COMPRA DE APOIO

Rosângela Bittar: ‘Tratoraço’ é um clássico da corrupção com recursos do Orçamento

Verbas secretas, superfaturamento, direcionamento de valores acima da referência para aquisição de determinados itens do cancioneiro parlamentar, como tratores e retroescavadeiras. Esta equação, apontada em ampla e minuciosa reportagem de Breno Pires, do Estadão, na edição deste domingo, é um clássico da corrupção com recursos do Orçamento Federal. Detalhada em valores, responsáveis e beneficiários, a matéria desfaz um sofisma insistentemente repetido pelos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.

Impressiona a forma veemente como os fanáticos do presidente enfatizam, ao aceitar piedosamente críticas aos erros e omissões da sua administração, o fato de não haver, no governo Bolsonaro, denúncias ou escândalos de corrupção. Para muitos indícios puderam fechar os olhos, não para este.

Aí está um, gritante, apontado de maneira cristalina. Exemplar daquela modalidade que envolve parlamentares governistas da base aliada, o Ministério de Desenvolvimento Regional e sua audiência municipal, além do coordenador deste tipo de esquema, o ministro da articulação política com gabinete no Palácio do Planalto.

Uma vez foram caminhões; outra, ambulâncias; desta modalidade, das mais antigas, que virou anedota, o fura-poço; agora, tratores e retroescavadeiras. Inovou-se, porém, em um quesito: para burlar tudo – cotas, tipos de emendas, sazonalidade, destinações, teto e todos os demais limites do orçamento de 2021, uma peça ainda sob choque e vetos presidenciais – a dinheirama em questão recebeu a tarja de verba secreta. Um expediente recorrente.

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,tratoraco-e-um-classico-da-corrupcao-com-recursos-do-orcamento,70003709581

 


Ricardo Noblat: Escândalo do orçamento secreto atinge em cheio governo Bolsonaro

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) é pouca coisa para investigar o governo do presidente Jair Bolsonaro, que se apresenta como inatacável e sujeito apenas a erros comuns.

Outra CPI, em breve, será proposta para investigar um orçamento secreto de R$ 3 bilhões, boa parte dele destinado à compra de tratores e equipamentos agrícolas a preços superfaturados.

É nitroglicerina pura o que descobriu o jornal O Estado de S. Paulo. A origem do orçamento secreto está no discurso de Bolsonaro de não lotear cargos no primeiro escalão do governo.

De um jeito ou de outro, a moeda de troca se deu por meio da transferência do controle de bilhões de reais do orçamento ao Congresso, tudo longe do olhar dos eleitores, segundo o jornal.

O Estadão teve acesso a 101 ofícios enviados por deputados federais e senadores ao Ministério do Desenvolvimento Regional para indicar como eles preferiam usar esses recursos.

Por “contrariar o interesse público”, Bolsonaro havia vetado a tentativa do Congresso de impor o destino de um novo tipo de emenda ao orçamento chamada RP9.

Tão logo se viu em apuros, porém, com medo da abertura de um processo de impeachment contra ele, Bolsonaro ignorou o próprio veto para atrair o apoio dos partidos do Centrão.

O que ele permitiu atropelou as leis orçamentárias, pois são os ministros de Estado que deveriam definir em que obras aplicar os recursos destinados ao pagamento de emendas parlamentares.

Os acordos para direcionar o dinheiro não são públicos, e a distribuição dos valores não é equânime entre os congressistas, atendendo a critérios eleitorais. Só ganha quem apoia o governo.

Davi Alcolumbre (DEM-AP), por exemplo, ex-presidente do Senado, determinou a aplicação de R$ 277 milhões de verbas públicas só do Ministério do Desenvolvimento Regional.

Ele precisaria de 34 anos no Senado para conseguir indicar esse montante por meio da tradicional emenda parlamentar individual, que garante ao congressista direcionar R$ 8 milhões ao ano.

Um caso exemplar é o do deputado Lúcio Mosquini (MDB-RO). O governo aceitou pagar R$ 359 mil num trator que, pelas regras normais, somente custaria R$ 100 mil aos cofres públicos.

“Recursos a mim reservados” foi a expressão usada em ofício pela deputada Flávia Arruda (PL-DF) para dirigir-se à Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf).

Atual ministra da Secretaria do Governo, Flávia definiu o destino de R$ 5 milhões do orçamento secreto. “Não me lembro. Codevasf?”, ela perguntou ao jornal. E depois justificou:

– É tanta coisa que a gente faz que não sei exatamente do que se trata.

O escândalo da hora privilegiou a compra de tratores. No passado, escândalos do mesmo gênero contemplaram a distribuição pelo governo federal de caminhões e ambulâncias a prefeituras.

À sua época de deputado federal, Bolsonaro manifestou indignação com tantos escândalos desse tipo. Agora, ele protagoniza um depois de proclamar que seu governo é imune à corrupção.

Fonte:

Metrópoles

https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/escandalo-do-orcamento-secreto-atinge-em-cheio-governo-bolsonaro


O Estado de S. Paulo: Bolsonaro cria orçamento secreto para base e esquema autoriza compras superfaturadas

Breno Pires, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Um esquema montado pelo presidente Jair Bolsonaro, no final do ano passado, para aumentar sua base de apoio no Congresso criou um orçamento paralelo de R$ 3 bilhões em emendas, boa parte delas destinada à compra de tratores e equipamentos agrícolas por preços até 259% acima dos valores de referência fixados pelo governo.

O flagrante do manejo sem controle de dinheiro público aparece num conjunto de 101 ofícios enviados por deputados e senadores ao Ministério do Desenvolvimento Regional e órgãos vinculados para indicar como eles preferiam usar os recursos.

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O detalhe é que, oficialmente, o próprio Bolsonaro vetou a tentativa do Congresso de impor o destino de um novo tipo de emenda (chamada RP9), criado no seu governo, por “contrariar o interesse público” e estimular o “personalismo”. Foi exatamente isso o que ele passou a ignorar após seu casamento com o Centrão.

Os ofícios, obtidos pelo Estadão ao longo dos últimos três meses, mostram que esse esquema também atropela leis orçamentárias, pois são os ministros que deveriam definir onde aplicar os recursos. Mais do que isso, dificulta o controle do Tribunal de Contas da União (TCU) e da sociedade. Os acordos para direcionar o dinheiro não são públicos, e a distribuição dos valores não é equânime entre os congressistas, atendendo a critérios eleitorais. Só ganha quem apoia o governo.

O senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), por exemplo, determinou a aplicação de R$ 277 milhões de verbas públicas só do Ministério do Desenvolvimento Regional, assumindo a função do ministro Rogério Marinho. Ele precisaria de 34 anos no Senado para conseguir indicar esse montante por meio da tradicional emenda parlamentar individual, que garante a cada congressista direcionar livremente R$ 8 milhões ao ano.

Ex-presidente do Senado, Alcolumbre destinou R$ 81 milhões apenas à Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), a estatal que controla, ao lado de outros políticos.

Um caso emblemático é o do deputado Lúcio Mosquini (MDB-RO). O governo aceitou pagar R$ 359 mil num trator que, pelas regras normais, somente liberaria R$ 100 mil dos cofres públicos. No total, o deputado direcionou R$ 8 milhões.

Há situações até em que parlamentares enviaram milhões para compra de máquinas agrícolas para uma cidade a cerca de dois mil quilômetros de seus redutos eleitorais. É o caso dos deputados do Solidariedade Ottaci Nascimento (RR) e Bosco Saraiva (AM). Eles direcionaram R$ 4 milhões para Padre Bernardo (GO). Se a tabela do governo fosse considerada, a compra sairia por R$ 2,8 milhões. À reportagem, Saraiva disse que atendeu a um pedido de Nascimento, seu colega de partido. Por sua vez, Nascimento afirmou ter aceito um pedido do líder da legenda na Câmara, Lucas Vergílio (GO).

Planilha secreta do governo obtida pelo Estadão revela que Alcolumbre também destinou R$ 10 milhões para obras e compras fora do seu Estado. Dois tratores vão para cidades no Paraná, a 2,6 mil quilômetros do Amapá. Sem questionar, o governo concordou em comprar as máquinas por R$ 500 mil, quando pelo preço de referência sairiam por R$ 200 mil.

As máquinas são destinadas a prefeituras para auxiliar nas obras em estradas nas áreas rurais e vias urbanas e também nos projetos de cooperativas da agricultura familiar. Os políticos costumam promover festas de entrega dos equipamentos, o que lhes garante encontros e fotos com potenciais eleitores em ano pré-eleitoral.

Ao serem entrevistados, deputados e senadores negavam o direcionamento dos recursos ou se recusavam a prestar informações. Confrontados com ofícios assinados por eles e a planilha do governo, acabaram por admitir seus atos.

‘Minha cota’ e ‘fui contemplado’: os termos nos ofícios dos parlamentares 

O deputado Vicentinho Junior (PL-TO) escreveu à Codevasf que havia sido “contemplado” com o valor de R$ 600 mil para compra de máquinas. “Dificilmente esse ofício foi redigido no meu gabinete, porque essa linguagem aí, tão coloquial, eu não uso”, disse.

Somente após o Estadão encaminhar o documento, Vicentinho Junior admitiu a autoria, mas minimizou a expressão “contemplado” ali utilizada. “Às vezes, uma colocação nesse sentido nada mais é do que ser simpático”, resumiu.

“Minha cota”, “fui contemplado” e “recursos a mim reservados” eram termos frequentes nos ofícios dos parlamentares. Foi dessa última forma que a deputada e atual ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda (PL-DF), se dirigiu à Codevasf para definir o destino de R$ 5 milhões. “Não me lembro. Codevasf?”, perguntou ao Estadão.

Ao ler o documento, Flávia desconversou: “É tanta coisa que a gente faz que não sei exatamente do que se trata”. Nem tudo, porém, é registrado. O senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL) admitiu que “ditou” para o ministro Marinho onde R$ 7 milhões deveriam ser aplicados.

Na prática, a origem do novo esquema está no discurso de Bolsonaro de não distribuir cargos, sob o argumento de não lotear o primeiro escalão do governo. De um jeito ou de outro, a moeda de troca se deu por meio da transferência do controle de bilhões de reais do orçamento ao Congresso. Tudo a portas fechadas, longe do olhar dos eleitores.

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Fonte:

O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bolsonaro-cria-orcamento-secreto-em-troca-de-apoio-do-congresso,70003708713