comunismo

Antônio Fausto: Gorbachev e a democracia

 Há trinta anos era extinta a URSS e caía seu presidente, Mikhail Gorbachev, qualificado estadista soviético, que iniciou uma era de mudança reformadora, a partir de 1985. Precedida por quase setenta anos, desde a Primeira Guerra Mundial e tomada do poder por via revolucionária, uma guerra civil devastadora, intervenção estrangeira, desordem econômica, desemprego e fome. Uma ditadura pessoal   de trinta anos, implacável e facinorosa, que militarizou a vida social e criminalizou a atividade política.

Na década de vinte, a Nova Política Econômica-NEP foi uma oportunidade perdida de recuperação, com a introdução de mecanismos de mercado. A par da construção forçada de uma grande economia industrial capaz de enfrentar a invasão nazista e de ganhar a guerra contra a Alemanha, ao lado das potências ocidentais.

A sucessão de Stálin, após 1953, dividiu o círculo próximo do ditador e teve um desfecho sangrento, com a execução do chefe da polícia, famoso por sua crueldade e ambição de poder.

 O novo governo, liderado por Nikita Kruschev, antigo comissário político do Exército, em Stalingrado, teve o mérito histórico da denúncia dos crimes e do culto à personalidade do ditador, de uma anistia parcial de presos e perseguidos políticos e de outras medidas liberalizantes do regime.

Abrandamento dos “gulagui” (campos de prisioneiros e trabalho forçado) e da censura da imprensa, da literatura e das artes. Escritores até então perseguidos, puderam publicar seus livros. Kruschev lançou a política de coexistência pacífica com os antigos aliados da Segunda Guerra Mundial e conteve os impulsos belicistas e autoritários do Maoismo, na China.

Mísseis em Cuba
Seu maior erro político, no campo internacional, foi a colocação de mísseis em Cuba, que por pouco não levou a uma guerra nuclear com os Estados Unidos, implicando em queda do governo e restauração mitigada da Nomenclatura, a casta dirigente da URSS, desde os tempos de Stálin, a cujos integrantes o povo chamava, sarcasticamente, de “magnatas”. O governo Kruschev foi a primeira tentativa, embora malograda, de reforma democrática e modernização do sistema soviético.

Atraso e dependência de importações na Agricultura, baixa produtividade   da Indústria e dos Serviços, ganhos imerecidos e burocracia, conjugados ao retorno do autoritarismo e da censura, repressão de dissidentes, estendidos aos países do Leste europeu, com intervenções militares na Hungria, Tchecoslováquia, Polônia e até mesmo no Afeganistão. Construção do Muro de Berlim. Foi o chamado período de estagnação, que levou inquietação às elites dirigentes internas e divisão do movimento socialista e democrático internacional.

O historiador I. Afanassiev escreveu: “Nosso sistema gerou uma categoria de indivíduos sustentados pela sociedade, mais interessados em receber do que dar. Consequência de uma política de igualitarismo que invadiu totalmente a sociedade soviética. O Homo soviéticos é ao mesmo tempo lastro e freio. De um lado se opõe à reforma, por outro, constitui a base de apoio para o sistema existente”. Nesse aspecto, muito parecido com as corporações do serviço público brasileiro.

Gorbachev
Em meio às perdas na competição com o Ocidente, assume o governo e a liderança política da URSS, Mikhail Gorbachev, que passou a representar os anseios reformistas de parcela significativa da Sociedade e dos próprios grupos dirigentes. Pela primeira vez, em sete décadas de sistema soviético, é colocada a questão da legalidade, do Estado de direito e da construção socialista com democracia, racionalidade econômica, sem o igualitarismo improdutivo vigente até então.

Segue-se ampla anistia, com extensão póstuma, o desmantelamento dos “gulagui”, abolição da censura aos meios de comunicação e uma reforma constitucional democratizante e modernizadora.

Na Economia e Administração Pública, a Perestroika (reestruturação), a busca da produtividade e eficiência aproximadas do capitalismo desenvolvido. Mecanismos de mercado, redução gradual do planejamento centralizado e dos subsídios fiscais e monetários.

Suspensão do financiamento e da tutela política das chamadas democracias populares do Leste europeu, da Alemanha Oriental e de Cuba. Retirada de tropas do Afeganistão e demais países.

A tentativa de golpe militar da ala conservadora da Nomenclatura, a debandada das repúblicas soviéticas e outros eventos políticos levaram à queda de Gorbachev e à dissolução da URSS. Mas a contribuição de seu governo ao socialismo com democracia, legalidade e racionalidade econômica lhe confere um protagonismo histórico vitorioso ante o futuro da luta dos trabalhadores e demais classes avançadas por liberdades políticas, justiça social, paz e cooperação entre os povos e defesa do meio-ambiente.

*Antonio Fausto é administrador


El País: Centenas de fotos inéditas da Guerra Civil Espanhola vêm à luz em Barcelona

Museu Nacional de Arte da Catalunha exibe as imagens do conflito feitas por Antoni Campañà, que as escondeu em uma caixa até que seu neto as descobriu em 2018

José Ángel Montañés, El País

Um terceiro C se uniu, há apenas três anos, às grandes imagens feitas por Agustí Centelles e Robert Capa durante a Guerra Civil Espanhola (1936-39): trata-se do catalão Antoni Campañà (Arbúcies, 1906 – Sant Cugat del Vallès, 1989), autor de milhares de fotos daquele conflito. Longe do caráter épico do trabalho de Centelles e Capa, as imagens de Campañà se centram no cotidiano da retaguarda e representam uma nova contribuição ao patrimônio fotográfico espanhol.

Três décadas depois da sua morte, um de seus netos encontrou duas caixas vermelhas na garagem da casa dele na cidade de Sant Cugat, vizinha a Barcelona, que estava prestes a ser vendida 2018. Dentro, junto com placas de vidro e outros negativos, havia 1.200 cópias, ampliadas no formato 13 x 18 centímetros. Estavam coladas a cartões com legendas que permitiam identificar mais de 5.000 negativos guardados em outra caixa, que Campañà tinha pedido a seus filhos que nunca tocassem.

O fotógrafo ―republicano, catalanista e católico (sempre levava no bolso uma imagem de Nossa Senhora do Carmo) – os tinha escondido por se sentir magoado com o uso propagandístico e repressor que as autoridades franquistas lhe tinham dado. Serviram como prova de crimes dos vencidos contra o novo regime. Novamente, como ocorreu com as malas de Centelles e Capa, uma caixa guardada zelosamente documentava parte de passado espanhol mais recente.

‘Miliciana em uma barricada da rua do Hospital, julho de 1936’, do Antoni Campañà.
‘Miliciana em uma barricada da rua do Hospital, julho de 1936’, do Antoni Campañà.ANTONI CAMPAÑÀ / ARXIU CAMPAÑÀ

MAIS INFORMAÇÕES

Campañà tampouco era um desconhecido antes de 2018. Dele eram conhecidas 200 imagens publicadas em jornais e revistas. No ano da sua morte, a Fundação La Caixa lhe dedicou uma exposição na qual, entre 90 fotos selecionadas, só havia três sobre a Guerra Civil. As demais refletiam seu vasto trabalho em corridas de automóveis, jogos de futebol e dias de festa, seus temas preferidos. Agora, e até 18 de julho, a exposição La guerra infinita. Antoni Campañà. La tensión de la mirada. 1906-1989 reúne no Museu Nacional de Arte da Catalunha (MNAC) 367 fotografias inéditas, muitas das quais jamais haviam saído do negativo, e material documental que repassa a trajetória deste fotógrafo cabal, que registrou os dois lados do conflito, mas também soube se adaptar à normalidade trazida pelo fim da guerra.

Esta primeira retrospectiva, com curadoria de Arnau González i Vilalta, Plàcid García-Plainas e do neto que descobriu as imagens, Toni Monné, apresenta Campañà como um homem-banda da fotografia: artista, fotojornalista, especialista em revelação, gerente de várias lojas, agente da marca Leica, correspondente da edição espanhola da revista Galería e difusor da teoria fotográfica em artigos e livros. Apesar de seu extenso e elogiado trabalho, Campañà ficou de fora dos livros de história.

MNAC

Com sua Leica, captou os milicianos que lutavam pela república, como a jovem e sorridente anarquista que, no meio das Ramblas de Barcelona, segura uma bandeira do sindicato CNT. É uma imagem célebre da guerra, porque o próprio sindicato a difundiu, mas até 2019 não havia sido atribuída a Campañà, porque ninguém o considerava um fotógrafo da Guerra Civil. Ele também registrou os refugiados que chegavam da Andaluzia a Barcelona em 1937, como uma mãe malaguenha retratada com seu filho, que recorda a mítica imagem de Dorothea Lange da crise de 1929, e que um jornal de Praga erroneamente situou no cenário da localidade basca de Guernica, bombardeada pela aviação nazifascista durante a guerra espanhola.

Também fez imagens dos devastadores efeitos dos bombardeios em Barcelona, as filas em busca de comida e os refeitórios sociais, o gigantesco enterro do líder anarquista Buenaventura Durruti, o macabro espetáculo das freiras mumificadas expostas na entrada das igrejas, como efeito do saque iconoclasta feito pelos anarquistas, e retratos de libertários tão chamativos que os próprios anarquistas fizeram cartões-postais com eles.

ANTONI CAMPAÑÀ

Campañà criou imagens em que não escondeu os vergonhosos protestos de mulheres por falta de alimentos diante de La Pedrera, célebre edifício do arquiteto Antoni Gaudí, onde então funcionava a sede da Secretaria de Abastecimento do Governo regional catalão; nem a enorme violência, refletida nos primeiros cadáveres ou inclusive nos cavalos sangrando em plena praça Catalunya, marco zero da cidade. “Em algumas se nota que Campañà se sente incômodo com o que retrata e, além de fotografar cadáveres, prefere mostrar a vida cotidiana, o sofrimento das pessoas e como elas se adaptam às circunstâncias”, diz seu neto, Toni Monné, para quem seu avô, “de aspecto risonho e dinâmico”, ficou “traumatizado para sempre” pela guerra, “o que o levou a esconder o material, que não falasse dele e não quisesse explorá-lo economicamente”.

SERGIFMOURE

Campañà fotografou os dois lados do conflito, sem estar comprometido com nenhum deles. Se em 1936 registrou os anarquistas rumando pela avenida Diagonal em direção à Frente de Aragão, em 1939 também imortalizou a retirada do exército republicano e os desfiles triunfais das tropas vencedoras franquistas pela mesma artéria urbana. Tudo com os contra-plongées (visão de baixo para cima) que tanto apreciava, como fez com sua famosa miliciana.

Ao final da guerra, Campañà trilhou o caminho do exílio, mas, ao passar pela cidade catalã de Vic decidiu voltar e se entregar em um quartel de Barcelona. Lá servia o engenheiro Ortiz Echagüe, grande fotógrafo pictorialista, com quem tinha colaborado no começo de carreira. Assim conseguiu evitar qualquer represália e continuar trabalhando, voltando aos mesmos cenários de antes da guerra.

A caixa onde Antoni Campañà havia guardado parte das fotos que fez na Guerra Civil, agora exposta no MNAC.
A caixa onde Antoni Campañà havia guardado parte das fotos que fez na Guerra Civil, agora exposta no MNAC.ALBERT GARCIA / EL PAÍS

Em uma de suas imagens de fevereiro de 1939, dias depois da ocupação de Barcelona pelas tropas do general franquista Yagüe, é uma jovem falangista quem, novamente nas Ramblas, tenta colocar um broche em um jovem de terno, que o aceita com um sorriso. Campañà continuou atuando como fotojornalista, apesar de ter tido sua inscrição negada no Cadastro Oficial de Jornalistas. Em 1944, depois da publicação do livro El Alzamientola Revolución y el Terror en Barcelona, de F. Lacruz, com fotos dele, decidiu esconder todo o seu material, condenando-o ao esquecimento. “Campañà poderia ter sido Agustí Centelles antes de Agustí Centelles, mas não quis ser a referência gráfica da Guerra Civil”, diz Arnau González.

Apesar de tudo, continuou a retratar com sucesso a nova Espanha, mostrando por exemplo a industrialização do país representada pela inauguração da fábrica de automóveis Seat, por encomenda do seu diretor, novamente Ortiz Echagüe, que queria divulgar as instalações industriais e os carros lá produzidos. Conseguiu ser um grande fotógrafo esportivo. Entre 1954 e 1957, acompanhou a construção do Camp Nou e, ao lado de Joan Andreu Puig, fundou o selo CYP, o primeiro a produzir cartões-postais turísticos coloridos em escala industrial.

Coincidindo com a exposição, o MNAC recebeu em seu acervo, depois da doação da família, 62 bromóleos (um tipo de impressão a óleo) da sua etapa pictorialista – movimento fotográfico que busca aproximar as imagens da pintura. Trata-se de uma técnica que ele aperfeiçoou em 1933 durante um curso que fez na sua viagem de lua-de-mel à Baviera (Alemanha), quando se impregnou da nova visão de Rodchenko e da estética centro-europeia. São imagens, inquietantes e vaporosas, com as quais Campañà conseguiu se tornar um dos fotógrafos artísticos espanhóis mais difundidos e premiados internacionalmente, como duas de suas imagens mais conhecidos até agora: Tração de Sangue, adquirida pelo Governo catalão em 1994 e Espantalho, as duas de 1933, em que une sua paixão pela beleza de um mundo rural e agrário prestes a desaparecer a enquadramentos atrevidos e linhas de composição em vertiginosas diagonais, influenciadas pelas correntes estéticas da Nova Visão alemã e do construtivismo soviético. São os mesmos enquadramentos que manteve em suas fotos da guerra, nas quais sempre procurava um aspecto artístico. Porque, em Campañà, a estética prevaleceu sobre o relato narrativo explícito, mesmo em meio à crueldade da guerra.

MNAC

Merval Pereira: Visão obtusa

O preocupante é que o que o deputado federal Eduardo Bolsonaro fez, colocando no twitter uma acusação à China de que usa a tecnologia 5G para fazer espionagem, corresponde ao que pensam seu pai, o presidente Bolsonaro, e o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.

Se fosse um deputado qualquer, como sempre foi, Eduardo ou seus irmãos poderiam fazer as bobagens que sempre fizeram, e ninguém ligaria, como nunca ninguém ligou antes de eles sairem do anonimato para o proscênio da vida política nacional pelos azares da sorte.

Mas houve repercussão porque, além de filho do presidente, Eduardo Bolsonaro preside a Comissão de Relações Exteriores da Câmara. Então, o que ele diz vale mais do que qualquer deputado, vale como sendo o pensamento do presidente da República. Essa é a gravidade da atitude irresponsável que tomou.

Tentou remediar, apagou a mensagem, mas não dava mais para evitar a crise. É uma posição ideológica burra, e os membros da Comissão de Relações Exteriores já começam a se movimentar para retirá-lo da presidência. Ou pelo menos deixar claro que suas postagens pessoais no Twitter não representam o pensamento da maioria da Comissão. 

A China é nosso maior parceiro, e tem sido o responsável pelo superávit de nossa balança comercial. O Brasil não tem que entrar nessa disputa ideológica dos EUA com a China. Os EUA têm razões para essa postura, porque a a disputa pela tecnologia 5G é a disputa do futuro, e quanto mais países ficarem do lado dos EUA, melhor pra eles. Faz sentido a Inglaterra, o Japão, e outros países barrarem as companhias chinesas em favor dos Estados Unidos, são regiões e países que dependem muito diretamente dos EUA, economicamente e até mesmo em questões de segurança nacional, e pretendem ser protegidos em caso de conflito.

Essa posição dificilmente mudará com o governo democrata de Joe Biden, mas provavelmente será menos truculenta do que atualmente. O objetivo, porém, é o mesmo: tentar neutralizar o avanço chinês. Mas o Brasil não tem nada a ver com essa geopolítica, tem que aproveitar o melhor dos dois mundos, dos EUA e da China. Não precisa necessariamente fechar com um deles para ter benefícios, tem que fazer uma análise técnica, ver o que é melhor para nosso estágio de desenvolvimento.

É certo que a tecnologia 5 G da China é mais adiantada, e se adapta melhor ao nosso sistema já instalado, porque muitas ferramentas e dispositivos já em uso no 4G são de empresas chinesas. Diante desse quadro, é preciso ver se há vantagem em optar por outra tecnologia.

A questão da espionagem chinesa parece ser uma fabulação trumpiniana, mas temos que ser realistas. A espionagem é uma atividade que todos os países utilizam, e é quase ridículo assumir que apenas um dos lados na disputa pelo predomínio internacional faz uso dela.

Recentemente, o Brasil já teve problemas com os Estados Unidos nessa área. Em 2015, o site Wikileaks divulgou uma lista classificada pela Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos como "ultrassecreta", a qual revelava que, além da própria presidente Dilma Rousseff, cerca de 30 números telefônicos, incluindo o de ministros, diplomatas e assessores foram espionados. Até mesmo o telefone via satélite instalado no avião presidencial era um desses números.  O então vice-presidente Joe Biden esteve no Brasil para tentar aparar as arestas depois da revelação. Provavelmente os Bolsonaro devem ter achado pouco e bom o governo petista ter sido espionado.

Não é necessário, pois, criar embates diplomáticos com o maior parceiro comercial do Brasil. A nota da embaixada da China foi dura, fora dos padrões diplomáticos, mas a mensagem de Eduardo Bolsonaro foi fora dos padrões diplomáticos também, sem falar na reincidência.

Meses antes, o deputado acusara pelo Twitter o governo da China de ter espalhado propositalmente o coronavírus Covid19. Como se vê, o filho 03 não tem a menor noção do que seja diplomacia. Queria ser embaixador do Brasil nos EUA, mas não tem a menor capacidade, nem mesmo de diálogo, quanto mais de usar uma linguagem mais sutil no embate diplomático.


Compre na Amazon: Livro Gramsci no seu Tempo tem reflexões sobre problemas da sociedade

Edição da FAP está à venda no site da Amazon; italiano se destacou no início do século 20

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O legado do fundador do Partido Comunista da Itália, Antonio Gramsci, continua com a marca de um grande autor conhecido pela sua capacidade de analisar problemas da sociedade de maneira universal, sem limitar suas reflexões ao tempo em que as produziu. O livro Gramsci no seu Tempo (2ª edição, 416 páginas), editado pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), apresenta uma coletânea de ensaios selecionados por ele e que, nesta edição, foram reorganizados por Alberto Aggio, Luiz Sérgio Henriques e Giuseppe Vacca. A obra está à venda no site da Amazon.

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A obra compõe-se de ensaios selecionados de Gramsci em seu tempo, originalmente organizado por Francesco Giasi e publicado em dois volumes (Roma: Carocci, 2008), com exceção das contribuições de Francesca Izzo e de Giuseppe Vacca, incluídas especialmente nesta edição brasileira. Com o reordenamento dos textos, os leitores podem ver os resultados de algumas das pesquisas mais avançadas no universo gramsciano, fundamentais para a renovação e o aprofundamento do debate teórico na cultura democrática e socialista brasileira.

Críticos afirmam que Gramsci tinha a plena consciência de que sua reflexão não deveria se limitar ao momento presente, mas, sobretudo, considerar o que havia de universal em suas manifestações. Ele nasceu na Sardenha, na Itália, em 22 de janeiro de 1891, e morreu em Lacio, também na Itália, em 1937, aos 46 anos, em razão de problemas de saúde agravados durante a sua prisão.

Gramsci escreveu os textos dos Cadernos – que começou a redigir em 1929, três anos após sua prisão pela polícia política do fascismo italiano – sob a forma de fragmentos a serem desenvolvidos sistematicamente quando viesse a oportunidade, futuramente. As críticas dele abordavam diversas questões, como literatura, política, economia e filosofia. “Seus múltiplos objetos, contudo, sempre estavam aplicados para uma única direção: exausto o ciclo aberto pela Revolução de 1917, quais as novas circunstâncias com que se confrontava a luta pelo socialismo e que inovações teóricas eram exigidas a fim de levá-la à frente”, escreveu o cientista social Luiz Werneck Vianna.

De acordo com Vianna, Gramsci revive na prisão, sob a forma de um pensamento refletido, o seu passado. “Dele extrai uma teoria nova, o que lhe permite observar a cena contemporânea com categorias originais, instituindo um campo próprio para o estudo do processo de modernização capitalista, em particular na modalidade de modernização autoritária, tal como em suas análises sobre o corporativismo italiano”, acrescenta o cientista social.

“A precocidade e o alcance de sua pesquisa teórica sobre esse assunto, antecipando-se em décadas a feitos da ciência política contemporânea, são bem indicados na formulação do seu conceito de revolução passiva, sua maior contribuição para os estudos dedicados à mudança social, hoje de uso generalizado”, completa Vianna.

Ele sugere destaca que, nesta coletânea de artigos de importantes especialistas italianos na obra gramsciana, reunida por respeitados intérpretes do legado do genial sardo, o leitor encontrará um bom mapa do estado da arte e do tipo de recepção contemporâneos às extraordinárias criações do grande autor que foi Gramsci.

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Comunismo e social-democracia têm ponto em comum? Veja Jornada da Cidadania

Curso de formação política, realizado pela FAP por meio de plataforma EAD, chega à metade de sua programação

Cleomar Almeida, assessor de comunicação e imprensa da FAP

Apesar de serem vistas como distintas, as correntes comunismo e social-democracia têm uma trajetória histórica em comum. A explicação está na sétima aula multimídia da Jornada da Cidadania, que marca a metade do primeiro módulo do curso de formação política realizado pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e oferecido à população por meio de uma plataforma de educação a distância totalmente online, interativa e com acesso gratuito.

O curso é coordenado pelo professor Marco Aurélio Marrafon e teve início no dia 12 de fevereiro, com novo pacote de aulas multimídia a cada semana. O acesso às aulas da Jornada da Cidadania é restrito a alunos matriculados, por meio de login e senha. A sétima videoaula do curso é do professor Caetano Araújo, doutor em sociologia e diretor executivo da FAP. Ele reforça que, embora hoje pareçam muito diferentes, comunismo e social-democracia têm uma trajetória histórica em comum.

“Ambas as correntes tentam dar uma boa resposta a duas questões que apareceram com o surgimento das sociedades capitalistas nos séculos XVIII e XIX. “Com essa grande mudança, houve o surgimento de um novo tipo de organização econômica e social e aconteceram várias coisas, como Revolução Industrial, urbanização em grande escala e outros problemas ao longo dos anos”, afirma. “O conjunto de novas questões levantou duas grandes demandas, uma por racionalidade e outra por justiça social”, assevera.

Na nova videoaula da Jornada da Cidadania, Araújo faz uma profunda análise, mesmo que de forma ágil, sobre os reflexos dessas questões no mundo de hoje, como manifestações que reivindicam justiça social. Hoje, são vistas por meio de panelaços ou twittaço, por exemplo. Além disso, o doutor em sociologia mostra a importância da democracia na sociedade atual.

Miniaulas da Jornada da Cidadania
O pacote de conteúdo da sétima aula também explica o que fazer para ter credibilidade na política. O Assunto é abordado pelo deputado federal Da Vitória (Cidadania-ES). Já o publicitário Moriael Paiva, especialista em marketing político e com mais de 20 anos de experiência em campanhas políticas, dá detalhes de como usar o whatsapp para potencializar as ações nesse meio. “Ninguém tem dúvida de que esta campanha vai acontecer mais no celular”, afirma ele, referindo-se à disputa eleitoral de 2020.

Ainda sobre eleições, o comunicólogo Sergio Denicoli, pós-doutor em comunicação pela Universidade do Minho (Portugal), explica a análise de sentimentos nas redes sociais. “Hoje a tecnologia permite que analisemos mais de 30 sentimentos expressados por internautas através dos textos que escrevem nas redes sociais”, ressalta, acrescentando que os resultados são usados em campanhas eleitorais.

O novo pacote de aula do curso Jornada da Cidadania também oferece aos alunos o filme Reds (1981), baseado na vida de John Reed, um jornalista e escritor norte-americano que retratou a Revolução Russa em seu livro “Dez Dias que Abalaram o Mundo”. Para seguir na aula, os alunos também terão de ouvir uma conversa do podcast Politiquês sobre a teoria marxista. O assunto é abordado por Celso Rocha de Barros, doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, e Eduardo Wolf, doutor em filosofia pela USP (Universidade de São Paulo).

Os textos Socialismo, Democracia, Esquerda Democrática, cujo autor é Caetano Araújo, e Socialismo e depois, de Anthony Giddens, também estão disponíveis na plataforma EAD para leitura dos alunos. Em seguida, a aula deverá ser concluída com a avaliação e respostas à pesquisa de satisfação.

Didática do curso
No total, o curso tem 36 horas de duração, distribuídas ao longo de 14 semanas. De acordo com o coordenador, o objetivo é formar e capacitar cidadãos acerca de conteúdos relevantes à política, além de fornecer bases fundamentais para possíveis candidatos que pretendem disputar as eleições municipais deste ano.

O conteúdo programático da Jornada da Cidadania está dividido em cinco pilares: ética e integridade na ação política; comunicação eficaz; fundamentos de teoria política e democracia; comunicação eficaz e casos de sucesso. Sempre às quartas-feiras, a plataforma disponibiliza novo pacote de aula multimídia. Dessa forma, o aluno pode se organizar ao longo da semana para aproveitar todos os conteúdos de cada aula.

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Nelson Paes Leme: A velha ‘esquerda’ e a nova ‘direita’

Como ser contra ou a favor de algo (o comunismo) que a História Universal já enterrou de vez desde o século passado?

Pela primeira vez, em muitos anos, está exposta uma polarização entre conceitos científico-políticos ultrapassados na história mas que no Brasil de hoje têm grande atualidade. Aliás, a mídia e até alguns setores da academia têm insistido nesse falso dilema: o confronto entre “esquerda” e “direita” mundo afora. O capitalismo globalizado de blocos econômicos e as perplexidades ambientais decisivas de sobrevivência da espécie e da biosfera não comportam mais esse tipo de dicotomia jurássica e já tornaram esses conceitos totalmente ultrapassados e sem qualquer sentido científico. Principalmente com o fim da Guerra Fria no apagar das luzes do século passado e a entrada da China no ranking dos players mais agressivos da nova economia globalizada de mercado. Portanto, falar em venezuelização ou cubanização do Brasil é totalmente descabido.

O Brasil esteve dividido intrinsecamente nesse segundo turno eleitoral, mas por motivos completamente diversos: um Estado gigantesco, continental, tributária e federativamente inadministrável, que tem resultado numa péssima distribuição de renda e serviços essenciais à população e na rapinagem que tomou conta desse verdadeiro butim gigante, saqueado permanentemente por uma classe política, constituída, em sua imensa maioria, de vorazes marginais despreparados e despudorados, sem qualquer compromisso ideológico, ainda que com doutrinas e lutas de séculos passados, salvo, naturalmente, as exceções de praxe. Esse é o verdadeiro problema brasileiro.

Nada tem a ver com “esquerda” e “direita”. O que houve foi a saturação com o modelo de democracia que viemos praticando desde a edição da Constituição congressual de 1988. Ledo e perigoso equívoco de quem desavisadamente envereda por essas sendas dúbias de “esquerda” e “direita”. Muitos “progressistas” votaram no candidato soi-disant de “direita”. Basta verificar como seu índice de rejeição despencou na reta final.

Quem venceu estas eleições plebiscitárias, especialmente para o Executivo central do país, não foi a “direita” ou a “esquerda”, mas o voto de protesto de uma população exausta de tanta ignomínia na política. O voto revoltado. O voto indignado a exigir mudanças estruturais profundas. O candidato vencedor representa predominantemente esse voto, em que pese o decisivo apoio dos “anticomunistas”.

Ora, só existe uma visão política mais atrasada do que ser “comunista” a essa altura do desaparecimento da luta de classes e da revolução proletária a nível global: é ser “anticomunista”. Como ser contra ou a favor de algo que a História Universal já enterrou de vez desde o século passado? Com o avanço da Revolução Técnico-Científica e as ferramentas de pesquisa que a internet nos proporciona, qualquer criança hoje pode identificar na Assembleia Francesa dos jacobinos e girondinos a origem dos termos “esquerda” e “direita”, transportados para a Rússia revolucionária de 1917 dos mencheviques e bolcheviques.

Hoje, com a globalização dos mercados e a substituição das ideologias pelas hegemonias de blocos, perderam totalmente o sentido. Até porque a China dita “comunista” já se tornou o maior capitalismo globalizado do planeta, segundo estudo sério do FMI reproduzido na revista “Exame” em 2017. Enquanto isso, o ainda candidato, hoje eleito, fazia uma visita ao Extremo Oriente e ignorava solenemente a existência da China Continental, visitando apenas Taiwan. Um equívoco histórico certamente.

Não é muito diferente dessa “direita” a mentalidade de certa “esquerda” bolivarianista, representada pelo candidato do PT derrotado. Ainda crê em inserir o Brasil —que o mesmo estudo do FMI coloca em quinto lugar no ranking dos maiores capitalismos até meados deste século, atrás da própria China, da Índia, dos EUA e da Indonésia, nessa ordem —como líder de um suposto movimento “socialista” na América Latina. E falam sério, em calorosos debates no Fórum de São Paulo, uma das maiores asneiras intelectuais da atualidade. Pois o candidato do lulopetismo de cooptação e favores antirrepublicanos crê piamente que o Brasil possa vir a se tornar uma grande Venezuela.

É a nova “direita” versus a velha “esquerda”. E la nave va...

*Nelson Paes Leme é cientista político


El País: Kolimá, uma viagem alucinante pela Estrada dos Ossos Humanos

O jornalista Jacek Hugo-Bader relata sua viagem pela terra que abrigava o mais atroz do gulag soviético. Ele escreveu os ‘Diarios de Kolimá’ tendo Aleksandr Soljenitisn como guia moral

Rússia oriental tem uma região maldita percorrida por uma estrada maltratada de 2.025 quilômetros construída sobre milhares de cadáveres de prisioneiros do gulag e por isso conhecida como Estrada dos Ossos. Kolimá é seu nome e entre 1932 e 1956 recebeu mais de dois milhões de presos políticos e comuns que alimentaram com seu trabalho e suas vidas a estrutura criminosa de 160 campos de trabalho e extermínio. “É o pior pesadelo do século XX, a mais terrível ilha do Arquipélago Gulag (...), o crematório branco, o inferno ártico, um campo de concentração gelado, sem fornos, uma máquina de moer carne humana em escala universal”, diz o jornalista polonês Jacek Hugo-Bader em Diarios de Kolimá (cuja tradução está sendo lançada na Espanha) relato de sua alucinante viagem de carona por essa terra com o qual ganhou o English Pen Award em 2013.

O trajeto começa em Magadan, Mar de Okhotsk, o início de tudo, como no Arquipélago Gulag de Aleksandr Soljenitisn, guia moral de Hugo-Bader, juntamente com o poeta Varlam Shalamov, ambos sobreviventes, cujos passos persegue neste artefato literário, livro de viagens e testemunho ao mesmo tempo do que resta depois do horror. “Kolimá, como Auschwitz, são lugares com uma grande força simbólica pelos quais me sinto muito atraído” conta Hugo-Bader por e-mail ao EL PAÍS.

Guiado por seu credo — “trabalho, esporte, viagem, encher a cara, fazer amor” — e com um mecanismo psicológico para manter o desespero longe, Hugo-Bader se encontrou em seu périplo com vítimas dos campos, gente como Maria, com a vida destruída por chegar uma hora atrasada ao trabalho, roubar uma garrafa de leite ou fazer uma piada contra o Partido, todas elas atividades antirrevolucionárias previstas no artigo 58 do código soviético. No gulag sofreram a violência dos criminosos comuns, o frio, a fome, as violações em grupo e todo tipo de atrocidades. Mas muitos sobreviveram e o contam aqui, apesar de não ser normal. “Os russos têm o que chamam de síndrome do silêncio. Não falam das atrocidades que ocorreram em seu território e fingem fazer como se nunca tivessem acontecido”, resume o repórter polonês.

No entanto, este não é um livro sobre os campos, ou não apenas. Hugo-Bader se encontra com a aristocracia do crime, com garimpeiros que parecem saídos do faroeste mais extremo, com crianças bandidos, empreendedores que montam fazendas no meio do nada, ou gente como Madame Marianne, que voltou para Kolimá desde Paris, fugindo de tudo porque “aqui existe espírito sem beleza e na França existe beleza sem espírito”.

O jornalista Jacek Hugo-Bader.
O jornalista Jacek Hugo-Bader. MATEUSZ SKWARCZEK / AGENCJA GAZETA

Pela narrativa transitam personagens como Basania, o milionário olhos vazios, agente do serviço de espionagem russo que contamina tudo, veterano do Afeganistão, louco perigoso e quase agradável, dono das minas de ouro de Kolimá, um autêntico tesouro natural explorado antes pela máfia do Estado e agora pela máfia pura e simples

Há muito álcool, vidas inteiras encharcadas de vodka, cenas incríveis de jogos de cartas entre mafiosos, um cirurgião que opera por telefone enquanto não para de beber... No meio do caminho, Bader, que também conheceu pessoas magníficas que o ajudaram a não morrer congelado no meio da estrada, se encontra com Vladimir, um cara que quando fecha os olhos vê as montanhas de cadáveres intactos, perfeitamente conservados no permafrost, que tirou da terra com a concha de seu trator durante uma prospecção em busca de ouro.

O livro, mais na esteira da prêmio Nobel Svetlana Aleksiévitch que de Ryszard Kapuscinski, tem uma ferramenta fundamental, o humor, e um tom, quase otimista, que o tornam diferente. “Você tem de ser capaz de apagar seus maus pensamentos, inclusive um repórter. Se não, você será devorado pela depressão e não viverá muito”, confessa o autor. “Quando estou na Rússia, bebo muita vodka. Além disso, toda vez que viajo — mesmo para lugares mais escuros como Kolimá —, me concentro obsessivamente no lado bom”, acrescenta.

Por isso, talvez, ele não deixe que outro personagem, a protetora do legado literário de Shalamov, feche o livro com uma história terrível sobre como se perderam suas cartas destruídas por criminosos que antes tinham se masturbado juntos, excitados por seu conteúdo. Prefere terminar com um argumento no qual lamenta não ter conhecido melhor as pessoas que o levaram pelo caminho. “Transmitem tanta decência, tanta bondade, tanta autenticidade...”, virtudes que nem mesmo o maior massacre da história conseguiu apagar completamente.

A MEMÓRIA NECESSÁRIA

“Talvez a primeira razão que nos aproximou do livro foi dar um salto à frente e conhecer o que aconteceu com Kolimá depois das atrocidades do gulag”, comenta o editor Paco Cerdà, da La Caja Books, quando perguntado sobre o porquê deste livro e as razões pelas quais decidiu romper com a estratégia de publicação que dá nome à editora: caixas de três livros curtos sobre um assunto e que combinam ensaio, ficção e crônica).

Este Diários de Kolimá está sendo lançado separadamente, em uma coleção chamada Caja Alta. “A memória será um eixo importante desta coleção”, diz Cerdà. “É por isso que a iniciamos há um mês com Deja de Decir Mentiras, um livro apaixonante do francês Philippe Besson sobre sua descoberta da sexualidade e agora prosseguimos com Diários de Kolimá. Memória individual, memória coletiva”, explica Cerdà.


Míriam Leitão: Falsos problemas dividem o país

Na eleição em que tanto havia para se discutir sobre o país, o debate da campanha virou o perigo do “comunismo”, uma volta aos anos 1970

Todas as eleições são difíceis. Nem todas são infelizes. Ao fim, o verdadeiro vencedor não é necessariamente o que tem mais votos, mas o que, vencendo, consegue pacificar o país. Até agora não há sinal de que teremos isso. Não é o resultado que infelicita um processo eleitoral, mas sim o que acontece no meio do caminho. E houve muitas irregularidades que as autoridades não conseguiram coibir, e muitas fraturas que prenunciam um tumultuado depois.

O país havia se preparado para que essa eleição fosse uma oportunidade de mudança. Especialistas em várias áreas, dos tributos à educação, da indústria ao combate à corrupção, formularam projetos para apresentar aos candidatos. O Banco Mundial fez um estudo profundo das despesas públicas brasileiras e apresentou, também como oferta a todos, as ideias por um “ajuste justo". Houve até uma convergência. Vários programas de candidatos falaram em rever os subsídios e gastos tributários com setores empresariais. Mas não explicaram o que ou como fazer. Em alguns casos era apenas rótulo.

Mesmo que o próximo governo desperdice o esforço do país, as instituições seguirão com seu ativismo. A propósito: ativismo nunca foi uma palavra feia. Significa a mobilização de alguém por alguma causa coletiva na qual acredita.

O que torna essa eleição infeliz é a total falta de foco nos nossos reais problemas. As divisões e brigas entre os candidatos não se deram em torno do que nos aflige, mas por uma agenda artificial, fora do tempo e lugar.

O Brasil voltou aos anos 1970, em plena Guerra Fria, pelo esforço de Jair Bolsonaro de recriar a era do seu saudosismo. A propaganda no horário eleitoral fala de um suposto perigo do comunismo. Os mais velhos reconheceram o tom do marketing daquela época. O comunismo acabou no mundo por falta de quorum. Nem a China é mais. É bizarro que no Brasil tenha se recriado a divisão de mundo cujo último símbolo desabou com o muro de Berlim em 1989. O Brasil está cheio de inimigos reais — como o atraso na educação, a violência, a logística deplorável, a falta de saneamento, a emergência na saúde, o alto desemprego e a corrupção — e inventou que o importante é fazer uma extemporânea caça aos “comunistas”. Convenhamos.

As Forças Armadas recuaram décadas em seu esforço de serem instituições apartidárias. Nos últimos 30 anos elas serviram a todos os presidentes. É verdade que nunca aceitaram rever criticamente seu papel na ditadura militar, mas estavam comprometidas com o seu novo papel distante da briga política. O erro não é militares de pijama trabalharem nas campanhas e virarem candidatos a ministros. Se estão aposentados podem fazer o que quiserem de suas vidas. O problema foi a ambiguidade dos comandantes da ativa, especialmente do Exército. Diante de um silêncio aquiescente dos militares, Jair Bolsonaro sustentou ser o candidato das Forças Armadas, o que é uma aberração na democracia.

A Justiça Eleitoral falhou porque tardou a combater a mentira e a manipulação. Não é fácil fazer essa vigilância na era da mídia social. É um desafio para todos. Mas o TSE estava alertado que teria que enfrentar os que agem nas sombras, os que se escondem atrás de robôs, os que fingem ter um exército de voluntários, mas podem estar tendo o apoio ilegal de empresas. Demorou demais a agir. Só dias atrás negou a existência do chamado “kit gay”, mentira usada desde o começo pela campanha de Bolsonaro. Além disso o TSE fechou os olhos para várias assimetrias na exposição dos candidatos.

O ataque a Jair Bolsonaro em Juiz de Fora mostrou de forma aguda o pior lado dessa eleição em que se falou mais do ódio ao outro, do que do sonho para o país. Essa eleição é infeliz não pelo resultado que terá, seja ele qual for, mas pelo que houve no meio do caminho. Inúmeras pessoas se sentiram liberadas a assumir o preconceito ao outro, ao diferente de si, em plena era da superação de barreiras e da aceitação da diversidade.

Quem for eleito só governará bem se respeitar os limites institucionais e aceitar as críticas normais numa sociedade aberta. Dentro de uma semana o eleitor escolherá o governo, mas também a oposição. Quem perde uma eleição recebe do eleitor um papel: o de ser oposição. A democracia precisa que ambos saibam cumprir o seu papel.


Roberto Freire: O fantasma ressurgido

As práticas populistas na economia, autoritárias na política e a corrupção sistêmica da esquerda autoritária, em conjunto, geraram a maior crise econômica, política e de valores pela qual o Brasil já passou

“Um espectro ronda a Europa – o espectro do comunismo. Todas as potências da velha Europa aliaram-se numa sagrada perseguição a esse espectro, o Papa e o Czar, Metternich e Guizot, radicais franceses e policiais alemães”.

O parágrafo acima é de Karl Marx e Friedrich Engels, em O MANIFESTO COMUNISTA, de 1848.

O comunismo, visto como o socialismo real, ruiu em 1989, com a queda do Muro de Berlim. Rondou a Europa por quase um século e meio.

Sobraram poucos países que viveram o socialismo de inspiração marxista, o principal deles, a China.

Este país atualmente vive o capitalismo de estado, avançado, sob uma ditadura do Partido Comunista, que, da origem, conserva apenas o nome.

Restam, aqui e ali, ainda alguns países pequenos que vivem regimes totalitários de inspiração comunista e marxista. Mas representam o atraso, o ontem e não têm condições de prosperar, a não ser se sofrerem profundas transformações em seus modelos autoritários e fechados.

O socialismo marxista, o chamado socialismo real, não progrediu porque carecia de democracia. O totalitarismo do partido único prevaleceu na política, na economia, na cultura e nos valores da sociedade. Não entregou o que prometia, uma sociedade avançada, em humanismo.

O burocratismo, o estatismo, o cerceamento das individualidades também limitou o território, não apenas da cultura, mas da ciência, inovação e tecnologia. Não foram do campo do socialismo real que surgiram as maiores conquistas científicas e tecnológicas da humanidade, embora, em algumas áreas, houve avanços importantes, como na indústria espacial. Eles, os avanços, em parte significativa, entretanto, não se universalizaram até porque a ausência da economia de mercado não criou o caldo de cultura para que prosperassem e fossem testados na realidade do mundo.

O sistema de países socialistas teve o mérito de dar voz a oprimidos e minoritários, de ter contribuído decisivamente para a ruína do sistema colonial e de ter modificado o capitalismo, pela competição e pelas ameaças que representou, caso o sistema da livre iniciativa não houvesse descoberto caminhos para a justiça social e para abrir-se ao novo e as anseios das maiorias e das minorias.

Seria um erro histórico se esquecêssemos a contribuição decisiva do sistema socialista real na derrota do nazifacismo. 3/5 do peso da máquina de guerra de Hitler foi jogado contra a então União Soviética, em busca da escravização de sua numerosa gente e dos vastos recursos naturais, cuja conquista poderia ter invertido o curso da Segunda Grande Guerra e da História.

O desenvolvimento do socialismo real, que chegou a grande parte do Planeta, teve um preço a pagar, inaceitável.

Refiro-me ao cerceamento das liberdades e das iniciativas individuais e no custo da repressão, em milhões de vidas humanas.

A queda do Muro de Berlim fez a humanidade entrar em uma nova era, a da busca da democratização e da regulação do sistema capitalista universalizado.

No Brasil, tem-se produzido um fenômeno na contramão do mundo inteiro.

As práticas populistas na economia, autoritárias na política e a corrupção sistêmica da esquerda autoritária, em conjunto, geraram a maior crise econômica, política e de valores pela qual o Brasil já passou.

Do outro lado do espectro político, em reação, surgiu no quadro político a ultradireita antidemocrática, que resgata valores que a Civilização havia deixado para trás.

Esse espectro extremo fez renascer um fantasma já extirpado do mundo civilizado, o anticomunismo.

“Comunistas”, na visão da ultradireita, são todos os que não pertencem ao seu estrito campo.

“Comunistas”, na visão da ultradireita, é a designação de um conjunto difuso de ideias que vão desde a democracia representativa, a república, a diversidade, o pluralismo.

Seria até engraçada e curiosa a extemporaneidade dessa corrente de pensamento tosca.

Mas é trágica, porque sua entrada no campo político acontece em um momento de crise no Brasil e no mundo, também no plano dos valores civilizatórios.

Pode resultar em tragédia, se a ultradireita prosperar, com a consequente desestabilização da conquista mais cara a todos os brasileiros, nestes últimos anos, o Estado Democrático de Direito, que assegura a liberdade de ser, pensar e agir, em sociedade civilizada.


Eduardo Migowski: Por que é permitido ser comunista e é proibido fazer apologia ao nazismo?

Sei que o título assustou muitos seguidores. Mas, antes de me xingar, peço um pouco de paciência. Não estou comparando ambos. Minha motivação para escrever esse pequeno texto foi o comentário de um seguidor que perguntou: pq vcs criticam o nazismo, que teria matado 60 milhões, e defendem o comunismo, responsável, segundo o rapaz, por 180 milhões de mortes. O primeiro impulso, diante do problema apresentado, seria o de questionar os dados apresentados. “Onde estão as fontes?”. Eu poderia ter perguntado. Mas a resposta eu já estou cansado de saber. O roteiro é sempre o mesmo. Ele mostraria o “Livro Negro do Comunismo”, textos de autores como Robert Conquest, Richard Pipes ou algum Guia Incorreto. Logo em seguida apareceria alguém citando Ludo e afirmando que tudo não passa de propaganda imperialista. Pronto, estaria formada a conversa entre surdos e mudos, com direito a muito xingamento e pouca reflexão.

Como o Facebook ainda não superou a Guerra Fria, resolvi propor um exercício diferente. Vou admitir as premissas da direita como verdadeiras. Desse modo, pretendo demonstrar que, a despeito dos dados serem ou não verídicos, as conclusões estão totalmente equivocadas.

Eis a questão: se ambas ideologias provocaram mortes ao longo da história, pq apenas o nazismo é legalmente proibido? A pergunta aparentemente faz sentido, mas há uma falha nesse argumento, ignorada pelas pessoas que pensam de forma binária. Dizem os amantes do pensamento mecânico: se o comunismo matou três vezes mais que o nazismo, logo ele deveria ser proibido “três vezes”. Não é bem assim.

Amigos, mortes acontecem por vários motivos. Se levarmos esse raciocínio ao limite: o cristianismo, o judaísmo, o islamismo, o liberalismo, o neoliberalismo, o hinduísmo e muitos outros ismos também deveriam ser proibidos. Talvez sobrasse apenas o “nudismo”. Todos os demais deixaram, ao longo da história, um número razoável de cadáveres.

Então pq apenas o nazismo é proibido? A diferença está nas ideias. A doutrina nazista é genocida na sua essência. Ela trabalha com a noção de guerra racial. O nazismo emergiu, na década de 1920, como resposta à destruição legada pela Primeira Guerra Mundial. Ele é filho da guerra e prega a guerra como a solução.

A proposta de Hitler e companhia, para salvar o povo alemão, seria a majoração dos arianos, a submissão e a aniquilação dos outros grupos étnicos. Isso é, grosso modo, o nazismo. É uma ideologia que prega a sobrevivência pela guerra. Para um grupo viver, outros devem morrer. Desaparecer. É matar para não morrer. A limpeza étnica, portanto, é o resultado natural de tal fundamentação.

O mesmo não ocorre com o comunismo. O comunismo é uma resposta às contradições do capitalismo e o resultado do desejo por uma sociedade mais justa. Se, como dizem, Stalin matou mais do que Hitler, tais mortes aconteceram no desenrolar das disputadas políticas. É perfeitamente possível separar stalinismo e socialismo. O mesmo vale para os outros exemplos listados. Cristianismo não é sinônimo de inquisição. Deus disse: “crescei e multiplicai-vos”, não crescei e “queimai” as bruxas. Entenderam?

O mesmo não pode ser dito sobre o Nacional Socialismo. Um nazista é sempre um sujeito racista e um genocida em potencial. As raízes do holocausto estão na gênese da ideologia. Desde os primeiros discursos, Hitler já dizia que, se os judeus tivessem sido expostos a gases venosos, os alemães não teriam perdido a Guerra. E foi dessa contestação que ele construiu sua visão política. O nazismo é a solução para um problema racista, a mistura racial degeneraria a nação ariana. Portanto, não há outro caminho a não ser o extermínio das “raças inferiores”.

Enfim, enquanto o socialismo é filho da esperança e do desejo por um mundo mais justo, o nazismo é resultado do impulso destruidor e do ódio. As diferenças, portanto, são abissais. Elas, porém, nunca serão entendidas olhando para a contabilidade fria dos números de cadáveres.

Agradeço a paciência daqueles que chegaram até o final desse texto. Sei que muitos estão nervosos e com o dedo coçando para me xingar. Ok. Não vou frustá-los. Sintam-se à vontade. Descarreguem esse ódio nos comentários, pois, como disse, o rancor é a matéria prima do fascismo.

https://www.arquer.com.br/educacao-e-cultura/por-que-e-permitido-ser-comunista-e-e-proibido-fazer-apologia-ao-nazismo/


Mario Sergio Cortella: Páscoa, comunismo, política e democracia no #ProgramaDiferente

Filósofo, escritor, professor e doutor em Educação, Mario Sergio Cortella fala com exclusividade ao #ProgramaDiferente sobre a Páscoa, a relação entre os princípios da religião e do comunismo, o atual momento da democracia e a crise política no Brasil. Assista.


Os 120 anos do nascimento de Prestes no #ProgramaDiferente

#ProgramaDiferente desta semana registra os 120 anos de nascimento de Luís Carlos Prestes (Porto Alegre, 3 de janeiro de 1898 – Rio de Janeiro, 7 de março de 1990). Trata-se do mais emblemático líder comunista brasileiro e uma das personalidades políticas mais influentes do século 20 na história do Brasil. Passagens como a Coluna Prestes ou a morte da companheira Olga Benário Prestes numa câmara de gás, na Alemanha nazista, fizeram da sua vida uma lenda. Assista.