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Política Democrática || Reportagem Especial: Sincretismo religioso mostra força do poder espiritual de Brasília

Capital federal atrai famosos para rituais de consagração; misticismo se fortalece com várias opções na região

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Elas caminham com vestidos longos coloridos, seguram lanças com pontas afiadas e enchem de bijuterias braços e cabelos. Aos poucos, lotam o Templo do Vale do Amanhecer, que há 50 anos reúne centenas de médiuns em Planaltina, a 50 quilômetros do Congresso Nacional, em Brasília. As ninfas, como as mulheres são chamadas pela doutrina, entram nos rituais de consagração e mediunidade acompanhadas de parceiros, sempre uniformizados com calça marrom e camisa preta.

O Vale do Amanhecer mostra a força do sincretismo religioso na região de Brasília, que também se mantém como capital mística do Brasil. Todo esse movimento em torno da capital federal, segundo sociólogos e antropólogos, tem relação com o aumento do número de pessoas sem religião no país, que, em 2010, era equivalente a 8% da população. O dado é do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No Brasil, de acordo com levantamento realizado por cientistas britânicos, pelo menos um quarto das pessoas sem religião acredita em reencarnação e quase um terço, na existência de vida após a morte. O estudo é do programa Understanding Unbelief, segundo o qual não seguir alguma religião não significa que a pessoa não acredita em um Deus ou mais.

No Vale do Amanhecer, os fiéis se reúnem em torno da mediunidade, e, segundo eles, trabalhos de cura espiritual são realizados com frequência. A simbologia presente é sincretista. Jesus de Nazaré divide orações com Mãe Iara, do Rio Amazonas, e Iemanjá, das águas salgadas. O enredo principal da consagração se desenvolve a partir do Pai Seta Branca, reencarnação de São Francisco de Assis como cacique tupinambá e espírito líder da religião.

Aqui vem todo tipo de gente, cristão, espírita, católico, umbanda, ateu, agnóstico”, afirma o presidente do Vale do Amanhecer, Raul Zelaya (72 anos), caçula de quatro filhos da sergipana Neiva Chaves Zelaya, conhecida como Tia Neiva, autodenominada clarividente. Antes de fundar a doutrina, cuja bandeira leva as palavras “humildade, tolerância e amor”, a líder trabalhou como caminhoneira na construção de Brasília, em 1957. Ela morreu em 1985, aos 60 anos.

A doutrina surgiu em 1959, com uma comunidade de espiritualistas, no Núcleo Bandeirante, fundada por Tia Neiva. Construído 10 anos depois, sob o Morro da Capelinha, em Planaltina, o templo-mãe do Vale do Amanhecer, como chamam seus seguidores, logo atraiu milhares de fiéis e curiosos, transformando-se também em ponto turístico. Na época, Tia Neiva passou a designar seguidores para erguer outros locais de cura espiritual.


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Hoje, segundo os dirigentes, existem quase 1.000 templos do Vale do Amanhecer, a maioria deles espalhada pelos 26 estados brasileiros, além do Distrito Federal. Outros países, como Estados Unidos, Suíça e Portugal, também têm unidades da doutrina construídas por seus seguidores.

O presidente do Vale do Amanhecer conta que atores globais, cantores e políticos frequentam o templo de Planaltina, assim como muitos estrangeiros, principalmente japoneses. Paola Oliveira, Miguel Falabella e Elba Ramalho estão entre os famosos que já visitaram o espaço. A reportagem apurou que, no início dos anos 1980, o então presidente do Brasil, João Baptista Figueiredo, também compareceu ao local, que, segundo os dirigentes, se mantém com a ajuda voluntária dos frequentadores e venda de uniformes da doutrina. Não há cobrança de dízimo.

Apesar de receber políticos, a direção do templo diz proibir qualquer tipo de campanha ou apoio declarado a um candidato ou partido. “Nosso templo é para o vencido e para o vencedor. Não existe comício aqui, nem defender candidato, nem pedir voto”, explica Raul.

Além disso, segundo o mestre João Nunes, a doutrina condena a prática do aborto. Em relação a casamento entre pessoas do mesmo sexo, ainda não tem uma posição claramente definida, apesar de nunca ter realizado uma cerimônia como essa. “Sabemos que, no nosso meio, tem vários homossexuais, assim como muitos heterossexuais, mas não estamos aqui para julgar”, afirma Nunes.

Além de reunir adultos e idosos em sua maioria, o Vale do Amanhecer também desenvolve ações de caridade em grupos de crianças, adolescentes e jovens. Por outro lado, de acordo com seus dirigentes, o Estado ainda não reconhece o local, oficialmente, como templo religioso e, por isso, deve pagar impostos.


Da busca por novas experiências a aumento de evangélicos

No Brasil, O aumento do número de pessoas sem religião é reflexo da busca por novas formas religiosas ou sincréticas, de acordo com o sociólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB) Eurico Antônio Gonzalez Cursino dos Santos. “Elas não são arrebanhadas por alguma forma religiosa tradicional, como catolicismo ou cristianismo evangélico, e, por isso, são muito levadas à experimentação religiosa”, explica o pesquisador.

Santos observa que Brasília sempre foi palco do que ele chama de “manifestação religiosa não regulada ou espontânea”. “Caracteriza-se por pouca doutrina e pouca regulagem institucional na vida das pessoas” afirma. Ele reforça que, na medida em que aumenta seu número, as pessoas sem religião não necessariamente adotam o ateísmo, mas buscam novas formas de experimentar a espiritualidade.

Não é só o número de pessoas sem religião que tem aumentado no país. Em 2022, se mantida a tendência atual de crescimento da quantidade de evangélicos, os católicos devem representar menos de metade da população brasileira. Desde os anos 1990, o catolicismo registra queda significativa no número de fiéis: em 2010, 64% dos brasileiros professavam a religião, contra os 91% registrados em 1970.

No ano 2000, 26,2 milhões de pessoas se declaravam evangélicas, o que representava 15,4% da população. Dez anos depois, esse número saltou para 42,3 milhões de pessoas, o equivalente a 22,2% dos brasileiros. Em 1991, os evangélicos somavam 9% e, em 1980, 6,6% da população brasileira. Todo esse movimento tem reflexo na política. A bancada evangélica hoje tem 91 parlamentares no Congresso Nacional.


VOCÊ SABIA?

As urnas reforçaram a bancada evangélica no Congresso Nacional. Para a Câmara dos Deputados foram eleitos 84 candidatos identificados com a crença evangélica – nove a mais do que na última legislatura. No Senado, os evangélicos eram três e, em 2019, serão sete parlamentares. No total, o grupo que tinha 78 integrantes ficará com 91 congressistas.

O levantamento é do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), com base nos dados disponíveis no portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2014, o Diap identificou 75 deputados seguidores da doutrina evangélica. Em 2010, a bancada tinha 73 representantes na Câmara.

Na avaliação do professor da UnB, o catolicismo lida bem com a secularização, conceito que descreve a perda da importância da religião nas posições de poder e socialização no mundo. “O protestantismo evangélico se incomoda muito com isso, já que está tomando espaço na política e quer governar o país em nome de Cristo”, afirma. “O processo de secularização, antes de tudo, se manifesta pelas leis, que tiram da religião o poder e vão colocando-o em instâncias, pessoas, instituições e crenças laicas. Hoje, a ciência que é a base”.

A análise sobre a expansão evangélica envolve comparações com o funcionamento da igreja católica, cujas relações com o que hoje é denominado Estado remontam à chegada dos portugueses em 1500, acompanhados de integrantes do clero, de acordo com a antropóloga Paula Montero, da Universidade de São Paulo (USP). Desde 2015, ela coordena projeto de pesquisa sobre o secularismo brasileiro.

Até o final do Império, eram os religiosos católicos os responsáveis por atividades de registro civil (nascimentos, casamentos e mortes) e pelo gerenciamento de boa parte das escolas, hospitais e cemitérios. Com o processo de secularização – separação oficial entre Igreja e Estado, a partir da Proclamação da República em 1889 e, mais especialmente, com a Constituição de 1891 –, escolas e cemitérios passaram a ser administrados por organizações públicas.

Nova mudança viria com a promulgação da Constituição Federal, em 1988. “Na ocasião, houve uma ruptura no entendimento da nação brasileira como sincrética e católica”, afirma Paula. Essa ruptura, explica ela, desencadeou um processo de valorização do pluralismo religioso, motivando diferentes doutrinas, entre elas a evangélica, a buscar formas de ampliar sua visibilidade na sociedade.


 

Foto: Ailton de Freitas

Objetos voadores fortalecem misticismo em Alto Paraíso

Diversas teorias tentam sustentar o suposto caráter místico de Brasília e região. "Sabemos de histórias de que a cidade foi construída na mesma disposição de pirâmides do Egito. A própria construção do local é muito mística, com alguns relatos de que Juscelino Kubitschek era maçom", diz o ufólogo João Silveira (55 anos), da Associação Brasileira de Ufologia.

De autoria da egiptóloga Iara Kern e do pesquisador Ernani Pimentel, o livro Brasília Secreta: Enigma do Antigo Egito, publicado pela Editora Pórtico, no ano 2000, mostra relatos curiosos sobre a construção da capital federal. O desenho e a disposição dos edifícios se assemelham a uma cidade egípcia erguida pelo faraó Akhenaton, casado com Nefertiti, rainha da 17ª Dinastia do Egito Antigo, em homenagem ao deus Aton.

Místicos transitam entre Brasília e Alto Paraíso, distantes a 240 quilômetros, devido ao interesse em ufologia, que se debruça no estudo de objetos voadores não identificados, os chamados óvnis. “Aqui, já vi objetos voadores descerem e pararem distante. Depois de um tempo, sumiram, de repente, para cima. Quem nunca viu não acredita, mas muitas pessoas que vivem aqui sabem disso”, afirma Silveira.

Pesquisador de óvnis, o morador de Brasília Augusto Rodrigues (57) afirma que a humanidade é dominada por uma elite alienígena metamórfica. De acordo com ele, o planeta Terra está sendo teleguiado por elites reptilianas: "É muita ingenuidade humana acreditar que estamos sozinhos no mundo. Existem forças maiores e vivas no universo, que dominam as elites política e econômica, para impor o que nós, pesquisadores, chamamos de Nova Ordem Mundial", acentua ele.

Moradora de Alto Paraíso, Antônia Augusta dos Anjos (37) diz que a cidade é marcada pela força do misticismo. Ela lembra que, em 2012, o município atraiu 15 mil pessoas, mais que o dobro da população local, para se prepararem para o fim do mundo. De acordo com o calendário maia, o dia 21 de dezembro daquele ano encerraria um ciclo de 5.125 anos e marcaria o fim do mundo, mas, para os místicos, a força dos cristais protegeria a cidade de qualquer profecia apocalíptica.

Em 1996, testemunhas disseram ter visto objeto estranho sobre a barragem do Lago Paranoá e tiraram fotos do fenômeno. A Entidade Brasileira de Estudos Extraterrestres (EBE-ET), localizada em Brasília, tem uma interpretação mais ampla da ufologia, já que, conforme explica, conjuga a ideia do desconhecido com estudo multidisciplinar, integrando física, astronomia, biologia, por exemplo.

 


População LGBTI+ se organiza para empoderar minorias diante de ataques de Bolsonaro

Reportagem especial da revista Política Democrática online mostra que alvos de Bolsonaro não se silenciam diante de repressão de presidente

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Integrantes da população LGBTI+ (Lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, intersexos e mais) afirmam que as minorias devem se mobilizar contra as diversas formas de preconceito e violência estimuladas pelo governo de Jair Bolsonaro. Eles alertam as minorias para se unirem e se empoderarem, como mostra reportagem especial da 15ª edição da revista Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira). Todos os conteúdos da revista podem ser acessados gratuitamente no site da entidade.

» Acesse aqui a 15ª edição da revista Política Democrática online

O coordenador nacional da Diversidade do Cidadania 23, Eliseu de Oliveira Neto, demonstra preocupação com o que chama de “efeito manada” do governo Bolsonaro, referindo-se à capacidade de grupos carregados de ódio e preconceito, como homofóbicos, machistas, feminicidas e racistas, contaminarem outra parcela da população. “Esses grupos se sentem empoderados, representados, e, dessa forma, acabam convencendo pelo ódio outras pessoas que estavam sem opinião formada, no ‘meio do caminho’ e que poderiam ser conscientizadas de forma pedagógica”, lamenta ele, que já foi vítima de homofobia mais de uma vez.

Assim como Eliseu, a educadora social e mulher trans Rubi Martins do Santos Correa afirma que a população de minorias precisar se unir para não se marginalizar e se oprimir diante das práticas do governo Bolsonaro. “Somos um país de pessoas resistentes. Temos gays em todos os lugares”, acentua. “Temos que empoderar a população LGBTI+ e as outras minorias para ocuparem os espaços na sociedade. O empoderamento é chave para as minorias atuarem como sujeitos de direitos e deveres. Não sei quanto tempo vai levar, mas um dia chegaremos lá”, afirma ela.

A população LGBTI+ reconhece que sempre sofreu violência e teve de se organizar em movimentos político-sociais para terem seus direitos reconhecidos. No entanto, de acordo com Rubi, Bolsonaro “legitima atos violentos contra as minorias”. “Isso dá certa autonomia para as pessoas destilarem os seus preconceitos. Elas se sentem no poder de praticar violência porque até o presidente naturaliza isso”, assevera a educadora social, que também coordena um trabalho junto à população em situação de rua e extrema vulnerabilidade no Distrito Federal.

Como também tem dificuldade de articulação no Congresso, Bolsonaro ocupa o tempo se envolvendo em polêmicas sustentadas em pauta sobre moral e costumes. “É a pauta dos conservadores”, afirma Eliseu. “Bolsonaro é um homofóbico que não tem pudor de colocar as pessoas em risco e de mentir para se manter no poder”, acrescenta ele.

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