cinema
Revista Online | Cinema = Arte + Tecnologia – Uma fórmula esquecida?
Lilia Lustosa*, crítica de cinema, especial para a revista Política Democrática online (52ª edição: fevereiro de 2023)
É chegada aquela época do ano em que os cinéfilos de plantão ficam ansiosos para saber quais são os melhores filmes e os melhores profissionais da indústria cinematográfica da temporada. Já tivemos o Globo de Ouro, o Critics Choice Awards, o BAFTA (do Reino Unido), e, muito em breve, teremos os César (França), os Ursos de Berlim e o tão esperado Oscar. Um prêmio que já foi considerado o mais glamoroso de todos por ser outorgado justamente pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos, suprasumo do sonho hollywoodiano.
Acontece que, há alguns anos, esta premiação, que deveria justamente enaltecer aquelas obras que apresentam a melhor combinação entre arte e tecnologia, vem se transformando em algo extremamente difícil de entender. O Oscar se converteu em um prêmio que se pretende politicamente correto, alinhado a seu tempo, mas que é, ao mesmo tempo (e antes de tudo), guiado pelo lobby dos grandes estúdios. Uma prática que foi ganhando cada vez mais força, importando muito mais o montante investido na campanha de divulgação do filme do que o filme em si.
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A temática abordada passou também a ter muito peso, tendo mais chance de serem premiadas aquelas tramas que se atêm à ordem do dia e que respeitam as pautas da atualidade. Até aí tudo certo. Mas e a arte e a ciência, onde ficam? O que estamos vendo ser premiado neste 2023? Sonho ou lobby? Temas da moda ou produções que seguem a antiga fórmula "cinema = arte + tecnologia"?
Se depender do número de indicações, o grande vencedor do Oscar seria Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, dos diretores Daniel Kwan e Daniel Scheinert, que, além de 14 nomeações, já levou o prêmio de melhor filme no Critics Choice Awards. O longa se divide entre a realidade do cotidiano burocrático e a ficção (quase científica e caótica) da mente humana, uma espécie de realismo mágico com pitadas de ficção científica com ar retrô. Uma bela e original análise do metaverso, tão na moda nos filmes e nas rodas de conversas da atualidade, mas com uma pegada diferente, excêntrica, bem humorada e crítica. Uma história que, em um primeiro olhar, não faz nenhum sentido, mas que, ao mesmo tempo, faz pensar tanto. Tradições, amor, relacionamentos, respeito, diferenças, quebra de expectativas, tudo está ali. Tudo que a vida poderia ter sido e não foi… e tudo que ela é também. A fórmula do cinema está ali bem presente. E os temas da moda também!
Outro forte candidato é Os Fabelmans, do já oscarizado Steven Spielberg, que, por sua vez, já levou prêmios importantes para casa: Globo de Ouro de melhor diretor e de melhor filme. Uma história simples, sem grandes originalidades, mas que abunda em sentimentos, delicadeza e precisão na técnica empregada. Uma autobiografia ficcionalizada que toca de forma elegante e respeitosa em questões muito íntimas do diretor, sem, no entanto, apresentar julgamentos de valor, nem ornamentos desnecessários. Um filme que opta por não mostrar a trajetória profissional de um cineasta consolidado, preferindo apresentar um homem (um gênio) em formação.
O grande "intruso" nesta lista de indicações parece ser a coprodução Alemanha-EUA-Inglaterra Nada de Novo no Front, quefez a proeza de levar 7 estatuetas no BAFTA, das 14 nomeações recebidas, incluindo as de melhor filme em língua não inglesa e a de melhor filme tout court. Uma produção que já tinha mostrado a cara em outras premiações, tendo, porém, até então ficado sem nenhuma estatueta. Para a cerimônia do dia 12 de março em Los Angeles, o “intruso" está nomeado em nada mais nada menos do que nove categorias. Uma história já laureada no passado, quando o longa dirigido por Lewis Milestone arrebatou os Oscares de Melhor Filme e de Melhor Diretor em 1930, ao levar para a telona a história, contada no livro de Erich Maria Remarque, sobre um jovem alemão que, aos 17 anos, se alista para defender seu país na 1ª Guerra Mundial. Uma história narrada pelos olhos do perdedor que, por meio de uma belíssima fotografia contrastando planos gerais super abertos com closes nas expressões faciais dos protagonistas, dá uma repaginada em um tema infelizmente super atual: a guerra e a perda de tantas vidas inocentes.
Alguns poucos filmes, porém, parecem ser unanimidade, como a animação Pinóquio, do mexicano Guillermo Del Toro, que já levou o Globo de Ouro, o Critics Choice e o BAFTA. Um exemplo perfeito do uso sa velha fórmula "arte + tecnologia" para discutir temas da atualidade: guerra, fortalecimento da extrema direita, ética, imperfeições, expectativas e tantas coisitas más.
Saiba mais sobre a autora
*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), Suíça.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro de 2023 (51ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Revista online | Cinema e democracia
Lilia Lustosa*, crítica de cinema, especial para a revista Política Democrática online (51ª edição: janeiro de 2023)
A onda de filmes sobre a 1ª e a 2ª Guerras Mundiais que assola os streamings ultimamente é um fator a ser considerado. O historiador francês Marc Ferro já dizia que o cinema, por ser um testemunho singular de seu tempo, traz à tona elementos que viabilizam uma análise da sociedade em que está inserido, independentemente da vontade do diretor, do roteirista ou do produtor. Para Ferro, o documento fílmico “traz sem querer uma informação que vai contra as intenções daquele que filma, ou da firma que mandou filmar”. Ou seja, mesmo que não seja a intenção, determinados aspectos da sociedade vão emergir, aparecendo na tela em forma de “lapsos”.
Como se observa diariamente nos jornais e nas redes sociais, o mundo anda bem complicado ultimamente, e a América Latina não é exceção, parecendo até ter sido selecionada como um dos cenários preferidos para extremistas e fanáticos que colocam cotidianamente a democracia em xeque.
No nosso Brasil, os acontecimentos de 8 de janeiro, em Brasília, são um exemplo triste de que a ameaça é bem mais real do que se imaginava. Vidraças quebradas, obras de arte perfuradas e parte do nosso patrimônio dilapidado por vândalos alucinados não são obra de nenhuma ficção concorrendo ao Oscar deste ano. Infelizmente. São, na verdade, o retrato da mais pura (e feia) realidade.
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Dentro desse contexto, há vários filmes que refletem as angústias dos nossos tempos e que podem ajudar a entender que o caminho que estamos percorrendo precisa ser combatido já.
Nada de Novo no Front (2022), longa alemão que concorre ao Oscar de Melhor filme internacional neste ano, é um bom exemplo. O filme, que é baseado no livro homônimo de Erich Maria Remarque, de 1929, além de contar a história pelo lado do perdedor – coisa rara nos livros de História – não se furta a fazer uma mea culpa sobre as ações da Alemanha na 1ª Guerra, deixando bem claro, porém, que em uma guerra ninguém sai vencedor.
Argentina, 1985 (2022), de Santiago Mitre, que concorre ao Oscar na mesma categoria, surge, por sua vez, como uma espécie de luz no fim do túnel. Um banho de esperança, disfarçado de filme. Aliás, uma senhora aula de cinema político, tocando em pontos cruciais e doloridos da História, sem ter nem que recorrer à troca de nomes reais por fictícios. Filme sem medo!
Estrelado por Ricardo Darín no papel do promotor Júlio César Strassera, chefe do Ministério Público argentino, o longa reproduz com maestria um momento bastante tenso na história do país, logo após o fim da ditadura militar. Período em que o então presidente Raúl Alfonsín assinara um decreto que previa o julgamento dos militares implicados em crimes durante a ditadura, baseado no informe Nunca Más, documento escrito pela Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (Conadep), que registrou a existência de mais de 340 centros clandestinos e mais de 9 mil desaparecidos no país.
O foco é então o Julgamento das Juntas Militares, ineditamente composto por um júri de civis. Para auxiliar Strassera nessa missão quase impossível, estava o jovem Luis Moreno O’Campo (Peter Lanzani), de família tradicional argentina, um dos poucos a ter coragem de se juntar ao promotor para enfrentar o rojão que viria pela frente. Com eles, havia ainda um grupo de jovens neófitos destemidos, dispostos a trabalhar noite e dia para fazer justiça.
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Como é praxe no cinema argentino, Argentina, 1985 propõe uma reflexão sobre a história do país, espécie de autoanálise que surpreende por não se contentar em ficar na categoria de filmes de tribunal, centrado em cenas de julgamento e em eloquentes discursos enfeitados. O que Mitre constrói aqui é algo bem mais complexo. Uma obra que mistura História, suspense e até humor, sem nunca se deixar cair na armadilha do dramalhão regado a lágrimas e sofrimentos. Por meio de uma reconstituição histórica de alto nível e de uma recriação sublime dos anos 1980 – com belo design de produção e de figurino –, o diretor apresenta o passo a passo do julgamento de 1985, sem desconsiderar aspectos individuais e sentimentos dos personagens envolvidos.
Argentina, 1985 já levou alguns prêmios nesta temporada, entre eles o disputado Globo de Ouro de Melhor filme estrangeiro, seguindo ainda no páreo para o Oscar em março próximo. Um sinal de que, apesar do temor de que algo parecido com uma 3ª Guerra Mundial aconteça, os “lapsos” dos nossos tempos ainda indicam que a democracia é o melhor caminho.
Sobre a autora
* Lilia Lustosa é crítica de cinema, formada em publicidade, especialista em marketing, mestre e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidade de Lausanne, França.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Revista online | Avatar 2: Sublime até debaixo d’água
Lilia Lustosa*, especial para a revista Política Democrática online (50ª edição: dezembro/2022)
Há treze anos, James Cameron revolucionava a história do cinema ao resgatar uma tecnologia antiga, porém, já bem esquecida: o 3D. Depois de longos 15 anos de investimento e pesquisa, o diretor canadense criou câmeras sofisticadas e deu nova cara e qualidade às imagens tridimensionais em movimento.
Pandora, o mundo criado por ele em Avatar (2009), foi o que melhor se viu em termos de ilusão de profundidade até aquele então, arrebatando praticamente todos os prêmios de efeitos visuais e direção de arte da temporada, ainda fazendo escola, já que reacendeu o interesse por essa tecnologia dos anos 20. Bem recentemente, o mesmo Cameron, mais uma vez, é o responsável por outra reviravolta na estereoscopia, com câmeras ainda mais modernas, desta feita, capazes de capturar à perfeição imagens tridimensionais debaixo d’água.
Em Avatar: O Caminho da Agua (2022), o deslumbramento causado pelos cenários das matas de Pandora, desloca-se para a costa do planeta, região onde vive a tribo Metkayina, seres aquáticos, não mais azuis como os filhos de Omaticaya, mas verdes claros, com caudas em vez de rabo e pés e mãos que funcionam como nadadeiras. Seres, no entanto, igualmente conectados com a natureza.
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O efeito de Metkayina em nossos olhos é simplesmente sublime! Um universo deslumbrante, de azul intenso, que penetra na íris e na alma de espectadores. Para chegar a esse ponto, além de ter trabalhado à exaustão com a equipe no desenvolvimento da nova tecnologia, Cameron exigiu ainda que seu elenco mergulhasse literalmente na água para as filmagens a fim de que tudo parecesse mais natural, mais crível. Fizeram curso de mergulho e aprenderam a passar longos minutos em apneia. Um esforço físico e mental que valeu a pena. A imersão nas águas (e na história) é tal que, em dado momento, tem-se vontade de prender a respiração para mergulhar com eles!
Importante dizer que, do mesmo modo que acontece com o primeiro filme, o enredo em si não é o ponto mais forte desta produção. O que deslumbra em Avatar 2, mais uma vez, é o mundo que se descortina na tela.
Com a Terra cada vez mais inabitável, a solução continua sendo tomar Pandora e construir ali um novo lar para os terráqueos. Omaticaya é então atacada pelos humanos que querem ali estabelecer residência, não sem antes impor sua cultura e seus hábitos aos povos originários, que, aos olhos da Terra, parecem estranhos, cheios de superstições, magias e valores selvagens e equivocados.
A trama se passa alguns anos depois da história do primeiro filme, quando Jake Sully (Sam Worthington), agora convertido em Na’Vi, e Ney’tiri (Zoë Saldanha) constituiram família – têm quatro filhos –, e vivem pacificamente em sua terra, ambos exercendo papeis de liderança naquela sociedade. Isso até serem atacados mais uma vez pelos humanos e sentirem-se obrigados a deixar tudo para que sua gente não seja dizimada. Como refugiados, vão pedir abrigo na terra dos Metkayina, povo Na’Vi que habita a costa de Pandora, e que os recebe entre o receio e a solidariedade. Ali, a família de Sully vai ter que se adaptar às novas regras, assimilar os hábitos da tribo, aprender sua língua e ainda exercer a humildade para aceitar a ignorância intrínseca ao ser estrangeiro.
Veja, a seguir, galeria:
Usando e abusando de clichês para compor seus personagens e sua história, Avatar 2 é, assim, uma grande e bela alegoria da colonização, além de ser também, uma espécie de manifesto de cunho ecológico, que prega a defesa da natureza e a vida em harmonia com Eiwa, a “mãe-terra” de Pandora. Mas isso é verdadeiro também para o primeiro filme da franquia. A novidade aqui é a introdução da alegoria dos refugiados, tema atual, preocupante e bem trabalhado no filme de Cameron.
Com pouco tempo desde sua estreia, Avatar 2 já se pagou, tendo feito mais de US$ 550 milhões de bilheteria, contra os 350 milhões de seu orçamento. A aposta de Cameron, porém, é ultrapassar a marca de 1 bilhão em box-office mundialmente e, com isso, garantir o lançamento de Avatar 3 no final de 2024 e quem sabe das sequências 4 e 5 em um futuro próximo. Entre o primeiro e o segundo filmes se passaram 13 anos, tempo suficiente para desenvolver novas tecnologias capazes de surpreender os olhos mais exigentes. Mas será que um sequeal lançado tão em seguida será capaz de tirar nosso fôlego outra vez? Enquanto esta hora não chega, vale abrir olhos, coração e mente, e mergulhar fundo nesta grande fábula chamada Avatar.
Sobre a autora
*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), Suíca.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de dezembro/2022 (50ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
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Revista online | Bardo: A viagem de Iñárritu
Lilia Lustosa*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022)
Um filme que tem como subtítulo “falsa crônica de algumas verdades” já nos deixa intrigados e de sobreaviso para o que vamos ver desfilar na tela. Realidade? Ficção? Surrealismo? Realismo mágico? Bardo tem um pouco de cada, já que o mexicano Alejandro González Iñárritu misturou tudo e nos presenteou com essa maravilha de filme.
Uma história nada convencional, que nos leva diretamente ao âmago do diretor, ao esconderijo de seus traumas e de suas angústias, representado aqui pelo personagem Silverio Gacho (Daniel Giménez Cacho), um documentarista mexicano que volta à sua terra natal depois de quase 20 anos morando nos Estados Unidos. Um cidadão ilustre de seu país, mesmo que tenha decidido abandoná-lo. Ou, quem sabe, justamente por isso…
A história se passa em um limbo que permite a Silverio ver de longe sua própria vida, fazendo um mea culpa e, ao mesmo tempo, tentando identificar acertos. Um estado mental que faz refletir sobre decisões tomadas, lutos vividos, cicatrizes deixadas e feridas não curadas dessa caminhada sem guia que é a vida. Aliás, esse limbo explica o título do filme, já que “bardo”, no budismo, significa um estado intermediário entre a morte e o renascimento.
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Bardo é um filme nostálgico, melancólico, além de ser uma bela reflexão sobre imigração, deslocamento, pertencimento, sobre sentir-se deslocado, às vezes, tresloucado, fora de lugar. Sobre estar nesse não-lugar de ser estrangeiro, de ser muito mexicano para ser americano e muito americano para ser mexicano.
Para colocar tudo isso na tela, Iñarritú recorre ao onírico, aos símbolos, às metáforas, percorrendo elementos de sua própria filmografia, o que, para olhos atentos, não será difícil de identificar. Há pistas bem claras, como os planos aéreos do deserto que separa México dos EUA e que é palco para uma das cenas mais fortes de Babel (2006). Ou os estupendos planos gerais rodados em 65mm como os vistos em O Regresso (2015). Ou, ainda, os fantásticos planos-sequências que perseguem o protagonista em um caminho quase labiríntico, claustrofóbico, assim como acontece em Birdman (2014).
No entanto, apesar da maestria com que conduz essa obra grandiosa (e cara) que é Bardo, o diretor mexicano tem sido alvo de muitas críticas por parte de especialistas, que o acusam de arrogante, narcisista e de haver realizado ali uma pseudo autocrítica. Isso porque o que está em questão em seu longa é uma imigração privilegiada, que não teve que atravessar nenhum deserto, nem quaisquer águas bravias. Ou seja, uma expatriação voluntária que lhe permitiu ver o país de cima, da classe executiva, e que o fez aterrissar em solo seguro, protegido por um visto migratório, com a sempre liberdade de poder voltar.
Certamente, sua mudança para a terra de Tio Sam não tem nada a ver com a de seus tantos compatriotas que arriscam o que têm e que não têm para realizar o american dream. Nem por isso os questionamentos de Bardo são menos valiosos. O que Iñarritu coloca sobre a mesa em sua autoficção, como ele mesmo descreve o filme, é algo interessante de ser pensado e discutido. Uma história fantástica, que se distancia dos classicismos cinematográficos e que se dispõe a mostrar as contradições e idiossincrasias da elite mexicana – também chamada de Whitexicans –, da qual ele faz parte. Classe que sofre uma crise existencial constante por estar tão perto dos EUA, mas, ao mesmo tempo, tão distante de seus costumes e mentalidade. Crise também por se saberem roubados pelos gringos no passado, mas cientes de que, hoje, muito de sua economia funciona com base nos investimentos (ou exploração) das tantas indústrias americanas ali instaladas. Ou, ainda, nas tantas remessas de dinheiro feitas por aqueles que conseguiram atravessar a fronteira e “vencer na vida”.
Confira, a seguir, galeria:
Bardo, com seu humor ácido e sua direção de arte excepcional, é finalmente uma grande crítica à alta sociedade mexicana, conseguindo, ao mesmo tempo, atingir em cheio imigrantes ou expatriados de outras nacionalidades, que terminam por identificar-se com aquelas angústias e sentimentos de não-pertencimento, de traição à pátria, de abandono e, ainda, de uma colonização não cicatrizada.
Apesar de suas quase 3 horas de duração, Bardo flui bem, conduzindo o espectador de maneira quase hipnótica pelos labirintos da cabeça (e do país) desse grande diretor que já nos presenteou com obras extraordinárias como Amores Brutos (2000) e 21 Gramas (2003) e que agora nos mostra que a memória não é feita apenas de verdades.
Sobre a autora
*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidade de Lausanne (UNIL), Suíca.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de novembro/2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Festival de Brasília do Cinema Brasileiro começa nesta segunda-feira (14); confira programação
G1 DF
O 55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, considerado o mais longevo do país, começa nesta segunda-feira (14) e vai até o dia 20 de novembro. Ao todo, são 42 filmes selecionados, entre curtas e longas-metragens (veja quais são ao final da reportagem). As sessões acontecem todos os dias, até 19 de novembro, às 20h30.
Além das mostras competitivas, duas mostras paralelas de longas-metragens, sessões hors-concours e sessões ao homenageado da edição, Jorge Bodanzky, fazem parte da programação. Oficinas e debatem também foram anunciados.
- Veja aqui os detalhes da programação
" A edição de 2022 está focada no retorno ao ambiente de exibições presenciais e na reconstrução de políticas do audiovisual brasileiro", diz a organização do festival.
Mostra Brasília
Cena do filme Capitão Astúcia, participante da Mostra Brasília — Foto: Reprodução
Entre os longas da Mostra Competitiva Nacional foram selecionadas duas produções do Distrito Federal, feito inédito na história do festival:
- "Mato seco em chamas", de Adirley Queirós e Joana Pimenta, é uma obra futurista que explora os impactos da presença da extrema-direita em ambientes de favela;
- "Rumo", de Bruno Victor e Marcus Azevedo, fala sobre a trajetória de implementação das cotas raciais em universidades brasileiras.
Também foram selecionados quatro longas e oito curtas-metragens produzidos no Distrito Federal para disputar os 13 troféus Candango e os R$ 240 mil em prêmios concedidos pela Câmara Legislativa do DF, incluindo R$ 100 mil para o melhor longa e R$ 30 mil para o melhor curta, pelo júri oficial.
Na categoria júri popular, o longa vencedor receberá R$ 40 mil e o curta ficará com R$ 10 mil.
Filmes selecionados
Cena do Filme 'Espumas ao Vento', participante da Mostra Nacional — Foto: Reprodução
Mostra Competitiva Nacional – Longas
- Mato seco em chamas (DF): direção de Adirley Queirós e Joana Pimenta
- Espumas ao vento (PE): direção de Taciano Valério
- Rumo (DF): direção de Bruno Victor e Marcus Azevedo
- Mandado (RJ): direção de João Paulo Reys e Brenda Melo Moraes
- Canção ao longe (MG): direção de Clarissa Campolina
- A invenção do outro (SP/AM): direção de Bruno Jorge
Mostra Competitiva Nacional – Curtas
- Big bang (MG/RN): direção de Carlos Segundo
- Ave Maria (RJ): direção de Pê Moreira
- Nossos passos seguirão os seus… (RJ): direção de Uilton Oliveira
- Anticena (DF): direção de Tom Motta e Marisa Arraes
- Calunga maior (PB): direção de Thiago Costa
- Sethico (PE): direção de Wagner Montenegro
- Escasso (RJ): direção: Encruza – Clara Anastácia e Gabriela Gaia Meirelles
- São Marino (SP): direção de Leide Jacob
- Capuchinhos (PE): direção de Victor Laet
- Nem o mar tem tanta água (PB): direção de Mayara Valentim
- Um tempo para mim (RS): direção de Paola Mallmann de Oliveira
- Lugar de Ladson (SP): direção de Rogério Borges
Mostra Brasília – Longas
Cena do filme 'O Pastor e o Guerrilheiro', participante da Mostra Brasília — Foto: Reprodução
- Capitão Astúcia: direção de Filipe Gontijo
- Profissão livreiro: direção de Pedro Lacerda
- Afeminadas: direção de Wesley Godim
- O pastor e o guerrilheiro: direção de José Eduardo Belmonte
Mostra Brasília – Curtas
- Desamor: direção de Herlon Kremer
- Super-Heróis: direção de Rafael de Andrade
- Plutão não é tão longe daqui: direção de Augusto Borges e Nathalya Brum
- Manual da pós-verdade: direção de Thiago Foresti
- Tá tudo bem: direção de Carolina Monte Rosa
- Virada de jogo: direção de Juliana Corso
- Levante pela Terra: direção de Marcelo Cuhexê
- Reviver: direção de Vinícius Schuenquer
Sessões especiais
Cena do filme 'Quando a Coisa Vira a Outra' — Foto: Reprodução
- Quando a coisa vira outra (DF): direção de Marcio de Andrade
- Diálogos com Ruth de Souza (SP): direção de Juliana Vicente
Mostra Reexistências
- O cangaceiro da moviola (MG/RJ): direção: de Luís Rocha Melo
- Não é a primeira vez que lutamos pelo nosso amor (RJ): direção de Luis Carlos de Alencar
- Uýra – A retomada da floresta (AM): direção de Juliana Curi
- Cordelina (PB): direção de Jaime Guimarães
Mostra Festival dos Festivais
- A filha do palhaço (CE): direção de Pedro Diógenes
- Três tigres tristes (SP): direção de Gustavo Vinagre
- Fogaréu (GO): direção de Flávia Neves
Homenagem Jorge Bodanzky
- Distopia utopia: direção de Jorge Bodanzky
- Compasso de espera: direção de Antunes FIlho
- Amazônia, a nova Minamata? direção de Jorge Bodanzky
Matéria publicada originalmente no G1
Revista online | Elvis eterno
Lilia Lustosa*, especial para a revista Política Democrática online (46ª edição: agosto/2022)
O famoso bordão “Elvis não morreu” parece mais atual do que nunca, já que o biopic sobre o “rei do rock”, lançado no Brasil em julho, vem fazendo enorme sucesso por onde passa, colocando o nome do artista novamente na agenda mundial.
Até o início de agosto, Elvis (2022), superprodução da gigante Warner Bros, dirigido por Baz Luhrmann, já havia arrecadado mais de R$ 18 milhões em bilheteria só no Brasil. No resto do mundo, esse número já ultrapassa a barreira dos 234 milhões de dólares.
A razão de tanto sucesso? Imagino que não seja a atuação de Tom Hanks, que, apesar de seu enorme talento e dos dois Oscares na bagagem, entrega desta feita uma performance caricata em um filme que não se pretende paródia e que, portanto, não pede esse estilo de encenação. O ator encarna o empresário e descobridor de Elvis Presley, o imigrante Tom Parker ou simplesmente “Coronel”. Um homem visionário e ambicioso, de passado desconhecido, dono de um sotaque não identificável.
Talvez, a boa repercussão dos recentes Bohemian Rhapsody (2018) e Rocketman (2019), respectivamente sobre Fred Mercury e Elton John, tenha ajudado. Sem falar, claro, no excelente desempenho de Austin Butler que, de maneira impressionantemente convincente, dá vida a Elvis. Isso somado à adoração que tantos espectadores de todos os cantos do mundo têm por esse artista americano que, sem nunca ter saído dos Estados Unidos, tornou-se um fenômeno de vendas, antes de partir prematuramente, aos 42 anos de idade.
Veja, a seguir, galeria de imagens:
Mas, fora as músicas e a esposa Priscilla Presley, o que sabemos de fato sobre sua origem e seu mundo? O longa de Luhrmann preenche parte dessa lacuna, apresentando vários fatos da carreira e da vida pessoal de Elvis, embalados, claro, por uma bela trilha, que, diga-se de passagem, não é o ponto mais forte do longa, já que o filme se concentra mais na vida do artista do que em sua música.
O diretor australiano, conhecido por sucessos como The Great Getsby (2013), Moulin Rouge! (2001) e Romeu + Julieta (1996), escolheu contar a história do astro por meio de um longo flashback que nos transporta para sua infância pobre, vivida em um bairro negro em Memphis, Tennessee. O narrador é o tal Coronel, personagem fundamental na vida de Elvis, mas nem sempre retratado com o devido destaque em obras anteriores.
Composto por uma montagem sofisticada, Elvis tem as primeiras sequências carregadas de split screens que nos mergulham nos anos 60, época de proliferação dessa técnica e, ao mesmo tempo, de grande sucesso da carreira de Elvis. Pena que Luhrmann se empolga demais com as telas partidas, agregando-lhes vinhetas gráficas, que dão um certo ar de Marvel à obra, o que poderia até ser um caminho estético, desde que sustentado até o fim. Mas não é o que acontece.
Depois de um início um tanto paroxístico, o filme acaba por abandonar os excessos, encontrando um tom mais equilibrado que mostra, de forma caleidoscópica, a vida desse artista. Um homem que soube desde cedo antropofagizar os cantos e as danças dos negros, misturando-os ao pop e ao country, criando um estilo original e inusitado, causador de muita polêmica, rendendo-lhe inclusive o apelido de “Elvis, o pélvis”. Estilo que serve até hoje de inspiração para muita gente, mas que segue suscitando controvérsias, sobretudo, com relação à questão da apropriação cultural.
Vendo com olhos de hoje, concluímos que Elvis se apropriou mesmo dos ritmos ouvidos nos cultos e nas festas de seus vizinhos de Lauderdale Courts: o gospel, o blues… Mas como poderia ser diferente se foi ali que ele cresceu? Menino branco no meio de crianças negras, ouvindo as mesmas músicas, vendo os mesmos cultos, dançando as mesmas danças! Jovem que frequentava a Beale Street, rua em que conheceu um certo B. B. King, nascido em seu mesmo Mississippi natal e que acabou por se tornar um parceiro de música e de vida. O “rei do blues” chegou a afirmar, em 2010, em uma entrevista ao San Antonio Examiner, que ele e Elvis compartilhavam a ideia de que a música era uma propriedade de todo o universo, e não uma exclusividade do negro, do branco ou de qualquer outra cor. Além de ser algo compartilhado “em e por” as almas de todas as pessoas.
Seria correto afirmar, então, que Elvis “roubou” isso da cultura negra? Seria justo impedi-lo de usar ritmos e costumes que fizeram parte de sua vida e que o levaram consequentemente à militância pela integração racial?
Não sou expert em Elvis, mas o que Luhrmann faz nas 2 horas e 40 minutos que dura o filme é justamente exaltar essa influência, dando o devido crédito a quem o merece. Seu Elvis, além de ser uma ótima distração, é uma produção de alta categoria que faz jus ao retratado e que ainda nos presenteia com um show de atuação de Butler, fazendo-nos até duvidar se Elvis, de fato, morreu.
Sobre a autora
*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), Suíça.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto de 2022 (46ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Revista online | Top Gun: Maverick – um voo de nostalgia
Lilia Lustosa*, especial para a revista Política Democrática online (44ª edição: junho/2022)
Recentemente, uma sequela (sequel, em inglês) vem arrasando quarteirões e dando o que falar justamente por despertar na plateia aquela sensação gostosa de reviver o passado, de voltar no tempo, de reencontrar ídolos ou crushes da juventude. Top Gun: Maverick é uma explosão de nostalgia, com direito a Tom Cruise, Val Kilmer, Danger Zone (música de Kenny Loggins) e aquele sentimento de anos 1980 que invade por completo tela e mente.
Trinta e seis anos depois do sucesso de Top Gun: Asas Indomáveis (1986), longa-metragem que lançou Tom Cruise ao estrelato e garantiu seu lugar na cultura pop mundial, o novo Top Gun veio ainda melhor, mostrando que o tempo, às vezes, pode aprimorar uma obra, assim como faz com bons vinhos.
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Para dirigir essa sequela de peso, Joseph Kosinski foi o escolhido. Conhecido por sua aptidão no uso da computação gráfica – Tron: O Legado (2010) e Oblivion (2013) –, desta feita, o diretor americano optou por manter a estética e o estilo de seu predecessor, Tony Scott, filmando in loco, sem fundo verde. As cenas de abertura são exatamente como as do primeiro filme, incluindo a fonte utilizada para apresentar os créditos. Kosinski parece não ter querido deixar dúvidas sobre a filiação de seu Top Gun, prestando, ao mesmo tempo, bela homenagem ao diretor britânico que tirou sua própria vida em 2012. Kosinski agrega, porém, verniz de modernidade ao filme, aliando o que há de melhor na tecnologia atual ao realismo do cinema daqueles tempos. Em Top Gun: Maverick, os atores voam mesmo! Não é CGI. E mais, eles filmam também, já que nem diretor nem cinegrafista podiam acompanhá-los nos voos.
Para que os atores pudessem enfrentar tantos desafios, o próprio Maverick – ops! Tom Cruise – preparou um boot camp de três meses para deixar todos no ponto para subir nos aviões. Kosinski, por sua vez, instalou quatro câmeras dentro de cada jato, duas viradas para os atores e duas para fora, e ainda lançou mão de drones e aviões com a equipe de filmagem voando ao lado dos protagonistas. Uma proeza de realização e, sobretudo, de montagem, ponto alto do filme. As sequências de voos são de tirar o fôlego. Super-realistas e editadas à perfeição para fazer os espectadores voarem junto naqueles caças supersônicos.
O roteiro, talvez, seja o ponto mais fraco do longa. Mas isso já era no original. Afinal, a trama de Top Gun 1 é bem simples: piloto rebelde, com muito talento, mas que não gosta de obedecer às ordens. Entra para a equipe de elite da Marinha americana, a Top Gun. Por seu temperamento, vai acumulando inimigos e perdendo oportunidades na carreira. Para piorar a situação, em um momento de rebeldia aérea, acaba perdendo seu melhor amigo e parceiro de voo, Nick “Goose” Bradshaw (Anthony Edwards). Uma ferida difícil de cicatrizar e que vai apagar um pouco a chama de rebeldia de Pete “Maverick” Mitchell.
No filme atual, o capitão Maverick é um piloto de testes, estagnado na carreira e na vida. Ele é chamado para treinar a equipe escolhida para uma missão quase impossível. Os seis pilotos selecionados da Top Gun terão que eliminar um inimigo que não tem cara (russos, chineses?). Entre eles está Bradley “Rooster” Bradshaw (Miles Teller), filho de seu amigo Goose. Maverick vai viver um dilema: treinar o rapaz para que ele participe dessa missão suicida ou eliminá-lo do grupo, protegendo sua vida, mas impedindo-o, com isso, de alcançar seus sonhos?
Top Gun 2 traz à tona velhos sentimentos, fantasmas e medos, além de propor uma reflexão sobre a maturidade e a passagem do tempo. Não que Maverick tenha perdido a rebeldia, mas agora ela é mais pensada, contida, controlada. As transformações físicas também têm destaque. Nesse quesito, um momento especial é a aparição de Tom “Iceman” Kasansky (Val Kilmer), antigo inimigo de Maverick, que, por seu talento e conformação às regras, chega à diretoria da Top Gun. Na vida real, sabe-se que Val Kilmer passa por um momento difícil, tendo perdido a voz depois de um câncer de garganta. Mas a tecnologia do século 21 torna sua participação possível e emocionante.
Quem ficou de fora mesmo foi a música-tema do primeiro Top Gun, Take My Breath Away, interpretada pela banda Berlin. Para seu lugar, Hold My Hand foi especialmente composta, interpretada por ninguém mais, ninguém menos que Lady Gaga. Será que ela também leva o Oscar, como fez sua predecessora?
Mas o melhor de Top Gun: Maverick é que ele prescinde de conhecimento prévio do filme de 1986, sendo assim um excelente entretenimento também para os jovens de hoje. As explicações necessárias estão todas ali, permitindo que todos desfrutem dessa aventura banhada de sol oitentiano. Mas, se der, vale assistir ao primeiro Top Gun e, também, ao documentário Val (2021), dirigido por Ting Poo e Leo Scott. Eles podem acrescentar um tom de sépia às emoções do presente, fazendo tudo ganhar mais alma e sentido.
Sobre a autora
*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), Suíça.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de março de 2022 (44ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Vladimir Carvalho destaca produção nacional: “Nosso cinema é excelente”
João Vítor*, com edição do coordenador de Publicações da FAP, Cleomar Almeida
No país do cineasta Glauber Rocha e de filmes como Cidade de Deus, o recorde de bilheteria é de filmes como Vingadores: Ultimato (R$ 338,8 milhões). No entanto, o caminho pode mudar. O filme Medida provisória, dirigido por Lázaro Ramos, lançado em abril deste ano, alcançou a marca de 100 mil espectadores e arrecadou mais de R$ 2 milhões em bilheteria na primeira semana de estreia.
O mercado internacional tem atraído mais público para as salas de cinema brasileiras do que as produções nacionais, o que, segundo o cineasta e documentarista Vladimir Carvalho, não é um problema exclusivo do Brasil. “As pessoas acham que [essa forma de atrair plateia] partiu de uma iniciativa privada, mas não é verdade. A indústria americana também contou com investimento do estado nesse tipo de produção que é quase uma fórmula. É a capitalização, dá certo”, explica.
Crítico e professor de comunicação da Universidade Católica de Brasília (UCB), Ciro Inácio Marcondes diz que sempre foi mais fácil consumir o audiovisual estrangeiro do que o brasileiro. “Parte de um assédio do cinema internacional em cima do nacional. Existem muitas distribuidoras americanas instaladas no Brasil que fazem parte dos mesmos estúdios que produzem e têm contratos com os cinemas”, afirma.
A discussão sobre o audiovisual é reforçada todos os anos com a celebração do Dia Nacional do Cinema Brasileiro, comemorado em 19 de junho. De acordo com relatos, em 1898, dois irmãos italianos capturaram as primeiras imagens em movimento no Brasil. A data, então, foi estabelecida como a da sétima arte nacional, pela Agência Nacional do Cinema (Ancine).
Movimento de Vanguarda
O destaque do mercado, conforme avalia Vladimir Carvalho, vai para o momento em que os cineastas passaram a retratar problemas sociais nas telas. “O cinema novo assumiu a brasilidade. Foi um movimento de vanguarda”, ressalta o cineasta paraibaino, radicado em Brasília.
O período descrito por Vladimir Carvalho marca, segundo ele, o antes e depois na sétima arte. “Deus e o Diabo na Terra do Sol, por exemplo, conta uma história do nordeste. Glauber Rocha assumiu a responsabilidade de contá-la”, analisa. O cinema novo foi de 1960 a 1970.
No entanto, o professor Marcondes discorda. Segundo ele, existem vários ou nenhum “antes e depois”. “São vários momentos e núcleos que se dividem em geografias diferentes para o Brasil. São regiões e investimentos diferentes que não nos permitem dividir o cinema nacional de um lado para o outro”, diz.
Ancine sucateada
O crítico de cinema afirma que o futuro do audiovisual é muito incerto. “Neste governo, fundos foram cortados, leis passaram a ser questionadas, a Ancine e a Cinemateca foram sucateadas”, diz Marcondes, para acrescentar que as ações culturais dependem de políticas públicas, não só federais, mas regionais.
Marcondes acredita que o fato de a Lei Rouanet estar sob crítica não vai afetar o futuro do cinema nacional. “Acho que o que é importante é ter fundos regionais e nacionais de financiamento direto e não via isenção fiscal”, opina.
Vladimir Carvalho lembra ter enfrentado problemas para ocupar a televisão, nos seus tempos de produção, o que, segundo ele, não ocorria com as produções norte-americanas. “Os cinemas no mundo foram sufocados pelo mercado comandado pelos Estados Unidos”, afirma.
Das produções que dirigiu, Vladimir Carvalho destaca o documentário Conterrâneos Velhos de Guerra (1990). “Não repercutiu tanto, mas posso dizer que foi a melhor coisa que fiz, que acertei”, afirma o cineasta sobre o longa que mostra pessoas vindas do nordeste para construir Brasília por volta de 1950.
“Nosso cinema é excelente”
O documentarista diz ser otimista para reverter a situação e colaborar para que o cinema nacional seja devidamente valorizado. “Mesmo com as dificuldades, temos ferramentas e o nosso cinema é excelente”, diz.
Mesmo durante a pandemia, o cinema brasileiro tem mostrado o seu destaque. A Ancine contabiliza 38,5 mil filmes publicitários no Brasil em 2021. A pesquisa da Kantar Ibope Media, divisão latino-americana da Kantar Media, líder global em inteligência de mídia, destaca, por sua vez, que o investimento em publicidade chegou a R$ 69 bilhões no mesmo período. De acordo com o levantamento, as produções audiovisuais do país concentraram 63% do total investido.
Ciclo de debates
Como forma de celebração ao centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, a Biblioteca Salomão Malina, mantida pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), ambas em Brasília, realizou eventos para lembrar o modernismo no cinema brasileiro.
Realizados de forma online, os encontros debateram, em 2021 e 2022, filmes como Bang Bang (1971) e Terra em Transe (1967).
*Integrante do programa de estágio da FAP, sob supervisão do jornalista, editor de conteúdo e coordenador de Publicações da fundação, Cleomar Almeida.
Revista online | Novidades para o Oscar 2023. Será que agora vai?
Lilia Lustosa*, especial para a revista Política Democrática online (43ª edição: maio/2022)
Em março, a série documental 3 Tonelada$: Assalto ao Banco Central estreou na Netflix Brasil e em vários outros países do mundo como parte da iniciativa Mais Brasil na Tela, pensada por essa gigante do streaming.
Assim como a série dirigida por Daniel Billio, nos últimos anos, várias foram as produções brasileiras que conseguiram chegar aos lares e olhos de uma multidão de espectadores de diversas nacionalidades. As plataformas de streaming, essas modernas ferramentas de exibição, têm sido fundamentais no processo de democratização das cinematografias de todo o mundo.
O cinema brasileiro vai-se tornando assim cada vez mais conhecido para além de nossas fronteiras, bem como nossos atores, que passaram a “existir” para o mercado internacional, ocupando mais e mais espaço nas produções estrangeiras. Wagner Moura, Rodrigo Santoro, Maria Fernanda Cândido são apenas alguns dos nomes a integrar elencos de grandes produções internacionais, como o do recém-lançado Animais Fantásticos: os Segredos de Dumbledore, em que a atriz brasileira interpreta Vicência Santos, uma das candidatas ao posto de Chefe Supremo da Confederação Internacional dos Bruxos.
Significaria isso que nossos filmes estão chegando com mais frequência às salas de cinemas de outras partes do globo? Ou estamos ainda limitados às bordas da tela pequena? Haveria alguma relação com nossos repetidos insucessos na hora de emplacar um candidato ao Oscar na categoria filme internacional?
Filmes de boa qualidade não faltam. Isso temos de sobra! O que falta mesmo são estratégias para posicionar nossos produtos nas prateleiras dos exibidores de todo o mundo, assim como nos palcos dos grandes festivais. É o velho problema da distribuição que nos persegue desde sempre.
O historiador e crítico de cinema Waldemar Dalenogare Neto tem sido enfático quanto aos erros cometidos na escolha do filme que representa o Brasil no Oscar a cada ano. O gaúcho é membro da Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais e crítico legitimado na terra do Tio Sam, tendo-se convertido no primeiro sul-americano a entrar para a Critics Choice Association, organização que distribui anualmente os Critic’s Choice Movie Awards.
Recentemente, Dalenogare postou em seu canal de Youtube os novos critérios aprovados para o processo de escolha do candidato brasileiro ao Oscar. Ele fez parte de um grupo de estudos composto por profissionais de diversas áreas da indústria cinematográfica brasileira (produção, direção, marketing etc.), que desde dezembro passado vem debatendo as razões dos repetidos fracassos do Brasil na dita premiação e alternativas para reverter esse quadro.
Para Dalenogare, o que mais falta para que nosso candidato chegue à short-list é tempo. Tempo para que o filme selecionado faça sua campanha comme il faut. Afinal, como já comentamos repetidas vezes aqui, o Oscar é muito mais business do que arte. Infelizmente. Ganha quem investe mais no pré-Oscar, organizando sessões para críticos e diretores, participando dos circuitos alternativos de festivais e tornando assim mais visível sua produção. Se o país não estiver disposto a investir neste lobby é melhor nem participar, já que o processo é custoso e desgastante para todos os membros da equipe do filme selecionado. O objetivo é que o candidato consiga atrair a atenção de alguma major para que consiga uma boa distribuição em solo americano. Como aconteceu com CODA neste ano, que emplacou 3 prêmios para as 3 indicações recebidas, depois de investimento gigante da Apple.
Com isso em mente e tendo a valiosa participação de membros das equipes de Deserto Particular e de Babenco – nossos candidatos nos últimos anos –, ficou decidido que, para 2023, uma Comissão de Seleção [1] composta por 25 pessoas será montada, sendo 21 delas eleitas pelos membros da Academia e 4, por indicação de sua diretoria. Todos os filmes inscritos serão vistos pelos 25 membros, que terão a incumbência de selecionar 6 para uma segunda fase. Desses 6, deverá sair o candidato, não sem antes passar por mais uma sessão de debates. Importante: tudo isso acontecerá antes de setembro, para que o filme tenha a oportunidade (e o tempo) para circular pelas salas de cinema americanas e assim poder arrebanhar fãs e defensores.
Até o ano passado, o filme selecionado era eleito em uma única reunião, em que cada membro já chegava com seu voto pronto. Ou seja, havia muitos favoritismos, pouco tempo para debates e menos tempo ainda para que o candidato fizesse sua campanha nos EUA.
Que venha então um 2023 de muito sucesso! Parabéns à Academia Brasileira de Cinema por rever seus critérios e aprovar uma reformulação tão necessária. Quem sabe daqui a um ano não estarei aqui escrevendo sobre o Oscar que trouxemos para casa?
Sobre a autora
*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e
Estética do Cinema pela Universidade de Lausanne (UNIL), Suíça.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática
online de maio de 2022 (43ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira
(FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista
Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por
isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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“Não estamos vivendo nada de novo no cinema”, diz especialista
Avaliação é da doutora em História e Estética do Cinema Lilia Lustosa, em artigo na revista de novembro
João Vitor*, da equipe FAP
Doutora em História e Estética do Cinema pela Universidade de Lausanne, na França, Lilia Lustosa critica a possível falta de ideias originais no meio cinematográfico mundial que, segundo ela, causa um “surto de remakes no cinema”. Ela abordou o assunto em artigo que produziu para a revista Política Democrática online de novembro (37ª edição).
As refilmagens ou remakes, na avaliação de Lilia, são “uma forma de oferecer ao público uma versão melhorada de um hit do passado, usando tecnologia de última geração”. “Um tiro aparentemente certeiro para atingir grandes bilheterias. Afinal, cinema, além de arte, é também negócio”, continua.
A revista é editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília. A instituição disponibiliza, gratuitamente, em seu portal, todo o conteúdo da publicação mensal na versão flip. Lilia também é especialista em marketing.
Clique aqui e veja a revista Política Democrática online de novembro
A autora do artigo analisa o recente lançamento do longa Duna, dirigido por Denis Villeneuve, remake do filme homônimo já convertido em cult, realizado por David Lynch em 1984, como uma possível escassez de ideias para novos roteiros.
Contudo, ela orienta que não haja generalização, pois, conforme ressalta, em alguns casos, pode haver, de fato, razão importante para a reprodução de um sucesso do passado. “Na passagem do cinema mudo para o cinema falado muitos estúdios refizeram alguns de seus títulos no intuito de modernizá-los, já que o público à época não queria mais saber de filme mudo”, afirma.
Na avaliação da autora, o cinema está cada vez mais negócio do que arte. “Mas uma coisa não se pode negar, o tal fim capitalista às vezes pode render uma versão artística de melhor qualidade, como é o caso do novo Duna”, analisa.
A especialista faz um pedido de desculpas aos fãs de Lynch, pois, para ela, a versão de Villeneuve está bem mais interessante e bonita do que a original. “Resta agora aguardar a segunda parte do novo Duna, com previsão para outubro de 2023, para ver se de fato o remake compensa”, pondera.
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A íntegra do artigo de Lilia Lustosa pode ser conferida na versão flip da revista, disponível no portal da FAP, gratuitamente.
A nova edição da revista da FAP também tem reportagem especial sobre as novas composições familiares e entrevista especial com o economista Bernard Appy, além de artigos sobre economia, cultura e política.
Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.
*Estagiário integrante do programa de estágios da FAP, sob supervisão do jornalista Cleomar Almeida
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Filme Homem do Pau Brasil aborda “sexo com leveza”, diz cineasta
Pablo Gonçalo vai analisar filme em webinar de pré-comemoração ao centenário da Semana de Arte Moderna
João Vitor*, da equipe FAP
O filme Homem do Pau Brasil, dirigido por Joaquim Pedro de Andrade e lançado em 1981, transborda brasilidade, carnavalização, leveza e ironia por meio de um “elenco fantástico". A avaliação é do cineasta Pablo Gonçalo, que vai discutir o longa, na quinta-feira (25/11), a partir das 17 horas, em webinar da série de pré-comemoração ao centenário da Semana de Arte Moderna de 1922.
Pablo explica que a pornochanchada está presente em todo o longa-metragem, por meio da popularização do cinema. “Na década de 70, esse gênero era popular e fazia parte do movimento de modernização do cinema, o que permitiu o diretor a tratar de sexo com leveza e não como tabu. Contribuiu para a comédia e fez, por vezes, o filme parecer um bloco de carnaval”, afirma.
Assista!
O webinar é realizado pela Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo (FAP), sediada em Brasília. O público poderá assistir ao webinar no canal da fundação no Youtube, na página da entidade no Facebook e na rede social da biblioteca. Além de Pablo, o diretor-geral da FAP Caetano Araújo confirmou presença no debate.
Pablo Gonçalo também é roteirista e professor de audiovisual da Universidade de Brasília (UnB). Ele ressalta que o filme de Andrade mostra a movimentação cultural da Semana de Arte Moderna de 1922 por meio da figura dionisíaca de Oswald de Andrade.
O Homem do Pau Brasil foi premiado, no Festival Brasília de 1981, como melhor filme e melhor atriz coadjuvante, que foi entregue a Dina Sfat pela sua atuação com a personagem Branca Clara, um dos pares românticos do protagonista. Oswald de Andrade foi interpretado por dois atores. Um homem e uma mulher, Flávio Galvão e Ítala Nandi.
Para a crítica, o filme é uma montagem descontínua de cenas livremente imaginadas a partir da polêmica vida e dos livros de Oswald e de seus companheiros do modernismo, da antropofagia e da poesia pau-brasil.
Dedicado ao cineasta Glauber Rocha, que morreu poucas semanas antes da primeira exibição do filme em Brasília, o Homem do Pau Brasil foi distribuído pela Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme). Gravado em São Paulo e Rio de Janeiro, este foi o último filme de Joaquim Pedro de Andrade.
*Estagiário integrante do programa de estágios da FAP, sob supervisão do jornalista Cleomar Almeida
Ciclo de Debates: O modernismo no cinema brasileiro
Webinário sobre o filme O Homem do Pau Brasil - Joaquim Pedro de Andrade, 1981
Dia: 25/11/2021
Transmissão: a partir das 17h
Onde: Perfil da Biblioteca Salomão Malina no Facebook e no portal da FAP e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade
Realização: Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira
RPD || Lilia Lustosa: Remakes, reboots, spin-offs… Faltam ideias?
Estúdios apostam nos remakes, criando uma versão melhorada de um hit do passado com tecnologia de última geração, para atingir grandes bilheterias
Lilia Lustosa / RPD Online
O recente lançamento do blockbuster Duna, dirigido por Denis Villeneuve, remake do filme homônimo já convertido em cult, realizado por David Lynch em 1984, leva-nos a pensar se estão faltando ideias originais no meio cinematográfico mundial. Some-se a esse título todas as sequelas, prequelas, reboots, spin-offs e todos os outros tipos de continuação de histórias já contadas e que agora ganham novas cores, sons e tecnologias. Desde Pinóquio e Cinderela, passando por A Lenda de Candyman e Amor, Sublime Amor (a ser lançado em dezembro), a lista é longa!
A primeira impressão é a de que escasseiam ideias para novos roteiros. No entanto, se olharmos para trás, veremos que não estamos vivendo nada de novo, já que Hollywood sempre foi afeita a um remake e/ou a uma franquia.Sem falar, é claro, nos tantos filmes estrangeiros que, ao fazerem sucesso em seus países de origem, ganham imediatamente uma versão norte-americana para que os espectadores dali não tenham o trabalho de ler legendas. Só neste ano há dois bons exemplos: O Culpado, uma “cópia cuspida e escarrada” do original dinamarquês Culpa (2018); e No Ritmo do Coração, versão americana do francês A Família Bélier (2014). Duas produções plenamente satisfatórias em suas versões originais, mas que não agradariam ao público estadounidense, segundo sugerem alguns produtores, que enxergam na refação dessas obras um sucesso praticamente garantido.
Mas não generalizemos! Em alguns casos, pode haver de fato uma razão importante para a reprodução de um sucesso do passado. Na passagem do cinema mudo para o cinema falado, por exemplo, muitos estúdios refizeram alguns de seus títulos no intuito de modernizá-los, agregando-lhes som, já que o público de então não queria mais saber de filme mudo. Ou ainda, em casos bem específicos, como o do brasileiro Orfeu do Carnaval, realizado primeiramente em 1959 pelo francês Marcel Camus, baseado na peça Orfeu da Conceição de Vinícius de Moraes, e depois refeito por Cacá Diegues no fim dos anos 1990. À época do lançamento do filme de Camus, os futuros cinemanovistas, jovens que se organizavam em torno de um cinema brasileiro independente e descolonizado, reprovaram a versão estereotipada da pobreza pintada pelo francês em seu filme, onde a favela aparecia como um aglomerado de casinhas coloridas, com suas vistas deslumbrantes e com uma gente sempre sorridente e dançante ocupando as cenas. Diegues nunca esqueceu esse “descalabro” e lançou seu Orfeu em 1999, com o intuito de fazer valer a obra original do poeta e diplomata brasileiro. Escolheu o cantor Toni Garrido como protagonista e fez uma versão musicada em plena Retomada do nosso cinema.
Apesar da riqueza musical (com assinatura de Caetano Veloso), o Orfeu de Diegues traz um ambiente menos festivo e mais marcado pela realidade do morro, com o tráfico de drogas e o crime organizado ganhando destaque, além de uma complexificação dos personagens, que deixam de lado o maniqueísmo da versão francesa. Não que o Orfeu de Camus fosse de todo ruim. O sucesso foi tal que o filme acabou levando a Palma de Ouro em Cannes e, no ano seguinte, o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Dois prêmios que foram, no entanto, parar lá na França, país natal do diretor, deixando os brasileiros, donos do palco, do elenco e da história, de mãos vazias!
No passo acelerado com que as tecnologias se desenvolvem atualmente, casos como o de Orfeu são, no entanto, minoria. A explicação mais provável para o novo surto de remakes é a de oferecer ao público uma versão melhorada de um hit do passado, usando tecnologia de última geração. Um tiro aparentemente certeiro para atingir grandes bilheterias. Afinal, cinema, além de arte, é também negócio. Cada vez mais negócio do que arte, sendo o “vil metal” o que mais conta em Hollywood. Ou estaria faltando mesmo criatividade para roteiristas, diretores e produtores? Ideias novas capazes de render fortunas para os cofres dos megaempresários, que, por medo do fracasso, acabam optando por mais do mesmo.
Mas uma coisa não se pode negar, o tal fim capitalista às vezes pode render uma versão artística de melhor qualidade, como é o caso do novo Duna… Pois, que me desculpem os fãs de Lynch, mas a versão de Villeneuve, que desta feita vem dividida em partes, está bem mais interessante e bonita do que a original, que, além de muito lenta, é dona de uma estética demasiado trash para um filme de pretensões tão gradiosas.
Resta agora aguardar a segunda parte do novo Duna, com previsão para outubro de 2023, para ver se de fato o remake compensa!
Saiba mais sobre a autora
Lilia Lustosa, é formada em Publicidade, especialista em Marketing, mestre e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidade de Lausanne, França.