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Revista online | A Câmara dos Deputados nas eleições de 2022

Arlindo Fernandes de Oliveira*, especial para a revista Política Democrática online (46ª edição: agosto/2022)

As eleições de 2022 compreendem, no plano nacional, além do pleito presidencial e das disputas pelos governos dos estados e do Distrito Federal, a renovação de um terço do Senado Federal e da totalidade da Câmara dos Deputados. Interessa-nos aqui as eleições para a Câmara, porque é nelas que serão aplicadas regras eleitorais novas.

A proibição de coligações é o maior exemplo: pela primeira vez será aplicada ao processo de escolha de deputado federal, embora não seja uma inovação absoluta, porque aplicada ao pleito de 2020 nas eleições municipais, para o cargo de vereador.

A segunda inovação legislativa, esta de fato inaugural em 2022, consiste na permissão para o estabelecimento de federações entre partidos políticos, uma articulação entre essas formações que substitui, em outros termos, a nosso ver mais avançados, as antigas coligações, não mais admitidas nas eleições para os cargos proporcionais. 

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Sistema Eleitoral e suas mudanças

Temos, claro, ao lado disso, o tradicional sistema eleitoral proporcional de listas abertas, utilizado no Brasil desde o fim da Segunda Guerra, com pequenas alterações pontuais, em alguns pleitos. Esse sistema eleitoral compreende o voto uninominal (vota-se em uma pessoa, não em um partido, como em outros países) e a definição dos candidatos eleitos a partir de dois cálculos, o quociente eleitoral e o quociente partidário.

O quociente eleitoral define o número de votos necessários para eleger um deputado, e o quociente partidário, quantos deputados cada formação, partido ou federação elegerá. Depois disso, se sobrarem vagas, faz-se um novo cálculo, que define os últimos eleitos pelo chamado critério das maiores médias.

Nesse segundo momento, o do cálculo das sobras, o Código Eleitoral sofreu outra alteração, que será aplicada em 2022 pela primeira vez. Somente participam do rateio das vagas remanescentes, as ditas sobras, os partidos que alcançarem 80% do quociente eleitoral. No pleito passado, de 2020, para vereador, todos os partidos puderam participar do chamado rateio das sobras, solução legislativa que melhor aplica o princípio da verdade eleitoral, ou seja, que o resultado da eleição revele e expresse melhor a vontade do eleitor.

Confira, a seguir, galeria de imagens:

Câmara dos deputados suspensão sigilo documentos | Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
Câmara dos deputados ao entardecer de Brasília | Foto: rafastockbr/Shutterstock
Campanha política a partir de agosto | Imagem: Microgen/Shutterstock
Edifício sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Sessão do Congresso realizada em julho deste ano — Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Plenário do Senado | Plenário do Senado Federal durante sessão | Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
Fundo partidário | Imagem: reprodução/Guia do Estudante
Câmara dos deputados suspensão sigilo documentos
Câmara dos deputados ao entardecer de BRasília
Campanha política a partir de agosto
Edifício sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Senado Federal
Sessão do Congresso realizada em julho deste ano — Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Plenário do Senado | Plenário do Senado Federal durante sessão
Fundo partidário
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Câmara dos deputados suspensão sigilo documentos
Câmara dos deputados ao entardecer de BRasília
Campanha política a partir de agosto
Edifício sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Senado Federal
Sessão do Congresso realizada em julho deste ano — Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Plenário do Senado | Plenário do Senado Federal durante sessão
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O quociente eleitoral individual

Exige-se também, neste pleito, tal como no anterior, o que se chama de quociente eleitoral individual, à falta de melhor definição. Por ele, o candidato para ser eleito deputado federal deve receber votação equivalente a 10% do quociente eleitoral. Essa medida foi adotada para limitar o efeito de um candidato com muitos votos “puxar” a eleições de outros de seu partido, mesmo com votação pouco expressiva, fenômeno conhecido como Efeito Enéas.

Para que se tenha uma ideia do impacto dessa regra, tomemos como exemplo o Estado de São Paulo, onde o quociente eleitoral na eleição de 2018 ficou em 300 mil votos. Nesse caso, somente pôde ser beneficiado pela votação de candidatos “puxadores” o candidato que obteve ao menos 30 mil votos. 

Nessa matéria, foi incorporada no Código Eleitoral uma segunda inovação, que reputamos desprovida de qualquer sentido. O candidato do partido que não alcançou o quociente eleitoral, ao contrário de todos os demais concorrentes, deve obter 20% do quociente eleitoral, e não apenas 10%, para obter uma das cadeiras em jogo. Essa regra legal, ao exigir que um candidato tenha o dobro dos votos de outro para alcançar a mesma cadeira, contém flagrante violação ao princípio constitucional da isonomia, além violar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Mas isso talvez somente seja visualizado por partidos e candidatos quando os resultados das eleições estiverem em mãos, no dia 2 de outubro.

A cláusula de barreira

Neste certame de 2022, exige-se de cada partido, para alcançar o direito de funcionar plenamente na Câmara dos Deputados, bem como ter acesso aos recursos do Fundo Partidário e à propaganda partidária na TV, que obtenha 2% dos votos válidos nas eleições para a Câmara federal. Não é pouca coisa porque, como temos 156 milhões de eleitores, a abstenção oscila em torno de 20% e os votos brancos e nulos atingem cerca de 10% do total, teríamos um desempenho mínimo partidário para superar a cláusula de barreira ou de desempenho em torno dos 2 milhões de votos. O caminho alternativo, mais difícil, é eleger 11 deputados federais em 9 estados diferentes.

Votos “desperdiçados”

Diz-se “desperdiçado”, nessa acepção, não o voto dado a um mau candidato, mas aquele que, além de não eleger o seu candidato, não ajuda a outro candidato do mesmo partido ou federação a se eleger. Dada a vedação às coligações, o número de partidos ou federações que não alcançarão o quociente eleitoral deve aumentar, caso em que os votos dados aos seus candidatos não elegem nem ajudam a eleger. Em que formações partidárias devem se concentrar os votos “desperdiçados”? A resposta a essa questão pode ser decisiva para a futura composição da Câmara dos Deputados.

E os resultados?

Adotadas essas regras, que Câmara dos Deputados teremos para a nova legislatura, entre 2023 e 2026? É muito difícil avaliar. Entretanto, conhecendo os resultados de eleições anteriores, a história do desempenho das coligações em face dos partidos isolados e considerando a federação partidária como uma modalidade de coligação, é possível estimar que os partidos reunidos em federação poderão ter alguma vantagem em face dos isolados na definição dos candidatos eleitos. A extensão desse efeito somente os eleitores de outubro poderão dizer.

Sobre o autor

*Arlindo Fernandes de Oliveira é consultor legislativo do Senado Federal e especialista em direito constitucional e eleitoral.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto de 2022 (46ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.

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Confira os principais pontos do novo Código Eleitoral aprovado na Câmara

Com quase 900 artigos e mais de 370 páginas, a proposta reformula amplamente a legislação partidária e eleitoral

DW Brasil

A Câmara dos Deputados aprovou ontem (9/9) o texto-base do projeto de lei que estabelece um novo Código Eleitoral no país. Foram 378 votos a favor e 80 contra.

Os deputados ainda analisam os destaques à proposta, ou seja, sugestões apresentadas para alterar trechos do texto. Em seguida, o projeto segue para análise do Senado.

Para valer já para as eleições do ano que vem, a legislação precisa ser aprovada tanto pela Câmara como pelo Senado e sancionada pela Presidência da República pelo menos um ano antes do primeiro turno, ou seja, antes de 2 de outubro.

Com quase 900 artigos e mais de 370 páginas, a proposta reformula amplamente a legislação partidária e eleitoral, revogando as leis vigentes e reunindo as regras em um único código. O texto é criticado por enfraquecer a Lei da Ficha Limpa, diminuir a transparência e flexibilizar a prestação de contas e o uso do fundo partidário pelos partidos, entre outras medidas.

Por outro lado, os deputados decidiram derrubar um dos poucos pontos bem-recebidos por analistas: a exigência de uma quarentena de cinco anos para que juízes, membros do Ministério Público, militares e policiais disputem eleições. Esse item impediria, por exemplo, que ex-juízes como Sergio Moro se candidatem a um cargo eletivo logo após deixar a magistratura.

Os únicos partidos que se manifestaram contra o texto foram o Novo, a Rede e o Psol. Confiram os principais pontos da proposta:

Sondagens eleitorais

O projeto de lei proíbe a divulgação de pesquisas eleitorais na véspera e no dia do pleito. No dia da eleição, só poderá haver divulgação de sondagens após o encerramento da votação em todo o país, no caso da disputa pela Presidência, ou a partir das 17h, nos demais casos. Especialistas afirmam que o veto a institutos confiáveis pode levar à divulgação de números falsos na véspera e no dia da votação e confundir eleitores.

Além disso, o texto obriga os institutos de pesquisa a informarem o percentual de acerto nas sondagens feitas nas últimas cinco eleições. Esse item é criticado pelos institutos, que argumentam que pesquisas servem para dar o retrato de um momento, e não prever o resultado.

Ficha Limpa

Um dos pontos mais polêmicos da nova proposta, segundo especialistas, é que o texto afrouxa pontos da Lei da Ficha Limpa. Em vigor desde 2010, a norma, criada a partir de iniciativa popular, serve para impedir a eleição a cargos políticos de candidatos condenados por órgãos colegiados.

O texto aprovado na Câmara altera o prazo de inelegibilidade estabelecido pela Ficha Limpa. O período continua a ser de oito anos, mas agora começa a contar a partir da condenação, e não apenas a partir do fim do cumprimento da pena. Já para o político condenado a perda de mandato, os oito anos de inelegibilidade contarão a partir da decisão, e não mais a partir do término do mandato, como é atualmente.

Havia risco de os deputados acabarem com uma regra importante da Ficha Limpa, que torna inelegível por oito anos os políticos que renunciam ao mandato para fugir de processos de cassação. No final, porém, os deputados retiraram esse item do texto.

Fundo partidário

A proposta enumera uma série de itens que podem ser financiados com recursos públicos do fundo partidário. A legenda poderá ainda usar a verba para "gasto de interesse partidário, conforme deliberação da executiva do partido", sem precisar especificar o fim do gasto. Atualmente, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) expõe esses dados com organização e transparência.

Prestação de contas e multas

Além disso, a proposta estabelece que a prestação de contas dos partidos será feita por meio do sistema da Receita Federal, e não mais pelo sistema personalizado usado atualmente pela Justiça Eleitoral.

As legendas poderão ainda contratar, com verba do fundo partidário, empresas privadas para auditar a prestação de contas, o que analistas veem como uma terceirização do trabalho da Justiça Eleitoral.

O texto ainda reduz de cinco para três anos o prazo para a Justiça Eleitoral julgar as prestações de contas, que passam a ser processos administrativos. Já a multa por irregularidades em prestações passa a ter um teto de R$ 30 mil, e não mais 20% do valor irregular, como é atualmente, podendo chegar a milhões de reais.

Fake news

A proposta estabelece punição para quem compartilhar informações falsas com objetivo de influenciar as eleições. A pena varia de um a quatro anos de reclusão, mais multa.

Se a prática visa "atingir a integridade dos processos de votação, apuração e totalização de votos, com a finalidade de promover a desordem ou estimular a recusa social dos resultados eleitorais", a punição pode ser acrescida de metade a dois terços.

Outro dispositivo prevê mecanismos contra a divulgação de fake news nas eleições ao autorizar a Justiça Eleitoral a suspender perfis identificados como robôs nas redes sociais durante o pleito.

Inclusão

O projeto de lei determina que os votos em mulheres, indígenas e negros valerão por dois para efeitos da distribuição dos recursos do fundo eleitoral. A medida tem o objetivo de aumentar a participação desses segmentos da sociedade no processo eleitoral.

Caixa 2

O novo Código Eleitoral também prevê o crime de caixa 2, descrito como "doar, receber, ter em depósito ou utilizar, de qualquer modo, nas campanhas eleitorais ou para fins de campanha eleitoral, recursos financeiros fora das hipóteses da legislação eleitoral". Contudo, se a irregularidade for de baixo valor, a Justiça poderá deixar de aplicar a pena.

Candidaturas coletivas

O texto prevê a autorização de candidaturas coletivas em cargos de deputado e vereador. Esse tipo de candidatura é caracterizado pela tomada de decisão coletiva nas votações e encaminhamentos legislativos.

O partido deverá autorizar e regulamentar essa candidatura em seu estatuto, mas a candidatura coletiva será representada formalmente por apenas uma pessoa. O texto permite, no entanto, que o nome do coletivo seja registrado na Justiça Eleitoral junto com o nome do candidato, assim como nas propagandas, isso se não criar dúvidas quanto à identidade do candidato registrado.

O partido definirá regras para o uso desse tipo de candidatura, especificando como ocorrerá seu financiamento e a participação da coletividade na tomada de decisão sobre os rumos e estratégias políticas da candidatura.

Transporte de eleitores e comícios

A proposta prevê ainda a descriminalização do transporte ilegal de eleitores, que passa a ser punido na esfera cível com multa de R$ 5 mil a R$ 10 mil.

Os crimes do dia da eleição, como comícios, carreatas, boca de urna e uso de alto-falantes, também se tornam infração cível, com pena de multa de R$ 5 mil a R$ 30 mil.

Fidelidade partidária

O projeto altera também as regras de fidelidade partidária, estendendo para governadores, prefeitos e presidente a obrigação de permanecer na legenda após a eleição. Atualmente, apenas parlamentares devem cumprir fidelidade partidária. Um dos destaques já aprovados pelos parlamentares limitou a mudança de legenda apenas ao final do mandato, antes da eleição seguinte.

Fonte: DW Brasil / Agência Brasil / Agência Câmara
https://www.dw.com/pt-br/os-principais-pontos-do-novo-c%C3%B3digo-eleitoral-aprovado-na-c%C3%A2mara/a-59142585


El País: Câmara empurra mais mudanças para as eleições de 2022

Proposta também traz mudanças que limitam a Justiça Eleitoral e põem obstáculos à renovação política

Felipe Betim / El País

A boiada segue passando na Câmara dos Deputados. Os parlamentares começaram a debater no plenário nesta quinta-feira, 2 de setembro, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 112/21, que institui um novo Código Eleitoral, com mais de 900 artigos e quase 400 páginas, e que pretende impor diversas mudanças já a partir das eleições de 2022. O plano é de que o texto seja votado e aprovado na próxima semana. A maior parte desses artigos consolida em leis resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de forma a garantir mais segurança jurídica ao processo eleitoral. O diabo, como sempre, mora nos detalhes. O texto carrega mudanças controversas, como uma quarentena de cinco anos após deixarem os cargos para policiais, militares, membros do Ministério Público e juízes se candidatarem, ou a proibição da divulgação de pesquisas eleitorais na véspera e no dia da eleição. Mas a principal crítica entre analistas e parlamentares é a pressa do Parlamento para aprovar mudanças tão importantes.

Nenhuma eleição no Brasil é igual a outra desde 1988. A cada quatro anos o Congresso Nacional aprova alterações para os pleitos seguintes. A última ocorreu em 2017, quando os parlamentares acabaram com as coligações proporcionais e instituíram uma cláusula de barreira com o objetivo de enxugar o quadro partidário. Fruto de longos debates na sociedade civil, na imprensa e no próprio Congresso, essas mudanças constantes não são necessariamente ruins, porque podem significar evoluções e um amadurecimento do sistema eleitoral.

O problema é que, agora, num contexto de pandemia de coronavírus e com sessões sendo realizadas por videoconferência, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), vem imprimindo um ritmo de urgência a pautas delicadas, sem passar muitas vezes por comissões ou debates mais amplos. No início de agosto, um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) voltou a implementar as coligações proporcionais para as eleições de 2022 quatro anos depois da mesma Câmara derrubá-las —como o fim delas só começaria a valer a partir do ano que vem, não deu tempo de o país sequer avaliar os resultados da mudança. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já disse que não pretende pautar a alteração.

Nesta semana, a Câmara votou a toque de caixa uma reforma tributária que, segundo analistas, geram problemas graves de arrecadação. Agora, a Casa dá mais um passo apressado para impor novas mudanças para as eleições. “Vejo com muita preocupação o fato de a Câmara estar aprovando com muita pressa. Tanto a PEC [da reforma política] como o Código Eleitoral são pontos sensíveis. Precisam de um debate mais demorado e envolvendo mais atores”, explica Leonardo Martins Barbosa, cientista político do IESP/UERJ e pesquisador do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB).

Plenário da Câmara: Mais de 30 organizações da sociedade civil entraram com mandado de segurança contra o projeto das reformas. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Freio na reforma

As criticas ao projeto geraram a campanha “Freio na Reforma”, que conta com mais de 30 organizações da sociedade civil, entre elas o Movimentos Transparência Partidária, ITS Rio, o Pacto Pela Democracia e o Movimento Livres. Em conjunto com cinco deputados federais e dois senadores, entraram com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) na última terça-feira, 31 de setembro, pedindo que fosse formada uma comissão especial para analisar o projeto.

“O regimento interno é muito expresso ao determinar que, para fazer qualquer tipo de mudança no código, é preciso constituir uma comissão especial”, explica o advogado Irapuã Santana, que assinou a petição ao Supremo. “Foi feito apenas um grupo de trabalho que o próprio Lira escolheu os membros, sem nenhuma representatividade, sendo que uma comissão especial deve guardar uma proporcionalidade, deve ser por votação... Uma série de regras do legislativo não foram cumpridas”, acrescenta. Os próprios deputados chamavam atenção nesta quinta para as surpresas que tinham a cada nova leitura do relatório.

O relator desse mandado de segurança, o ministro Antonio Dias Toffoli, deu 48 horas para que Lira desse explicações sobre o andamento do novo Código Eleitoral —algo que não ocorreu. Com receio de interferir em questões internas do legislativo, Toffoli indicou que enviará o caso para o plenário do Supremo. “O tribunal tem uma jurisprudência muito forte no sentido de que o devido processo legislativo precisa ser cumprido, senão ele precisa voltar. Portanto, já estamos estamos invocando um precedente”, explica Santana. Ele afirma que é preciso fazer audiências públicas e buscar estudos que demonstrem que determinadas mudanças ou manutenções de regras serão favoráveis à população. “Quando vemos que isso está sendo feito de uma maneira apressada, parece que esses objetivos não são tão republicanos”, argumenta o advogado, que acredita que o novo Código Eleitoral vai na “contramão do que a sociedade vem querendo”, ao colocar um empecilho no fluxo de renovação política no país.

Entre os pontos considerados mais problemáticos, ele afirma que foram deixados de lado regras que garantam recursos para negros e mulheres e uma representação proporcional no Congresso. Um dos pontos que está em discussão no projeto é que, ao distribuir os recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral, sejam contados em dobro os votos dados a esses dois grupos para a Câmara. Na sessão desta quinta, o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) enumerou outras críticas, como o enfraquecimento da Lei da Ficha Limpa (pela nova norma, um político condenado começaria a cumprir seu período de oito anos de inelegibilidade a partir da condenação, e não ao fim do cumprimento da pena, como ocorre hoje) e uma autoridade que renunciasse antes do fim de seu processo de cassação poderia manter seus direitos políticos.

O projeto também determina que os candidatos apresentem seus documentos por meio do sistema da Receita Federal, que é menos detalhado, e não mais pelo modelo atualmente usado pela Justiça Eleitoral —o que, segundo críticos, atrapalha as tabulações e cruzamentos. Outro tema considerado problemático é que os gastos de campanhas eleitorais poderão ser divulgados apenas depois de encerradas as votações —atualmente, os candidatos devem publicar seu patrimônio ao registrarem suas candidaturas, assim como fazer prestações parciais das despesas de seus comitês de campanha. O projeto também prevê a possibilidade de empresas privadas serem contratadas pelas siglas para auditarem a contabilidade partidária. Defensores afirmam que isso pode agilizar a apreciação do uso de dinheiro público pelos partidos, diminuindo o volume de trabalho da Justiça Eleitoral, mas os críticos temem que isso também diminua a fiscalização sobre os partidos.

A autora do projeto, a deputada Soraya Santos (PL-RJ), defende que ele une em um só texto todas as regras —partidos, eleições, inelegibilidades, propaganda eleitoral, financiamento de partidos e de eleições, crimes eleitorais, entre outros— e busca superar divergências em decisões tomadas pela Justiça Eleitoral. O texto, argumenta ela, “encampa a crescente demanda dos especialistas da área por um corpo coerente e fechado de normas processuais”.


Senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. Foto: Pedro França/Agência Senado
Rodrigo Pacheco, Bolsonaro e Arthur Lira no dia da posse dos novos presidentes da Câmara e do Senado. Foto: PR
Arthur Lira durante anúncio sobre o voto impresso ir ao plenário. Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados
Arthur Lira, presidente da Câmara e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, no início do ano legislativo. Foto: Agência Senado
Arthur Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
Arthur Lira durante a sessão sobre o voto impresso. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Jair Bolsonaro acompanhando de Ministros, entregam a MP do Auxílio Brasil ao Presidente da Câmara, Arthur Lira. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. Foto: Pedro França/Agência Senado
Rodrigo Pacheco, Bolsonaro e Arthur Lira no dia da posse dos novos presidentes da Câmara e do Senado. Foto: PR
Arthur Lira durante anúncio sobre o voto impresso ir ao plenário. Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados
Arthur Lira, presidente da Câmara e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, no início do ano legislativo. Foto: Agência Senado
Arthur Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
Arthur Lira durante a sessão sobre o voto impresso. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
 Jair Bolsonaro acompanhando de Ministros, entregam a MP do Auxílio Brasil ao Presidente da Câmara, Arthur Lira. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Ao contrário de outros temas, o novo Código Eleitoral não parece dividir Governo e oposição. Deputados bolsonaristas, por exemplo, são contrário à quarentena de cinco anos para policiais, militares, promotores e juízes. “Acaba por cercear ainda mais a ascensão política dessa categoria”, argumentou nesta quinta-feira o parlamentar Coronel Tadeu (PSL-SP). Inicialmente, a quarentena já valeria para 2022 —o que foi interpretado como uma tentativa de evitar a participação do ex-juiz Sergio Moro no próximo pleito—, mas a relatora, a deputada Margarete Coelho (PP-PI), alterou a vigência para 2026. “É preciso debater a exclusão dessa quarentena e trazer o princípio da isonomia a todos os cidadãos que pleiteiam o espaço político”, argumentou a deputada Renata Abreu (Podemos-SP). Outro tema considerado importante por siglas pequenas ameaçadas pela cláusula de barreira, como o PCdoB, é a aprovação das federações partidárias e o uso das “sobras” em eleições proporcionais —isto é, votos remanescentes— por partidos menores.

Manutenção do status quo

De acordo com Barbosa, do Observatório do Legislativo Brasileiro, projetos que atendam aos interesses da classe política “não necessariamente são ruins”. Por exemplo, ele acha importante debater a diminuição do prazo para que a Justiça Eleitoral analise a prestação de contas dos partidos. O projeto diminui esse prazo de cinco para dois anos, “sob pena de extinção do processo”. Porém, o cientista político acredita que o Congresso tem se valido da pandemia para modificar regras eleitorais em um tempo curto. “O que está por trás é a intenção de manter o status quo e dificultar a renovação”, explica. “É importante construir um Código Eleitoral para dar mais transparência a essas leis. Isso é um movimento importante. O que não pode é ser unicamente motivado pelo interesse de manutenção do status quo”, completa.

O problema da pressa e da falta de debate, continua Barbosa, é que “matérias importantes acabam tendo um projeto de lei ruim”. Ele diz que a estratégia de Lira não é formar maiorias a partir de pontos de consenso, mas sim inserir vários pontos que atendam interesses miúdos —como a proibição de pesquisas eleitorais no dia e na véspera das eleições, uma demanda da extrema direita bolsonarista.

Além disso, Barbosa não vê o Senado com a mesma disposição de aprovar a toque de caixa mudanças importantes. Uma demonstração disso ocorreu nesta quarta-feira, quando os senadores rejeitaram por ampla maioria um projeto que flexibilizava e precarizava ainda mais as relações de trabalho. Além disso, senadores vêm dedicando mais tempo para outros temas delicados aprovados pela Câmara, como as mudanças no licenciamento ambiental. Sobre o Código Eleitoral, ainda restam dúvidas de como se posicionará. “Quando o Senado discorda, a tendência é que esses temas sequer sejam pautados para votação. Ele já deu amostras de que não aceitará qualquer coisa que venha da Câmara”, explica Barbosa. É de se questionar, portanto, as prioridades estabelecidas pelos deputados, que têm gastado um bom tempo da legislatura dando atenção a projetos que não parecem ter futuro.

Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-09-03/camara-empurra-mais-mudancas-para-as-eleicoes-de-2022-escondidas-em-um-projeto-de-400-paginas.html


Liberdade de expressão, o novo nome de crimes contra a democracia

Se aprovado, novo Código Eleitoral deixará em maus lençóis Bolsonaro e os que se comportam como ele

Blog do Noblat / Metrópoles

Está marcada para amanhã a votação em primeiro turno na Câmara dos Deputados do novo Código Eleitoral. Se ele for aprovado ali e, depois, no Senado, o presidente Jair Bolsonaro, seus devotos e quem mais hostiliza a democracia e distribui notícias falsas terão muito com o que se preocupar.

Há seis artigos no Código que tratam do combate à desinformação em período eleitoral. O artigo 882 prevê pena de 1 a 4 anos de reclusão para quem divulgar ou compartilhar notícias falsas. Torna-se crime a propagação de fatos inverídicos ou gravemente descontextualizados com a intenção de influenciar eleições.

Se a conduta for praticada com a finalidade de “atingir a integridade dos processos de votação, apuração e totalização de votos para promover a desordem ou estimular a recusa social dos resultados eleitorais”, a pena é acrescida de metade a dois terços do seu tamanho. Se o Código vigorasse, Bolsonaro estaria ferrado.

Deputados bolsonaristas começaram a reclamar do Código em nome da liberdade de expressão, argumento preferido do seu líder para justificar qualquer coisa que diga ou faça. Para ele, lançar dúvidas sobre a segurança do sistema de votação, mesmo sem apresentar provas, não passa de liberdade de expressão.

Atacar ministros do Supremo Tribunal Federal, sem provas, seria liberdade de expressão. Dizer que sem voto impresso não haverá eleições, liberdade de expressão. Bem como reunir multidões para pedir o fechamento do Supremo e do Congresso. Coitado, porém, de quem disser, por exemplo, que deseja a morte de Bolsonaro.

Ou adverti-lo para o risco de sofrer um novo atentado. Ou então compará-lo a Hitler e a Mussolini. Aí não é liberdade de expressão, mas crime.

Onde foi que erraram Michelle Bolsonaro e tia Zezinha

Ambas barganharam com Deus usando nome de terceiros

“Muito antes de o Jair ser eleito, eu fiz um compromisso com Deus para que tivéssemos essa oportunidade de estar no poder. Nós usaríamos o poder para ajudar aqueles que precisavam”, disse Michelle Bolsonaro, a primeira-dama do país, na solenidade que marcou no Ministério da Saúde o lançamento do programa Ações de Educomunicação em Doenças Raras.

Quer dizer: Michelle prometeu a Deus que se o marido e ela chegassem ao poder, ajudariam os necessitados. Promessa é uma barganha. Você promete algo em troca do atendimento a um pedido – no caso de Michelle, a eleição de Bolsonaro. Ela pode estar fazendo a sua parte no que prometeu, mas talvez tenha se esquecido de combinar com o marido para que ele fizesse a dele.

Lembrou-me tia Zezinha, a segunda mãe que tive. Era muito religiosa. Quando o Papa Pio XII estava morrendo em 1958, ela desesperou-se, chorava e não largava o terço. Em 1963, contudo, quando o Papa João XXIII agonizava, tia Zezinha não estava nem aí. Estranhei seu comportamento e quis saber por que era assim. Ela então me contou até com uma ponta de alegria:

– Fiz um compromisso com Deus. Em troca da vida do Papa, ele poderá levar a minha, a de Maria Laurinda e a sua.

– Como assim? Levar para onde?

– Levar para o céu – ela respondeu.

Tia Zezinha tinha mais de 70 anos. Maria Laurinda, uma amiga dela, mais de 50 e vivia numa cadeira de rodas; eu completaria 15 anos. Tia Zezinha simplesmente não nos consultou a respeito.

– Mas não quero ir para o céu agora – disse assustado.

– O céu é muito bom, Ricardo José, você vai gostar – ela retrucou.

A agonia de João XXIII foi demorada, bem como a minha que torcia para que Deus recusasse a proposta de tia Zezinha. Fiz até promessa para isso.

Fonte: Blog do Noblat / Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/liberdade-de-expressao-o-novo-nome-de-crimes-contra-a-democracia


Fausto Mato Grosso: Reforma eleitoral e distritão

A legislação eleitoral brasileira é uma colcha de retalhos. Ela é composta de diversos dispositivos constitucionais e de inúmeras leis, cada uma delas tratando separadamente temas pontuais. Além disso, existem diversos projetos dos deputados e senadores tramitando sobre questões eleitorais. A reforma que se discute agora tem o objetivo anunciado de articular esse conjunto desconexo, em um novo Código Eleitoral.

No aspecto técnico-jurídico, não há como se opor a sistematização da legislação dispersa. O próprio presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, ressalta que, pela quantidade de leis que surgiram ao longo do tempo, “está chegando a hora de se ter uma sistematização dessas normas eleitorais”. Assinala ainda que o Direito Eleitoral é o mais dinâmico de todos, porque ele segue um pouco a dinâmica do processo político e das vontades das maiorias que se formam em cada momento. Portanto, é importante considerar que a corrente política hegemônica no Congresso hoje é o Centrão que valoriza a politica como negócio privado e não prima pela defesa da democracia.

O novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cumprindo compromisso de campanha, instalou há poucos dias, um grupo de trabalho que irá atualizar e sistematizar a legislação eleitoral. Integram o colegiado 15 deputados, dos quais oito são protagonistas de processos no Tribunal Superior Eleitoral. As alterações nas regras eleitorais só irão valer nas eleições de 2022 se forem aprovadas, nas duas casas legislativas, até um ano antes do pleito que será em outubro do ano que vem.

Entre as modificações que estão sendo discutidas, uma das que mais preocupa é a mudança do sistema eleitoral com a criação do chamado distritão. O presidente da Câmara Arthur Lira sinalizou que já existe grande força no Congresso pela sua aprovação.

No distritão cada estado é um grande distrito e são eleitos os deputados mais votados, independentemente do desempenho de suas siglas. O voto passa a ser 100% individualizado, “cada um por si e Deus por todos”. Há um enorme desperdício de votos, todos aqueles que não votaram nos poucos vencedores se considerarão não representados. Isso enfraquecerá a legitimidade dos eleitos.

Esse sistema também inibe a renovação dos políticos: serão eleitos aqueles já conhecidos individualmente. Em uma sociedade de espetáculo como a nossa, seria o reino das personalidades da mídia, das igrejas e do esporte, além de grandes grupos econômicos com poder de patrocínio.

Sem dúvida esse sistema tem a vantagem de ser mais fácil para o entendimento do eleitor, mas promove o personalismo na política, enfraquecendo os partidos e as ideias políticas. Acontece que não existe democracia moderna sem partidos fortes. A fragmentação tão criticada da Câmara e do Senado será ainda mais nociva quando cada deputado virar um partido do eu sozinho.

Há ainda que se considerar a experiência internacional. Segundo pesquisa do Instituto Internacional da Democracia (Idea), entre 200 países pesquisados somente 2% deles utiliza esse sistema do distritão, entre eles Jordânia, Afeganistão, Ilhas Pitcairn e Vanuatu.

Por certo, o sistema eleitoral brasileiro está precisando de atualizações e sistematização técnica-legislativa, mas há que se ter cuidado para evitar jabuticabas e jabutis. Se o sistema atual de voto proporcional possibilitou a eleição de Tiririca ficará pior se possibilitar a eleição de vários tiriricas e big-brothers bem votados em seus estados.

FAUSTO MATTO GROSSO - Engenheiro e professor da UFMS