
Interferência da Justiça
Bolsonaro criticou ainda o prefeito do Rio, Eduardo Paes (DEM), por determinar o fechamento das praias no fim de semana. O presidente disse que ir à praia era uma forma de obter vitamina D, o que reduziria a chance de um quadro grave em caso de contaminação com o vírus. Paes afirmou que pediria ao governador Cláudio Castro (PSC), aliado do presidente, para estender restrições à Região Metropolitana e respondeu Bolsonaro em uma rede social.
“Temos clareza das vitaminas que todos precisamos para ter saúde. Uma delas é a vitamina da solidariedade e contra o negacionismo aos fatos e o que vem acontecendo em todo o país”, escreveu Paes.
Em algumas capitais, como Porto Alegre, Natal e Teresina, prefeitos alinhados ao bolsonarismo só cumpriram medidas restritivas de decretos estaduais após serem pressionados no Judiciário. Na capital do Piauí, o prefeito Dr. Pessoa (MDB), simpático a Bolsonaro, fez uma ofensiva no fim de janeiro, após se reunir com o presidente, pedindo a flexibilização de protocolos. Na última quinta, Pessoa baixou um decreto que descumpria as restrições do estado. O governador Wellington Dias (PT) recorreu à Justiça, que obrigou o município a seguir as regras estaduais.
— O sistema de saúde de Teresina está colapsado. Tivemos notícia de paciente que morreu sem atendimento. Ele (o prefeito) é um médico e espero que, com essa decisão, a gente possa manter a integração — afirmou Dias. — A posição do presidente cria uma dificuldade no cumprimento dos protocolos e decretos que são implementados. Sai da orientação científica para a campo da política.
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Em Natal, o prefeito Alvaro Dias (PSDB) aceitou um decreto conjunto com o governo do Rio Grande do Norte, na quarta-feira, após mediação do Ministério Público e pressionado por uma decisão judicial que reafirmava a prevalência das medidas mais restritivas. Na semana anterior, Dias havia contrariado decreto da governadora Fátima Bezerra (PT) e flexibilizado o toque de recolher para bares e restaurantes.
Em audiência de conciliação na última semana, Dias — que tem defendido o uso de remédios ineficazes contra a Covid-19, como a cloroquina — chegou a dizer que a capital potiguar tinha “vencido a pandemia”. Após ceder ao decreto estadual, ele justificou a mudança de posição citando a “agressividade” de novas cepas do vírus, argumento semelhante ao sugerido por aliados de Bolsonaro para que o presidente passasse a defender a vacinação:
— Ninguém gosta de adotar medidas tão duras. Isso afeta dos empresários aos trabalhadores mais pobres, informais. Por outro lado vejo que a doença está se espalhando e com características diferentes da primeira onda.
Na capital gaúcha, onde mais de 300 pessoas aguardam por leitos de UTI, o prefeito Sebastião Melo (MDB) ameaçou romper a chamada “cogestão”, em que prefeitos e governador tomam medidas conjuntas contra a Covid-19. Crítico ao fechamento de serviços, Melo chegou a apelar à população para que “contribuísse com a vida para salvar a economia”, e disse que “sempre cabe mais um” em hospitais.
Atrito entre aliados
O GLOBO também identificou conflitos entre governadores e prefeitos no Espírito Santo, Paraíba, Bahia, Minas Gerais e São Paulo.
Embora a maioria dos conflitos seja marcada por rivalidades locais, também há divergências entre aliados. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e seu correligionário Bruno Covas trocaram críticas ontem sobre a decisão da capital de antecipar feriados na tentativa de aumentar o isolamento social.
O temor do estado é que o feriado prolongado de dez dias motive viagens e aglomerações no litoral. Doria disse que faltou bom senso. Covas rebateu e disse que o que falta é “senso de urgência”.
Além das capitais, cidades médias apresentam embates envolvendo prefeitos que se declaram apoiadores de Bolsonaro e contrariam medidas restritivas.
Aglomeração
Em Bauru, o governo do estado alega que a gestão de Suéllen Rosim (Patriota) tentou descumprir a fase vermelha e não tem investido na fiscalização das medidas sanitárias. No mês passado, ela cantou em um culto em uma igreja para diversas pessoas.
— Bauru é o pior exemplo do estado em termos de consequências negativas para a saúde da população — afirma Paulo Meneses, epidemiologista e coordenador do Centro de Contingência do governo estadual.
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Em Campina Grande, o prefeito Bruno Cunha Lima (PSD) afirmou que vai recorrer de decisão judicial que o obrigou a seguir o toque de recolher do governador João Azevedo (Cidadania).
Em Ipatinga (MG), o prefeito Gustavo Nunes (PSL), eleito com apoio do presidente em suas lives, chegou a retirar a cidade do programa “Minas Consciente”, da gestão estadual de Romeu Zema (Novo), que estabelece protocolos sanitários para abertura de serviços. Mesmo em colapso na rede pública, Nunes se recusou a fechar atividades até quarta-feira, quando Zema impôs toque de recolher estadual, inclusive para quem estava fora do Minas Consciente.
Na Bahia, cidades no Sul do estado resistiram ao decreto estadual de lockdown. Em Teixeira de Freitas, o prefeito Marcelo Belitardo (DEM), que teve apoio do bolsonarismo local na última campanha, baixou um decreto que afirma que as medidas do governador da Bahia “não serão acolhidas”.
Triste dia para a Colômbia
A vitória do ‘não’ ao Acordo de Paz abre um período de incerteza no histórico processo.
A rejeição por escassíssima margem ao acordo de paz firmado entre o Governo colombiano e a guerrilha das FARC, no plebiscito realizado no domingo, abre um período de incerteza no histórico processo que busca encerrar meio século de guerra civil. A distribuição dos votos, com uma rejeição concentrada nas zonas menos afetadas pelo conflito e uma contundente vitória do “sim” nas regiões mais prejudicadas pela guerra, mostra uma polarização política muito grave. O presidente do país, Juan Manuel Santos, sai enfraquecido e terá agora menor margem de manobra para outras importantes reformas de que a Colômbia necessita.
De qualquer modo, o resultado não é um “não” à paz na Colômbia, mas à proposta apresentada pelo Gaoverno ao eleitorado. Nesse contexto, é preciso elogiar a atitude de Santos, de não se dar por vencido em continuar tentando conseguir uma solução para o conflito, e saudar o fato de líder das FARC, Rodrigo Londoño, Timochenko, ter ressaltado pouco depois de se conhecerem os resultados que o cessar-fogo continua em vigor.
Há várias razões que explicam o resultado. Álvaro Uribe e os partidários do “não” apelaram ao emocional e colheram os frutos da perda de confiança na classe política. Além disso, a sociedade civil foi incluída muito tarde no processo, ao que é preciso acrescentar que a pedagogia do Governo foi pouco eficaz.
Mas é importante não esquecer que desde o início das conversações, e até a celebração do plebiscito, já se produziram avanços cruciais na implementação do fim completo das hostilidades e isso abriga a esperança de que o processo seja irreversível, independentemente das modificações que agora seja preciso introduzir. No entanto, é urgente determinar o que vai acontecer a partir de agora, tanto com os membros das FARC como com o cessar-fogo, mesmo enquanto se prolongarem as negociações.
Fonte: El País
Luiz Carlos Azedo: A bandeira da ordem
NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE
Os atentados de Nice, na França, e de Munique, na Alemanha, na sexta-feira, acenderam a luz amarela dos serviços de segurança do Brasil e das principais potências ocidentais em relação às Olimpíadas do Rio de Janeiro a duas semanas dos jogos. Por aqui, o fato relevante foi a prisão preventiva, pela Polícia Federal, de 11 suspeitos de envolvimento com Estado Islâmico, que supostamente estariam se organizando para realizar um ato terrorista e agora correm o risco de serem enquadrados na nova Lei Antiterror.
O episódio reacende o debate sobre a segurança dos jogos e os direitos e garantias individuais, porém, em contexto muito diferente das prisões dos black blocs durante as grandes manifestações de junho de 2013, que antecederam a Copa do Mundo de 2014. A paranoia em relação ao terrorismo no Brasil, diante dos atentados de inspiração islâmica na Europa e nos Estados Unidos, não é uma coisa sem sentido. A maioria dos ataques de “lobos solitários” ou grupos ligados virtualmente ao Estado Islâmico foi perpetrada por indivíduos que haviam sido monitorados pelos serviços secretos dos respectivos países.
As Olimpíadas são o maior evento de massas do mundo e, de fato, põem o Rio de Janeiro em situação de risco, devido à presença de grandes delegações de atletas dos países diretamente envolvidos nos conflitos do Oriente Médio, particularmente na guerra contra o Estado Islâmico na Síria e no Iraque. É nesse contexto que o governo interino de Michel Temer, responsável pela segurança das Olimpíadas, empunha a bandeira da ordem, às vésperas da votação do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, de quem herdou o problema e pode fazer desse limão uma doce limonada.
Ordem e Progresso, o lema positivista da bandeira nacional, é o slogan oficial do governo Temer. Adotado no contexto da crise político que resultou no afastamento de Dilma Rousseff, parecia uma sacada artificial e démodé, em meio à crise econômica, política e ética. A onda terrorista protagonizada por indivíduos que se associam ao Estado Isâmico pelas redes sociais, porém, com a aproximação das Olimpíadas, fez da manutenção da ordem uma necessidade real. O que não se pode é derivar para a lógica do Estado Leviatã.
Terror e tráfico
Publicado em 1651, O Leviatã, de Thomas Hobbes, foi uma resposta à Guerra Civil inglesa, provocada pela destituição do rei Carlos I pelo parlamento, em meio ao conflito entre anglicanos e presbiterianos. O resultado foi o caos, uma guerra de todos contra todos, que Hobbes atribuiu à natureza humana. Segundo ele, sem uma ordem política estabelecida, a vida se torna “solidária, pobre, repugnante, brutal e breve”. Para construir uma sociedade é necessário que cada indivíduo renuncie a uma parte de seus desejos e chegue a um acordo mútuo de não aniquilação com os outros.
Nasceu daí a ideia hobbesiana do “contrato social”, de modo a transferir os direitos que o homem possui naturalmente sobre todas as coisas em favor de um soberano dono de direitos ilimitados. Este monarca absoluto, cuja soberania não reside no direito divino, mas nos direitos transferidos, seria o único capaz de fazer respeitar esse contrato e garantir, desta forma, a ordem e a paz, exercendo o monopólio da violência que, assim, desapareceria da relação entre indivíduos. Ironicamente, foi a ditadura de Cromwell, o “Lorde Protetor”, que primeiro deu forma ao Estado Leviatã e realizou a revolução burguesa na Inglaterra. Mais tarde, em 1689, na Revolução Gloriosa, que foi pacífica, o parlamento promulgou a Declaração dos Direitos (Bill of Rights), que serve de base para o parlamentarismo monárquico britânico.
A crise humanitária do Mediterrâneo e os atentados terroristas na Europa parece reproduzir o “estado natural” descrito do Hobbes no Leviatã. São consequência da guerra civil e do caos que se instalou com a desestruturação dos estados nacionais do Iraque e da Síria pelas desastradas intervenções das potências ocidentais, lideradas pelos Estados Unidos durante o governo Bush, após o 11 de Setembro de 2003, que agravaram ainda mais os conflitos do Oriente Médio e do Afeganistão. O Brasil manteve-se sempre à margem desses conflitos, apesar das grandes comunidades brasileiras de origem árabe e judaica.
Entretanto, os indicadores de violência e a presença ostensiva do tráfico de drogas no país, principalmente no Rio de Janeiro, se assemelham a uma espécie de “guerra civil” não declarada. Não há, porém, registro de conexões entre traficantes e supostos apoiadores do Estado Islâmico, mas nem por isso deixa de ser prudente a transferência dos chefes das quadrilhas que atuam no Rio de Janeiro de Bangu para presídios federais de segurança máxima em outros estados e a prisão temporária de suspeitos de envolvimento com organizações terroristas. O que não se pode, porém, é derivar para uma concepção de segurança pública contrária aos fundamentos da democracia, ainda mais num ambiente político pautado pelo processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. (Correio Braziliense – 24/07/2016)
Fonte: www.pps.org.br