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BRASILIA, 02/10/2022 (Xinhua) -- O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, dá coletiva de imprena após a divulgação do resultado do primeiro turno das eleições 2022 (Foto: Xinhua/Lucio Tavora)

Nas entrelinhas: Bolsonaro dobra a aposta contra o TSE e recorre ao Supremo

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

O presidente Jair Bolsonaro decidiu recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) da decisão do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, que negou na noite de ontem o pedido para investigar irregularidades em inserções eleitorais por emissoras de rádios, principalmente do Nordeste. O presidente da República voava para o Rio de Janeiro quando soube da decisão do magistrado e mandou o avião voltar para Brasília, onde realizou uma reunião ministerial de emergência no Palácio do Alvorada, após a qual fez um pronunciamento contestando-a e anunciando que recorreria ao Supremo.

Segundo a decisão de Moraes, os dados apresentados pela campanha sobre supostas irregularidades nas inserções de rádio são inconsistentes. O presidente do TSE também determinou que o procurador-geral eleitoral, Augusto Aras, apure “possível cometimento de crime eleitoral com a finalidade de tumultuar o segundo turno do pleito” por parte da campanha de Bolsonaro. Acionou ainda a Corregedoria-Geral Eleitoral para apurar eventual desvio de finalidade no uso do Fundo Partidário para a contratação de uma auditoria que embasou as denúncias. O caso foi encaminhado para o STF, no âmbito do inquérito que apura a atuação de uma milícia digital que atenta contra a democracia, do qual Moraes é o relator.

Na segunda-feira, a campanha de Bolsonaro havia pleiteado junto ao TSE a investigação da denúncia do ministro das Comunicações, Fabio Faria, de que as emissoras do Nordeste não estavam divulgando a propaganda eleitoral do chefe do Executivo. Exigiu também que a propaganda do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixasse de ser veiculada. Moraes considerou o pedido uma tentativa de tumultuar as eleições, às vésperas da votação: “Não restam dúvidas de que os autores — que deveriam ter realizado sua atribuição de fiscalizar as inserções de rádio e televisão de sua campanha — apontaram uma suposta fraude eleitoral às vésperas do segundo turno do pleito sem base documental crível, ausente, portanto, qualquer indício mínimo de prova”, escreveu o ministro.

Durante todo o dia de ontem, houve muita tensão sobre o assunto, por causa das denúncias de um servidor do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TER-DF), lotado no TSE, de que teria sido demitido sumariamente do cargo que exercia por causa do episódio. Segundo esclarecimento do TSE, o servidor havia sido exonerado por assédio moral. O episódio alimentou as especulações de que realmente teria havido uma tentativa de acobertar as irregularidades na veiculação das campanhas pelas rádios.

Auditorias

Bolsonaro reagiu com irritação e convocou a reunião ministerial, mas aparentemente foi convencido a moderar a reação, no pronunciamento convocado às pressas, às 20h30, na porta da residência do Palácio da Alvorada, no qual voltou a criticar o presidente do TSE: “Nos surpreende, o senhor Alexandre de Moraes simplesmente inverteu o processo. Nos acusar de estarmos gastando dinheiro do Fundo Partidário com empresas para fazer auditoria. Inclusive, temos duas auditorias contratadas e uma terceira em via de contratação. No que depender de mim, será contratada essa terceira auditoria, porque mais uma prova, se bem que eu acho que nem precisava de mais, de que as inserções foram realmente potencializadas e muito para o outro lado. Dezenas de milhares de inserções do outro lado, e, do nosso lado, tinha rádio que pareceu quase zero”.

Para Moraes, as acusações ao TSE não procedem, porque a responsabilidade de encaminhar os programas para as rádios e fiscalizá-los em tempo hábil é dos partidos. Além disso, não foram apresentadas as provas da denúncia: “Os autores nem sequer indicaram de forma precisa quais as emissoras que estariam supostamente descumprindo a legislação eleitoral, limitando-se a coligir relatórios ou listagens de cunho absolutamente genérico e indeterminado”. Relatos das emissoras acusadas, que se colocaram à disposição da Justiça, começam a desconstruir a versão da campanha de Bolsonaro, que teria atrasado a entrega dos programas.

A resposta de Bolsonaro, porém, ao anunciar o recurso ao Supremo, sinaliza para a judicialização do resultado eleitoral de domingo próximo, caso perca as eleições, o que pode resultar numa crise institucional, uma vez que permanecerá no poder por mais dois meses, mesmo derrotado. Na prática, criou-se um fato jurídico cujos desdobramentos dirão se foi mais um tiro no pé da campanha de Bolsonaro ou é um pretexto formal para não aceitar o resultado do pleito, uma vez que o pedido terá que ser julgado pelo Supremo.

A oposição, ao final do dia, avaliava que a montanha havia parido um rato, ao passar a impressão de que Bolsonaro já está se sentindo derrotado e começa a apelar. Entretanto, o episódio na reta final da campanha serve para emular os bolsonaristas, que reproduzem nas redes sociais as alegações de seu líder político.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-bolsonaro-dobra-a-aposta-contra-o-tse-e-recorre-ao-supremo/

Com adesivo no peito, proprietária da rádio JM online se encontrou com a primeira dam Michelle Bolsonaro e postou registro nas redes sociais | Imagem: reprodução/instagram

Diretora de rádio que se "autodenunciou" ao TSE faz campanha para Bolsonaro

Paulo Motoryn e Felipe Mendes*, Brasil de Fato

Citada pelo servidor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Alexandre Gomes Machado em depoimento à Polícia Federal (PF) em uma suposta "autodenúncia" sobre não publicação de inserções de rádio da campanha de Jair Bolsonaro (PL), a rádio JM Online, de Uberaba (MG), está diretamente ligada ao bolsonarismo. A diretora da rádio, Lídia Prata, deixou clara a preferência política ao postar no Instagram fotos com a primeira-dama Michelle Bolsonaro.

Machado, que foi exonerado do cargo de assessor de gabinete da Secretaria Judiciária do TSE, disse, em depoimento à PF, que "na condição de Coordenador do Pool de Emissoras do TSE, recebeu um e-mail emitido pela emissora de rádio JM ON LINE no qual a rádio admitiu que dos dias 07 a 10 de outubro havia deixado de repassar em sua programação 100 inserções da Coligação Pelo Bem do Brasil", de Jair Bolsonaro (PL).

Porém, em entrevista à CNN, o próprio servidor disse que "estão tentando criar uma cortina de fumaça sobre a exoneração", e afirmou: "em tese, eu não tenho nada a ver com a fiscalização. O meu trabalho é fazer com que as rádios tenham o conteúdo. Eu tinha feito todo o meu trabalho e achei que estava tudo tranquilo".

O próprio TSE, em seu site oficial, explica que não é função do Tribunal distribuir o material a ser veiculado no horário gratuito. As emissoras de rádio e televisão devem se organizar para ter acesso às mídias e divulgá-las, de acordo com as regras vigentes.

Para garantir que as propagandas cheguem aos veículos, foi montado um pool de emissoras que recebe o material encaminhado pelos partidos em formato digital e faz a geração do sinal dos programas. Esse pool está instalado na sede do TSE, mas é formado por representantes de canais de comunicação.

Cabe aos partidos encaminhar o conteúdo e às emissoras buscá-lo junto ao pool. Assim, não faria qualquer sentido a alegação de que algumas emissoras teriam deixado de exibir as inserções da campanha bolsonarista, enquanto outras tiveram acesso ao material. 

Rádio JM Online

Citada nominalmente pelo servidor em seu depoimento à PF, a JM Online é um veículo do grupo Jornal da Manhã, fundado em Uberaba pelo pai de Lídia Prata, Edson Prata, depois da aquisição do jornal Correio Católico na década de 1970. Lídia assumiu o controle da empresa nos anos 80, junto da mãe e do marido. A empresária foi responsável por ampliar o trabalho do grupo, criando duas revistas e a rádio, que foi inaugurada em 2009. 

Além da foto com Michelle Bolsonaro, publicada no último dia 23, Lídia não esconde a preferência pelos políticos de extrema-direita. Em outra postagem no Instagram, ela fez questão de compartilhar imagem em que aparece ao lado do ex-jogador de vôlei e deputado federal eleito Maurício Souza (PL), uma das figuras mais alinhadas a Jair Bolsonaro no esporte.


Deputado eleito bolsonarista Maurício Souza e a empresária Lídia Prata / Reprodução/Instagram

Brasil de Fato entrou em contato com o grupo JM por e-mail, mas não recebeu retorno. O espaço segue aberto para manifestações.

*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato


Revista online | A economia política dos corpos

Delmo Arguelhes*, especial para a revista Política Democrática online (48ª edição: outubro/2022) 

Em outubro de 2022, numa entrevista a um podcast, o então presidente da República disse que, em determinada ocasião, ao passear de moto em uma periferia de Brasília, ter “sentido um clima” ao ver meninas venezuelanas bem-vestidas e maquiadas, e concluiu que elas só poderiam estar daquele jeito para “ganhar a vida”. Não iremos discutir aqui todos os desdobramentos desse episódio. Trataremos tal incidente como um sintoma, uma ocorrência que pode desvelar estruturas subjacentes da sociedade brasileira. 

Como é de conhecimento geral, as meninas não eram prostitutas; estavam tão somente participando de um projeto social, uma oficina de maquiagem. O olhar lançado sobre elas, no entanto, enxergou outra coisa. Tal olhar não é explicado apenas por deficiências cognitivas ou de caráter do indivíduo. É revelador, pois trás para a superfície os preconceitos da elite nacional acerca das classes desfavorecidas.

Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online

Preconceito, seguindo os desenvolvimentos de Hans-Georg Gadamer, em Verdade e Método (1960), é tão somente o juízo prévio, emitido anteriormente à análise do ente em foco. Existe, inclusive, um preconceito acerca dos preconceitos, propagado pelos iluministas do século XVIII. Ele não é, necessariamente, pejorativo ou errôneo. Apenas precisa ser revisto – para ser confirmado ou rejeitado –, a partir do exame do ente. 

Enganosamente simples – pois a coisa simples é sempre complicada, segundo Carl von Clausewitz –, o preconceito é inescapável, pois a intermediação entre o ser e a realidade é operada por meio de preconceitos. Tal característica obrigatória, no entanto, pode ser remediada pela exortação de Gadamer: “saiba controlar os próprios preconceitos”.

O controle dos próprios preconceitos é um exercício constante. Discriminações de classe ou de raça não se originam no interior do indivíduo, mas são aprendidos e internalizados no convívio em sociedade. Havia uma propaganda institucional, nos meios de comunicação no país, há alguns anos, onde se perguntava: “onde você guarda seu preconceito?” Racismo e ódio de classe são ideologias, são reproduzidos na cultura e na linguagem, funcionando como ficções simbólicas, que regulam a realidade. Dito isso, há também décadas de pensamento social, antirracista, pós-colonial e decolonial, os quais forneceram e ainda fornecem a base para uma crítica eficaz daqueles preconceitos.

Confira, a seguir, galeria:

Ato em defesa das venezuelanas após fala de Bolsonaro | Foto: Sara Penélope
Adolescentes venezuelanos participam de oficinas de comunicação e criam projetos sobre água e higiene | Foto: UNICEF
Oficinas em Roraima levam informações e kits coletores menstruais para mulheres refugiadas e migrantes no abrigo Latife Salomão, em Boa Vista ©ACNUR/Allana Ferreira
“Condenamos qualquer preconceito xenofóbico para com os irmãos venezuelanos”, diz Força Sindical | Foto: Rádio Peão Brasil
Mulheres na Luta Contra a Violência do Estado n Dia da Mulher  | foto:  Wikimedia Commons
O racismo no Brasil - Jornal da Tribuna
Por Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21 2014.07.25 - Porto Alegre/RS/Brasil - Lançamento da Marcha das Mulheres Negras. | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21.com.br
Juventude e política - Instituto Democracia e Sustentabilidade
Publicação orienta mulheres a denunciar violências política de gênero | Foto: reprodução A TardPelo terceiro ano, aconteceu em Belo Horizonte a Marcha das Vadias.  Uma manifestação que combate a violência contra a mulher.  A ideia é ocupar as ruas de forma irreverente - e combativa - para chamar a atenção da sociedade para um preconceito do qual mulheres do mundo todo são vítimas: a de serem julgadas e assediadas em função da roupa que usam. Trata-se de um condicionamento cultural aparentemente inofensivo, mas que perpetua uma lógica cruel de dividir as mulheres entre as que merecem respeito e as que podem ser desrespeitadas – física, moral ou emocionalmente. Precisamos, pois, discutir essa lógica sexista perversa que prefere julgar a vítima, e não o agressor.  Concentração 13:00h, na Praça da Rodoviária. Saída às 16:00h em direção à Praça da Estação, passando pela Rua Guaicurus. Da Praça da Estação, para a rua da Bahia em direção à Praça da Liberdade. Belo Horizonte, MG. 25 de maio de 2013.  CC BY-SA | Foto: upslon.
O que mata é o preconceito | Foto: reprodução/Flickr
Contra o Fascismo na UnB | Foto: reprodução/Flickr
Ato em defesa das venezuelanas após fala de Bolsonaro | Foto: Sara Penélope
Adolescentes venezuelanos participam de oficinas de comunicação e criam projetos sobre água e higiene | Foto: UNICEF
Oficinas em Roraima levam informações e kits coletores menstruais para mulheres refugiadas e migrantes no abrigo Latife Salomão, em Boa Vista ©ACNUR/Allana Ferreira
“Condenamos qualquer preconceito xenofóbico para com os irmãos venezuelanos”, diz Força Sindical | Foto: Rádio Peão Brasil
Mulheres na Luta Contra a Violência do Estado n Dia da Mulher | foto: Wikimedia Commons
O racismo no Brasil - Jornal da Tribuna
Por Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Juventude e política - Instituto Democracia e Sustentabilidade
Publicação orienta mulheres a denunciar violências política de gênero
O que mata é o preconceito
Contra o Fascismo na UnB
Mulheres Venezuelanas
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Ato em defesa das venezuelanas após fala de Bolsonaro | Foto: Sara Penélope
Adolescentes venezuelanos participam de oficinas de comunicação e criam projetos sobre água e higiene | Foto: UNICEF
Oficinas em Roraima levam informações e kits coletores menstruais para mulheres refugiadas e migrantes no abrigo Latife Salomão, em Boa Vista ©ACNUR/Allana Ferreira
“Condenamos qualquer preconceito xenofóbico para com os irmãos venezuelanos”, diz Força Sindical | Foto: Rádio Peão Brasil
Mulheres na Luta Contra a Violência do Estado n Dia da Mulher  | foto:  Wikimedia Commons
O racismo no Brasil - Jornal da Tribuna
Por Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Juventude e política - Instituto Democracia e Sustentabilidade
Publicação orienta mulheres a denunciar violências política de gênero
O que mata é o preconceito
Contra o Fascismo na UnB
Mulheres Venezuelanas
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O psiquiatra e psicanalista Wilhelm Reich (1897-1957), oriundo do antigo Império Austro Húngaro, publicou, dentre outras obras clássicas, Psicologia de Massas do Fascismo (1933). Nesta obra, Reich vincula a repressão sexual à desvalorização da sexualidade feminina diante da reprodução, contrapondo dois tipos ideais: a mãe e a prostituta.

Numa sociedade em que as mulheres têm de estar dispostas a ter filhos, sem qualquer proteção social, sem garantias quanto à educação das crianças, sem mesmo poderem determinar o número de filhos que terão, mas que mesmo assim têm de ter filhos sem se insurgirem contra isso, é realmente necessário que a maternidade seja idealizada, em oposição à função sexual da mulher (Reich, 2001: 99) Grifos nossos.

Trazer todo o raciocínio de Reich para a atualidade, quase um século após a publicação da obra, por óbvio, guardaria muitos problemas, se não forem feitas as devidas ponderações sobre as mudanças de mentalidade e atitude na sociedade ocidental desde os anos 1930. Isso inclui a revolução sexual dos anos 1960, a pílula anticoncepcional e toda a luta por direitos civis dos últimos 70 anos. Não vamos tomar esse caminho. Pensaremos apenas na dicotomia reichiana mãe/prostituta que existe num país com passado escravista e colonial, e como tal dupla fica patente na clivagem social.

Por colonização, sempre adotamos a definição da fundamental obra de pensamento pós-colonial de Alfredo Bosi, Dialética da colonização (1992). Colonizar é ocupar um novo chão, explorar a terra e submeter os naturais. Ou seja, um processo profundamente violento e genocida. Os colonizados, vítimas desse processo, servem, primariamente, como mão de obra barata, pronta para ser explorada. 

Benjamin Moser, um estudioso estadunidense da obra de Clarice Lispector, já havia observado que a elite brasileira trata a terra e o povo como objetos de conquista colonial. Ou seja, para a elite, as classes subalternas ainda seriam objeto de domínio, como na antiga América Portuguesa. A concepção de trabalho doméstico, no Brasil, ainda guarda muito das características do passado colonial e escravagista.

A repressão sexual não age sem deixar marcas no inconsciente, como bem já havia observado Sigmund Freud. Os corpos das classes oprimidas não servem apenas para a exploração no trabalho. Servem também como deleite sexual, já que as mulheres que seriam recatadas e “do lar” estariam destinadas à maternidade. Há décadas se pensa o fenômeno fascista como uma aliança transitória entre canalhas – que pregam uma sociedade ideal homogeneizada e excludente –, e pessoas amedrontadas, indignadas com a perda de privilégios ou ávidas por lucro. No caso brasileiro, além de tudo isso, há também a identificação do projeto fascista com o inconsciente colonial, que conquista, explora e oprime.

Sobre o autor

*Delmo Arguelhes é doutor em História pela Universidade de Brasília (UnB), com estágio pós-doutoral em estudos estratégicos na Universidade Federal Fluminense (UFF). É pesquisador associado sênior do Núcleo de Estudos Avançados do Instituto de Estudos Estratégicos (NEA/INEST) da UFF.  Autor do livro Sob o céu das Valquírias: as concepções de honra e heroísmo dos pilotos de caça na Grande Guerra (1914-18).

** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de outubro de 2022 (48ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.

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Lula e Bolsonaro — Foto: Nelson Almeida/AFP e José Dias/Presidência da República

Nas entrelinhas: Eleição pode ser decidida no debate da Globo

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

A campanha eleitoral entrou na reta final, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a um passo da vitória e o presidente Jair Bolsonaro, a dois. No universo das pesquisas eleitorais, pode-se dizer que é mais ou menos essa a distância da linha de chegada, considerando-se a margem de erro das pesquisas. Com certeza, será a decisão mais apertada da história de nossas eleições, mais até do que a vitória da presidente Dilma Rousseff (PT) contra Aécio Neves (PSDB) nas eleições de 2014.

A contestação do resultado da eleição de domingo será líquida e certa no caso de Lula vencer Bolsonaro, conforme sinalizam auxiliares do presidente da República, como o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e o ministro das Comunicações, Fábio Faria, autor de uma denúncia de manipulação de inserções de propaganda eleitoral por rádios do Nordeste. A declaração de Bolsonaro, ontem, sobre a análise da segurança das urnas feita pelo Exército, ao dizer que não foram conclusivas, nesse aspecto, corrobora a narrativa golpista.

Temos uma crise contratada no horizonte imediato, que está se armando faz tempo, mas que foi fragilizada pelo episódio envolvendo o ex-deputado Roberto Jefferson, ao disparar 50 tiros de fuzil e três granadas contra policiais federais. Eleitoralmente, acertou no pé de Bolsonaro. Jefferson está preso em Bangu 8, por tentativa de homicídio dos policiais federais e ofensas à ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (TSE), e ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news, que cassou sua prisão domiciliar.

Os elementos

Terra — a disputa eleitoral pode ser decidida numa “guerra de posições”, na qual Lula e Bolsonaro se movimentam com objetivo de alterar o cenário que emergiu do primeiro turno. Bolsonaro tenta ampliar sua vantagem em São Paulo, virar a eleição em Minas e reduzir a vantagem de Lula no Nordeste. Lula resiste em São Paulo, avança no Rio de Janeiro, tenta manter sua vantagem em Minas e, sobretudo, ampliá-la ainda mais no Nordeste. Lula aposta nas grandes manifestações políticas, Bolsonaro no apoio de governadores e prefeitos.

Água — existe uma batalha ideológica em curso na sociedade, que já não se estrutura em classes sociais definidas. A chamada sociedade líquida. Essa batalha opõe reacionários e progressistas, num universo em que conservadores e liberais flutuam entre os dois polos, sem força para impor sua própria hegemonia. A extrema-direita dá o tom da campanha de Bolsonaro nas redes sociais, como no gesto tresloucado de Jefferson, impondo constrangimentos aos conservadores que o apoiam. No campo de Lula, a entrada na campanha de Simone Tebet (quem disse que ela não iria para o segundo turno?) mudou a qualidade de suas alianças, que evoluíram de uma frente de esquerda para, finalmente, a tal da frente ampla.

Fogo — a artilharia dos candidatos continua muito mais focada na rejeição dos adversários do que nos problemas do país, mas nem tudo é a baixaria das redes sociais. Qual será o principal divisor de águas da eleição? Lula bate forte no reacionarismo de Bolsonaro e seu projeto autoritário, de implantar uma espécie de Executivo forte, iliberal, dominante em relação aos demais Poderes. Também ataca Bolsonaro nos temas econômicos, que sensibilizam a população mais pobre, assalariados e aposentados. O presidente da República corre contra o prejuízo com o empréstimo consignado tendo como garantia o Auxílio Brasil, medida juridicamente questionável, mas que tem impacto junto aos eleitores de baixa renda, não se sabe a escala ainda.

Vento — Bolsonaro ataca Lula no seu ponto mais fraco: explicar o mensalão e o escândalo da Petrobras, invocando a Lava-Jato, operação que ajudou a encerrar. Mas tem o telhado de vidro da sua histórica relação com as milícias e a compra de imóveis com dinheiro vivo por seus filhos. O conservadorismo nos costumes dá voto para Bolsonaro de um lado, os evangélicos, mas joga no colo de Lula os intelectuais, os artistas, as mulheres e a juventude.

Vácuo — pode ser que a eleição seja decidia no debate de sexta-feira, na TV Globo, como num duelo de samurais. Esse é o vácuo da reta final. Nele, é preciso enxergar na escuridão. Não se deve fazer nada de inútil, tudo pode se decidir com base no condicionamento físico, na capacidade de discernimento, na verdade das coisas, no espírito e na vontade de fazer o certo. Num gesto e na força do olhar.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-eleicao-pode-ser-decidida-no-debate-da-globo-entre-lula-e-bolsonaro/

*Título editado.


Urna eletrônica e pessoas | Foto: reprodução/Agência Brasil

Quem não compareceu ao primeiro turno poderá votar no segundo mesmo sem justificativa

Mariana Lemos*, Brasil de Fato

No próximo dia 30 de outubro ocorre em todo o Brasil o segundo turno da eleição para presidente da República. Além disso, 12 estados estarão escolhendo seus futuros governadores. Mas você sabia que caso não tenha conseguido votar no primeiro turno, pode mesmo assim comparecer às urnas no segundo turno das eleições?

Isso ocorre porque a Justiça Eleitoral compreende cada turno como processos distintos. E como o prazo máximo para justificar a ausência é de 60 dias corridos e o segundo turno ocorre dentro desse prazo, quem não votou no dia 02 de outubro, mesmo que ainda não tenha justificado a ausência, pode votar no próximo dia 30.

É importante saber que se o eleitor não votar no primeiro e nem no segundo turno, deve realizar uma justificativa para cada turno. Também vale lembrar que não existe um número máximo de vezes em que o eleitor pode usar a justificativa eleitoral.

No Brasil o voto é obrigatório para todos os cidadãos entre 18 e 69 anos e, em caso de não comparecimento às urnas, a justificativa deve ser feita à Justiça Eleitoral. 

Para justificar você pode utilizar os serviços do aplicativo e-Título, disponível para os sistemas Android e iOS

Uma outra forma é acessar o portal justifica.tse.jus.br e preencher o requerimento de justificativa. Este mesmo site possibilita a consulta ao requerimento já enviado. 

No caso de ausência do eleitor nas eleições e falta de justificativa, é cobrada uma multa no valor de R$3,51 por turno de votação no momento em que o título for regularizado. Acessando o site do TSE você pode realizar a consulta de débitos do eleitor. 

Entretanto, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, quem não votar e não justificar fica impedido de ter acesso a vários direitos, como se inscrever em concursos públicos, obter carteira de identidade e passaporte, renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial, obter empréstimos em bancos oficiais, entre outros.

*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato


Quando o iluminismo pode ser um fator de crise | Imagem: reprodução?correiobraziliense

Nas entrelinhas: Quando o Iluminismo pode ser um fator de crise

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Não haveria a moderna civilização ocidental se o Iluminismo não corroesse as entranhas do Antigo Regime até liquidá-lo, nas revoluções Inglesa, Americana e Francesa. Começou como um movimento cultural europeu nos séculos XVII e XVIII, que buscava mudanças políticas, econômicas e sociais. Os iluministas acreditavam no conhecimento e na razão, em detrimento do pensamento religioso. A maioria apostava que o homem chegaria a Deus por meio da razão. O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) definiu-o assim: “O iluminismo representa a saída dos seres humanos de uma menoridade que estes mesmos se impuseram a si. (…) Sapere aude! (Ouse saber!) Tem coragem para fazer uso da tua própria razão!”

O precursor do iluminismo René Descartes (1596-1650), considerado o pai do racionalismo, no Discurso do Método, preconizava que se questionasse tudo. Os governos absolutistas e a Igreja católica não permitiam questionamentos. Graças ao Iluminismo que pregavam, a racionalidade humana, a ciência e o humanismo acabaram se impondo. As ideias iluministas foram consolidadas por Denis Diderot (1713-1784) na Enciclopédia, com 35 volumes, que continha milhares de artigos e ilustrações de diversos cientistas, filósofos e pesquisadores de campos de conhecimentos distintos, a mais importante exposição do conhecimento humano até então realizada.

A limitação do poder do Estado sobre o indivíduo, os ideais e lutas pelos direitos individuais, tal como a vida, a liberdade, a dignidade; o sistema de repartição de poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário são legados iluministas. Além da liberdade e da justiça social, os iluministas pregavam o progresso. Na economia, as ideias de Adam Smith (1723-1790), ao defender a economia de livre mercado e liberal, foram sua resposta ao velho modelo mercantilista. “Penso, logo existo”, a frase icônica do filósofo francês René Descartes, colocando a razão humana como única forma de existência, é a síntese do sujeito iluminista, um ser centrado e unificado.

O sujeito do Iluminismo — um “indivíduo soberano”, singular e indivisível —, porém, foi ultrapassado pelo sujeito sociológico, fruto da sociedade industrial e sua estrutura de classes, que protagonizou as grandes mudanças dos séculos XIX e XX. Era um ser interativo, configurado pelo seu processo de socialização e absorção de caracteres de suas relações e experiências vividas junto aos demais sujeitos que o rodeavam. Entretanto, esse sujeito entrou em crise na sociedade pós-moderna, por uma série de razões, entre as quais a “desconstrução” da sua própria identidade, pelas revoluções científica, tecnológica, cultural e de gêneros.

Na sociedade atual, o sujeito não tem uma, mas várias identidades. Não é um ser configurado de forma plena e estável, mas fragmentado, partilhando, por vezes, identidades contraditórias entre si. Em meio a tantas mudanças, o sujeito pós-moderno constrói identidades provisórias, variáveis e problemáticas. Essa “crise de identidade” é parte de um processo mais amplo de mudanças sociais, muitas das quais impostas pelas novas formas de produção de riqueza. O descolamento da sociedade atual das estruturas da democracia representativa, que entrou em crise, faz parte desse processo, assim como a radicalização política em curso no mundo, inclusive aqui no Brasil. A polarização é entre os indivíduos que querem acompanhar essas mudanças e os que tentam contê-las.

Magistratura

O exercício da magistratura é uma atividade essencialmente iluminista. Um juiz procura tomar suas decisões à luz da sua consciência e com base na sua interpretação da lei. Há uma espécie de “penso, logo julgo”, principalmente quando as decisões são monocráticas. É comum advogados se referirem ao Supremo Tribunal Federal (STF) como um arquipélago, no qual cada ilha é absolutamente autossuficiente, tamanho o poder de decisão de seus ministros. Entretanto, se a relação entre o velho “sujeito iluminista” e a sociedade formada por “sujeitos sociológicos” estruturados em classes sociais já era difícil, essa relação se tornou mais conflituosa e dessintonizada na “sociedade líquida” em que vivemos, na definição do sociólogo polonês Zygmunt Bauman. O processo decisório na Justiça está cada vez mais defasado da nova realidade, principalmente quanto à velocidade de suas respostas às demandas judiciais.

A radicalização política em curso nas eleições, na qual se digladiam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro, reflete essa nova situação. O sujeito pós-moderno que conhecemos, na campanha eleitoral, entrou na política pelas redes sociais, digamos, em estado gasoso. A nove dias das eleições, a temperatura sobe a cada pesquisa de intenções de voto, o que torna mais complexo o ambiente de tomada de decisão pela Justiça Eleitoral. Segundo as projeções, será uma disputa decidida por eleitores ainda indecisos, no dia da eleição, que pode virar um barril de pólvora durante o processo de apuração dos votos, se não houver uma compreensão generalizada das forças políticas e instituições de que o Tribunal Superior Eleitoral(TSE) mantém uma posição equidistante de Lula e Bolsonaro e de que o sistema de votação é legítimo. Decisões contraditórias da Corte e exageros monocráticos podem servir de pretexto para a contestação dos resultados da eleição.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-quando-o-iluminismo-pode-ser-um-fator-de-crise/

Bolsonaro e Lula reforçam pré-campanha. Fachin alerta para acusações | Foto: reprodução/GazetadoPovo

Nas entrelinhas: Estratégia de Lula tipo “bateu, levou” favorece Bolsonaro

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

O comentário é de quem entende de marketing eleitoral, Luiz Gonzales, veterano de campanhas do PSDB: “Eu acho que a estratégia da campanha Bolsonaro de rolar na lama emparedou a campanha de Lula. Atacada com tantas barbaridades, a campanha de Lula ataca igual. Mas já está tudo na conta. Ninguém subiu. Mas Lula não projeta esperança e, com isso, não captura votos dos eleitores sem preferência partidária e sem rejeição brutal ao Bolsonaro”. O diagnóstico é compartilhado por aliados de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não petistas, apreensivos, principalmente, com a situação eleitoral de São Paulo, onde uma vantagem de 10% dos votos a favor do presidente Jair Bolsonaro pode leva-lo à reeleição.

Segundo esses aliados, Bolsonaro trouxe Lula para um confronto no pântano das fake news e das baixarias eleitorais como uma estratégia de quem não tem mais nada a perder nesse terreno. O problema é que os ataques de Lula não fazem grande efeito, a não ser em alguns casos em que a imagem de Bolsonaro no seu próprio campo poderia ser abalada, como a história das meninas venezuelanas, que Bolsonaro tratou como se fossem prostitutas e teve que ir até elas pedir desculpas, para minimizar o estrago que sofreu.

Bolsonaro desgasta Lula para virar o “menos pior” na guerra de rejeições. “Ao repetir o repertório de ladrão, corrupto, aliado de traficantes e do PCC; comunista, fechador de igrejas etc., Bolsonaro coloca um obstáculo à subida de Lula”, comenta Gonzales. “Tem mais 10 dias de televisão. Mas não pode ser só crítica. Tem que ter a confiança, a esperança”, sugere. Nove de cada 10 analistas concordam com a tese de que o petista entrou no jogo de Bolsonaro ao adotar a estratégia “bateu, levou” no debate eleitoral. E não ficou apenas nisso, a mesma coisa está acontecendo nos programas eleitorais e nas redes sociais. Segundo Gonzales, há muitos temas que poderiam ser explorados por Lula na campanha para atacar os pontos fracos de Bolsonaro, sem ter que rolar na lama.

Ninguém entende, por exemplo, por que razão Simone Tebet (MDB), que vem fazendo uma campanha intensa a favor do petista, não entra na agenda de Lula, principalmente em São Paulo, onde obteve 1,6 milhão de votos e a diferença de Bolsonaro para petista foi de 1,7 milhão de votos. A batalha de São Paulo começa a ser considerada perdida por aliados de Lula, em razão da deriva do PSDB, MDB e Cidadania (que apoia Lula), em direção a Tarcísio de Freitas (Republicanos), o candidato de Bolsonaro, que está em grande vantagem eleitoral em relação ao petista Fernando Haddad e atraiu toda a base do governador Rodrigo Garcia (PSDB). Uma diferença de 10% em São Paulo pode anular a vantagem de Lula no Nordeste e em Minas, porque é o maior colégio eleitoral do país, com 34,6 milhões de eleitores, 22,16% dos 156,4 milhões aptos a votar no país.

Estado-maior

A campanha está mostrando que Bolsonaro tem um “estado-maior” formado por políticos (Ciro Nogueira, Mario Frias, Flávio Bolsonaro), militares (Braga Neto e Luiz Ramos) e estrategistas de campanha (Fabio Wajngarten, Duda Lima e Carlos Bolsonaro) capaz de administrar seus erros de campanha, manter a iniciativa política e construir alianças nos estados, principalmente do Sudeste, que estão alterando o cenário eleitoral. Mas o fator decisivo vem sendo mesmo um novo modelo de campanha eleitoral, o mesmo que adotou em 2018, com a vantagem de que agora controla o poder central e tem o apoio das estruturas de poder dos três estados mais importantes do Sudeste: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas.

“Até 2016, os candidatos consolidavam seus aliados fiéis, seduziam os simpatizantes e se moviam para o centro”, destaca Gonzales. Com as redes e a emergência de uma extrema-direita organizada, a campanha mudou completamente. Bolsonaro fala para sua bolha, consolida os votos raiz por identidade e ataca Lula à exaustão para desmotivar os eleitores indecisos a votar. A abstenção o favorece com toda certeza.

Aliados de Lula se queixam de que o petista está prisioneiro em uma “jaula de cristal”, situação muito comum nos palácios de governo, com a diferença de quem nem foi eleito. Seu comando de campanha é monolítico, formado pela presidente do PT, Gleisi Hoffman; o ex-senador Aloysio Mercadante; o deputado federal Rui Falcão; e o prefeito de Araraquara, Edinho Silva. O marqueteiro baiano Sidônio Palmeira é pragmático e segue orientação do grupo, que não é permeável à colaboração externa na formulação da campanha.

Havia muita expectativa de que Lula venceria no primeiro turno e certa disputa por ocupação de espaços de poder no futuro governo, o que atrapalhou a ampliação da campanha em direção ao centro. Os apoios que Lula recebeu no segundo turno não foram devidamente aproveitados na campanha, como é o caso da adesão dos economistas Pedro Malan, Armínio Fraga, Pérsio Arida e Edmar Bacha e de lideranças políticas importantes, entre as quais a própria Simone Tebet, que faz campanha para Lula com seus aliados e sem muito envolvimento do PT.

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Célia Xariabá foi eleita com 101 mil votos, a primeira indígena eleia deputa federal na história de Minas Gerais | Foto: Bléia Campos/ Brasil de Fato/ reprodução

Célia Xakriabá sobre indígena bolsonarista eleita: Vamos ser reativas

Brasil de Fato*

Célia Xakriabá (PSOL), a primeira deputada indígena da história de Minas Gerais, foi eleita com 101 mil votos, nas eleições deste ano. Na pequena São João das Missões, de 13 mil habitantes, 42% dos eleitores votaram na pessolista, que agora é uma das apostas da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para garantir sua vitória entre os mineiros.

Além de Xakriabá, outros quatro indígenas foram eleitos: Sônia Guajajara (PSOL-SP), Juliana Cardoso (PT-SP), Paulo Guedes (PT-MG) e Silvia Waiãpi (PL-AP). A última, diverge política e ideologicamente dos demais integrantes do grupo, que já passaram a ser chamados de “bancada do cocar”.

Waiãpi, que é militar, apoia em seu estado, o Amapá, o presidente Jair Bolsonaro (PL). Em evento recente da campanha do mandatário, um encontro com mulheres, a indígena discursou e defendeu as políticas do atual governo para os povos indígenas.

Em entrevista ao podcast Três por Quatro, do Brasil de Fato, Xakriabá criticou Waiãpi. “Se ela está aliada a um projeto individual que significa o projeto da morte, nós vamos, sim, ser reativas e combativas. Neste momento, nosso projeto é coletivo, dos povos indígenas, que vem vivenciando período de muito ataque.”

A candidatura de Waiãpi está em risco. O Ministério Público Eleitoral pediu a reversão da eleição da indígena. Segundo o órgão, a bolsonarista teria utilizado recursos do fundo eleitoral para fazer uma cirurgia de harmonização facial.

Célia Xakriabá é a convidada do oitavo episódio da segunda temporada do podcast Três por Quatro, especial sobre eleições. O programa, apresentado pelos jornalistas Igor Carvalho e Nara Lacerda, tem a presença fixa de João Pedro Stédile, líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Confira o episódio na íntegra:

https://open.spotify.com/episode/7wfZBMhfoaTyPwm8B9xrvh?go=1&sp_cid=11186bb60a00b37c6cc9894e3f8695f1&utm_source=embed_player_p&utm_medium=desktop

*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato


Sergio Moro corrupção operação Lava-jato | Foto: Marcelo Chello/Shutterstock

Nas entrelinhas: A disputa pela direção intelectual e moral da sociedade

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Um dos organizadores da edição brasileira dos Cadernos do Cárcere, de Antônio Gramsci, sob a liderança de Carlos Nelson Coutinho e a participação de Luiz Sérgio Henriques (obra que acaba de ser reeditada pela Editora Civilização Brasileira), o cientista político e professor livre docente da Universidade Estadual Paulista (UNESP) Marco Aurélio Nogueira, a propósito da coluna publicada ontem, intitulada Guerra de posições, fez observações muito pertinentes sobre a disputa pela direção intelectual e moral da sociedade.

Transcrevo a seguir seus comentários sobre a disputa entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) nesse terreno: “Você usa o conceito de direção intelectual e moral, que é utilíssimo na formulação da hegemonia. Mas acho que não está certo falar que ‘o segundo turno das eleições opõe, de um lado, o domínio político do governo Bolsonaro e, de outro, a direção intelectual e moral da sociedade protagonizada pela oposição liderada por Lula’. Você acrescenta que ‘Quem conseguir juntar domínio, pela via eleitoral, e direção, exercendo o poder, governará o país pelos próximos quatro anos’. E mais: ‘O chefe do Executivo já tem o domínio, mas perdeu a direção moral, que tenta recuperar'”.

Depois desse resumo, Nogueira comenta: “Duas coisas me vieram à mente. (1) Bolsonaro não perdeu a direção intelectual e moral: 50% dos eleitores estão com ele e o seguem justamente como ‘dirigente’. (2) Lula está disputando essa direção, mas ainda não a tem. Numa eleição, vence quem dirige, não quem domina. E o poder é uma situação típica de domínio, não necessariamente de direção. Quem exercer o poder pode dirigir também, mas desde que busque fazer isso, não automaticamente. Por isso, Gramsci fala que antes de se chegar ao poder, seria conveniente que se tratasse de conquistar a direção”.

São observações que ilustram a complexidade do cenário eleitoral, no qual Bolsonaro, neste segundo turno, estabeleceu como eixo de campanha exatamente a disputa pela “direção moral” da sociedade, com uma estratégia na qual empunha as bandeiras da ética, da família unicelular patriarcal, da fé em Deus e da liberdade individual. Com isso, conseguiu reduzir a vantagem de Lula no primeiro turno, que mantinha uma liderança folgada até às vésperas da votação.

Senso comum

Bolsonaro estruturou sua campanha em torno dessas bandeiras e organizou uma base política orgânica nas redes sociais, que tem revelado grande poder de mobilização e protagoniza a radicalização política e ideológica na sociedade desde as eleições de 2018. O uso de fake news para aumentar a rejeição de Lula e reduzir a sua própria vem sendo recorrente na campanha do presidente, mas isso não elimina, e até reforça, o fato de que ancora seus ataques ao petista no senso comum da população, que é majoritariamente conservador.

Conversando sobre isso, Nogueira chamou-me a atenção para o fato de que a campanha de Lula está focada, principalmente, na comparação dos resultados econômicos de seus dois mandatos com os de Bolsonaro, que pleiteia a reeleição. Ou seja: o petista privilegia o terreno das questões econômicas. Até agora, vem tendo sucesso ao escolher esse terreno de batalha, porém, é inegável que as ações do governo para melhorar o ambiente econômico estão influenciando os eleitores, como comprovam as pesquisas, que mostram redução da rejeição de Bolsonaro e da desaprovação de seu governo. Isso limita o peso da economia na decisão de voto.

É bom lembrar que o governo é a forma mais concentrada de poder e Bolsonaro não tem o menor pudor em utilizar a máquina federal para alavancar sua candidatura. O fato de estar no poder, ou seja, numa situação de domínio, é uma vantagem estratégica na campanha eleitoral dos que concorrem à reeleição, porque controla estruturas capazes de mudar a correlação de forças eleitorais. Mas, no caso de Bolsonaro, isso ocorre de forma sem precedentes, devido à aprovação do “estado de emergência” pelo Congresso, que possibilita a realização de gastos e outras ações governamentais em plena campanha eleitoral.

Nesse cenário, o que pode fazer a diferença é a tal capacidade de liderança intelectual e moral da sociedade. Lula chegou a exercê-la, em razão da alta rejeição de Bolsonaro, até o resultado das urnas em 2 de outubro. Já no primeiro turno, revelou dificuldades nos debates para lidar com as agendas negativas do mensalão e do petrolão. Juridicamente, a Operação Lava-Jato morreu de morte matada, mas a questão ética está vivíssima em termos eleitorais, como comprova a eleição do ex-juiz Sergio Moro ao Senado, pelo Paraná. Esse é o maior obstáculo a ser enfrentado por Lula no segundo turno contra Bolsonaro.

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Diversidade cultural | Imagem: Lightspring/Shutterstock

Nas entrelinhas: Os Brasis que vão às urnas com Lula e Bolsonaro no segundo turno

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL), que disputarão o segundo turno das eleições no dia 30 de outubro, alcançaram 48,43% e 43,20% dos votos no primeiro turno, respectivamente. Lula venceu em 14 estados; e Bolsonaro, em 12, além do Distrito Federal. Esse resultado revela uma profunda divisão do país, que também ocorreu em eleições anteriores.

O petista ficou com a maioria dos votos em todos os estados do Nordeste, enquanto Bolsonaro teve maior adesão em todos os estados do Sul e Centro-Oeste. As regiões Sudeste e Norte ficaram divididas. No Sudeste, Lula venceu em Minas Gerais, mas perdeu nos outros três estados. No Norte, quatro estados ficaram com o ex-presidente; e três, com o atual, entre os quais o Pará.

Há muitas leituras para essa divisão entre os Brasis meridional e o setentrional, principalmente o Nordeste. Uma delas é a de que o Brasil moderno apoia Bolsonaro, enquanto o atraso está firme com Lula e não abre. Esse tipo de interpretação já se traduziu numa guerra suja de memes nas redes sociais, na qual o preconceito contra os nordestinos revela uma xenofobia estranha e perigosa para a coesão social e a unidade nacional.

Xenofobia é a hostilidade e o ódio contra pessoas por elas serem estrangeiras ou por serem enxergadas como estrangeiras, como às vezes acontece com os nordestinos no Sul do país. Esse sentimento já foi muito comum no Rio de Janeiro, contra os “paraíbas”, e em São Paulo, em relação aos “baianos”, como eram chamados de forma generalizada, durante o processo de urbanização e industrialização do país, que atraiu para essas metrópoles grande número de migrantes, que fugiam da miséria, da fome e da seca do Nordeste. Em Brasília, a expressão “candango”, que era pejorativa em relação aos que trabalharam na construção da nova capital, porém, virou sinônimo de brasiliense.

Autor de Casa Grande & Senzala, o sociólogo Gilberto Freyre foi muito contestado por estabelecer como padrão para a formação do patriarcado brasileiro a composição étnica do Nordeste brasileiro, principalmente de Pernambuco. Em resposta, na conferência “Continente e ilha”, apresentou sua tese de que nos desenvolveríamos social e culturalmente em ilhas, e essas ilhas, em arquipélagos, ou numa enorme ilha-continente. Segundo Freyre, na América Portuguesa haveria uma base cultural lusitana e cristã que nos daria unidade, e, por consequência, seria a chave da brasilidade.

“Desculturização”

Freyre destacou que o “processo sociológico de povoamento” do Sul do país, a partir de Porto Alegre, se desdobrou em dois sentidos: no de ilha e no de continente. Ressaltou, ainda, as contribuições italianas e alemãs à cultura nacional, que chamou de “valores neobrasileiros”, mas que só ganham espaço na medida em que são assimilados pela cultura nacional. Quanto a isso, chamou atenção para o “pangermanismo”, que representaria uma ameaça real, que viria a ser duramente combatida por Getúlio Vargas após o Brasil entrar na guerra contra o Eixo.

Os sentimentos de continente e de ilha seriam antagonismos constitutivos do Brasil e estariam em equilíbrio, uma vez que o contrário disso nos sujeitaria “(…) a uma verdadeira guerra civil, na sua psicologia social e dentro de sua cultura”. É mais ou menos o que está ocorrendo neste momento de radicalização política.

Por outro lado, essa xenofobia reflete um processo regressivo de “desculturização”, que outro genial intérprete do Brasil, Darcy Ribeiro, atribuiu à crueldade, à rigidez e ao autoritarismo com que se deu a associação entre negros, índios e brancos no processo de colonização e que se reproduz em razão do nosso deficit educacional e atraso cultural, inclusive das elites econômicas.

Segundo Darcy Ribeiro, foi dentro dos cenários regionais que a busca de si mesmo se fez necessária para se iniciar o nosso processo civilizatório. A “humanidade” renasceria da extinção de povos, com suas línguas e culturas próprias e singulares, a partir do surgimento de macroetnias maiores e mais abrangentes. Darcy registra a existência dos Brasis “crioulo”, “caboclo”, “sertanejo”, “caipira” e “sulino”, facilmente identificados, por exemplo, na nossa cultura popular, mas que também têm expressão na forma como se faz política nas diferentes regiões do país.

De certa forma, Lula e Bolsonaro se identificam com maior ou menor facilidade com cada um desses Brasis. Ou seja, a divisão política e ideológica do país tem uma dimensão antropológica que precisa ser levada em conta para que possa ser superada, condição para a construção de qualquer projeto de futuro em bases democráticas e que busca a superação de nossas desigualdades e iniquidades sociais.

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Adesismo e derrota na federação PSDB Cidadania | Imagem: reprodução

Nas entrelinhas: Adesismo e derrota na federação PSDB-Cidadania

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

A coligação PSDB-Cidadania elegeu 18 deputados, de uma bancada de 29 parlamentares. Os tucanos eram 22, agora são 13. Os “cidadânios”, digamos assim, eram sete, e agora são cinco. A coligação foi feita para consolidar a hegemonia interna dos deputados paulistas de ambas as legendas, em torno da candidatura à reeleição do governador Rodrigo Garcia, que não chegou ao segundo turno. À época, o candidato do PSDB era o governador João Doria, candidato à Presidência, mas havia uma conspiração armada para defenestrá-lo tão logo se desincompatibilizasse do cargo para disputar a eleição.

No começo, Doria não acreditou que isso poderia ocorrer, mas levou um xeque-mate tão logo Garcia assumiu controle pleno do Palácio dos Bandeirantes. O vice que assumira o governo fazia a política municipalista, enquanto Doria se digladiava com o presidente Jair Bolsonaro (PL) durante a pandemia, diga-se de passagem, em defesa da causa mais justa naquele momento: a política de distanciamento social e a corrida para produção de vacinas.

O governador foi vitorioso do ponto de vista da política sanitária, mas a superexposição aumentou sua taxa de rejeição no plano eleitoral. Garcia era um articulador suave, que conquistou o apoio da maioria dos prefeitos e da bancada tucana. Conduziu com competência a operação de cerco e aniquilamento de seu padrinho político no partido.

O PSDB não queria Doria como candidato, ou melhor, não queria ter candidato algum à Presidência. Isso seria um estorvo para a maioria da sua bancada federal, que estava grudada como bigode no Centrão, ou seja, na boca do Orçamento Secreto, mas do lado de fora do governo Bolsonaro.

A federação com o Cidadania facilitava a montagem das chapas proporcionais e trazia um aliado para disputa contra Doria. A preferência do Cidadania era o governador gaúcho Eduardo Leite, que jogou a toalha na disputa com Doria, ao perceber que os paulistas também não queriam que fosse candidato. Para o Cidadania, a federação resolveria suas dificuldades para ultrapassar a cláusula de barreira e poderia garantir a sobrevivência do partido, que sucedeu o antigo PPS (ex-PCB).

A salvação da lavoura foi a candidatura de Simone Tebet (MDB), um dos raros produtos da alta política dessas eleições, que sobreviveu a todos os assédios para que retirasse seu nome da disputa. O presidente do Cidadania, Roberto Freire, obsessivo articulador de uma alternativa de centro democrático à polarização Lula x Bolsonaro, e o deputado Baleia Rossi, presidente do MDB, que bancou a candidatura, foram os artífices dessa empreitada. Simone fez uma bela campanha, apesar de “cristianizada” pelo MDB e pelo PSDB. O Cidadania investiu em sua candidatura, mesmo sem possibilidade de ir ao segundo turno, vislumbrando que seria uma aposta para o futuro, ou seja, para 2026.

O que deu errado? O maquiavelismo provinciano de Garcia e seus aliados, que não contavam com a força do presidente Jair Bolsonaro (PL) na alavancagem da candidatura de Tarcísio de Freitas (Republicanos), que virou o primeiro turno como franco favorito. Garcia ainda tentou desbancá-lo, fazendo pilhérias com o fato de o adversário não ser paulista e sequer saber onde ficava a seção eleitoral na qual votou. Mas não contava com o desgaste da longa permanência do PSDB no poder e das defecções que legenda sofreu desde quando Doria passou a controlar seu diretório regional. A mais importante foi a do ex-governador Geraldo Alckmin, que virou vice de Lula, mas houve outras, como a do ex-senador Aloysio Nunes Ferreira.

Troca-troca

O fato de o PT tratar Garcia como inimigo principal foi um equívoco grave, porque deixou Tarcísio solto e acabou empurrando toda a base do governador paulista para o colo do candidato que encarnava a polarização nacional. Isso criou as condições para que Garcia anunciasse apoio a Bolsonaro no segundo turno, para horror dos tucanos históricos, que estão vendo a legenda se transformar num partido meramente fisiológico. Com todos os seus defeitos, Doria tinha uma proposta programática social-liberal. Já o grupo liderado por Garcia não tem proposta alguma.

Liderado por Roberto Freire, o Cidadania tenta resistir ao arrastão bolsonarista em São Paulo, mas o líder da bancada na Câmara, Alex Manente, que se elegeu com grande votação, fez questão de marcar posição e anunciou que a bancada ficaria neutra na disputa nacional. A maioria apoiará a reeleição do presidente da República nos estados.

Entretanto, a legislação permite a troca de legendas dentro da federação, sem perda de mandato. Os dois partidos teriam mais nitidez se fizessem um troca-troca: quem apoia Lula no segundo turno fica ou vai para o Cidadania, quem apoia Bolsonaro permanece ou muda para o PSDB. Ou vice-versa. Seria mais coerente.

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Trabalho de Sísifo | Imagem: reprodução/Kleber Sales/Correio Braziliense

Nas entrelinhas: Ciro carrega pedra como Sísifo

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Candidato à Presidência da República pela quarta vez, Ciro Gomes nos lembra O Mito de Sísifo, o mais esperto dos mortais segundo a mitologia grega. Ex-prefeito de Fortaleza, ex-governador do Ceará, ex-ministro da Fazenda do governo Itamar Franco e da Integração Nacional do governo Lula, ex-deputado estadual e federal, é um dos políticos mais experientes do país, com reconhecida capacidade administrativa. Concorreu à Presidência em 1998 e 2002 pelo antigo PPS; e, em 2018, pelo PDT, mesma legenda que o abriga neste ano.

“Os deuses condenaram Sísifo a rolar incessantemente uma rocha até o alto de uma montanha, de onde tornava a cair por seu próprio peso. Pensaram (os deuses), com certa razão, que não há castigo mais terrível que o trabalho inútil e sem esperança”, escreveu o filósofo existencialista franco-argelino Albert Camus (1913-1960), ao explicar a condição humana no livro O Mito de Sísifo, publicado em 1942, em plena Segunda Guerra Mundial.

Enfurecido com os golpes que Sísifo aplicava contra os deuses, Zeus mandou Tânato, a deusa da morte, levá-lo ao mundo subterrâneo. Sísifo a presenteou com um colar e elogiou sua beleza. Na verdade, o ornamento era uma coleira, com a qual aprisionou Tânato. Deus dos mortos, Hades libertou Tânato e mandou-a novamente atrás de Sísifo. Antes de ser levado até Hades, Sísifo pediu à sua esposa, Mérope, que não enterrasse seu corpo. Quando encontrou o deus dos mortos, disse que precisava voltar pra casa, para ordenar à esposa que o enterrasse. Assim, enganou a morte pela segunda vez. Zeus e Hades consideraram Sísifo um revoltado e o sentenciaram à punição eterna: levar uma pedra ao alto da montanha e vê-la rolar, para novamente carregá-la até o alto, em um esforço sem fim.

Camus escolheu Sísifo por sua audácia diante da morte. Sua revolta consciente era negar os deuses e aceitar seu destino. Sua liberdade era encarar o absurdo sem nostalgia, salto ou apelo. Sua grandeza foi viver conhecendo todos os riscos. “Esse mito só é trágico porque seu herói é consciente. O que seria sua pena se a esperança de triunfar o sustentasse a cada passo?”, indaga Camus.

Emparedado

“O operário de hoje trabalha todos os dias de sua vida nas mesmas tarefas, e esse destino não é menos absurdo. Mas só é trágico nos raros momentos em que ele se torna consciente. Sísifo, proletário dos deuses, impotente e revoltado, conhece toda a extensão de sua miserável condição: pensa nela durante a descida. A clarividência que deveria ser o seu tormento consuma, ao mesmo tempo, sua vitória. Não há destino que não possa ser superado com o desprezo”, ensina Camus.

Em 1998, Ciro rompeu com o então presidente Fernando Henrique Cardoso por causa da emenda da reeleição e deixou o PSDB. Explicitou divergências sobre a venda do patrimônio público, as dívidas interna e externa e valorização artificial do real. Seu programa de governo previa a redução drástica dos juros e a adoção de um câmbio flutuante. FHC foi reeleito no primeiro turno, com 53% dos votos, e Ciro ficou em terceiro, com cerca de 10% dos votos.

Com apoio de Leonel Brizola, em 2002 conseguiu formar uma frente com o PPS, PTB e PDT. Seu principal adversário era o tucano José Serra. Suas posições sobre a renegociação da dívida externa assustaram o setor financeiro, mas foi uma declaração infeliz sobre a atriz Patrícia Pillar, sua companheira na época, que pôs sua campanha a perder. No primeiro turno Lula venceu com 46% dos votos, Serra ficou em segundo com 23%, Garotinho em terceiro com 18% e Ciro Gomes em quarto com 12%.

Na campanha de 2018, Ciro disse que “quem estava sangrando o Brasil eram os brasileiros endinheirados”. Defendeu a renegociação e o alongamento da dívida interna, e a redução das taxas de juros. Prometeu limpar o nome de devedores no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). Com 13,3 milhões de votos(12,47%), foi o terceiro colocado na eleição presidencial. Ciro, novamente, é candidato; de novo, foi emparedado por Lula. Realiza um esforço de Sísifo. Caiu de 9% para 6%% nas intenções de voto.

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