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'Golpe de 64 mergulhou o país em ditadura de 21 anos', lembra João Batista

Em artigo publicado na revista Política Democrática Online de março, cineasta e escritor faz uma visão saudosista do período antes da ditadura militar

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

O cineasta e escritor João Batista faz um relato emocionante da migração do cinema para a literatura, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de março. A publicação mensal é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

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No início da década de 1960 do século 20, conforme ele conta, a cultura brasileira dava um salto para a modernidade. “O golpe de 1964 jogou por terra essa utopia, mergulhando o país em uma ditadura de 21 anos”, lembra ele.

“Para minha geração, o cinema encarnava uma utopia vigorosa”, afirma. “Vindo do interior mineiro, entrei na Poli (Escola Politécnica da USP) em 1960, já com 20 anos, muita imaginação, crise existencial profunda e pouco conhecimento cultural”, lembra.

“Rica formação”

Batista conta que as crises se sucediam, principalmente em meio à eleição de Jânio, renúncia com golpe explícito, militares tentavam impedir a posse de Jango, mas, segundo ele, Jango tomava posse gerando um governo popular seguindo a mesma crise que se aprofundava até o golpe de 1964. “De qualquer maneira, um período rico de formação”, diz.

“Em quatro anos passando da esperança, da luta à derrota para os militares, enquanto, bebendo do porre democrático do governo JK, a cultura brasileira dava um salto para a modernidade”, relata. “Bossa Nova, Teatro Novo, Cinema Novo. Minha geração finalmente tinha sua trilha traçada rumo ao futuro, distanciando-se de uma Brasil atrasado e pobre”, acrescenta.

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Rubens Barbosa: Mercosul, 30 anos

Bloco precisa de um freio de arrumação para resgatar os objetivo iniciais

O Tratado de Assunção, que criou o Mercosul, comemora 30 anos esta semana. Como mecanismo de abertura de mercado e liberalização de comércio, o Mercosul está estagnado e se tornou irrelevante do ponto de vista comercial, representando hoje apenas 6,2% do intercâmbio total do Brasil, depois de ter subido a quase 16% do comércio exterior total nos anos 1990.

Nas quase três décadas de existência, o processo de integração dos países do Cone Sul alternou períodos de forte expansão e estagnação, tanto do ponto de vista econômico quanto institucional. Em geral, do ponto de vista do setor privado, o exercício foi positivo, no sentido de que os empresários passaram a se envolver nas negociações de acordos comerciais e a voltar sua atenção para nosso entorno como mercado para seus produtos manufaturados.

Desde o início o Mercosul enfrentou desafios para sua construção. Uma de suas características ao longo de todos esses ano foi a incerteza quanto à sua consolidação e ao seu futuro. A ideia de formar um mercado comum em quatro anos, a partir de 1991, como previsto no tratado, simboliza o grau de ambição não respaldada na realidade de todo o processo. A consolidação e o futuro do Mercosul sempre ficaram na dependência da evolução econômica e comercial de seus membros e de decisões políticas que afetaram a evolução natural do bloco. Por mais de dez anos, politizado, transformou-se em fórum político e social e aceitou a Venezuela como membro pleno.

A situação atual não é diferente. Há desafios políticos e técnicos que tornam o processo de integração sub-regional ainda mais incerto.

No campo político, os presidentes da Argentina e do Brasil, por motivações ideológicas, não se falam há dois anos. As conversas continuam em nível técnico, mas o apoio do mais alto nível inexiste. No ano passado a Argentina anunciou que deixaria de participar das negociações dos atuais acordos comerciais e das futuras negociações do bloco, para depois recuar e informar que continuaria nas negociações do Mercosul, mas em ritmo diferente dos demais membros. A justificativa principal argentina foi de que estava tomando a decisão para evitar os efeitos negativos da pandemia. Posteriormente, a Argentina decidiu que não participaria das negociações com a Coreia do Sul para não afetar a sua indústria. As negociações para a inclusão de açúcar e automotriz continuam fora do Mercosul, pela resistência argentina.

Com relação à Tarifa Externa Comum (TEC) – tão perfurada que justifica a qualificação do bloco como união aduaneira imperfeita –, o Brasil em 2109 propôs uma redução de 50% e agora aceita discutir a redução a cerca de 10%, sempre com a oposição da Argentina. O acordo de livre-comércio mais importante, negociado com a União Europeia, está paralisado por objeções de alguns países europeus em razão da política de meio ambiente brasileira. Estão em negociação ou sendo preparados acordos com Efta, México, Canadá, Líbano, Cingapura, Coreia do Sul, América Central, Reino Unido, Indonésia e Vietnã.

Este ano, por iniciativa do Uruguai, foi revivida a proposta de flexibilizar o Mercosul para permitir a seus membros, individualmente, concluir acordos de livre-comércio com outros países. Pretende-se que na reunião de cúpula virtual prevista para 26 de março essa ideia comece a ser examinada. Mas a discussão vai ser longa em função de interesses concretos que dificultam a superação de questões técnicas (como ficaria a TEC, o Tratado de Assunção teria de ser renegociado?) e políticas (fim da união aduaneira e volta a uma área de livre-comércio?).

Cabe registrar recentes avanços significativos: os acordos comerciais com os demais países da América do Sul formaram uma área de livre-comércio na região; o Estatuto da Cidadania, acordo sobre previdência social, educação, circulação na fronteira, residência, passaporte comum; negociação com diversos países de acordos de facilitação de comércio, de cooperação de investimento, de comércio eletrônico e de compras governamentais. Em termos institucionais, redução de órgãos, simplificação da burocracia interna e enxugamento do orçamento do Mercosul.

O fortalecimento do Mercosul, em termos econômicos, requer vontade política para entender o que está acontecendo no mundo e reagir adequadamente. Além da flexibilização e da redução da TEC, novos temas precisam ser discutidos, como cadeia produtiva regional, acumulação de origem, autonomia regional soberana, 5G e estratégia de negociação conjunta. O Protocolo de Ouro Preto, que criou a união aduaneira, em 1994, prevê em seu artigo 47 que os países-membros poderão convocar uma conferência diplomática para examinar sua estrutura, seu funcionamento e sua operação. Convocada pela primeira vez, essa conferência poderia, com visão de futuro, discutir políticas e medidas para fortalecer e revigorar o Mercosul.

Apesar das incertezas e dos desafios, nenhum país-membro está preparado para pagar o preço de pôr em risco a existência do Mercosul. Depois de 30 anos, o Mercosul precisa de um freio de arrumação para resgatar os objetivos iniciais de livre-comércio interno e maior inserção externa.

EX-COORDENADOR NACIONAL DO MERCOSUL (1991-1994)


Lei de autonomia do Banco Central deve resultar em juros mais baixos, avalia Jorge Jatobá

Em artigo na revista Política Democrática Online, economista defende independência da maior instituição monetária do país

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

O doutor em Economia pela Universidade de Vanderbilt (EUA) Jorge Jatobá vê como positiva lei que classifica o Banco central como autarquia de natureza especial caracterizada pela “ausência de vinculação a ministério, de tutela ou de subordinação hierárquica”. É o que ele diz em artigo publicado na revista Política Democrática Online de março.

Com periodicidade mensal, a revista é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. A versão flip, com todos os conteúdos, pode ser acessada gratuitamente na seção de revista digital do portal da entidade.

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“Espera-se que, com a formalização em lei da independência do Banco Central, possamos ter também taxas de juros mais baixas em comparação com os padrões históricos”, assevera o economista.

Juros mais baixos

De acordo com ele, maior confiança diminui riscos que se expressam em juros mais baixos. “A política monetária exercida pelo Banco Central, em harmonia com a política fiscal, poderá também moderar os ciclos econômicos e reduzir o desemprego”, acredita.

No artigo da revista Política Democrática Online, Jatobá diz que a história ensina que banco central sem autonomia poderia sofrer fortes pressões do presidente de plantão. Isto, segundo ele, para financiar gastos públicos via emissão de moedaou quantitative easing ou para baixar a taxa de juros artificialmente em desalinho com que a macroeconomia ditaria ser a taxa de juros de equilíbrio.

“Poderia também ser instado a intervir de forma mais agressiva do que o faz, eventualmente, para evitar desvalorizações sucessivas do real perante o dólar, desestabilizando a taxa de câmbio e comprometendo reservas em moedas estrangeiras”, assevera.

Prejuízo

O Banco Central, de acordo com o artigo na revista da FAP, precisa de credibilidade junto aos atores econômicos e ser capaz de ancorar, pela confiança que inspira no mercado, a inflação em torno do centro da meta. “Um banco central sem credibilidade seria prejudicial à economia”, alerta.

Jatobá lembra, na revista Política Democrática Online, que um argumento contra a independência do banco central muito usado durante campanhas eleitorais é de que sua autonomia, com mandatos para presidente e diretores, submeteria o interesse público aos do sistema financeiro.

No entanto, de acordo com o economista, essa tese “não tem apoio na experiência de dezenas de bancos centrais independentes ao redor do mundo”. “Presidentes de bancos centrais têm de conhecer bem o funcionamento, os mecanismos e os meandros do sistema financeiro, quer seja egresso dos quadros da instituição, ou não”, afirma.

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Brasil deve priorizar vacina e renda emergencial para quase 10 milhões de pessoas

Análise é do economista José Luis da Costa Oreiro, em artigo na revista Política Democrática Online

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

O professor de economia da UnB (Universidade de Brasília) José Luis da Costa Oreiro afirma que o Brasil deve assumir como prioridade a vacinação contra a Covid-19 e um programa de renda emergencial. A análise dele foi publicada em artigo na revista Política Democrática Online de março.

Com periodicidade mensal, a revista é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. A versão flip, com todos os conteúdos, pode ser acessada gratuitamente na seção de revista digital do portal da entidade.

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“No presente momento, os problemas realmente urgentes no Brasil são dois”, afirma, para continuar: “Controlar a pandemia da Covid-19 por intermédio de um grande programa de vacinação e proporcionar uma renda emergencial para quase 10 milhões de brasileiros que perderam seus empregos ou saíram da força de trabalho por conta da pandemia”.

“Condição necessária”

Autor do livro “Macroeconomia do Desenvolvimento: uma perspectiva Keynesiana”, Oreiro diz que, uma vez contornados esses problemas, será necessário construir um verdadeiro programa de reformas estruturais para retomar o crescimento econômico. “Condição absolutamente necessária para reduzir o peso do endividamento público no longo prazo”. 

Em seu artigo na revista Política Democrática Online, ele analisa a tese de que, se o Brasil não voltar, de forma urgente, à “disciplina fiscal”, irá caminhar para uma espécie de abismo fiscal.

Nesse cenário, “o mercado irá exigir taxas de juros cada vez mais altas para a rolagem da dívida pública, e a taxa de câmbio continuará sua trajetória de desvalorização, aumentando a pressão inflacionária, levando, no limite, a um processo hiperinflacionário”, analisa.

“Abismo fiscal”

De acordo com a análise publicada na revista da FAP, não existem dúvidas entre os economistas de que não é possível que a dívida pública como proporção do PIB aumente indefinidamente. “A questão é saber qual seria o limite da relação dívida pública/PIB, a partir do qual o país cairia no abismo fiscal”, afirma.

Segundo ele, alguns economistas afirmam que o “número mágico” seria 100% do PIB. “Se assim fosse, a dívida pública brasileira estaria apenas 10 % abaixo do horizonte de eventos do abismo fiscal”, avalia. “Nesse caso, seria de se esperar que o custo médio de carregamento da dívida pública já estivesse apresentando sinais nítidos de elevação”, pondera.

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China tem investimentos em 25 estados brasileiros, diz Luiz Augusto de Castro Neves

Informação é do presidente do Conselho Empresarial Brasil-China, em artigo na Política Democrática Online

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

“No Brasil, os investimentos chineses estão presentes em 25 estados da federação”, diz o presidente do Conselho Empresarial Brasil-China, o economista Luiz Augusto de Castro Neves, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de março.

Com periodicidade mensal, a revista é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. A versão flip, com todos os conteúdos, pode ser acessada gratuitamente na seção de revista digital do portal da entidade.

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“A China consolida-se como ator de primeira grandeza no cenário internacional, seu produto interno bruto já é o maior do planeta, se medido em paridade de poder de compra (e provavelmente será o primeiro a preços de mercado ainda nesta década), e sua presença já se faz sentir em todos os quadrantes do mundo”, afirma Neves.

Relações fundamentais

Ele, que é embaixador no Japão, na China e no Paraguai, afirma que as relações econômicas e comerciais sino-brasileiras têm sido fundamentais para evitar o agravamento da crise econômica. Segundo ele, o país asiático continua a crescer muito mais do que a média da economia mundial e sua demanda por produtos brasileiros não para de crescer.

“Nosso desafio, nesse contexto, é buscar aproveitar plenamente as janelas de oportunidade que se nos abrem na China”, assevera ele, analisando o contexto das relações econômicas entre os dois países.

De acordo com Neves, as relações entre o Brasil e a China podem ganhar outra dimensão quando se examina a parceria entre os dois países com um olhar de longo prazo. “Sobretudo quando se tem em mente que a demanda externa desempenhará um papel central na retomada do crescimento da economia brasileira”, afirma.

Arrocho fiscal

O profundo desequilíbrio fiscal em que o Brasil se encontra, de acordo com Neves, dificilmente será corrigido nos próximos anos, levando a um crescimento modesto da demanda interna.  Ele também é membro do Conselho de Administração do Grupo Pão de Açúcar.

O aproveitamento pleno das janelas de oportunidade requer do Brasil, segundo ele, aumento de competitividade internacional mediante investimentos em infraestrutura, em capital humano, bem como fortalecer o ambiente de negócios.

“Em suma, precisamos ter estratégia de longo prazo em nossas relações com a China e, sobretudo, fazer nosso ‘dever de casa’”, assinala ele, que é ex-secretário-geral adjunto das Relações Exteriores e ex-diretor-geral para as Américas no Itamaraty.

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Evandro Milet: Transformar para não quebrar

Transformação digital(TD) está na moda. E como toda moda na gestão de empresas parte de uma visão nova que faz todo sentido, mas é entendida por muitos, e aplicada, de forma superficial e equivocada, se tornando em muitos casos apenas um irrelevante modismo. O livro “Transformação Digital” de Antônio Salvador e Daniel Castello dá boas dicas para um entendimento correto do tema.

Um primeiro equívoco é achar que TD é tecnologia. TD é muito mais que tecnologia. É o redesenho da operação, da forma de gerar valor ao consumidor, do modo de pensar e da maneira de competir, bem como a capacidade de entrar em novos mercados.

A jornada da TD passa por três estágios. O primeiro é embarcar na empresa novas ferramentas, trocar processos físicos por digitais e automatizar tarefas. Por exemplo, colocar um chatbot(robô de software) para conversar com clientes no telefone, como já fazem bancos e outras empresas. O segundo é a transformação digital de funções. A adoção de tecnologias altera os papéis das pessoas nas empresas, impactando a rotina de áreas inteiras como RH, financeiro ou operações. O terceiro estágio - e o mais complexo - é a TD do negócio, que acontece quando a empresa se reinventa usando as tecnologias digitais disponíveis e os novos modelos de negócio que melhoram sua performance como um todo ou até ampliam sua atuação para outras áreas.

A TD verdadeira é mudança de cultura. TD é a possibilidade de ter processos nunca feitos antes, que eram impossíveis de imaginar, seja por limitações de comunicação ou tecnologia.

E por quê as startups têm um papel importante na TDs? Tudo na startup é ágil. Elas usam dados intensamente para entender o que está acontecendo. Confiam mais em fatos que em feeling e, claro, não têm nada a perder - nem reputação, nem uma fatia do mercado, como acontece em negócios maiores ou mais estabelecidos. Por isso tendem a assumir mais riscos. Como diz uma piada conhecida do setor de tecnologia, Deus só construiu o mundo em sete dias porque não tinha “legado”. Outras características dessas empresas: se convencem os investidores de que possuem uma boa ideia, podem ficar com tanto dinheiro em caixa quanto muitas organizações gigantes do setor; além da ausência de compromisso com o lucro durante o período de crescimento.

O livro dá algumas dicas para um processo de TD. Primeiramente, manter uma hiperatenção sobre o ambiente. É a capacidade de observar o ambiente de negócios e constantemente coletar informações para detectar mudanças ou oportunidades, inclusive no próprio negócio. E ter um senso de futurismo. Construir essa competência começa por consumir informações. Pode ser lendo notícias, vendo um documentário, fazendo um curso, conversando com especialistas, frequentando eventos, monitorando várias fontes sem estar ancorado por uma única perspectiva.

Outra dica é praticar a cultura da experimentação. Antes da era digital fazer testes custava caro, demorava, era arriscado e envolvia uma complexidade logística, pois o cliente não estava a um clique de distância. Agora, com o uso de tecnologia e dados e a possibilidade de monitorar o comportamento de pessoas em tempo real, é possível experimentar mais, de maneira mais barata e com menos risco antes de empacotar o produto.

Por fim, implementar a capacidade de execução rápida com organização de squads(pequenos grupos multidisciplinares) e a utilização de metodologias ágeis. Enfim, trazer o espírito startup para dentro das empresas.

Não é fácil fazer, mas quem não fizer arrisca o seu negócio.


Felipe Frazão: Ernesto Araújo dorme prestigiado e acorda fritado

Demissão foi ‘lançada’ por Mourão mesmo após chanceler participar de cerimônia, na véspera, com Bolsonaro

BRASÍLIA – O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, dormiu prestigiado pelo presidente Jair Bolsonaro e acordou com a cabeça a prêmio, “fritado” (no linguajar político) pelo vice-presidente Hamilton Mourão. Cogitada há meses, a demissão do chanceler foi lançada pelo general como passo do governo num futuro próximo, passada a eleição interna no Congresso, marcada para a próxima segunda-feira.

Antes de falar no Fórum Econômico Mundial para tentar limpar a imagem do País perante a nata do PIB mundial, Mourão citou nesta quarta-feira, 27, o ministro das Relações Exteriores como um dos possíveis demitidos na reforma ministerial que deverá acomodar a “nova composição política do governo”. “Talvez, nisso aí, alguns ministros sejam trocados, entre eles o próprio MRE (Ministério das Relações Exteriores). No caso específico das Relações Exteriores, é algo que fica na alçada do presidente”, afirmou Mourão, em entrevista à rádio Bandeirantes.

Mourão foi a primeira autoridade do governo a falar abertamente sobre o plano de demissão de Araújo. O vice reclama de ser cada vez menos ouvido por Bolsonaro e seus gabinetes trabalham sem coordenação, ao menos em matéria de política internacional. Mas Mourão não fala apenas por si. Ele vocalizou o apetite político do Centrão, grupo aliado em que Bolsonaro aposta para vencer a eleição da Câmara e no Senado e blindar seu mandato. No Palácio do Planalto, outros auxiliares do presidente já discutiram a substituição e, reservadamente, especularam nomes de substitutos, entre diplomatas e políticos. Araújo desagrada o meio militar desde o início do governo, quando generais palacianos recebiam embaixadores e tutelavam a condução da diplomacia.

A troca tem apoio de setores econômicos, como os ruralistas, parlamentares, acadêmicos e embaixadores aposentados. No Itamaraty, até diplomatas da ativa e em início de carreira perderam a inibição de comentar nos corredores a demissão. Por temerem retaliações, eles falam apenas sob anonimato e avaliam que, embora haja nomes experientes em alta conta com o discurso de Bolsonaro, como Maria Nazareth Farani Azevêdo e Luís Fernando Serra, cairia bem um político para dar à chancelaria a liberdade e a desenvoltura que Araújo demonstrou não ter.

O calendário que sugerem coincide com o do vice. A substituição ocorreria após as eleições na Câmara e no Senado, foco principal do governo, e algum tempo depois da posse de Joe Biden como presidente nos Estados Unidos. Seria uma forma de desvincular os episódios e de não parecer que Bolsonaro faz uma concessão ao democrata. O timing, porém, contrasta com atitudes recentes do presidente. Na noite de terça-feira, dia 26, o chanceler e sua mulher, a diplomata Maria Eduarda de Seixas Corrêa, sentaram-se à mesa presidencial na celebração do 72.º Dia da República da Índia. O país asiático é o novo queridinho de Bolsonaro por ter liberado, com atraso, a exportação de 2 milhões de vacinas AstraZeneca/Oxford contra a covid-19, fabricadas em laboratório indiano. A vacina é uma das apostas do governo para reduzir a pressão contra o impeachment.

O casal diplomático dividiu a mesa com Bolsonaro e a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, o ministro da Casa Civil, general Braga Netto, e a mulher, Kathya Braga Netto. Além deles, só os anfitriões do convescote, o embaixador indiano, Suresh Reddy, e a embaixatriz, Sneha Reddy. PARA ENTENDERVeja o placar da eleição para presidente da Câmara dos DeputadosBaleia Rossi, candidato de Rodrigo Maia, e Arthur Lira, apoiado por Bolsonaro, lideram corrida pela presidência da Casa; siga distribuição de votos por deputado, partidos e Estados

“Ouso dizer que o Brasil cada vez mais fortalece suas relações exteriores, nos projetando num cenário de muita prosperidade para esses países e para nós”, disse Bolsonaro ao lado de Araújo na recepção concorrida entre ministros e diplomatas no Clube Naval. O chanceler depois cumprimentou convidados e conversou de pé com outros expoentes ideológicos do governo, como Filipe Martins, assessor internacional do Palácio do Planalto, e o diplomata Roberto Goidanich, presidente da Fundação Alexandre de Gusmão, vinculada ao Itamaraty.

Na quinta-feira passada, mais um sinal de prestígio às gestões diplomáticas. Bolsonaro escalou o chanceler para ir pessoalmente receber e ciceronear, com o embaixador Reddy, e os ministros Eduardo Pazuello (Saúde) e Fábio Faria (Comunicações), o lote de vacinas enviadas pela Índia nos aeroportos de Guarulhos (SP) e do Galeão (RJ). Também convidou o ministro para aparecer na live semanal, momento em que fortaleceu sua atuação, ao citar a política externa como “excepcional”. 

“Quem demite ministro sou eu”, afirmou Bolsonaro, rechaçando a especulação de que a China teria cobrado sua demissão, algo considerado improvável e inaceitável por diplomatas de todos os lados. Em verdade, parlamentares com trânsito na embaixada chinesa, como Fausto Pinato (PP-SP), cobram há meses a saída de Araújo, ecoando a insatisfação de Pequim. Além do atraso na vacina da Índia, Araújo foi questionado nas últimas semanas pelos percalços em conseguir a liberação de insumos chineses para produção de vacinas no Brasil, pela Fiocruz e pelo Instituto Butantan. 

O governo Bolsonaro disputou o protagonismo na negociação e liberação com o governador João Doria (PSDB), de São Paulo. Doria disse que o empenho foi das autoridades estaduais e chamou Bolsonaro de “parasita”. Secretários do Itamaraty afirmam, porém, que a rede diplomática estava envolvida nos trâmites desde dezembro do ano passado, a pedido da Anvisa. Eles dizem que nunca houve problema político afetando a relação com a China, mas sim de burocracias chinesas para importação e que a embaixada em Pequim atuou ativamente para conseguir os insumos.

O presidente, mais uma vez, usou as redes sociais para elogiar e fortalecer Araújo, que possui pouca interlocução com os chineses e chegou a ser isolado de conversas. Em defesa dele, auxiliares ponderam que, na praxe diplomática, o chanceler costuma se relacionar com governos estrangeiros, cujos representantes em Brasília têm liberdade e credenciais para lidar diretamente com os demais ministros e autoridades do governo brasileiro. Dessa forma, Araújo não participaria de algumas negociações, nem atenderia com frequência a todos os embaixadores estrangeiros. Ele, no entanto, sempre prestigiou embaixadores que representam presidentes alinhados a Bolsonaro.

Outra operação mal sucedida foi o pedido de ajuda para o abastecimento de oxigênio no Amazonas. O empréstimo de aviões cargueiros militares dos EUA e de remessa de oxigênio hospitalar não prosperou. Houve apelos diplomáticos em Brasília e Washington, além de um telefonema de Ernesto Araújo ao então secretário de Estado Mike Pompeo, já fora do cargo com a saída de Trump. Chegou primeiro o socorro liberado pela Venezuela, onde a empresa fornecedora White Martins localizou uma carga disponível. O regime do presidente Nicolás Maduro, com quem Bolsonaro não mantém relações, liberou o apoio, o que gerou um constrangimento ao Planalto.

A demissão de Ernesto Araújo tem um custo para o presidente. Ao desalojá-lo do Palácio Itamaraty, Bolsonaro corre risco de desapontar apoiadores radicais que veem no embaixador um dos últimos ministros olavistas da Esplanada. Ele é cada vez mais popular nesses grupos nas redes sociais e difunde discursos que caem no gosto da nova direita conservadora. A militância reclamou da demissão a contragosto do ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub. Exonerado por disparar ameaças contra ministros do Supremo, ele ganhou uma saída honrosa ao ser indicado para cargo no Banco Mundial.

O chanceler deu palanque a blogueiros e youtubers bolsonaristas, que ganharam espaço e divulgação oficial por meio de seminários e debates promovidos pela Fundação Alexandre de Gusmão. “O legado do Barão (do Rio Branco, patrono da diplomacia) está bem guardado: soberania, segurança, grandeza da nação. Só estamos ameaçando o legado da política terceiro mundista, muito ‘pragmática’ em financiar tiranos e facilitar criminosos, obsequiosa ao multilateralismo antinacional, desdenhosa do povo brasileiro”, escreveu o chanceler, em recado há três dias.

Atritos com embaixador chinês

Araújo ficou marcado ainda por se indispor com o embaixador chinês, Yang Wanming, ao intervir em atritos criados por comentários entendidos como ofensivos do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente. Araújo não questionou Eduardo e repreendeu o chinês. Em textos, o ministro também classificou o ex-presidente Donald Trump como potencial “salvador” do Ocidente e usou o termo “comunavírus”, numa referência que ecoou as acusações de negligência de Pequim e especulações sem prova de que o vírus teria sido criado e ocultado pelo Partido Comunista Chinês.

A manutenção de Araújo, por outro lado, se torna mais cara com mudança na Casa Branca, onde é visto como “trumpista”. A divergência com o discurso de Biden é evidente. Enquanto o presidente norte-americano condenou a invasão do Capitólio por “terroristas domésticos”, como chamou extremistas incitados por Trump, o chanceler brasileiro lamentou as mortes de 6 de janeiro, mas escolheu outras palavras. Falou em “cidadãos de bem” e cogitou a hipótese de haver elementos “infiltrados”. Para ele, parte do povo americano se sentiu “agredida e traída pela classe política”.

O embaixador Todd Chapman, dos Estados Unidos, mudou o tom com a derrota de Trump e, num recado ao Palácio e ao Itamaraty, pediu “atenção às palavras” nas comunicações entre Bolsonaro e o gabinete democrata de Joe Biden. Com trânsito livre no governo brasileiro, ele também falou em “respeito” e pediu adesão à realidade. Questionado sobre a narrativa de fraude eleitoral nos EUA endossada por Bolsonaro, respondeu em conversa com jornalistas que não é correto espalhar informações falsas.

O chanceler tem promovido algumas moderações para ganhar sobrevida. Um exemplo foi a carta em tom diplomático enviada por Bolsonaro a Biden. Os americanos entenderam o tom da missiva como “construtivo”, mas cobram avanços concretos em questões de atrito, como a política do meio ambiente. Diplomatas ponderam que Araújo é profissional de carreira e, como tal, está acostumado a transições de governo, podendo moldar o discurso e se adaptar às circunstâncias políticas. Além disso, fez carreira ligado a temas de EUA, serviu no país e conhece a política de Washington. 

Na última sexta-feira, Araújo disse ao SBT sentir-se feliz e tranquilo no cargo. “Abundam fake news de maneira impressionante em Brasília”, respondeu, quando indagado sobre sua demissão. Afirmou que Bolsonaro lhe dá segurança desde o primeiro dia no cargo e confia no seu trabalho. Aproveitou para se colocar como capaz de permanecer à frente do Itamaraty, dizendo ter “condições de implementar a política externa que o presidente quer”.


Rolf Kuntz: Presidente dos EUA se torna um novo desafio para Bolsonaro

Com a política de Biden, a relação entre comércio e meio ambiente poderá ganhar uma importância desconhecida até agora. Quem cuidará disso no governo?

O combate à mudança climática será um dos pontos centrais da diplomacia, da política de segurança nacional e dos planos econômicos do governo americano, anunciou ontem o presidente Joe Biden. O mesmo recado foi transmitido em sessão do Fórum Econômico Mundial pelo representante especial da Casa Branca para questões do clima e do ambiente, John Kerry, secretário de Estado no governo do presidente Barack Obama. Não há escolha, disse Kerry, entre criar empregos pelo crescimento econômico e cuidar do ambiente. Grandes empresários, acrescentou, já apontam o caminho. Em seguida citou, entre outros, o bilionário Elon Musk, fabricante de carros elétricos.

O anúncio dá uma nova dimensão à advertência feita pelo candidato Joe Biden, num debate eleitoral, sobre a devastação da Amazônia. Eleito, poderia contribuir com bilhões de dólares para a preservação da floresta ou impor restrições comerciais ao Brasil. Resposta do presidente Jair Bolsonaro: “Depois que acaba a saliva, tem de ter pólvora. Não precisa nem usar a pólvora, mas tem de saber que tem”.

O enviado John Kerry nem sequer mencionou o Brasil. Mas citou uma grande potência econômica e militar, a China, responsável, segundo ele, por 30% das emissões de carbono. Nenhuma rivalidade comercial, afirmou, ofuscará a união dos governos americano e chinês a favor de políticas sustentáveis. Dois dias antes do enviado da Casa Branca, o presidente da China, Xi Jinping, havia discursado em defesa do multilateralismo, da cooperação econômica, do respeito às normas internacionais e da colaboração contra a covid-19 e na busca de grandes objetivos comuns.

Os dois pronunciamentos afirmaram valores muito diferentes daqueles proclamados pelo presidente Donald Trump, seguidos por seu discípulo Jair Bolsonaro incorporados na diplomacia executada pelo ministro Ernesto Araújo. A reunião do Fórum de Davos, nesta semana, foi em parte uma celebração de uma era pós-Trump: proteção do ambiente, multilateralismo, cooperação contra a covid-19 e ação coordenada para uma economia mais verde foram bandeiras defendidas em várias sessões, a partir de vários ângulos.

Malsucedido em sua única participação numa reunião anual do Fórum, em 2019, o presidente Jair Bolsonaro decidiu novamente faltar. Foi substituído pelo vice-presidente Hamilton Mourão, escalado para uma sessão sobre a Amazônia

Foi um evento morno, com presença de vários brasileiros, do presidente da Colômbia, Iván Duque, e do presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Mauricio Claver-Carone. Falou-se de planos para preservação da floresta, comentou-se o potencial econômico da região e o presidente do BID prometeu ajuda. Não houve críticas nem autocríticas.

O presidente Bolsonaro evitou os incômodos de participação no Fórum, mas terá de reconhecer, no dia a dia, os desafios da nova política americana. Muito ocupado com a reeleição e com seus assuntos familiares, provavelmente deixará as questões econômicas e diplomáticas para outras pessoas. Com a política de Biden, a relação entre comércio e meio ambiente poderá ganhar uma importância desconhecida até agora. Quem cuidará disso no governo?

*É JORNALISTA


Ruy de Almeida Silva e Monica Herz: O Atlântico Sul na competição entre as grandes potências

Os próximos episódios mostrarão como o Brasil se sairá nessa jornada

Filmes sobre o embate URSS EUA durante a Guerra Fria invadiram nossas telas entre os anos 50 e 90 do século passado. O vilão agora é outro e o anterior virou coadjuvante. A Rússia, por ainda ter um enorme arsenal nuclear, é esse personagem. O enredo é a competição entre as grandes potências, deixando em segundo plano a chamada “guerra ao terror”, e se desenrola, como um filme de 007, com ações nas várias regiões do mundo. Assim, poderia ser sintetizada, para os amantes do cinema, parte da Estratégia Nacional dos Estados Unidos, assinada em 2017, pelo Presidente Donald Trump

Segundo o documento, a China é agora o principal competidor que deve ser contido. Tarefa mais difícil, pois o “vilão” tem como principal instrumento o seu poder econômico. Competição  e  contenção que naturalmente afetam o Brasil e o Atlântico Sul, assim como ocorreu no primeiro filme, que tinha como pano de fundo a Guerra Fria. Em 1986, liderados pelo Brasil, os países do Atlântico Sul, preocupados com a possibilidade da competição entre as grandes potências gerar instabilidade e nuclearização na região, criaram a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS), aprovada na Assembleia das Nações Unidas, com o voto contrário dos Estados Unidos da América. Para além da paz, a ZOPACAS também tinha como um dos seus objetivos a cooperação para o desenvolvimento econômico e social, a proteção dos recursos naturais vivos e do meio-ambiente marinho. 

Trinta e quatro anos depois, a ZOPACAS pouco avançou. A competição entre EUA e China traz de volta o risco da militarização, nuclearização e instabilidade no Atlântico Sul. Logicamente, as circunstâncias não são as mesmas. Naquela época, o Brasil, principalmente a partir da política externa pragmática do Presidente Geisel, estabeleceu, em 1974, relações com a China; e desenvolveu uma estratégia voltada para os interesses brasileiros, que contribuiu para que nas décadas seguintes houvesse a aproximação com a Argentina, a criação do Mercosul, e da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL).

No lado africano, o reconhecimento da independência de Angola. A derrota do apartheid na África do Sul e o apoio à independência da Namíbia, contribuíram para a aproximação com aquele continente e a criação, em 2006, da Cúpula América do Sul-África. No campo marítimo-naval, a Marinha do Brasil, durante os anos 1970, também mudava sua concepção estratégica, fundamentada na visão norte-americana da defesa hemisférica, para uma concepção calcada nos interesses marítimos brasileiros. A Política Básica e Diretrizes da Marinha, que esboçava essa nova postura, é publicada em fevereiro de 1977, praticamente um mês antes da denúncia pelo Brasil do acordo militar com os EUA.  

Hoje, o cenário é diferente. O mundo vive uma crise sanitária e econômica e a política externa brasileira elegeu os EUA como sua prioridade, deixando em segundo plano a América do Sul. O governo argentino e o Mercosul sofrem ataques de autoridades do governo, o Brasil saiu da UNASUL e a Cúpula América do Sul-África perdeu ímpeto.

A importância econômica e geo- estratégica do Atlântico Sul é inegável, tanto para o fluxo comercial como para a exploração econômica e para o sistemas de comunicações globais via cabos submarinos. A agenda ambiental na região está em fluxo e as preocupações com atividades criminais são muito significativas. Os Estados Unidos, diversos países da OTAN e a China partilham desta perspectiva. A presença da China e de países da OTAN na região é bastante óbvia. Ademais, EUA e Grã Bretanha  estão presentes militarmente na ilha de Ascenção, nas Malvinas e Georgia do Sul. Em 2009, o governo americano reativou a IV frota, subordinada ao Comando Sul dos Estados Unidos, que tem como “área de responsabilidade” o Atlântico Sul e o Caribe. A China por sua vez vem avançando sua capacidade marítima global e investimentos em infra estrutura associadas à circulação marítima e no final do ano passado realizou o primeiro exercício naval com a Rússia e a África do Sul na área marítima  adjacente a este país.  

A China é desde 2009 o principal parceiro comercial brasileiro e da Argentina desde o final de 2019, desbancando o Brasil pela primeira vez na história. O gigante asiático tem sido ainda o maior parceiro comercial da África por 10 anos consecutivos e um parceiro estratégico da África do Sul. A China tem investido fortemente em infraestrutura relacionada com o  poder marítimo, especialmente, em portos, de forma a garantir o fluxo de comércio necessário ao seu desenvolvimento.  

Diante da complexidade de relações no Atlântico Sul  como será o Brasil capaz de desenvolver uma estratégia própria, ao mesmo tempo baseada na cooperação internacional,  visando elaborar o melhor caminho para a realização dos interesses brasileiros? No atual enredo, o Brasil parece querer reanimar a combalida ZOPACAS, apesar da atual dificuldade de administrar de forma eficiente seu relacionamento com os EUA e a China.

O presidente Jair Bolsonaro mencionou a ZOPACAS no seu discurso na ONU, o Ministério  das Relações Exteriores e a Marinha promoveram um seminário internacional sobre o tema, e existe a possibilidade de uma participação naval mais ativa no Golfo da Guiné com a saída do Brasil da Força-Tarefa Marítima da Força Interina das Nações Unidas no Líbano. Os próximos episódios mostrarão como o Brasil se sairá nessa jornada, e se o governo brasileiro será capaz de reanimar a ZOPACAS para, pelo menos, evitar a militarização e a nuclearização do Atlântico Sul. Não percam!  

*RUY DE ALMEIDA SILVA É ALMIRANTE E MEMBRO DO GRUPO DE AVALIAÇÃO DA CONJUNTURA INTERNACIONAL DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (GACINT-USP)

*MONICA HERZ É PROFESSORA DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA PUC-RIO


RPD || Paulo Ferraciolli: RCEP, o maior tratado de livre-comércio do mundo

Acordo que permitiu a criação da Regional Comprehensive Economic Partnership (RCEP) deve consolidar o comércio e as cadeias de valor da Ásia e será maior que a União Europeia e o Acordo Estados Unidos-México-Canadá. Membros somam quase um terço da população mundial e 29% do Produto Interno Bruto (PIB) do planeta

A Parceria Econômica Regional Abrangente (ou Regional Comprehensive Economic Partnership - RCEP, na sigla em inglês), assinada em 15 de novembro, tem sido considerado um marco nas relações econômicas e na geopolítica dos países asiáticos. A impressão inicial é que estas relações serão cada mais determinadas por processos intra-asiáticos, o que ainda não significa, até agora, o completo afastamento das potências externas que atuam na região. Alguns aspectos e consequências deste acordo merecem ser conhecidos para facilitar seu acompanhamento futuro.

Um primeiro aspecto diferenciador do acordo é a liderança do processo, exercida pela Association of South East Asian Nations – ASEAN, composta atualmente por 10 membros com economias de dimensões bastante variadas. Dentre eles, apenas a Indonésia se destaca pelo tamanho de sua economia (maior do que a brasileira), seguida pela Tailândia com um PIB, medido em PPP, cerca de três vezes menor. Porém, o dinamismo econômico da região é notável. Por exemplo, a quinta maior economia da ASEAN, o Vietnã, após a adoção da política de “doi moi” (renovação), com aspectos semelhantes às políticas chinesas, vem crescendo a taxas anuais elevadas, sendo que, de 1990 até 2019, apenas em 1999 a taxa de crescimento anual foi inferior a 5%. São ainda membros da ASEAN, listadas por tamanho de suas economias, Malásia, Filipinas, Singapura, Myanmar, Camboja, Laos e Brunei.  

"Uma consequência deverá ser a expansão de cadeias regionais de valor. A RCEP surge num momento em que a concentração de grande parte das etapas das cadeias globais em um único país está sendo questionada"
Paulo Ferraciolli

Os seis participantes das negociações não membros da ASEAN - China, Índia, Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia – se interessaram em participar do projeto, apesar de que os três primeiros tenham, cada um deles, economias muito maiores do que a de qualquer país do sudeste asiático. Ao final das negociações, a única defecção foi a da Índia que, em 2019, informou que o acordo não seria favorável a seus interesses e não se tornou signatário do RCEP. Duas razões ajudam a explicar a decisão de não participar: a falta de competitividade dos produtos indianos vis-à-vis os chineses e o aumento das tensões geopolíticas com a China. Contudo, esta segunda explicação fica enfraquecida, visto que estas tensões não impediram Narendra Modi de participar, com Xi Jinping, em novembro, da última Cúpula da Organização de Cooperação de Shanghai, na qual China e Índia são membros.  

Para o comércio, o RCEP é importante, ainda que muitos dos países participantes já tenham acordos entre si, pois cada um deles possui regras próprias. O RCEP buscou alterar esta situação, avançando na unificação de regras comerciais dentro do bloco. Por exemplo, as “regras de origem”, essenciais no comércio internacional e que eram diferentes nos acordos já existentes, passaram por um esforço de unificação para que as exportações se beneficiem das vantagens conferidas pelo RCEP a todos os participantes.

O capítulo sobre comércio de serviços apresenta regras mais liberais que as encontradas (quando existem) em outros acordos regionais. Um capítulo trata do “movimento temporário de pessoas naturais” necessárias à prestação de serviços, à venda de bens ou a investimentos, tema sempre espinhoso por sua correlação com políticas migratórias. Dentre muitos outros, merece destaque o capítulo sobre comércio eletrônico (e-commerce), que incentiva seu uso e encoraja aprimorar processos a ele relacionados, incluindo proteção de dados individuais e dos consumidores via e-commerce, além de manter a prática de não usar tarifas em transmissões eletrônicas.

Uma consequência deverá ser a expansão de cadeias regionais de valor. A RCEP surge num momento em que a concentração de grande parte das etapas das cadeias globais em um único país está sendo questionada, e a dicotomia “eficiência x resiliência” ganhou importância no processo decisório sobre a localização de novos investimentos. Um acordo que unificará mercados com bilhões de consumidores, onde há países com mão de obra barata, países tecnologicamente avançados e com a infraestrutura em expansão graças a grandes projetos de investimentos, como os da Belt and Road Initiative chinesa, torna a região bastante atrativa para empresas de todo o mundo.

 Notável é que a RCEP seja o primeiro acordo comercial que inclui os três principais países do leste asiático: o Japão não tinha acordos com a China e com a Coreia do Sul. Apesar das questões geopolíticas, os três consideraram relevante sua participação conjunta no acordo liderado pela ASEAN. Há outra tentativa de acordo trilateral entre os três países cujas negociações foram iniciadas em 2012, mas ainda não estão concluídas, esperando-se sua aceleração a partir da participação dos três na RCEP. Ao final de novembro, os ministros de relações exteriores da China e do Japão tiveram negociações por dois dias seguidos, o que indica tentativa de redução das tensões entre os dois países.  

Finalmente, vale destacar a posição dos EUA, que tentaram ditar as caraterísticas dos acordos comerciais asiáticos com sua liderança no TPP, o Trans Pacific Partnership, o tão citado “mega-acordo do Pacífico”, negociado por 12 países, no qual a China tentou participar, mas foi excluída por decisão de Obama. O TPP chegou a ser assinado por Obama em 2016, mas, antes de ser ratificado, Trump retirou os EUA do acordo em janeiro de 2017, o que reduziu muito de sua importância econômica e estratégica. Os 11 membros restantes aproveitaram parte significativa do que fora negociado num novo acordo, a CPTPP, Comprehensive and Progressive Trans Pacific Partnership, retirando do texto temas que haviam sido incluídos por pressão norte-americana, como cláusulas sobre propriedade intelectual e proteção a investimentos.  

A RCEP, ao que tudo indica, será fator de mudança da economia e da geopolítica da Ásia. Após a assinatura da RCEP, a grande novidade é que Xi Jinping anunciou que a China cogita em pedir adesão à CPTPP. O interessante é que este tema deverá ser tratado pelo Japão, que assumiu a liderança do acordo, após a saída dos EUA, e que tem na China seu principal parceiro comercial, além de ser membro da RCEP, como a China. Certamente, dado o relacionamento entre Japão e EUA, este novo posicionamento da China exigirá profundas reflexões estratégicas de Biden e seus assessores. 

*Engenheiro, mestre em economia e especialista em Relações Internacionais. Professor-convidado da FGV desde 2005. Membro de Conselhos da FIESP, FIRJAN e AEB, e membro do GT Manufaturas do CEBRICS. 


Alon Feuerwerker: O PIB

O PIB do terceiro trimestre veio um pouco abaixo das expectativas, com um crescimento de 7,7% em relação ao anterior. A boa notícia é que indústria, comércio e investimentos puxaram o índice para cima (leia). 

Ainda que no acumulado final do ano a maior parte das atividades vá mostrar queda em relação a 2019.

Os números positivos do Caged de outubro (leia) já haviam sido um indicador de recuperação. Mesmo a recente alta na taxa de desemprego medida pelo IBGE refletiu mais o aumento da busca por trabalho que qualquer outra coisa.

A dúvida agora é se a recuperação vai resistir ao fim dos mecanismos financeiros de suporte criados para enfrentar as consequências da pandemia. O governo parece apostar que sim, pois até o momento deixou de lado qualquer ideia de prorrogá-los. Até o momento.

Passadas as eleições municipais, o ritmo de recuperação da economia em 2021 vai ajudar a desenhar o retrato político do ano, com a óbvia consequência na sucessão presidencial de 2022. Pois daqui a dois anos, com as vacinas, espera-se que a Covid-19 tenha deixado de ser assunto.

Não custa ser otimista.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Míriam Leitão: Economia global em escombros

De Genebra, o embaixador Roberto Azevêdo me disse ontem que o comércio no mundo vai cair 13% em 2020. Em volume, o comércio encolheu 18% no segundo trimestre e ele acha que a recuperação será modesta nos próximos meses. Ao final, o mundo terá no ano uma crise maior do que a de 2008/2009. Ficou claro esta semana o tamanho do tombo. O número americano parece cataclísmico, mas o 32,9% é anualizado. O PIB americano diminuiu, na verdade, 9,5% em relação ao trimestre anterior, no indicador a que estamos acostumados.

A Alemanha caiu 10,1%, ou seja, um pouco mais do que os 9,5% dos Estados Unidos. Nos EUA, a maneira de apresentar o número é pegar o resultado do trimestre e extrapolá-lo para o ano inteiro, como se aquele resultado fosse se repetir por quatro trimestres. Aí deu esse fim de mundo. Mas a queda, mesmo vista na comparação com o trimestre anterior, já assusta. O PIB americano havia encolhido no começo do ano. A dúvida é se as tensões entre os Estados Unidos e a China vão aprofundar ainda mais a recessão.

— O impacto da pandemia, com a virtual paralisia das principais economias, é tão expressivo que o efeito das tensões entre Estados Unidos e China, ainda que importante, fica apequenado. A redução das tensões entre as duas potências terá um papel bem mais importante durante a etapa de recuperação econômica. Uma distensão entre os dois países ajudaria a economia global a crescer mais fortemente no pós-pandemia — diz Azevêdo.

No Brasil, há vários problemas extras. Um deles é qual é o limite dos erros que o governo Bolsonaro pode cometer na sua relação com a China? Na quinta-feira, houve a demonstração pública de desprezo por parte do presidente. Ele elogiou a vacina que está sendo desenvolvida, mas avisou que falava da Universidade de Oxford, “e não daquele outro país”. Bom, aquele outro país é o responsável por ter amortecido o tombo do nosso comércio no primeiro semestre. O mundo comprou menos 15% do Brasil, a China comprou mais 15%. A economia chinesa apresentou números positivos no segundo trimestre, de 3,2%. Depois de ter encolhido 6,8%.

Do ponto de vista de investimentos, eles são importantes também. Esta semana mesmo o Ministério da Infraestrutura começou um roadshow virtual para atrair investidores para a Ferrogrão, projeto que liga Sinop (MT) a Mirituba (PA). Dois dos investidores contatados foram a CCCC e a CRCC. Chinesas.

Não é a primeira vez, não será a última, que o governo Bolsonaro lança ofensas gratuitas sobre os chineses. Parece um teste para saber até que ponto eles aguentarão. Mas nessa roleta chinesa nós somos a parte vulnerável. Dos ataques racistas de Abraham Weintraub aos delírios persecutórios de Ernesto Araújo, passando pelas grosserias de Bolsonaro&Filhos, o governo agride diariamente o nosso maior parceiro.

Na saída dos escombros deste ano difícil, o Brasil precisará também dos organismos financeiros multilaterais. Abraham Weintraub é inimigo confesso das boas maneiras, do foco em questões relevantes, e do que ele define como “globalismo”. Os bancos multilaterais seriam instrumentos desse inimigo. O ministro Paulo Guedes cedeu às pressões para indicá-lo. Ele ficará no cargo até outubro, pelo menos.

Ontem saíram os dados de outras economias europeias. No segundo trimestre, a França caiu 13,8%, acumulando 19% de queda no ano, a Itália, 12,4%, a Espanha, 18,5%, acumulando 22%. Na Espanha, o único setor a crescer foi a agricultura, como aqui no Brasil. A zona do euro encolheu 12%. Segundo o “Financial Times”, a retomada está sendo ameaçada pelos riscos de novas ondas e será “lenta e desigual”.

O ano está difícil para todos. A China, que teve indicadores melhores no segundo trimestre, voltou a ter alta de casos de Covid-19 em algumas áreas. Diante desse quadro, Azevêdo disse à Christiane Amanpour, na CNN, que o mundo está assistindo à maior contração em tempos de paz desde os anos 1930. E a grande questão que está posta é quão rapidamente o mundo pode se recuperar. Perguntei ao embaixador, que está deixando a OMC, como ele vê a situação do Brasil:

— Com muita preocupação, porque o desempenho econômico do país no futuro imediato estará inevitavelmente ligado à sua capacidade de controlar a pandemia, cujo quadro atual no país é muito inquietante.