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Cacá Diegues: A melhor atriz do mundo 

Jeanne Moreau inventou seu tempo e acompanhou as mudanças ocorridas naquilo que ela inventou. A importância dela estava dentro e fora da tela

Os jornais e a televisão cobriram o assunto, é verdade. Publicaram biografias, listas de seus filmes mais significativos, fofocas de seus ex-maridos (de um deles até trocaram o nome, um outro foi eliminado da memória pública), tudo que uma estrela merece ao morrer com 89 anos de idade. Mas foi tudo pouco, para entender Jeanne Morau e seu papel na história do cinema é preciso muito mais.

Com a morte de Jeanne Moreau, morre um pedaço do cinema. Ela produziu, dirigiu ou escreveu poucos filmes. Mas foi nos filmes que interpretou, nos filmes a que deu um caráter que muitas vezes eles não tinham originalmente e que ela inventou por conta própria ou por ser o que era, que ela ergueu a história de um cinema que não existia antes dela.

Quando, em “Ascensor para o cadafalso” (“Ascenseur pour l’échafaud”, de Louis Malle, 1957), Jeanne Moreau caminhou pelos Champs-Élysées ao entardecer, sem luz artificial, iluminada apenas pela luz das vitrines de Paris e dos faróis dos automóveis, com a câmera levada pelas mãos do fotógrafo Henri Decae, ao som de um improviso de Miles Davis, à espera do desenlace de uma conspiração criminosa que arquitetara contra seu marido, nesses planos, cuja continuidade estava apenas em sua beleza e eficiência, nascia um cinema que nunca havíamos visto antes, uma maneira de encarar a vida que não conhecíamos, um rosto que se expressava de um modo mais rico e complexo, como apenas desconfiávamos que era a própria existência humana. E nunca mais o cinema foi o mesmo.

Jeanne era apaixonada por Bette Davis e, talvez por isso mesmo, muito ensaísta de respeito atribuía à estrela hollywoodiana a origem do jeito Moreau de ser na tela. Mas não tinha nada a ver. Bette Davis era uma grande atriz na tradição do cinema americano clássico, um rosto que não se deixou influenciar pelo falso naturalismo de cartilha dos estúdios. Jeanne Moreau inventou seu tempo e acompanhou as mudanças ocorridas naquilo que ela inventou. A importância dela estava dentro e fora da tela.

Logo depois de “Ascensor para o cadafalso”, ela faria, em 1958, com o mesmo Louis Malle, “Os amantes”, um filme em que, em todos os lugares e épocas em que passou, o grande destaque era um longo plano do rosto de Jeanne Moreau reagindo a alguma coisa que não se via na tela. Seu parceiro, na cama em que faziam amor, sumia por seu corpo abaixo, sugerindo um sexo oral cujo resultado estava apenas no rosto da atriz. O choque moral e de costumes que esse plano provocou tornou o filme maldito, proibido pelas igrejas e pelos bons costumes, censurado em quase todo o mundo. E, no entanto, era apenas um close solitário de Jeanne Moreau.

Quando ela veio ao Brasil, no início dos anos 1970, para filmar “Joanna Francesa”, um membro da equipe, cinéfilo de respeito, desses que sabem tudo dos filmes que amam, aproveitou uma noite descontraída, numa mesa de bar com parte do elenco, e reproduziu para Jeanne algumas das falas célebres de seu filme recente “A noite”, um clássico moderno dirigido por Michelangelo Antonioni. Para minha surpresa, ela não reconheceu as falas, não sabia de que filme vinham, não se lembrava de que tinha sido ela que as dissera. Jeanne Moreau, que cultivava com empenho a história do cinema, que sabia dizer o que fosse necessário sobre os filmes importantes dessa história, não tinha o hábito de se consagrar.

Segundo Orson Welles, que filmou com ela, Jeanne Moreau era “a melhor atriz do mundo”. Mas acho que isso é pouco para definir o que ela foi. Como Jeanne disse uma vez, para ela “o cinema não era uma carreira, mas sim uma vida”. E era pela vida que ela se interessava sempre, mesmo em filmes tão comerciais quanto “Viva Maria”, que ela faria em 1965 com Brigitte Bardot, durante o qual dava ideias ao diretor e improvisava constantemente, a ponto de irritar sua parceira que, a cada intervenção dela, ameaçava ir embora.

Por vários motivos que não se resumem ao cinema, meu filme favorito, entre os que ela fez, sempre foi “Jules e Jim” (de François Truffaut, 1962), o mais belo filme sobre o amor jamais feito. É nele que Catherine, seu personagem meio anarquista, canta a canção “Le tourbillon de la vie”, uma canção que era a sua cara. Jeanne Moreau amava esse turbilhão.

* Cacá Diegues é cineasta

 


O sucesso do filme "Que Horas Ela Volta?", estrelado por Regina Casé, e entrevista a diretora Anna Muylaert

O #ProgramaDiferente, da TVFAP.net, apresenta uma entrevista exclusiva com a diretora de cinema Anna Muylaert. Ela fala sobre cultura, política, educação, preconceito, machismo e o sucesso do filme "Que Horas Ela Volta?", estrelado por Regina Casé e premiado internacionalmente antes mesmo de ter entrado em cartaz no Brasil (estreou em 27 de agosto). Assista.

Há uma semana no circuito nacional, "Que Horas Ela Volta?" já é candidatíssimo a representar o Brasil no prêmio Oscar de 2016. O sucesso é estrondoso, tanto de público quanto de crítica.

A diretora também acabou envolvida em uma polêmica com os cineastas pernambucanos Cláudio Assis ("Amarelo Manga", "Baixio das Bestas" e "Febre do Rato") e Lírio Ferreira ("Baile Perfumado e "Sangue Azul"). Leia no G1, O Globo, Diário de Pernambuco e no próprio facebook dos envolvidos.

Formada em Cinema pela USP, a paulistana Anna Muylaert traz a público, aos 51 anos, uma comédia de costumes que, como tal, extrapola na missão de fazer rir. Com forte crítica social, toca em temas como educação e cultura, além de levar à reflexão sobre afeto, preconceitos e relações familiares (não por acaso, o título internacional do filme é "Second Mother", ou "Segunda Mãe").

Como roteirista de TV, Anna participou das equipes de criação dos programas Mundo da Lua (1991) e Castelo Rá-Tim-Bum (1995), da TV Cultura; Disney Club (1998), do SBT; e Um Menino Muito Maluquinho (2006), da TVE Brasil.

Em 2005, foi roteirista da série Filhos do Carnaval, da HBO, e do filme O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias, ambos dirigidos por Cao Hamburguer. Também colaborou nos roteiros da série Alice, direção de Karim Ainouz, e do filme "Quanto Dura Um Amor?", entre outros trabalhos.

Como diretora realizou vários curta-metragens, como Rock Paulista (1988) e A Origem dos Bebês Segundo Kiki Cavalcanti (1996). Também dirigiu os longas Durval Discos (2002), prêmio de melhor filme e melhor diretor no Festival de Cinema de Gramado, com Ary França, Marisa Orth, Letícia Sabatella e Etty Fraser, e É Proibido Fumar(2009), com Gloria Pires e Paulo Miklos. Em 2012 dirigiu Chamada a Cobrar.

No filme "Que Horas Ela Volta?", Regina Casé interpreta Val, uma mulher humilde que sai do interior de Pernambuco, onde deixa uma filha pequena, Jéssica, para trabalhar como empregada doméstica em São Paulo.

Na casa da classe alta paulistana, Val é considerada "praticamente" de casa e "praticamente" uma segunda mãe para Fabinho (vivido na adolescência por Michel Joelsas). A doméstica sente-se culpada por ter "abandonado" a filha Jéssica (Camila Márdila). O reencontro acontece quando a garota resolve prestar vestibular em São Paulo. A partir daí, revela-se um novo mundo para todos, além das aparências, das convenções e das conveniências.

Pela atuação, Regina Casé e Camila Márdila já ganharam o prêmio especial do júri como melhores atrizes em filme estrangeiro no Festival de Sundance. O filme também ganhou o prêmio da Mostra Panorama no Festival de Berlim e o prêmio CICAE Art Cinema, da International Confederation of Art House Cinema, júri independente do festival.