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Luiz Carlos Azedo: Isolamento ou morte

Bolsonaro não está se dando conta do tamanho do desastre que sua atitude contraria às medidas de isolamento social pode provocar

A “imprensa mequetrefe”, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), tem seu valor. “Mequetrefe” (indivíduo intrometido, dado a meter-se no que não é de sua conta; enxerido), por exemplo, fora o repórter free-lance Gareth Jones, assim tratado pelo governo soviético na década de 1930. Ele tinha 27 anos, havia entrevistado Hitler e viajou para Moscou por conta própria com o firme propósito de entrevistar Stálin. Sem acesso ao líder comunista, rumou clandestinamente para Ucrânia, intrigado com a origem dos recursos investidos na industrialização da antiga União Soviética. Descobriu a “grande fome” provocada pelas coletivizações forçadas de Stálin, presenciando até casos de canibalismo.

A história é contada no filme “Mr. Jones” — “A Sombra de Stálin”, na versão brasileira –, exibido no NOW. O roteiro se inspira no documentário “Hitler, Stalin & Mr. Jones”, levado ao ar em 2012 pela BBC. Chantageado para se calar sobre o que viu, Jones foi vítima de uma campanha de difamação, após publicar sua história na imprensa londrina. Fora desmentido por Walter Duranty, jornalista do New York Times e vencedor do Pulitzer, mais preocupado com o acesso às autoridades soviéticas do que com a realidade ao seu redor. A roteirista Andrea Chalupa inclui na trama o escritor George Orwell, autor do romance “A Revolução dos Bichos”, aproveitado o fato de que o dono da fazenda também se chama Mr. Jones. A censura em Moscou justificaria a analogia.

Holodomor é uma palavra ucraniana que significa “deixar morrer de fome”, “morrer de inanição”. Tal palavra passou a ser empregada para definir os acontecimentos que levaram à morte por fome de milhões de ucranianos entre os anos de 1931 e 1933. É óbvio que a intenção de Stálin não era essa, seu objetivo era expropriar os camponeses que haviam enriquecido nos tempos da “Nova Política Econômica” (NEP) do líder bolchevique Vladimir Lenin, que adotara o capitalismo no campo para abastecer as cidades.

As coletivizações forçadas de Stálin foram feitas para financiar a indústria pesada e preparar a União Soviética para a guerra iminente com a Alemanha, porém, resultaram numa tragédia humanitária. Estima-se de 3,3 a 6,3 milhões o número de mortos no Homolodor. Para Stálin, a morte dos camponeses ucranianos foi o efeito colateral da industrialização acelerada e do esforço de guerra contra Hitler.

Isolamento
A história de Mr. Jones não tem nada a ver com o que está acontece no Brasil? Tem, sim. Bolsonaro não está se dando conta do tamanho do desastre que sua atitude contraria às medidas de isolamento social pode provocar. Governadores e prefeitos as estão adotando para conter a expansão da pandemia. Comete um erro atrás do outro com seu negacionismo, darwinismo social e falta de empatia com as vítimas da pandemia. Não se deu conta de que deixar o novo coronavírus se reproduzir e sofrer mutações possibilita reinfecções e uma nova onda ainda mais violenta da pandemia, que está se transformando numa endemia. Não leva em conta os cálculos exponenciais dos sanitaristas sobre o aumento de casos e mortes.

Na avaliação de Bolsonaro, os óbitos são inevitáveis, o mais importante é manter a economia em pleno funcionamento. Entretanto, não é o isolamento que provoca recessão e desemprego, mas a multiplicação dos casos de covid-19, numa velocidade muito maior do que a vacinação da população. Estamos tendo um “apagão” nos hospitais, daqui a pouco teremos um “apagão” nos cemitérios. Não são apenas falta de leitos, faltam insumos e profissionais de saúde; faltarão câmaras frigoríficas.

Bolsonaro não é um desorientado, tem uma estratégia errada mesmo. Erra de conceito, ao apostar na centralidade a qualquer preço da atividade econômica; erra de método, ao desarticular o Sistema Único de Saúde (SUS), opondo o Ministério da Saúde aos governadores e prefeitos; e erra ao pregar desobediência civil às medidas sanitárias, criando um ambiente favorável para o vírus se propagar. Não leva em conta que o colapso sanitário resultará no colapso econômico, com desorganização da cadeia produtiva e crise de abastecimento. Com a velocidade atual de propagação da covid-19, somente um freio de arrumação pode evitar o desastre, ou seja, o lockdown temporário onde for preciso.

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Luiz Carlos Azedo: As tardes com Huck

O apresentador já é uma personalidade política, mas precisa escolher o eixo de sua atuaçao: o mundo do entretenimento ou a disputa pelo poder

O filme Uma noite em Miami (One Night in Miami) narra o encontro secreto de Malcolm X com o campeão de boxe Cassius Clay, o rei do soul, Sam Cooke, e o astro do futebol americano Jim Brow, na noite de 24 de fevereiro de 1964. Dirigido por Regina King, é uma adaptação da peça de Kemp Powers, lançada em 2013, na qual o líder negro convence seus amigos a ultrapassarem a condição de celebridades e ingressarem como ativistas na luta pela igualdade de direitos para os afro-americanos. Clay comemorava a conquista do título mundial dos pesos-pesados, aos 22 anos de idade, com os três grandes amigos, num modesto quarto de motel na Flórida, que aceitava negros.

Clay (Eli Goree) lutara contra um adversário branco, debaixo de vaias e xingamentos; Cooke (Leslie Odom Jr.) acabara de ser hostilizado pela plateia branca na célebre boate Copacabana; e Brown (Aldis Hodge) fora humilhado por um torcedor rico e fanático do seu time, o Cleveland. Esse é o contexto dos tensos diálogos do filme, que chegam à beira do confronto físico. Há grandes diferenças de temperamento, modo de vida e visão de mundo entre eles, mas a conversa foi um catalizador da ruptura que fizeram em suas vidas.

Na mira do FBI de J. Edgar Hoover e decepcionado com o líder muçulmano Elijah Muhammad, Malcolm fundou a Unidade Afro-Americana, grupo não religioso e não sectário. Em 21 de fevereiro de 1965, na sede de sua organização, receberia 16 tiros, a maioria no coração. Foi assassinado aos 39 anos, diante de sua esposa, Betty, que estava grávida, e de suas quatro filhas. Cassius Clay anunciaria a adoção do islamismo e seu novo nome, Muhammad Ali; recusou-se a lutar na Guerra do Vietnã e acabou perdendo o título. Sam Cooke viria a compor e gravar a canção A Change is Gonna Come, um hino da luta pelos direitos civis. Jim Brown trocaria o futebol americano pelo cinema (Os Doze Condenados); protagonizou, com Raquel Welch, a tórrida cena de amor interracial do filme 100 Rifles, que escandalizou os segregacionistas.

Escolha difícil
E as tardes de Luciano Huck? Como os personagens do filme, o apresentador da TV Globo está diante de uma escolha difícil. Desde 2018, alimenta o sonho de ser presidente da República, em razão de sua tomada de consciência sobre as desigualdades sociais no Brasil e a ambição de liderar um projeto político novo, sob influência de economistas e políticos de suas relações pessoais. Como comunicador, bateu no teto com o Caldeirão, apesar dos benefícios materiais que o programa lhe proporciona.

Eis que a TV Globo anuncia a aposentadoria do apresentador Fausto Silva e a intenção de mudar a sua programação nas tardes de domingo. No cast da emissora, o primeiro na linha de sucessão é Huck. Nos bastidores, comenta-se que teria recebido uma proposta de R$ 3 milhões de luvas e salário mensal de R$ 500 mil para assumir o lugar de Faustão, ao mesmo tempo em que a apresentadora Angélica, sua esposa, seria escalada para comandar o Caldeirão nos sábados. É uma proposta tentadora. Como a política deixou de ser monopólio dos políticos, militares e diplomatas, como cidadão, Huck pode ter o mesmo protagonismo político que personalidades do mundo do entretenimento hoje têm nos Estados Unidos.

A outra opção é mais complexa, significa descer do telhado pelo outro lado e anunciar a intenção de disputar a Presidência da República; mesmo sem a certeza da vitória, se engajar. Na construção de uma nova alternativa de poder. O cavalo desta vez não passará arreado. A campanha eleitoral foi antecipada, já são três candidatos com os pés na estrada: o presidente Bolsonaro (sem partido), Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT). O ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta (DEM) e o ex-ministro da Justiça Sergio Moro (sem partido) também estão no jogo. Nesse cenário, a ambiguidade é desgastante para o apresentador. Huck já é uma personalidade política, sem dissimulação, mas precisa escolher o eixo de sua atuação na sociedade: o mundo do entretenimento ou a disputa pelo poder.

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Luiz Carlos Azedo: A tragédia do negacionismo

Bolsonaro é paranoico, vê conspiração em tudo. Acredita que os defensores do lockdown querem desestabilizar seu governo e aprovar o seu impeachment

O presidente Jair Bolsonaro bateu no teto do negacionismo quando atacou governadores e prefeitos que adotaram medidas de lockdown. Em Fortaleza, durante evento que causou aglomeração e ao qual compareceu sem máscara, na sexta-feira, disse: “Agora, o que o povo mais pede, e eu tenho visto, em especial no Ceará, é trabalhar. Essa politicalha do ‘fique em casa, a economia a gente vê depois’, não deu certo e não vai dar certo”. Aproveitou para ameaçar os governadores que não seguirem a sua cartilha: “O auxílio emergencial vem por mais alguns meses e, daqui para a frente, o governador que fechar seu estado, o governador que destrói emprego, ele é quem deve bancar o auxílio emergencial”.

Mirou, sobretudo, o governador cearense Camilo Santana (PT), que havia endurecido as medidas de distanciamento social. Fortaleza está com uma taxa de ocupação de leitos de UTI de 94%, sendo uma das capitais em risco de colapso do Sistema Único de Saúde (SUS). As demais são: Porto Velho (RO), 100%; Florianópolis (SC), 96,2%; Manaus (AM), 94,6%; Goiânia (GO), 94,4%; Teresina (PI), 93%; e Curitiba (PR), 90,0%. O país já contabilizou 10,4 milhões de casos e 252 mil óbitos por covid-19 desde o início da pandemia. Na véspera das declarações, Bolsonaro havia questionado o uso de máscaras, enquanto o país batia o recorde de mortos num único dia: 1.582.

Psicologicamente, negacionismo é uma forma de escapar de uma verdade desconfortável. Na ciência, o negacionismo é definido como a rejeição dos conceitos básicos, incontestáveis e apoiados por consenso científico a favor de ideias radicais e controversas. Costuma se fortalecer quando a sociedade se depara com situações de instabilidade, como essa crise sanitária, ou diante de algo nunca presenciado, um vírus novo e letal, como é o caso. O negacionismo apela para teorias e discursos conspiratórios, que acabam favorecendo disputas ideológicas, interesses políticos e religiosos. Bolsonaro é paranoico, vê conspiração em tudo. Acredita que os defensores do lockdown (medida para conter a velocidade de propagação do vírus e evitar o colapso do sistema de saúde) querem desestabilizar seu governo e aprovar o seu impeachment.

Vacinas
No governo, além de Bolsonaro, os ministros de Relações Exteriores, Ernesto Araujo; do Meio Ambiente, Ricardo Salles; e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, em suas respectivas pastas, estão na linha de frente do negacionismo. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, também fez parte desse time. Sua responsabilidade no colapso do SUS em Manaus, por falta de oxigênio, está sendo investigada, assim como no atraso da compra de vacinas, inclusive, as que estão sendo produzidas no Brasil, como a CoronaVac (Instituto Butantan); a Oxford (Fiocruz) e a Sputnik V (União Química, privada). Agora, corre atrás das vacinas da Pfizer, que negocia desde agosto e refugou em setembro passado.

O negacionismo é insidioso e perigoso, pois atua no campo ideológico para influenciar a opinião pública e legitimar governantes com posições anticientíficas. Com isso, pode resultar em tragédias humanitárias. É o caso da epidemia de Aids na África do Sul, que chegou a registrar 5,4 milhões infectados, para uma população de 48 milhões de pessoas. O ex-presidente sul-africano Thabo Mbeki (1999-2008) ficou para a história como o principal negacionista do HIV/Sida, que mandou tratar com erva, o que custou a vida de mais de 300 mil pessoas. Há quem exija que seja julgado por crimes contra a humanidade.

A negligência no combate à pandemia, a negação das vacinas e a insistência na promoção de tratamentos comprovadamente ineficazes contra a covid-19, pelo presidente Jair Bolsonaro, porém, provocou ampla mobilização de médicos, pesquisadores e entidades científicas, que atuam nos meios de comunicação e nas redes sociais para combater a fake news e explicar à população o que realmente está acontecendo. O negacionismo irresponsável é tanto que até hoje o governo não fez uma campanha oficial de esclarecimento e incentivo à vacinação, que é a última fronteira do combate ao negacionismo em relação à pandemia da covid-19.

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Luiz Carlos Azedo: Um candidato no telhado

Huck parece realmente disposto a largar o mundo do entretenimento e ingressar na política. Mas a aposentadoria do Faustão pode mudar suas perspectivas na TV Globo

Desculpem-me o trocadilho com a inspiradora história do leiteiro Tevje e sua família, na pequena aldeia russa de Anatecka, um conto de autoria de Scholem Aleichen, o grande escritor ídiche, a língua falada pelos judeus da Europa Central e Oriental. Com sua esposa Golde, ele tenta criar as filhas Tzeitel, Hedel, Chava, Shprintze e Bielke na melhor tradição judaica. Tevje e sua canção “Se algum dia eu ficasse rico” bombaram na estreia do musical “Um violinista no telhado” (Anatevka) na Broadway, em setembro de 1964.

Foi um verdadeiro espanto à época, porque o musical era em ídiche, uma mistura de alemão, hebraico e línguas eslavas, e lotou as sessões do Teatro Imperial da Broadway. O título original da adaptação é Fiddler on the roof (Um violinista no telhado). “Parece loucura, não é? Mas no nosso lugarejo Anatevka é assim. Cada um de nós é um violinista no telhado. Ficamos aqui, porque Anatevka é a nossa terra natal. E o que traz equilíbrio à nossa mente pode ser resumido numa palavra: tradição”, esclarece o protagonista da peça. Dirigido por Norman Jewison, com roteiro de Joseph Stein, a versão para o cinema, lançada em 1971, também fez grande sucesso e ganhou quatro Oscar: fotografia, som, direção de arte e trilha sonora.

O filme, uma comédia dramática, é boa pedida para o domingão. Religioso, Tevje imagina que suas cinco filhas deverão pouco a pouco seguir o caminho em direção ao “porto seguro” do casamento. Pobre, tenta, com a ajuda de sua mulher, Golde, casar a filha mais velha com o açougueiro Lazar Wolf, bem mais velho rico e endinheirado. O casamento de conveniência é frustrado pela personalidade teimosa da filha Zeitel, que se apaixona pelo pobre alfaiate Mottel. Para desespero do casal, a segunda filha se apaixona pelo estudante revolucionário Perchik, tomando a decisão de segui-lo até a Sibéria, para onde ele havia sido banido pelo regime czarista. Como se não bastasse, a terceira filha, Chava, ultrapassa os limites da tolerância de Tevje, ao casar-se com o cristão Fedja, o que o pai considera uma traição. Entretanto, um pogrom iminente no vilarejo no qual conviviam judeus e cristãos ortodoxos, força Tevje, Golda e suas duas filhas mais novas a emigrar para os Estados Unidos.

Caldeirão

Na política, quem subiu no telhado nas eleições de 2018, quando o cavalo passou arreado, e nunca mais desceu, foi o apresentador Luciano Huck. Jovem, rico, bem-informado, carismático, bem assessorado — o ex-governador Paulo Hartung e o economista Armínio Fraga são seus principais conselheiros —, o comunicador conhece o Brasil de ponta a ponta e tem perfil de filantropo, sinceramente empenhado em melhorar a vida das pessoas. No seu caldeirão, conseguiu a proeza de fundir o entretenimento despretensioso com o fomento do empreendorismo. Aos interlocutores, Huck tem revelado o desejo de se candidatar à Presidência da República. Tem seus motivos: acredita que pode atrair para a política jovens lideranças da sociedade, vê nela uma maneira de melhorar a vida das pessoas no atacado e não deseja passar toda a vida repetindo o que já faz, embora seu programa de tevê tenha acompanhado a metamorfose da vida pessoal de seu criador.

Nos últimos meses, Huck parecia realmente disposto a largar o mundo do entretenimento e ingressar na política. Seguia um roteiro mais ou menos previsível. Em junho, teria que deixar a TV Globo, por exigência da própria empresa. Como todo outside da política, com base na legislação eleitoral, teria até 4 de abril de 2022 para escolher um partido. Obviamente, escolheria o que lhe oferecesse mais garantias de legenda e melhores condições políticas para concorrer. Mesmo assim, ainda teria até 15 de agosto para registrar a candidatura. O problema é que, na política, o tempo não é igual para todos. Huck precisa descer do telhado.

O DEM se colocava como boa alternativa, saiu das eleições fortalecido das municipais, tinha um núcleo dirigente jovem e uma imagem de partido liberal consolidada. Entretanto, alinhou-se com o presidente Jair Bolsonaro e catapultou o principal interlocutor de Huck na legenda, o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (RJ), para fora do partido. O PSDB, cada vez mais liberal e menos social-democrata, também não é alternativa, embora o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso goste de Huck, porque o governador João Doria (SP) dá demonstrações efetivas de que vai disputar a Presidência da República.

Restam o Cidadania, com três senadores e sete deputados, cujo presidente, o ex-deputado Roberto Freire, é um entusiasta de sua candidatura, e o Podemos, liderado pela deputada Renata Abreu, com nove senadores e 10 deputados, que namorava o ex-juiz Sérgio Moro, que optou pela advocacia empresarial. Os dois partidos, como a família de Tejve, correm risco de diáspora; precisam de um candidato para chamar de seu e, com isso, ultrapassar a cláusula de barreira. Entretanto, podem ficar a ouvir o violinista no telhado, porque a aposentadoria do apresentador Faustão abriu a possibilidade de Huck se tornar o dono das tardes de domingo na TV Globo.

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Luiz Carlos Azedo: Pra chamar de nossas

Há uma revolução na produção de vacinas. Essa é a notícia boa. A notícia ruim é o que está acontecendo em Manaus, onde o SUS entrou em colapso por falta de oxigênio

A guerra das vacinas entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador João Doria é como um copo pela metade: de um lado, gera muita desinformação sobre imunização da população; de outro, promove uma corrida para ver quem vai vacinar primeiro. Entretanto, vamos tratar das vacinas que estão sendo produzidas no Brasil, tanto pelo Instituto Butantan quanto pela Fiocruz, que são as que vão resolver o nosso problema. A Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI) divulgou nota na qual esclareceu que os estudos realizados para testagem de diferentes imunizantes utilizaram critérios distintos.

Por exemplo, no estudo da americana Moderna, foram considerados dois sintomas de um grupo formado por febre, arrepios, dor no corpo, dor de cabeça, dor de garganta, perda de olfato ou paladar com diagnóstico viral confirmado ou um sintoma grave, como falta de ar, tosse, diagnóstico radiológico como casos de covid-19. Ou seja, dois sintomas leves ou um sintoma grave. No estudo da AstraZeneca (Oxford), um sintoma do grupo formado por febre, tosse, falta de ar, perda de olfato ou paladar; ou seja, a maioria sintomas leves, mais um grave (falta de ar), para fechar o diagnóstico.

No estudo do Instituto Butantan, foram considerados casos com qualquer um dos sintomas leves, mais sintomas não incluídos por outros estudos: náusea, vômito e diarreia. Em consequência, esse estudo abriu margem para detecção de mais casos por diagnóstico molecular, que, nos demais estudos, provavelmente, não foram detectados — por não serem considerados sintomáticos. Além disso, focou nos graus de gravidade da doença sugeridos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), ao contrário dos demais.

A diferença de parâmetros parece maluquice, mas é um reflexo do avanços da ciência em busca da vacina. Na verdade, as tecnologias também são diferentes e não existe uma padronização para os estudos da fase III, embora a Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, e a nossa SBI recomendem isso. Por exemplo, enquanto a CoronaVac utiliza os métodos tradicionais de produção de vacina, os imunizantes da Oxford e a Sputnik V, por meio de engenharia genética, usaram os adenovírus como “meio de transporte” de genes codificando a proteína S do novo coronavírus (Sars-CoV- 2). Uma vez inoculado, o adenovírus com o gene do coronavírus induz uma resposta imunológica no corpo humano.

Segunda onda
As vacinas BioNTech/Pfizer e Moderna, que já estão sendo aplicadas nos Estados Unidos, também resultam de uma abordagem revolucionária, aplicável a quaisquer vacinas futuras: um vírus é sequenciado, recebe uma parte inofensiva em mRNA, corrigido de modo a não ser imuno-rejeitado, que garante a imunização. Há uma revolução na produção de vacinas. Essa é a notícia boa.

A notícia ruim é o que está acontecendo em Manaus, onde o SUS entrou em colapso por falta de oxigênio, tragédia que pode se reproduzir em outros estados onde a segunda onda já chegou. Não foi à toa que o Reino Unido fechou suas fronteiras para passageiros oriundos do nosso país e de nossos vizinhos. A existência de uma variante brasileira do vírus, confirmada em Manaus, é ainda mais ameaçadora porque os anticorpos de quem já teve a doença, segundo recente pesquisa, garantem imunidade por um período de cinco a seis meses, o que explica o aumento de casos de reinfecção.

O ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, corre para conseguir uma vacina para o presidente Jair Bolsonaro chamar de sua, no caso, a vacina da Oxford produzida na Índia. Ao mesmo tempo, faz suspense sobre a aprovação da CoronaVac. Não estamos, porém, numa guerra civil, como a Revolução Constitucionalista de 1932, estamos numa pandemia. Segundo a SBI, os números totais dos estudos das vacinas da Fiocruz (Oxford) e da vacina do Instituto Butantan (CoronaVac) são muito semelhantes. Entretanto, a vacina da Fiocruz foi testada na população geral, e a do Instituto Butantan, em profissionais de saúde atendendo pacientes da covid-19. O que o estudo do Instituto Butantan diz é que houve redução em 50% de qualquer sintoma na população de profissionais da saúde; e o da Oxford, em 62% de toda a população. Em ambos os casos, o mais importante é que evitam internações e mortes, desde que haja, realmente, vacinação em massa.

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Luiz Carlos Azedo: O recado da Ford

Pode-se responsabilizar o governo Bolsonaro pela saída da Ford do Brasil? Por não ter feito nada para evitar, sim; mas essa não foi a causa principal

Neste episódio do encerramento das operações da Ford no Brasil há mais coisas entre o céu e a terra do que os aviões da Embraer. A propósito, a mais importante empresa de tecnologia da indústria nacional, que foi a consagração do modelo de substituição das importações, luta para sobreviver, depois do fracasso da bilionária parceria com a Boeing. A indústria de aviação passa por uma reestruturação mundial, agravada pela pandemia do novo coronavírus, que teve forte impacto no transporte de passageiros. De certa forma, a redução do fluxo de pessoas pode ajudar a volta por cima da Embraer, que produz aviões menores, como o E190, para 100 passageiros, ideal para a aviação regional. A startup EGO Airways divulgou, recentemente, que o avião brasileiro vai operar 11 rotas italianas, inicialmente, tendo por hubs os aeroportos de Forli e de Catânia, no norte e no sul da Itália, respectivamente; depois, na rota Milão-Roma.

Pode-se responsabilizar o governo Bolsonaro pela saída da Ford do Brasil? Por não ter feito nada para evitar, sim; mas essa não foi a causa principal. Em tese, poderíamos ter disputado a permanência das fábricas com a Argentina e o Uruguai, mas isso exigiria um arranjo institucional impossível de ser feito sem reforma tributária, política industrial e política de comércio exterior adequadas. Além disso, poderia ser uma solução de curto prazo, porque a indústria de automóveis passa por uma revolução tecnológica, na qual a Ford ficou para trás. Já são vendidos no Brasil, por exemplo, cerca de 20 modelos diferentes de carros elétricos Audi, Chevrolet, Nissan, Jaguar, BMW, Renault, JAC, Mercedes-Benz, BYD e Tesla. A briga boa é para produzi-los aqui no Brasil, mas, aí, surge o problema da automação: modernas plantas industriais são automatizadas, a mão de obra barata deixou de ser um atrativo.

As grandes marcas não são imortais, mesmo quando a empresa opera no país há mais de 100 anos. A Esso, com 50 anos de mercado, tinha 1,7 mil postos de combustíveis quando deixou de existir. Estava no Brasil desde 1912. No início, os postos se chamavam “Standard Oil Company of Brazil”. Não se sabe, ao certo, quando a marca e sua mascote, o tigre, foram adotados. Mas, na década de 1940, quando o Repórter Esso estreou na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, a marca já tinha alguma popularidade. Em 2008, a rede Esso foi comprada pela Cosan. Três anos depois, a própria Cosan se uniu à Shell, formando a Raízen. Na ocasião, Cosan e Shell anunciaram que a marca Esso seria substituída.

Tecnologia
A troca de bandeira não é uma operação fácil. Só para vestir os frentistas da Esso com o uniforme da Shell a companhia precisou de 300 mil macacões e 60 mil bonés. A Raízen investiu R$ 130 milhões para trocar a bandeira pela Shell. E como será com o carro elétrico, cujas baterias são recarregadas na garagem? Foi melhor a Petrobras vender logo a BR Distribuidora — corre o risco de que faltem compradores interessados — e investir na exploração do pré-sal, antes que seja tarde demais. Inovação é o que mantém as empresas vivas. Para isso, precisam conversar com startups ou criar programas de pesquisa e desenvolvimento. Entretanto, preferimos subsídios e reservas de mercado, que têm pernas curtas quando ocorre uma revolução tecnológica, como agora, com forte impacto na divisão internacional do trabalho.

A Blockbuster era uma companhia gigante e com uma grande clientela. Morreu de maneira surreal. Deixamos de alugar DVDs para assistir a vídeos por meio de serviço de streaming em demanda, como Netflix e o Net Now. Teve a oportunidade de comprar a Netflix em 2000 e não comprou, preferiu focar na atenção ao cliente de suas lojas. Na época, a Netflix era só um serviço de delivery de DVD. A empresa faliu em 2013. Na década de 1970, a Kodak chegou a ser dona de 80% da venda das câmeras e de 90% de filmes fotográficos. E, na mesma década, inventou o que ia falir a empresa: a câmera digital. Como ia prejudicar a venda de filmes, eles engavetaram a tecnologia. Duas décadas depois, as câmeras digitais apareceram com força e quebraram a Kodak. Faliu em 2012.

Em 2005, o Yahoo! era o maior portal de internet do mundo e chegou a valer US$ 125 bilhões. Pouco mais de 10 anos depois, a companhia foi vendida para a Verizon, por apenas US$ 4,8 bilhões. Ela poderia ser o maior portal de pesquisa da internet, mas decidiu ser um portal de mídia. O PARC (Palo Alto Research Center) da Xerox tinha objetivo de criar tecnologias inovadoras: computadores, impressão a laser, Ethernet, peer-to-peer, desktop, interfaces gráficas, mouse e muito mais. Conseguiu. Steve Jobs só criou a interface gráfica de seus computadores após uma visita ao centro da Xerox, no coração do Vale do Silício. Quem menos lucrou com essas inovações foi a própria Xerox.

MySpace, Orkut e Atari tiveram trajetórias parecidas: estagnaram e foram engolidas pela concorrência. Os dois primeiros, por Facebook e Twitter; o terceiro, pela Nintendo. Mas, nada foi mais espetacular do que a ultrapassagem do Blackberry. Chegou a ter mais de 50% do mercado de celulares nos Estados Unidos, em 2007. Contudo, naquele mesmo ano, começou a sua derrocada. O primeiro iPhone foi lançado em 29 de junho de 2007. A Blackberry ignorou as tecnologias que o concorrente estava trazendo, como o touch screen. Resultado: a Apple dominou o mercado de consumidores pessoas-físicas.

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Luiz Carlos Azedo: No dia D, na hora H

Historicamente, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem condições de vacinar 10 milhões de pessoas por dia, mas passa por um de seus piores momentos

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, evita cravar uma data de início para a vacinação contra a covid-19 no país. Disse ontem, em Manaus, que a imunização vai começar “no dia D e hora H”. Parece piada pronta: o começo da vacinação está sendo tratado como um segredo militar. O mais provável, porém, é que o Ministério da Saúde não saiba mesmo quando terá vacinas, seringas e agulhas disponíveis. Desculpem-me o trocadilho, o Dia D é um agá.

Na História, o chamado Dia D foi um segredo guardado a sete chaves pelos Aliados na Segunda Guerra Mundial. No dia 6 de junho de 1944, a Operação Overlord iniciou o desembarque das tropas aliadas na Normandia, no norte da França. A Alemanha passava por um momento delicado na guerra. A força do exército alemão havia sido contida pelos soviéticos a partir de 1942. Os desgastes que o fronte na União Soviética geraram foram muito altos, principalmente em Stalingrado e Kursk, e a Alemanha carecia de recursos para manter a guerra no nível necessário.

Os objetivos dos Aliados, ao planejar a invasão da Normandia, foram: (1) libertar a França do controle nazista, ao qual estava submetida desde 1940 e, ao criar uma nova frente de batalha (a oeste), (2) aumentar a pressão sobre a Alemanha, atacada ao leste pela União Soviética e ao sul (na Itália) por americanos e britânicos. A Operação Overlord foi vista com desconfiança pelos britânicos, ainda traumatizados pela dramática retirada de Dunquerque, no começo da invasão da França, quando foram encurralados na praia pelos alemães. Temiam um fracasso, ainda mais em razão das ofensivas desastradas no Mar Mediterrâneo e na costa italiana, onde faltou apoio aéreo.

A operação, porém, foi um sucesso; as batalhas mais duras ocorreram depois do desembarque, principalmente em Ardenas, quando os alemães tentaram uma contraofensiva ao se retirar da França. A Alemanha nazista sabia que um ataque Aliado contra a Normandia aconteceria, mas não quando e onde exatamente isso seria feito. As vãs esperanças de Hitler estavam depositadas na famosa Muralha do Atlântico, linha defensiva criada pelos alemães nos territórios ocupados na costa francesa. As operações do Dia D contaram com 5.300 navios, que realizaram o transporte de cerca de 150 mil homens e de 1.500 tanques, com apoio de 12 mil aeronaves, em cinco praias francesas, cuja conquista permitiu que os Aliados conseguissem posicionar mais 300 mil soldados na Normandia até o final do dia 7 de junho, com perda de apenas três mil soldados mortos.

Guerra da vacina
O custo da guerra da vacina entre o Ministério da Saúde e o governo de São Paulo no Brasil está sendo muito maior. A média móvel da última semana foi de 1.016 mortes por dia por covid-19, chegando à marca de 203.140 mortos, ontem, de um total 8,104 milhões de contaminados. Historicamente, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem condições de vacinar 10 milhões de pessoas por dia, mas passa por um de seus piores momentos. “No primeiro dia que chegar a vacina, ou que a autorização for feita, a partir do terceiro ou quarto dia, já estará nos estados e municípios para começar a vacinação no Brasil”, garante o general Pazuello.

Pela primeira vez, o objetivo não será a imunidade completa, mas frear a contaminação, com a aplicação de, pelo menos, uma dose do imunizante do laboratório Astrazeneca em parceria com a Universidade de Oxford, importado às pressas da Índia (2 milhões de doses), enquanto a Anvisa faz novas exigências para liberação das vacinas produzidas pelo Instituto Butantan (CoronaVac) e pela própria Fiocruz (Oxford).

Para iniciar a campanha antes de São Paulo, que pretende imunizar a partir do dia 25 de janeiro, data de aniversário de fundação da capital paulista, Pazuello quer reinventar a roda, a pedido do presidente Jair Bolsonaro: “Com duas doses você vai a 90 e tantos por cento (de imunização); com uma dose, vai a 71%. Com 71%, talvez a gente entre para imunização em massa, é uma estratégia que a Secretaria de Vigilância em Saúde vai fazer para reduzir a pandemia. Talvez, o foco seja não na imunidade completa, mas, sim, a redução da contaminação e, aí, a pandemia diminui muito. Podendo aplicar a segunda dose na sequência, chegando a 90%”, disse. Trocando em miúdos, é tudo para inglês ver; pois, por enquanto, faltam vacinas para atender até mesmo os grupos de risco.

Pazulello, porém, garante que o Ministério da Saúde nunca deixou de trabalhar tecnicamente com o Butantan para comprar a vacina, “quando estiver registrada e garantida a segurança e eficácia pela Anvisa ou autorização de uso emergencial (…). Onde está a dificuldade? Não há registro na China nem autorização de uso emergencial ainda. E a Anvisa tem tido dificuldades de receber toda essa documentação pronta. Nós estamos trabalhando com o Butantan direto para que ele forneça essa documentação”, justifica Pazuello. O Butantan, em parceria com um laboratório chinês Sinovac, já produziu 2,8 milhões de doses, além de 6 milhões que importou diretamente da própria China e que serão destinadas ao Ministério da Saúde.

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Luiz Carlos Azedo: O normal e o patológico

O Brasil já registra 200 mil mortos por vítimas da covid-19. Por ora, objetivamente, nem o ministro da Saúde nem os brasileiros sabem quando começa a vacinação

O ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, numa longa entrevista coletiva de sua equipe — na qual falou muito e foi embora sem responder perguntas —, anunciou a intenção de compra de 100 milhões de doses da vacina CoronaVac, de origem chinesa, produzida pelo Instituto Butantan, do governo de São Paulo, com o propósito de iniciar a vacinação dos grupos de risco, primeiramente, o pessoal da área de saúde. Aproveitou a ocasião para criticar duramente a imprensa, acusando a mídia de não se ater aos fatos e fazer interpretações fantasiosas sobre a atuação do governo e a sua própria no combate à pandemia.

Ao cobrar objetividade da imprensa, Pazuello tangenciou um universo que, talvez, tenha estudado na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, por onde passam oficiais de alta patente: a sociologia. É uma disciplina desprezada pelo presidente Jair Bolsonaro, ao qual, diga-se de passagem, se aplicariam com perfeição as críticas que fez à interpretação dos fatos relacionados à pandemia por parte dos jornalistas. Émile Durkheim, o pai da sociologia moderna, foi o primeiro a defender a objetividade dos fatos sociais, ou seja, sua externalidade em relação ao observador, como pilar metodológico de estudo das sociedades.

A grande sacada de Durkheim foi distinguir o fato social normal — aqueles que decorrem do desenvolvimento da sociedade dentro de uma norma comum, um padrão que visa o aprimoramento dos indivíduos e a manutenção da coesão e da vida em sociedade — do patológico. O fato social normal observa a ordem institucional, a vida individual mantém em funcionamento os laços solidários que unem os indivíduos de um grupo. O fato social patológico desenvolve-se fora da norma, como uma doença. Ele é perigoso, e quando atinge uma dimensão maior, pode afetar negativamente a sociedade.

Quando uma sociedade é tomada pela criminalidade e pela violência, como o Rio de Janeiro, ou regiões de periferia de outras cidades, como o Sol Nascente, aqui no Distrito Federal, é possível dizer que há um fato social patológico, que foge da normalidade esperada por uma sociedade. Durkheim partiu do pressuposto de que as sociedades apenas se mantêm coesas quando, de alguma forma, compartilham sentimentos e crenças comuns, mas, também, compreendeu que os povos não são, necessariamente, superiores uns aos outros, apenas são diferentes em sua estrutura, seus valores, seus conhecimentos, sua forma organizacional.

Vacinação

Em razão disso, estabeleceu alguns pressupostos: (1) os fatos sociais devem ser tratados como coisas; (2) a análise dos fatos sociais exige reflexão prévia e fuga de ideias preconcebidas; (3) o conjunto de crenças e sentimentos coletivos são a base da coesão da sociedade; (4) a própria sociedade cria mecanismos de coerção internos que fazem com que os indivíduos aceitem, de uma forma ou de outra, as regras estabelecidas; (5) a explicação dos fatos sociais deve ser buscada na sociedade e não nos indivíduos. Os estados psíquicos, na verdade, são consequências e não causas dos fenômenos sociais, daí serem objeto de outras ciências, como a antropologia, nos casos coletivos, ou a psicologia e a psiquiatria, nos casos individuais. Loucos no poder, como Nero, Hitler e — por que não? —, Donald Trump, porém, são um problema político.

Pazuello prestou contas das negociações para compra de vacinas, seringas e agulhas, defendendo-se da acusação de atraso nas aquisições. Estariam assegurados 2 milhões de doses de vacinas da AstraZeneca importadas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); 100,4 milhões de doses da Fiocruz/AstraZeneca até julho (produção nacional com ingrediente farmacêutivo ativo (IFA) importado; 110 milhões da Fiocruz/AstraZeneca (produção integral nacional) de agosto a dezembro; 42,5 milhões (provavelmente da AstraZeneca) a serem adquiridas por meio do mecanismo internacional Covax/Facility; e 100 milhões de doses do Instituto Butantan. No total, afirmou que o Brasil tem assegurados 354 milhões de doses de vacinas para 2021, mas não disse quando começa a vacinação em massa da população.

“Na hipótese média, estaríamos do dia 20 de janeiro ao dia 10 de fevereiro. Contamos aí com as vacinas produzidas no Brasil, tanto no Butantan quanto na Fiocruz. E, na hipótese mais alongada, a partir do dia 10 de fevereiro até o começo de março, que seria caso os registros e produção tenham quaisquer percalços”, disse Pazuello. Jornalistas não são sociólogos, mas foram treinados para distinguir um tigre de um elefante, mesmo sem saber sua anatomia. O problema de Pazuello — vamos deixar o presidente Jair Bolsonaro de lado — foi tratar como “coisa” normal a escalada da pandemia no Brasil, que já registra 200 mil mortos por vítimas da covid-19. Trata-se de uma patologia. Por ora, objetivamente, nem o ministro nem os brasileiros sabem quando começa a vacinação.

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Luiz Carlos Azedo: Perdido na pandemia

Bolsonaro não sabe o que fazer em meio à pandemia do novo coronavírus, pois nem crise sanitária nem recessão se resolvem com negacionismo, mas com ações governamentais

“O Brasil está quebrado. Não consigo fazer nada” — disse, com todas as letras, o presidente Jair Bolsonaro, ontem, queixando-se da situação em que se encontra o governo federal. Para não variar, culpou a imprensa e se fez de vítima, mas o estrago está feito. Além de terem virado piada pronta nas redes sociais e motivo de chacota nos meios políticos, suas palavras são um desastre para a economia. O impacto de uma afirmação dessa natureza junto aos agentes econômicos e investidores estrangeiros pode ser avassalador.

Poderiam ser ditas por qualquer empreendedor em dificuldades financeiras ou trabalhador desempregado, porém, na boca do presidente da República, essas afirmações funcionam como uma mensagem de desesperança. Revelam que Bolsonaro não sabe o que fazer em meio à pandemia do novo coronavírus, pois nem crise sanitária nem recessão se resolvem com negacionismo, mas com ações governamentais. Não chega a ser uma novidade, porque o presidente da República sempre disse que não entende de economia e que, nesse métier, quem daria as cartas seria o ministro da Economia.

Entretanto, o Ministério da Economia passou recibo de que não tem dinheiro em caixa. O governo brasileiro não honrou o pagamento da penúltima parcela de US$ 292 milhões para o aporte de capital no Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), a instituição financeira criada pelos cinco países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). O prazo para a quitação da parcela terminou no último dia 3. Agora, o Brasil está inadimplente com o banco que ajudou a fundar e é um dos acionistas.

Por incompetência do Palácio do Planalto, o dinheiro para o pagamento da parcela da dívida com o Banco do Brics e outros compromissos com os bancos multilaterais ficou fora do projeto de lei que foi votado no fim do ano para remanejar despesas do Orçamento de 2020 e atender a demandas de obras de interesse do governo e emendas de parlamentares aliados. É um vexame: ficamos inadimplentes justamente no ano em que o brasileiro Marcos Troyjo assumiu a presidência da instituição por indicação do governo Bolsonaro, com US$ 3,5 bilhões em financiamentos aprovados para o Brasil, em 2020.

Fora de foco
No fim do ano, o argumento para votar correndo o texto de remanejamento das verbas do Orçamento do ano passado, na frente de votação de outros projetos importante — como o aumento do Bolsa Família ou a revisão da tabela do Imposto de Renda — foi o de que o governo precisava honrar os seus compromissos com organismos multilaterais e não podia ficar com a imagem arranhada na comunidade internacional.

Não à toa, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), subiu nas tamancas ontem. O Ministério da Fazenda tentou responsabilizar o Congresso, mas foi a própria base do governo que manobrou para que não houvesse convocação extraordinária durante o recesso parlamentar. A prioridade do Palácio do Planalto é a disputa pelo controle das Mesas da Câmara e do Senado e, para os candidatos governistas, reunir o Congresso daria palanque para a oposição.

Mesmo assim, Bolsonaro se faz de vítima: “Queria mexer na tabela de Imposto de Renda. Esse vírus potencializado pela mídia que nós temos, essa mídia sem caráter que nós temos. É um trabalho incessante de tentar desgastar para retirar a gente daqui para voltar alguém para atender os interesses escusos da mídia”, disse. Assim, o presidente passou recibo de que não está fazendo as entregas que deveria, depois de dois anos de mandato.

Talvez por isso tenha sido organizada a sua “visita técnica” ao Ministério da Saúde, que durou quase duas horas. Segundo o ministro Eduardo Pazuello, Bolsonaro se inteirou das providências que estão sendo tomadas para comprar vacinas, agulhas e seringas para a campanha de vacinação contra a covid-19. O presidente da República saiu da reunião sem dar entrevistas. Moral da história: continuamos sem saber quando começará a campanha de vacinação.

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Luiz Carlos Azedo: O ano mais longo

São inovações que podem evitar que a pandemia tome conta de 2021. Mas o que explica o sucesso das novas vacinas é o maciço investimento em pesquisas

Certo mesmo é que 2020 vai entrar 2021 adentro, por causa da pandemia do novo coronavírus, cuja segunda onda é o fantasma que ronda a Europa e os Estados Unidos às vésperas do ano-novo. Aqui, no Brasil, será um pouco pior, porque a vacina contra covid-19 está muito atrasada e, por isso mesmo, os efeitos predatórios das atitudes e decisões do presidente Jair Bolsonaro em relação à pandemia serão também mais duradouros. Como já disse antes, quem deveria liderar a luta contra a doença sabota os esforços de prefeitos, governadores, dos sanitaristas e infectologistas, socorristas e enfermeiros, intensivistas e fisioterapeutas para controlar a doença e salvar vidas.

O próprio Ministério da Saúde é sabotado, sob comando de um general bem mandado, nomeado para o cargo por ser especialista em logística de transportes de tropas, armas e suprimentos, mas que se revelou o ministro mais incompetente da história da saúde pública no Brasil: Eduardo Pazuello. Provavelmente, ainda será condecorado e promovido a general de quatro estrelas por maus serviços prestados. Vivemos tempos distópicos.

Como não lembrar do jovem rapper Emicida, que acaba de lançar um documentário excepcional na Netflix: AmarElo, é tudo pra ontem. “Talvez seja bom partir do final/ Afinal, é um ano todo só de sexta-feira treze/ ‘Cê também podia me ligar de vez em quando/ Eu ando igual lagarta, triste, sem poder sair/ Aqui o mantra que nos traz o centro/ Enquanto lavo um banheiro, uma louça, querendo lavar a alma/ Na calma da semente que germina/ Que eu preciso olhar minhas menina”. O historiador Daniel Aarão Reis, em artigo publicado no jornal O Globo (26/12), fez uma belíssima crítica sobre o filme, que se passa em torno de uma apresentação no Teatro Municipal de São Paulo, lotado por pessoas da periferia paulista, que nunca haviam entrado naquele templo da nossa cultura.

“A construção do futuro melhor dependerá da capacidade de articulação, vontade determinada e raiva no coração. Que é como cantam, em trio, Majur, Pablo Vittar e Emicida, os belos versos de Belchior: ‘Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro, ano passado eu morri, mas este ano eu não morro’. Nesta sinistra pandemia, a ideia de que viveremos livres, corajosos e solidários foi o melhor presente de Natal que poderíamos ter. Obrigado, Emicida”, escreve o professor titular de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF).

A pandemia é o espectro por trás da letra de É tudo pra ontem: “A folha amarela, igual comida, envelhece”/ É a vida, acontece com pessoa e documento/ É tão triste ter que vir, coisa ruim pra nos unir/ E nem assim agora, mano, vamo’ embora a tempo/ Viver é partir, voltar e repartir (é isso)/ Partir, voltar e repartir (é tudo pra ontem)/ Viver é partir, voltar e repartir/ Partir, voltar e repartir”. Ninguém tem dúvida de que a vacina era para ontem, a vacinação já começou em mais de 40 países, inclusive na vizinha Argentina, que comprou a vacina russa, Sputnik V, feita a partir de uma tecnologia nova, que utiliza adenovírus — vírus causadores de resfriado comum. O governo do Paraná também comprou essa vacina.

As vacinas

A primeira e a segunda dose da Sputnik V utilizam adenovírus diferentes, algo exclusivo do Instituto Gamaleya. Por meio de engenharia genética, são removidos os genes de reprodução viral dos adenovírus, ou seja, ele não vai causar resfriado, será utilizado apenas como “meio de transporte”. Dentro desses adenovírus são colocados genes codificando a proteína S do coronavírus (SARS-CoV- 2). Estas proteínas são as que ficam na coroa do vírus causador da covid-19 e se ligam aos receptores no corpo humano. Uma vez inoculado, o adenovírus com o gene do coronavírus induz uma resposta imunológica no corpo humano. Após 21 dias, ocorre a segunda vacinação, com outro tipo de adenovírus, mas o mesmo material genético do SarsCoV-2. Então, segundo os dados russos, ocorre uma imunidade ainda mais forte e duradoura.

O método é semelhante ao usado pela Universidade de Oxford — a vacina na qual o Ministério da Saúde apostou todas as fichas e que será produzida pela Fiocruz. As vacinas BioNTech/Pfizer e Moderna, que já estão sendo aplicadas nos Estados Unidos, também resultam de uma abordagem revolucionária, “aplicável a quaisquer vacinas futuras”, segundo o geneticista Richard Dawkins: “Sequencie um vírus e digite uma parte inofensiva em mRNA, corrigido de modo a não ser imuno-rejeitado. mRNA faz o resto para você. Funciona com qualquer vírus”, explica no Twitter.

São inovações desse tipo que podem evitar que a pandemia tome conta de 2021. Mas o que explica a velocidade e sucesso da produção dessas vacinas é o maciço investimento feito em pesquisas. Sem as vacinas, a economia mundial entrará em colapso. Entretanto, desculpe-me o trocadilho, a manipulação genética é dose pra leão para os negativistas, que não confiam nem nas vacinas que utilizam o método mais tradicional: o vírus atenuado da própria doença, como acontece com a vacina chinesa CoronaVac, que já está em produção no Instituto Butantan. Eppur se muove, diria Galileu Galilei.

Feliz ano-novo, em 2021 estarei de volta.

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Luiz Carlos Azedo: O vírus não brinca

O negacionismo de Bolsonaro funciona como sabotagem aos esforços governamentais para conter a pandemia, inclusive os do Ministério da Saúde, cada vez mais enrolado na própria burocracia

Não há sanitarista no Brasil que não tenha estudado o caso da epidemia de meningite ocorrida durante a década de 1970, em pleno regime militar, bem como a campanha de vacinação que controlou a doença. A epidemia começou em Santo Amaro, na Grande São Paulo, causando 2.500 mortes na capital paulista. Mesmo com a incidência de casos saltando a cada ano, e com mortalidade oscilando de 12% a 14% dos doentes, o regime militar escondia os números da população e negava a existência de epidemia, estabelecendo censura prévia aos veículos de comunicação para que não divulgassem o que estava ocorrendo. Médicos e sanitaristas não podiam dar entrevistas.

Só a partir de 1974, quando a doença já grassava em áreas centrais de São Paulo, e não havia mais como negar a situação, com hospitais em colapso, os generais começaram a reconhecer o problema. Na época, o Brasil vivia o chamado “milagre econômico” e os militares temiam que a divulgação da epidemia gerasse pânico na população e prejudicasse as atividades econômicas.

Enquanto a meningite matava moradores da periferia, conseguiram abafar o assunto, mas, quando a epidemia atingiu bairros nobres de São Paulo, as autoridades foram obrigadas a admitir que havia uma crise de saúde. O estrago já estava feito. A incidência em São Paulo subiu de 2,16 casos por 100 mil habitantes, em 1970, para 5,90 casos em 1971. Em 1972, chegou a 15,64 diagnósticos por 100 mil habitantes e, em 1973, atingiu os 29,38 casos por 100 mil habitantes. A partir de 1974, houve uma explosão, motivada pela circulação do meningococo A, gerando uma sobreposição de surtos. Em 1974, a taxa de meningite chegou a 179,71 casos por 100 mil habitantes.

Com a curva de casos em ascensão sobre áreas centrais do Sudeste e em Brasília, não havia mais como impedir o fluxo da informação. Em março de 1974, o general Ernesto Geisel assumiu o poder e reconheceu a existência do problema, criando a Comissão Nacional de Controle de Meningite, que importou milhões de doses da vacina. Somente em 1977, porém, a epidemia foi controlada. Havia se expandido de tal forma que a campanha de vacinação teve de atingir 97% dos municípios brasileiros. Se os nossos sanitaristas aprenderam com a epidemia de meningite, parece que os militares no Ministério da Saúde esqueceram completamente a experiência do passado, com a diferença de que, agora, vivemos numa democracia e eles não têm mais como evitar a revelação dos fatos e a discussão dos problemas.

Perde perde
Não dá mais para escamotear: estamos numa segunda onda da epidemia do novo coronavírus. O Brasil registrou, nas últimas 24 horas, 433 mortes e 25.193 novos casos da covid-19; o número de vítimas fatais da doença no país subiu para 181.835, e o total de casos confirmados aumentou para 6.927.145. A única maneira de evitar uma tragédia maior do que a da primeira onda é manter a política de distanciamento social e promover a vacinação em massa da população. O vírus não está para brincadeira, a segunda onda já atinge 18 estados e o Distrito Federal.

Entretanto, o presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Dória, se digladiam. É um jogo de perde-perde. O primeiro dispõe de recursos para vacinar a população, mas não dispõe ainda de uma vacina, pois a de Oxford, já comprada pelo governo brasileiro, não está pronta, e a da Pfizer, que havia sido oferecida e fora desprezada, não está disponível, embora o governo federal agora queira comprá-la. O segundo tem a vacina chinesa CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan, mas precisa ainda de aprovação da Anvisa, que negaceia os prazos e tenta mudar as regras do jogo.

Em algum momento, a realidade falará mais alto. Com a velocidade com que a segunda onda está se propagando, será inevitável a adoção de novas medidas de distanciamento social, para evitar o colapso do sistema hospitalar. O reiterado negacionismo de Bolsonaro, porém, funciona como uma espécie de sabotagem aos esforços governamentais para conter a pandemia, inclusive os do próprio Ministério da Saúde, cada vez mais enrolado na própria burocracia. Uma campanha de vacinação em massa precisa de mobilização da sociedade, de convencimento da necessidade e da eficácia da vacina. Retardar a aprovação da vacina produzida pelo Butantan, porque seria um êxito de Doria, e desacreditar sua eficácia, em razão de sua procedência chinesa, é um tiro no próprio pé.

Ontem, a Anvisa divulgou uma nota mudando de 72 horas para 10 dias o prazo de aprovação das vacinas, além de fazer referência a supostas implicações geopolíticas de cada vacina, que precisariam ser analisadas, o que levou o governo de São Paulo a desistir de pedir o uso emergencial da vacina e apostar na sua iminente aprovação definitiva, pela agência reguladora da China. É um contrassenso sob todos os aspectos: praticamente todas as vacinas que estão sendo desenvolvidas no mundo têm algum nível de participação da China, pois foram os cientistas chineses que forneceram o sequenciamento genético utilizados nas pesquisas.

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Luiz Carlos Azedo: O jabutizeiro do SUS

Quando a pandemia do novo coronavírus passar, a medicina nunca mais será a mesma. As consultas por teleconferência, introduzidas em massa durante a pandemia, vieram para ficar

A Prefeitura de Vitória (ES) tem uma das melhores redes de atendimento básico à saúde do país, resultado de sucessivas administrações, mas, sobretudo, do avanço tecnológico promovido pelo atual prefeito, Luciano Rezende (Cidadania), que encerra o seu segundo mandato. Com as inovações, foi possível ampliar o atendimento em 30%, sem contratação de médicos ou construção de novos postos de saúde. Qualquer cidadão atendido na rede, inclusive nos dois pronto atendimentos (PAs) da cidade, recebe um torpedo no celular para dar uma nota de 0 a 10 de avaliação do atendimento. A nota média, em setembro, mesmo na pandemia da covid-19, foi 9,11. O ovo de Colombo surgiu depois de uma viagem de avião, quando o prefeito recebeu uma mensagem pedindo uma nota de avaliação do serviço da companhia aérea.

A revolução tecnológica começou pelo Pronto Atendimento de São Pedro, antiga região de palafitas, erradicadas nas administrações de Vitor Buaiz (PT) e Paulo Hartung (MDB). Na administração do tucano Luiz Paulo Velozzo Lucas, da qual Rezende foi secretário de Saúde e de Educação, esses serviços foram ampliados. Mas, foi preciso muita inovação tecnológica para que a gestão da saúde fosse focada 100% na ponta do atendimento ao público. Quando os torpedos começaram a ser disparados, houve muitos questionamentos, porque tudo influencia a avaliação, e não apenas o atendimento médico propriamente dito. O PA de São Pedro, por exemplo, foi o mais mal avaliado. Esse resultado levou a que os diretores dos dois melhores postos de saúde da cidade fossem transferidos para lá, onde a população mais pobre da cidade é atendida na emergência, 24 horas, todos os dias, inclusive domingos e feriados. A média da avaliação dos usuários, em setembro passado, foi de 8,66. Mesmo com a pandemia, a menor nota de avaliação do PA de São Pedro foi 7,29, em março.

A chave para o alto desempenho foi a sinergia entre as secretarias de Saúde e da Fazenda, que colocou o time da subsecretaria de Tecnologia de Informação para desenvolver soluções que melhorassem a gestão da Saúde, obrigada a fazer mais com menos, devido à queda de 25% da arrecadação da cidade, com o fim do Fundap (fundo de desenvolvimento extinto em 2002, que beneficiava o complexo exportador capixaba). Ao contrário de outros municípios, que estão na latitude dos poços da Bacia de Campos, Vitória se beneficia pouco dos royalties de petróleo destinados aos capixabas.

Medicina a distância
Para melhorar o atendimento à população, o acesso à informação, a organização e o controle das unidades de saúde, a Secretaria Municipal de Saúde (Semus) registra a fila de atendimento, a classificação de risco, os procedimentos da sala de medicação, com prescrição e checagem de forma eletrônica. Os sistemas informatizados permitem agilizar procedimentos administrativos, gerenciais, de atendimento e acesso à informação de pacientes. Além disso, o sistema gera o prontuário eletrônico com os dados do atendimento prestado ao paciente. Para que o atendimento seja mais rápido, basta o usuário apresentar um documento com foto e ele será encaminhado para a classificação de risco. Depois, aguarda o atendimento médico ou odontológico de acordo com a gravidade do caso. As consultas são automaticamente remarcadas em caso de não confirmação. O time de engenheiros e programadores da prefeitura, funcionários de carreira, acabou com as filas de atendimento e reduziu a 5% as faltas às consultas médicas, que representavam 30% do total.

Além da rede de postos de saúde e centros de referência, a prefeitura mantém atendimentos psicossocial para adultos e infantojuvenil, de prevenção e tratamento de toxicômanos, atenção a idosos, gestantes e pediatria. São oferecidos serviços de cardiologia, dermatologia, endocrinologia, gastroenterologia, neurologia, obstetrícia (alto risco), oftalmologia, ortopedia, otorrinolaringologia, proctologia, psiquiatria, reumatologia, urologia, homeopatia, acupuntura e pequenas cirurgias, além de tratamento odontológico (radiologia, endodontia, periodontia e prótese dentária), e de diagnóstico de câncer de boca. Tudo gratuito. Além de equipes de médicos de família, agentes comunitários de saúde e orientadores de exercícios físicos.

E quando é que os jabutis subiram na árvore? Quando a pandemia do novo coronavírus passar, a medicina nunca mais será a mesma. As consultas por teleconferência, por exemplo, que foram introduzidas em massa na rede pública de Vitória durante a crise sanitária, vieram para ficar, assim como outras inovações tecnológicas introduzidas por lá. Acontece que grandes empresas de tecnologia já estão operando na área médica, aqui no Brasil, como a Afya, que oferece ensino especializado e treinamento a distância em larga escala (Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Piauí, Pará, Tocantins e Distrito Federal). Há grande interesse na gestão dos serviços do SUS. As soluções que a Prefeitura de Vitória oferece de graça às demais prefeituras do país, via Frente Nacional de Prefeitos, na ótica dos grupos de medicina privada, são um grande business inexplorado. Por isso, as unidades básicas de saúde inacabadas do governo federal são quatro mil jabutis. Falta descobrir quem armou o “jabutizeiro” do SUS, que é muito maior. Com certeza, não foi enchente, foi mão de gente.

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