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Luiz Carlos Azedo: Saudades do Mandetta

“A Fortuna de Bolsonaro pode ser comparada à do presidente Trump, que também defendeu o uso de cloroquina e se opôs ao isolamento social”

O Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou, ontem, um relatório do ministro Vital do Rêgo que resume o que todo mundo estava vendo: falta de diretrizes e coordenação entre entes federados e órgãos oficiais no combate à covid-19, por culpa do governo federal. Esse era o ponto forte da gestão de Luiz Henrique Mandetta, defenestrado do cargo porque o presidente da República ficou enciumado da popularidade adquirida pelo então ministro da Saúde e discordava da estratégia de isolamento social que havia adotado. Bolsonaro queria distribuir cloroquina a todos os infectados e implementar a atual estratégia de “imunização de rebanho”.

Quando Mandetta saiu da Saúde, em 16 de abril, o Brasil contabilizava 1.924 mortes; hoje, já são quase 54 mil, uma tragédia anunciada. Na ocasião, as pesquisas mostravam que 76% dos entrevistados aprovavam o desempenho do ministro da Saúde, que antes era avaliado positivamente por 55%. A pandemia havia catapultado sua popularidade, graças ao excepcional desempenho na liderança do Sistema Unificado de Saúde (SUS). Ao contrário, a atuação de Bolsonaro, que havia entrado em guerra com os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, e se descolado de Mandetta, havia oscilado para baixo, de 35% para 33%. Os ciúmes do clã Bolsonaro — verbalizado nas redes sociais e entrevistas do presidente da República — puseram tudo a perder. Para substituir Mandetta, Bolsonaro escolheu o médico oncologista Nelson Teich, que ficou apenas um mês na pasta e caiu fora, depois da fatídica reunião ministerial de 22 de abril, cujas imagens revelam seu espanto com o que aconteceu na ocasião. A essa altura da pandemia, já eram mais de 14 mil mortos.

Os ministros militares do Palácio do Planalto — os generais Augusto Heleno (GSI), Rego Barros (Casa Civil), Fernando Azevedo (Defesa) e Luiz Ramos (Secretaria de Governo) — bem que tentaram segurar Mandetta no cargo, mas foi um esforço em vão. A ala radical do governo, liderada por Carlos Bolsonaro — que não faz parte do governo, mas tem grande influência no governo — já havia selado o destino de Mandetta. No início de abril, Bolsonaro disse à rádio Jovem Pan que o subordinado deveria “ter mais humildade” e “ouvir um pouco mais o presidente”. Ao saber da crítica, Mandetta falou com o chefe por telefone e ouviu dele que deveria “pedir demissão”. Respondeu: “O senhor que me demita”. Era o fim da linha.

Efeito Orloff
No relatório apresentado ao Tribunal de Contas, Vital do Rêgo critica a ausência de integrantes técnicos da área de saúde no comitê de gestão da pandemia pelo governo: “Os cargos-chave do Ministério da Saúde, de livre nomeação e exoneração, não vêm sendo ocupados por profissionais com essa formação específica”. Segundo ele, isso pode levar a decisões não baseadas em questões médicas e científicas, o que resulta em “baixa efetividade das medidas adotadas de prevenção e combate à pandemia, desperdícios de recursos públicos e aumento de infecções e mortes”. O TCU recomendou a inclusão, como membros permanentes do Comitê de Crise da Covid-19, dos presidentes do Conselho Federal de Medicina, da Associação Médica Brasileira e do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, com direito a voz e a voto. Entretanto, o governo não é obrigado a cumpri-la.

O relatório também destaca a ausência de ampla divulgação das ações de enfrentamento à crise de saúde pública e recomenda a inclusão de um representante da Secretaria de Comunicação Social no Centro de Coordenação de Operações do Comitê de Crise para Supervisão e Monitoramento dos Impactos da Covid-19 (CCOP). O TCU determinou, porém, que a Casa Civil passe a divulgar no prazo de 15 dias na internet as atas das reuniões do Comitê de Crise e do CCOP.

A Fortuna de Bolsonaro pode ser comparada à do presidente Donald Trump, dos Estados Unidos, que também defendeu o uso de cloroquina e inicialmente se opôs ao isolamento social, embora agora tente se reposicionar, depois de ver sua reeleição caminhar em direção ao brejo. Hoje, Trump amarga 14 pontos atrás do seu concorrente democrata, Joe Biden. Agora, o principal aliado de Bolsonaro na política externa, embora se declare seu amigo, cita o Brasil como mau exemplo a ser seguido no combate à pandemia.

Bolsonaro cometeu um erro fatal ao demitir Mandetta, com quem dividiria o prestígio. Como diria o Conselheiro Acácio, personagem de Eça de Queiroz em O Primo Basílio, as consequências sempre vêm depois. A flexibilização precoce do isolamento social por governadores e prefeitos, pressionados por Bolsonaro, está provocando o aumento do número de casos da covid-19, inclusive, onde a pandemia estava sendo controlada. Além disso, o governo perdeu o rumo na economia em meio à recessão.

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Luiz Carlos Azedo: Mortes em vão

“Bolsonaro limitará o auxílio aos “invisíveis” a apenas mais R$ 600, parcelados em três vezes; sem recursos, como 36 milhões poderão permanecer em casa?”

Para o sanitarista Luiz Antônio Santini, pesquisador da Fiocruz e ex-diretor do Instituto Nacional do Câncer (INCA), a metáfora da guerra não é a mais adequada para abordar os desafios da saúde. Segundo ele, uma pandemia não representa um ataque inesperado de um agente inimigo da humanidade, como a tese da guerra sugere. “O processo de mutação dos vírus é uma atividade constante na natureza e o que faz com que esse vírus mutante alcance a população, sem proteção imunológica, são, além das mudanças na biologia do vírus, mudanças ambientais, no modo de vida das populações humanas, nas condições econômicas e sociais. Muito além, portanto, de um ataque insidioso provocado por um agente do mal a ser eliminado.” Por essa razão, cabe à ciência “responder com vacinas, medicamentos e o que mais estiver ao seu alcance ou que ainda venha a desenvolver de conhecimentos e tecnologias”.

Enquanto isso não ocorre, a melhor alternativa continua sendo o isolamento social, o rastreamento dos casos e o tratamento adequado aos infectados, o que pressupõe restrições de atividades econômicas e circulação de pessoas, testes em massa e um serviço médico operacional e capacitado. É que o conceito de guerra impõe decisões estratégicas nas quais as prioridades não são necessariamente as vidas humanas, ou seja, o tratamento daqueles que precisam de assistência médica, mas outros objetivos, no caso, o retorno das atividades econômicas e/ou os interesses eleitorais, como estamos assistindo. A morte é apenas o efeito colateral. O fato de já não se restringir aos grupos de risco é mera consequência. A maior vulnerabilidade da população de baixa renda nas favelas, periferias, grotões e aldeias indígenas, reflexo de nossas desigualdades, é considerada uma contingência contra qual nada se pode fazer, quando deveria ser exatamente o contrário.

Esse é o raciocínio. O presidente Bolsonaro, por exemplo, deixou o Palácio da Alvorada, no fim de semana, para velar o corpo de um soldado cujo paraquedas não abriu, no Rio de Janeiro, gesto louvável, mas é incapaz de decretar luto oficial por atingirmos a espantosa marca de mais de 50 mil mortos e quase 1,1 milhão de casos confirmados, em respeito às suas famílias. Muito menos homenagear os médicos e demais profissionais de saúde que morreram na linha de frente das UTIs e àqueles que se arriscam todos dias, nos hospitais e unidades de pronto atendimento (UPAs), muitos dos quais depois de terem contraído o vírus e se recuperado. No gesto de Bolsonaro havia mais cálculo político do que humanismo.

Rebanho
Recentemente, o professor de direito Lucas de Melo Prado, no site justificando.com, citou uma passagem do livro Homo Deus, de Yuval Noah Harari, sobre a síndrome “nossos rapazes não morreram em vão”, comum durante as guerras. Referia-se à participação da Itália na Primeira Guerra Mundial, com objetivo de recuperar os territórios de Trento e Trieste, em poder do Império Austro-Húngaro. O Exército austro-húngaro encastelou-se ao longo do Rio Isonzo e resistiu a todos os ataques. Na primeira batalha, morreram 15 mil italianos. Na segunda, 40 mil. Na terceira, 60 mil. E assim prosseguiu a guerra por dois anos. Na 12ª Batalha, em Caporeto, os austríacos passaram à ofensiva, só parando às portas de Veneza. Morreram 700 mil soldados italianos, mais de um milhão foram feridos. Inebriados pelo patriotismo, em busca das glórias romanas, “por Trento e por Trieste”, políticos e generais mandaram seus jovens para a morte. A analogia faz sentido.

Nos 40 dias à frente do Ministério da Saúde, o general de divisão Eduardo Pazuello opera uma política de “imunização de rebanho” não-declarada. Militarizou a pasta, para a qual levou duas dezenas de militares — os da ativa, em desvio de função —, a maioria neófitos em política sanitária. Quando assumiu, em 15 de maio, o Brasil contabilizava 14,8 mil mortos e 218 mil casos confirmados. Esses números quase quintuplicaram no período. Não será surpresa se duplicarmos o número de mortos até o fim de agosto, com o relaxamento da política de isolamento social, como queria Bolsonaro.

Na ativa, Pazuello cumpre ordens. Sua prioridade é uma devassa na pasta da Saúde, que subsidie investigações e denúncias contra governadores e prefeitos que adquiriram equipamentos médicos com preços acima das cotações de mercado. Como de fato houve casos de superfaturamento e desvio de recursos por parte das máfias que atuam no Sistema Único de Saúde (SUS), a pandemia já virou pauta policial. Quem pagará com a vida, porém, são as vítimas da covid-19, cujo número aumenta exponencialmente, em razão da flexibilização precipitada do isolamento social. Bolsonaro já anunciou que limitará o auxílio aos chamados “invisíveis” — 36 milhões de trabalhadores informais que ficaram sem nenhuma renda — a apenas mais R$ 600, parcelados em três vezes; sem recursos, como poderão permanecer em casa?

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Luiz Carlos Azedo: A 'gripezinha'

“Passou da hora de o presidente Bolsonaro ir a Manaus para ver o colapso do SUS. Os profissionais de saúde precisam de mais apoio e distanciamento social”

O biólogo e escritor britânico Richard Dawkins, professor emérito do New College da Universidade de Oxford — autor de O Gene Egoísta e Evolução, entre outras obras —, num comentário no Twitter, chama a atenção para um artigo da revista Science Magazine, da Associação Americana para Avanço da Ciência (AAAS), intitulado Como o coronavírus mata?, publicado no dia 17 deste mês. De autoria dos médicos Meredith Wadman, Jennifer Couzin-Frankel, Jocelyn Kaiser, Catherine Matacic, é um dos melhores textos sobre a pandemia, segundo Dawkins: “Se as pessoas na administração entenderem isso ou se importarem com isso, haveria um resultado melhor para a sociedade”, avalia.

Tratar desse assunto pode parecer chover no molhado, pois não se fala de outra coisa, mas o artigo realmente é muito bom. Ele faz um relato de como o novo coronavírus ataca o corpo humano e seus efeitos devastadores, “do cérebro aos pés”, ultrapassando o senso comum do diagnóstico de que é apenas uma síndrome respiratória aguda. “Pode atacar quase tudo no corpo, com consequências devastadoras”, segundo o cardiologista Harlan Krumholz, da Universidade de Yale e do Hospital Yale-New Haven, que lidera vários esforços para reunir dados clínicos sobre a Covid-19. “Sua ferocidade é de tirar o fôlego e é humilhante.”

O artigo corrobora o relato dos sobreviventes da doença e o testemunho dos médicos e de outros profissionais da saúde que atuam nas unidades de terapia intensiva aqui no Brasil. Muitas vezes esses últimos são duplamente derrotados: além de perderem pacientes, acabam adoecendo também e, em alguns casos, até morrem. Já passou da hora de o presidente Jair Bolsonaro ir a Manaus para ver o que é um colapso do Sistema Único de Saúde (SUS) em meio à pandemia e parar de falar bobagens sobre a “gripezinha”. Tudo o que os profissionais de saúde precisam neste momento dramático é de mais apoio (equipamentos de proteção, respiradores, medicamentos) e distanciamento social.

Médicos e patologistas de todo o mundo estão lutando para entender os danos causados pelo coronavírus no corpo humano. Embora os pulmões sejam o ponto zero, o alcance do patógeno pode se estender a muitos órgãos, incluindo o coração e os vasos sanguíneos, rins, intestino e cérebro, o que explica a grande subnotificação do número de mortos, inclusive aqui no Brasil, devido às dificuldades de diagnóstico e falta de autópsias.

A escalada

O vírus age como nenhum patógeno que a humanidade jamais viu. Quando uma pessoa infectada expele gotículas carregadas de vírus e outra pessoa as inala, o novo coronavírus (Sars-CoV-2) encontra um lar bem-vindo no revestimento do nariz, cujas células são ricas em uma enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2), assim como na traqueia. Em todo o corpo, a presença de ACE2, que normalmente ajuda a regular a pressão sanguínea, marca os tecidos vulneráveis à infecção, porque o vírus entra nessa célula receptora. Uma vez dentro, o vírus sequestra as máquinas da célula, fazendo inúmeras cópias de si mesmo e invadindo novas células.

À medida que o vírus se multiplica, uma pessoa infectada pode lançar grandes quantidades dele, principalmente durante a primeira semana. Os sintomas podem estar ausentes neste momento. Ou a nova vítima do vírus pode desenvolver febre, tosse seca, dor de garganta, perda de olfato e paladar ou dores de cabeça e corpo. Se o sistema imunológico não repelir o Sars-CoV-2 durante esta fase inicial, o vírus marcha pela traqueia para atacar os pulmões, onde pode se tornar mortal. Mas o vírus, ou a resposta do corpo a ele, pode ferir muitos outros órgãos: cérebro, olhos, fígado, coração e vasos sanguíneos, rins e intestinos.

Alguns médicos suspeitam de que o ataque vertiginoso do coronavírus no organismo seja uma reação exagerada e desastrosa do sistema imunológico conhecida como “tempestade de citocinas”, na qual os níveis de certas citocinas sobem muito além do necessário, e as células imunológicas começam a atacar tecidos saudáveis. Pode ocorrer vazamento de vasos sanguíneos, queda de pressão arterial, formação de coágulos e falência catastrófica de órgãos. Mas o pior dos mundos, com a presença de vírus no trato gastrointestinal, pode ser a possibilidade inquietante de que ele seja transmitido pelas fezes, ainda mais num país como o nosso, no qual somente uma parcela da população tem esgoto tratado. A sorte, porém, é de que ainda não está claro se as fezes contêm vírus infecciosos intactos ou apenas o seu RNA (ácido ribonucleico), uma molécula responsável pela síntese de proteínas das células do corpo.

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Fernando Reinach: As calorias dos oceanos

A queda dos níveis de oxigênio prejudica os seres vivos nos oceanos e a maior evaporação é uma das causas do aumento de tempestades, secas e furacões

Chineses e americanos concordam em poucas coisas. Uma delas é a quantidade de calor que vem se acumulando nos oceanos. Foram publicadas medidas feitas por americanos e chineses em 2019 e elas são idênticas. Em 2019, a quantidade de calor acumulada nos oceanos bateu o recorde, foi a maior desde 1950. Aliás, nos últimos cinco anos, a cada ano esse valor bate o recorde histórico e, nos últimos 20, a cada ano esse valor aumenta.

Esse dado, obtido usando milhares de termômetros espalhados por todos os oceanos, é a mais sólida evidência experimental de que a Terra está aquecendo. Quando pensamos em aquecimento global o que vem à mente é o aumento da temperatura do ar, mas na verdade 90% do superávit de calor acumulado no planeta é absorvido pelos oceanos.

Para entender o balanço energético do planeta basta imaginar uma panela fechada, cheia até a metade com água, colocada em cima de um fogareiro, no local mais frio da Antártida. Se o fogareiro estiver apagado, a panela esfria e a água congela. É isso o que aconteceria com o planeta (a panela) se o Sol (o fogareiro) não existisse. Por outro lado, se o fogareiro estiver com a chama no máximo, apesar de a panela perder calor continuamente para o ar gélido da Antártida, ela esquenta e mantém uma temperatura alta. É o que acontece nos planetas muito próximos ao Sol, como Vênus.

A vida só existe na Terra porque a quantidade de calor que recebemos diariamente do Sol (nosso fogareiro) e a quantidade de calor que a panela Terra perde para seu entorno são aproximadamente iguais. Por isso, a temperatura da água na panela (os oceanos) e do ar na panela (a atmosfera) permanecem dentro da faixa em que a vida pode existir. Como nos últimos bilhões de anos nosso fogareiro solar tem enviado quantidades constantes de calor em nossa direção, e a Terra perde para o espaço essa mesma quantidade de calor, tudo o que entra é perdido para o espaço sideral. E por isso a Terra permanece com aproximadamente a mesma temperatura. É como uma conta bancária em que os depósitos equivalem aos saques e o saldo não muda.

O que vem acontecendo nos últimos 150 anos é que a queima de combustíveis fósseis liberou na atmosfera os chamados gases de efeito estufa. Esses gases (o principal é o CO2) dificultam a saída do calor recebido pela Terra do seu fogareiro. É como se colocássemos sobre nossa panela um cobertor que dificultasse a saída do calor, mas não impedisse sua entrada. Nessas condições, o saldo da conta corrente começa a aumentar. E a Terra esquenta. É o tal aquecimento global.

O que os cientistas medem todo ano é a quantidade de calor que se acumula tanto no ar quanto nos oceanos, ou seja, quanto o saldo dessa hipotética conta aumenta a cada ano. E o que eles descobriram é que esse saldo aumenta cada vez mais rápido (se calor fosse dinheiro estaríamos felizes). O gráfico mostra quanto calor se acumulou nessa conta corrente a cada ano, ou seja, quanto ficou depositado (ou retido) nos oceanos. O eixo vertical é a medida em zeta joules (ZJ) por ano e o eixo horizontal é o ano da medida. A linha horizontal é a média entre os anos de 1981 e 2010.

Em 2019, a quantidade de calor acumulada nos oceanos aumentou 228 ZJ. Um ZJ são 102²¹ joules (o número dez seguido por 20 zeros). O joule é uma medida de calor como a caloria (aquela dos rótulos de alimentos). É uma quantidade absurda de calor.

Faça a conta: aproximadamente 4,2 joules equivalem a uma caloria e uma caloria é a quantidade de calor necessária para aquecer um mililitro de água em 1°C. Ou seja, no ano de 2019 os oceanos acumularam 54.000.000.000.000.000.000.000 calorias (ou 54 ZCal). Não é por acaso que a temperatura dos oceanos está aumentando. E, pior, o aumento está ocorrendo cada vez mais rápido.

Com o aumento da temperatura dos oceanos, a quantidade de oxigênio que pode ser dissolvida na água diminui e a evaporação aumenta. A queda dos níveis de oxigênio prejudica os seres vivos nos oceanos e a maior evaporação é uma das causas do aumento de tempestades, secas e furacões. Além disso, o aumento da temperatura provoca o degelo e o aumento do nível dos oceanos.

Essa série de medidas experimentais (não são modelos matemáticos, mas medidas diretas) são a prova cabal de que o aquecimento global é real. Sabemos que ele existe, sabemos as causas, mas seremos capazes de mudar a maneira como vivemos? Tenho minhas dúvidas.

MAIS INFORMAÇÕES: RECORD-SETTING OCEAN WARMTH CONTINUED IN 2019. ADV ATMOS. SCI. VOL 37 PAG. 137 (2020)

*É BIÓLOGO


Carlos Rydlewski: O destino do trabalho

Há cerca de 100 mil anos, o cérebro humano sofreu uma alteração. Ele cresceu. A parte anterior do encéfalo tornou-se maior e mais complexa. Tal alteração permitiu que a espécie desenvolvesse novas capacidades, que a tornam singular, como a abstração, a reflexão, a premeditação e a escolha racional de objetos. Pouco a pouco, tudo mudou. Alguns cientistas classificam a jornada humana entre 70 mil e 30 mil anos atrás, como o período de uma revolução cognitiva, da qual emergimos com as mãos cheias de invenções, como lâmpadas a óleo, arcos e flechas, barcos etc.

Hoje, pesquisadores acreditam que, guardadas as diferenças, a tecnologia digital passa por processo análogo de evolução. Para eles, a "inteligência artificial" (IA) avança de forma tão intensa que se tornou elusiva - não se pode prever aonde chegará. Estima-se que essa "massa cinzenta" de bits, associada a parafernália composta por robôs, veículos autônomos, internet das coisas, "big data", miríades de sensores e impressão 3D, além de avanços na biotecnologia e na nanotecnologia, provocará um choque no cerne da sociedade.

O impacto mais contundente incidirá sobre o mundo do trabalho. Boa parte dessa maquinaria está lançando os homens na obsolescência em um número crescente de tarefas. Tome-se como exemplo um dos robôs mais simples, usado em tarefas contábeis, que não passa de um software (nada a ver com o simpático e prestativo R2-D2, de "Star Wars"). Enquanto uma pessoa demora quatro horas para executar uma série de ações associadas ao pagamento de tributos, ele faz o mesmo trabalho em 29 segundos. Quem (ao menos de carne e osso) pode competir com tal desempenho?

Mas esse é o tipo de façanha mais chinfrim que se pode esperar dessas engenhocas. Os equipamentos de última geração dirigem carros, caminhões e drones, começam a entender nosso discurso, identificam alguns tipos de câncer com acurácia, fazem tradução simultânea com qualidade crescente, percebem quando interlocutores humanos estão deprimidos, indicam a propensão de juízes para determinados tipos de sentença e escrevem textos jornalísticos. Algumas vezes as máquinas fazem tudo isso de forma mais rápida, barata e confiável do que nós.

Por isso, não é de estranhar que um levantamento divulgado no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, apontou que a automação deve eliminar 7,1 milhões de empregos nas 15 maiores economias globais até 2020. O estudo "The Future of Employment" (o futuro do emprego), do economista Carl Benedikt Frey e de Michael Osborne, especialista em aprendizado de máquinas, ambos da Universidade de Oxford, analisou 702 profissões. Concluiu que 47% delas vão evaporar em dez anos.

A visão mais apocalíptica desse quadro, contudo, é oferecida pelo escritor Martin Ford, integrante da elite empresarial e intelectual do Vale do Silício. Ele é o autor dos best-sellers "The Lights in the Tunnel" (2009) e "Rise of the Robots" (2015). Ford prevê um ataque generalizado contra os humanos. Para ele, até mesmo empregos qualificados como médicos, advogados e professores tendem a desaparecer. Ele crê que a mobilidade econômica estacionará e uma plutocracia abastada pode assumir o domínio do planeta, protegida por uma força militar robótica. No mesmo espírito, o físico britânico Stephen Hawking reconhece a importância da inteligência artificial, mas teme que seu pleno desenvolvimento signifique o fim da raça humana.

Drama
Há uma grande dose de drama nessas estimativas, mas, imagens do caos à parte, a robotização é iminente em diversos setores, como mostra uma análise da consultoria americana McKinsey, divulgada em 2017. Ela avaliou o potencial da automação em 46 países, que concentram perto de 80% da força de trabalho global (veja quadro à pág. 11). Constatou que, com a tecnologia já disponível no mercado, é possível substituir metade das atividades que as pessoas hoje são pagas para executar. Se isso ocorresse, seriam afetados 1,2 bilhão de trabalhadores, que recebem US$ 14,6 trilhões em salários. No Brasil, as máquinas estariam prontas para ocupar 50,1% dos postos de trabalho - ou, em números absolutos, 53,7 milhões em um total de 107 milhões de vagas.

Como diz o professor José Pastore, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), da USP, "para que possamos dormir à noite", ainda bem que existem os otimistas. No debate global, esse espaço do pensamento positivo é ocupado por Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee, do MIT Sloan School of Management, autores de livros que se tornaram referência na área, como "Race Against the Machine" (corrida contra a máquina, de 2011) e "A Segunda Era das Máquinas" (2015).

A dupla de economistas diz que haverá estragos no mundo do trabalho, mas considera que tais avarias serão compensadas no longo prazo, assim como ocorreu em revoluções anteriores, também catalisadas por inovações tecnológicas de amplo alcance como a máquina a vapor, a eletricidade e o motor de combustão interna. À medida que as tarefas mais banais passem a ser realizadas por máquinas, o recurso mais escasso e valioso não será mais o trabalho comum ou mesmo o capital. O fator crítico de produção será o talento, diz a dupla.

Até aqui, caminhamos no campo das previsões e possibilidades, bastante escorregadio. Gente boa já derrapou feio nesse tipo de terreno, notadamente quando o assunto gira em torno do imprevisível campo das inovações tecnológicas. Em 1876, por exemplo, a Western Union, que reinava com seus telégrafos, avaliou que o telefone tinha tantas deficiências que não poderia ser considerado um meio sério de comunicação. Em 1943, Thomas Watson, presidente da IBM, disse que o mercado para computadores comportaria, "talvez", umas cinco máquinas. Essas projeções sobre o futuro do emprego desabam sobre nós em um momento crítico. O mundo do trabalho, independentemente dos bits e bytes, já está de pernas para o ar. A digitalização dos ofícios só faz reverberar uma ansiedade asfixiante, que assoma como o "zeitgeist" da economia global no limiar da terceira década do século XXI.

Os indicadores de desemprego e o subemprego avançam em todo planeta. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) indica que mais de 200 milhões de pessoas estavam desempregadas no mundo em 2016, sendo que esse contingente deveria crescer perto de 6% ao longo de 2017. Os trabalhos "vulneráveis" (por conta própria, por exemplo) representam 42% da ocupação total no mundo, o que envolve 1,4 bilhão de pessoas. A estimativa do número de trabalhadores que ganham menos de US$ 3,10 por dia deveria aumentar em mais de 5 milhões de pessoas em um período de dois anos, iniciados em 2017. Globalmente, a migração também torna o nó do emprego ainda mais cerrado e difícil de desatar. Embora os migrantes tenham contribuído com US$ 6,7 trilhões ou 9,4% do PIB global em 2015 (o último dado disponível), eles ganham salários entre 20% e 30% inferiores aos nativos das nações para onde se deslocam. Isso só faz detonar a renda.

Pesquisas de diversas procedências indicam que a renda permanece entre parada e declinante na maior parte do mundo. Nas economias avançadas, essa estagnação ou queda atingiu cerca de dois terços das famílias desde 2005. "Na economia americana, por exemplo, a tecnologia afetou mais a renda do que emprego", diz Pastore. Isso ocorreu apesar de ganhos de produtividade. Entre 1950 e 2010, a produtividade do trabalho aumentou 254% nos Estados Unidos, enquanto os salários cresceram 113%.

Produtividade
Se a produtividade aumenta e a renda cai nem tanto, uma regra mágica do mercado sai no mínimo arranhada. Isso porque a eficiência (das máquinas, por exemplo) deveria gerar produtividade. Esta, por sua vez, levaria ao crescimento econômico que, por fim, desembocaria no bem-estar social. Não é bem isso que se observa, contudo.

O avanço da "economia gig" (ou de "bicos", "sob demanda" ou "de compartilhamento") também deixa evidente que o mundo do trabalho herdado do capitalismo no fim do século XX já derreteu. Tais termos são usados para definir o ambiente no qual trabalhadores temporários, sem vínculo empregatício, prestam serviços a empresas. Eles não cumprem as regras do velho emprego das "9h às 5h", tampouco usufruem de seus benefícios. Essa modalidade de ocupação é apresentada pelos entusiastas do mundo digital como uma bem-vinda fonte complementar de renda, além de um trampolim para a liberdade a partir da qual os indivíduos poderiam se livrar das amarras e dos tédios do mundo corporativo. Sempre existiu, mas ganhou especial impulso com o advento de empresas como Uber, Lyft, Airbnb e Amazon.

Hoje, contudo, negócios como o Uber não enfrentam apenas a oposição de taxistas e de parte dos legisladores. Processos trabalhistas contra a empresa pipocam pelo mundo. Em 2016, a Justiça inglesa decidiu que os motoristas do aplicativo não poderiam ser classificados como autônomos. Assim, teriam direito aos benefícios de praxe do mercado formal. Na disputa, os condutores alegaram que estavam sendo submetidos a regras "vitorianas" de trabalho, numa alusão às precárias condições da labuta durante a Revolução Industrial, no século XVIII. A companhia recorreu da decisão. Alegou que não havia vínculo empregatício entre as partes, já que os motoristas apenas a contratam para conectá-los aos passageiros. Uma sentença contra o aplicativo também foi dada em Belo Horizonte, em Minas Gerais, em fevereiro, mas terminou sendo revista em segunda instância.

O que deveria ser um fértil terreno alternativo mostra-se bem mais estéril do que o esperado. Para críticos, a "economia gig" só engrossa o coro do "precariat" ("precariado"). Tal termo, hoje recorrente na literatura de economia e na sociologia do trabalho, é formado pela união das palavras "precariedade" e "proletariado" - designa o proletariado do século XXI. É usado com frequência pelo economista britânico Guy Standing ("O Precariado", Editorial Presença, 2014) para definir as pessoas que levam uma vida insegura, entrando e saindo de empregos que, como diz Standing, "conferem pouco ou nenhum significado a suas existências". Em termos potenciais, elas formam um novo e vasto contingente de ludistas, os trabalhadores têxteis ingleses que destruíam as máquinas a vapor, na inócua tentativa de preservar seu meio de subsistência. Isso em 1811.

A nova onda de "desemprego tecnológico", para usar uma expressão cunhada por John Maynard Keynes na década de 30, não é um fato consumado. Ela pode ser enfrentada, embora não exista uma bala de prata para aniquilar uma ameaça incorpórea, feita de bits e bytes. Mas existe um consenso entre especialistas em torno do qual a tecnologia atingirá de forma mais aguda os empregos de média remuneração, que envolvem processos manuais simples, realizados em ambientes estáveis e previsíveis como fábricas e escritórios. Nesse grupo, estão escriturários, caixas de supermercados, contabilistas e operários (veja quadro acima).
A digitalização terá menor impacto sobre as atividades qualificadas (como cirurgiões), mas também sobre aquelas de baixa qualificação, realizadas em ambientes pouco estáveis e que exigem interação entre as pessoas. Não será fácil, por exemplo, robotizar ofícios como jardineiro e cuidadores de idosos e crianças. Ao preservar o topo e a base da pirâmide dos empregos, observam os técnicos, a revolução em curso tende a agravar a chamada "polarização do trabalho". Ela deve aumentar o fosso entre empregos com maior e menor remuneração. Ou seja, tende a acentuar a desigualdade.

A educação, nesse cenário, surge como principal antídoto. Ela pode qualificar as pessoas, movendo-as para empregos mais bem remunerados. Assim, o aprendizado contínuo, em todos os níveis, é um pré-requisito para o ingresso e a permanência dos indivíduos no mercado de trabalho, seja qual for a feição que ele assuma no futuro. Como observou Martin Wolff, articulista do "Financial Times", em artigo publicado na "Foreign Affairs" - "Why the techno-optimists are wrong" (por que os tecno-otimistas estão errados) -, os benefícios gerados a partir dos bancos escolares, notadamente na graduação do ensino médio, foram cruciais para o crescimento econômico do século XX. As taxas de formação de jovens nesse nível de aprendizado passaram de menos de 10% em 1900 para cerca de 80% em 1970. O problema é que os resultados obtidos com a educação demoram para aparecer. A tecnologia, por sua vez, avança velozmente.

Daí a necessidade de um passo adicional: o treinamento das pessoas nas empresas. Em princípio, essa é uma estratégia "ganha-ganha". De um lado, o trabalhador atualiza-se. As companhias, por sua vez, qualificam a mão de obra. De quebra, destacam-se da concorrência, o que as ajuda na hora de atrair talentos. Algo particularmente importante em um mundo no qual a capacidade de decisão humana se torna cada vez mais valiosa. O problema é que pouquíssimas companhias se dispõem a bancar a qualificação em um mercado volátil, de altíssima rotatividade, como brasileiro. "Por isso, precisamos de uma legislação trabalhista que estimule a permanência no emprego e incentive as empresas que investem em treinamento", diz Pastore. "Sem isso, a capacitação não vai acontecer com a intensidade e rapidez que precisamos."

Em um mundo no qual somente uma parcela da população terá acesso a empregos tradicionais, e a grande maioria tende a flutuar em torno de trabalhos temporários (ou bicos), também será preciso redefinir um novo modelo de anteparo social. Uma das alternativas mais debatidas é a criação de programas de renda mínima para cidadãos em diversos países. À primeira vista, esse tipo de proposta pode parecer herética para mentes liberais, mas ela ganha crescente apelo entre especialistas. A ideia é substituir todos os auxílios oferecidos pelo Estado por um único benefício. Sugestões semelhantes foram lançadas por economistas como Thomas Paine e John Stuart Mill na Revolução Industrial.

Iniciativas desse tipo, ainda que arrastem polêmicas infinitas, já deixaram o plano teórico. Desde janeiro de 2017, a Finlândia testa um programa desse gênero, por meio do qual perto de 2 mil pessoas estão recebendo €560 por mês, sem nenhuma contrapartida. O que acontece com elas nessa situação? Elas desistem de trabalhar? O quão inibidora essa prática pode ser, sob o ponto de vista da dinâmica do mercado? Essas são algumas das questões que poderão ser respondias ao cabo da experiência, em 2019. Testes similares, ainda que em menor escala, estão sendo feitos em regiões da Holanda e da Itália.

As empresas também tentam agir diante da onda de automação. Em novembro, a companhia de energia EDP, as consultorias EY (Ernst & Young) e Korn Ferry, além da Faculdade de Informática e Administração Paulista (Fiap), focada em tecnologia, lançaram, em São Paulo, o Pacto Empresarial Brasileiro pela Digitalização Humanizada do Trabalho. A ideia surgiu após a EDP, com o auxílio da EY, robotizar uma série de tarefas administrativas. Ela iniciou a empreitada com 20 processos em janeiro de 2017 e quer chegar a 120 até o fim de 2018.

Para gerir esses sistemas e suas aplicações, a EDP criou um grupo formado por cinco pessoas. Antes disso, elas realizavam tarefas repetitivas em suas áreas, já dentro da companhia, na maior parte do tempo. Foram treinadas para mudar essa rotina e passar a executar funções analíticas. "Essa é a realidade do emprego depois da chegada dos robôs, e essa mudança requer uma grande adaptação", diz Marcos Penna, diretor de TI da EDP. "Mas, se der certo, as vantagens podem ser imensas, com ganhos de até 75% de produtividade."

Agora, a EDP quer se aventurar no campo dos robôs de última geração, dotados de inteligência artificial, capazes de identificar padrões e tomar decisões. O objetivo é utilizá-los na área de distribuição de energia como, por exemplo, na identificação de irregularidades no uso da rede elétrica. Para entender o efeito das diversas gerações desses equipamentos na companhia, e em seus funcionários, a empresa anunciou um investimento de R$ 8,3 milhões para criar, em pareceria com a EY, um laboratório na Universidade de São Paulo (USP). Ali, a tecnologia e sua relação com o homem serão esmiuçadas. "A automação é inevitável", afirma Miguel Setas, CEO da EDP no Brasil. "A questão é quando e como ela vai chegar. Por isso, queremos, desde já, analisar os fatores humanos e éticos envolvidos nesse processo."

O termo "ética", aliás, quando aplicado ao mundo do trabalho, é outro fator em mutação. Na Declaração da Filadélfia, de 1944, um dos pilares da criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a labuta diária é definida como um ato de autorrealização, imbuída de propósito pessoal e coletivo. Freud, que se deteve sobre o tema no ensaio "O Mal-Estar na Civilização", define o ofício, ao menos quando livremente escolhido, como uma ligação entre o indivíduo e a realidade. O acesso a oportunidades de emprego decente sempre foi considerado um meio de ascensão e um elemento-chave do contrato social.

Uma pesquisa feita pela OIT revelou que cresce o número de pessoas que não acredita na capacidade do trabalho de promover a mobilidade social e, portanto, uma distribuição justa de recursos e poder. "Esse pessimismo é particularmente pronunciado na Europa e na Ásia Central, onde mais de um quarto dos indivíduos pesquisados pensam que não podem avançar trabalhando arduamente", cita o documento Future of Work - Major Trends (o futuro do trabalho - principais tendências). "Essa é uma situação preocupante, pois pode desencorajar investimentos individuais em treinamento e educação."

Em paralelo, há uma forte tendência nos dias correntes de atribuir ao indivíduo grande parte do ônus pela sua manutenção no emprego, pela qualificação e até pela adaptação à tecnologia. Em parte, isso é correto. As pesquisas indicam que principalmente os mais jovens anseiam por autonomia e liberdade. A perspectiva de "um emprego para toda a vida" evaporou-se. No Brasil, novas gerações consideram razoável permanecer em uma empresa por apenas 18 meses. Para atraí-las, as empresas líderes em seus setores tentam adicionar propósito ao trabalho diário. "É por isso que elas não vão dar mais emprego para as pessoas", diz Luciano Albertine, da EY. "Elas vão dar papéis. Cada um terá de entender qual o seu papel dentro das organizações."

No entanto, as chances econômicas de um indivíduo não são fruto apenas do mérito ou da ação pessoal. Elas dependem, para o bem ou para o mal, de fatores políticos. Mais especificamente: do acesso à educação e treinamento, além de ações macro que rompam ou atenuem tendências de aumento da desigualdade e de queda da renda. As mudanças que se avizinham parecem grandes demais para qualquer um enfrentá-las isoladamente.

Um estudo da McKinsey aponta que a tecnologia age em conjunto com outras forças que potencializam o impacto de suas transformações. Esse seria um fato histórico novo. Uma delas é a globalização. Outra é o crescimento estonteante de algumas cidades nos países emergentes. Cerca de metade do crescimento do PIB global entre 2010 e 2025, avalia a consultoria, virá de 440 centros urbanos desse tipo. Tianjin, por exemplo, fica a cerca de 120 km a Sudeste de Pequim, na China. Em 2010, registrou PIB de US$ 130 bilhões, o equivalente ao de Estocolmo, a capital da Suécia. Em 2025, o produto do município deve atingir US$ 625 bilhões, o correspondente ao de toda a Suécia. As mudanças em curso podem ocorrer em uma velocidade dez vezes mais maior e numa escala de 300 vezes, resultando em um impacto 3 mil vezes superior ao da Revolução Industrial. Não é pouca coisa.

* Artigo publicado originalmente no Valor Econômico


O Globo: Número de genes que definem a cor da pele é maior do que se imaginava, diz pesquisa

Cientistas surpreenderam-se com a variedade do material genético, mas reconhecem que outras populações devem ser analisadas

Por Cesár Baima, de O Globo

RIO - Um dos traços humanos mais aparentes — e motivador de incontáveis episódios de violência e injustiça ao longo da existência de nossa espécie —, a cor da pele é resultado de uma genética muito mais complexa do que se pensava. A revelação é de um estudo com base em uma população nativa da África do Sul que mostrou que a quantidade de genes e suas variantes envolvida no processo de pigmentação da cútis é bem maior do que se conhece hoje. Publicada recentemente no revista científica “Cell”, a pesquisa mostra ainda que a inter-relação fica cada vez mais numerosa à medida que as pessoas vivem mais próximas da linha do equador.

Até agora, os cientistas achavam que a evolução e a ocorrência dos diferentes tons de pele seguia uma trajetória um tanto linear. Haveria um progressivo “embranquecimento” das populações quanto mais longe do equador, em resposta a pressões seletivas relacionadas ao metabolismo da vitamina D e do ácido fólico, ambos dependentes da exposição, ou proteção, aos raios ultravioleta do Sol, de menor incidência nas latitudes mais altas. Esta noção foi reforçada por pesquisas que indicavam que apenas alguns poucos genes eram responsáveis pela maior parte das variações observadas na cor da pele.

O problema é que a maioria desses estudos teve como fonte populações do Norte da Eurásia, que residem em regiões de maior latitude. Diante disso, pesquisadores de instituições nos EUA e na África do Sul obtiveram e analisaram minuciosamente dados e amostras de mais de 450 integrantes de dois ramos do povo KhoeSan — Nama e Khomani San — que habitam o Sul da África há dezenas de milhares de anos e têm uma pigmentação da pele marcadamente mais diversa e clara que outras populações mais ao Norte do continente. Com isso, eles descobriram a existência de muito mais genes e suas variantes que podem influenciar a composição da cor da pele, verificando que ela também é, de fato, basicamente hereditária.

— Estudos prévios focaram em populações mais homogêneas da Europa e da Eurásia e concluíram que a pigmentação era governada por apenas alguns genes — resume Christopher Gignoux, professor do Centro de Medicina Personalizada da Universidade do Colorado e um dos coautores do artigo na “Cell”. — Mas neste estudo analisamos a pigmentação em populações africanas e descobrimos uma impressionante variabilidade que tem sido negligenciada.

Segundo os cientistas, a comparação das informações sobre a cor da pele e os genes a ela relacionada nos KhoeSan com dados de mais de 5 mil indivíduos representativos de outras populações da África, Ásia e Europa fornece bases para uma “contranarrativa” à noção de que a determinação da cor da pele seria simples do ponto de vista genético. De acordo com eles, a história da “seleção direcionada” que vai “clareando” a pigmentação das baixas para as altas latitudes pode até se sustentar entre os habitantes do extremo Norte do planeta, mas à medida que vamos nos aproximando do equador outra dinâmica, que chamaram de “seleção estabilizadora”, entra em cena. Nas populações desta região do planeta, o número de genes que influencia na variabilidade dos tons de pele aumenta de tal forma que apenas 10% das diferenças observadas podem ser explicadas por genes conhecidos por afetar a pigmentação, contra um efeito de cerca de 50% na variação da cor da pele verificado nas populações do Norte da Eurásia pelas pesquisas anteriores.

— A África tem a maior quantidade de variabilidade fenotípica (aparente) na cor da pele, mas, apesar disso, tem sido largamente sub-representada em estudos de grande escala — comenta Alicia Martin, pesquisadora do Instituto Broad, parceria entre o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e a Universidade de Harvard, e uma das coautoras do novo estudo. — Existem alguns genes que são conhecidos por contribuir para a pigmentação da pele, mas, de modo geral, ainda há muitos genes (envolvidos na pigmentação) que ainda não foram descobertos.

Diante disso, a pesquisa não só deu pistas sobre novos genes relacionados com a pigmentação da pele como abriu surpreendentes possibilidades sobre a atuação e origem dos que já eram conhecidos. É o caso, por exemplo, de uma variante do gene SLC24A5 que se achava ter surgido na Europa entre 10 mil e 20 mil anos atrás. Segundo os cientistas, as análises do genoma das populações KhoeSan revelou que esta variante aparece numa frequência muito superior à que seria esperada por alguma introdução mais recente devido à miscigenação com os colonos europeus. Assim, eles agora pesquisam se ela, na verdade, surgiu entre os KhoeSan, se foi objeto da mencionada “seleção direcionada” nestas populações ou se foi introduzida nos KhoeSan por algum outro fluxo genético populacional desconhecido ocorrido há milhares de anos.

— Ainda estamos destrinchando isso — diz Alicia.

Os cientistas também descobriram que um gene conhecido como SMARCA2/VLDLR, que nunca havia sido associado à pigmentação da pele em humanos, parece ter um papel importante neste processo entre os KhoeSan. De acordo com eles, as análises indicaram diversas variantes ligadas à pigmentação neste gene, que já tinha sido associado à cor da pele em animais. Por isso, os pesquisadores defendem a realização de mais estudos sobre a genética da cor da pele com informações de populações mais diversas.

— O retrato da arquitetura genética da pigmentação da pele não será completado a não ser que tenhamos uma maior representatividade das diversas populações ao redor do mundo — conclui Brenna Henn, professora do Departmento de Ecologia e Evolução da Universidade Stony Brook, nos EUA, e outra coautora do estudo na “Cell”.

 


José Goldemberg: Einstein e o papel dos cientistas na sociedade

Por mais talentosos e criativos que sejam os cientistas, eles não podem ter a ilusão de poder definir as políticas adotadas pelos governantes

Albert Einstein foi, sem dúvida alguma, o cientista mais importante do século 20. No início do século passado, ele formulou a teoria da relatividade, que mudou a concepção do mundo em que vivemos, a qual havia sido estabelecida por Newton no século 18, conforme descrita com clareza por Kant: um espaço e tempo absolutos que não dependem da posição do observador, quer esteja em repouso ou em movimento.

O que Einstein mostrou é que isso só é verdade quando o observador se movimenta lentamente, como é o nosso caso. Se sua velocidade for muito grande, as dimensões mudam e o tempo passa mais devagar ou mais depressa, dependendo do local onde o observador se encontra.

Uma das consequências da teoria da relatividade é a constatação de que matéria pode transformar-se em energia. Essa é a base da construção das bombas atômicas, em que os átomos de urânio se desintegram em fragmentos velozes. Com base nestas ideias foi possível construir armas com poder explosivo milhões de vezes maior que o das explosões de substancias químicas, como a nitroglicerina.

Einstein formulou suas ideias quando trabalhava no Departamento de Patentes em Zurique, na Suíça, e seu propósito foi sempre satisfazer sua própria curiosidade e tentar entender o universo em que vivemos. Além disso, era um pacifista convicto que se recusou a participar do trabalho dos seus colegas em Berlim na produção de armas durante a 1.ª Guerra Mundial (1914-18), chegando a renunciar à nacionalidade alemã por isso.

Cerca de 30 anos mais tarde, como judeu refugiado nos EUA após a ascensão do nazismo e do antissemitismo na Alemanha, escreveu uma carta dirigida ao presidente americano Franklin Roosevelt sugerindo a criação de um programa para produzir armas nucleares, a primeira das quais arrasou Hiroshima em 1945.

Einstein tentou impedir que essas armas fossem usadas contra o Japão, escrevendo novamente ao presidente. Com o falecimento de Roosevelt, o vice-presidente Harry Truman recusou os apelos de Einstein e de muitos outros dos cientistas que construíram as armas, desqualificando-os como “tolos” e “ingênuos” que não entendiam a importância das explosões atômicas para vencer o Japão e evitar a perda de muitos milhares de soldados americanos.

Três anos depois a União Soviética realizou explosões e com isso se iniciou a corrida nuclear, que marcou o resto do século 20 e até hoje nos assombra.

O canal de televisão National Geographic exibiu recentemente uma série de episódios sobre a vida de Einstein que ilustra bem os dilemas que cientistas enfrentam quando seu trabalho – muitas vezes contemplativo – é utilizado para fins militares. O que a série captou foi sua complexa vida sentimental e as sérias dificuldades com esposas, amantes e filhos e que decifrar o comportamento do universo foi mais fácil para Einstein do que compreender os sentimentos humanos.

Mais do que isso, a vida de Einstein demonstra que o avanço da ciência, que pode ocorrer nos lugares mais inesperados, como o Departamento de Patentes da Suíça, acaba sendo usado pelos governos segundo interesses muito diferentes daqueles que eram antecipados pelos cientistas.

Esse problema é antigo. Há 20 séculos, Arquimedes, que foi um grande cientista, ajudou o rei de Siracusa a defender a cidade de um ataque naval romano. Arquimedes construiu espelhos que concentravam luz solar nos navios romanos para incendiá-los, o que não impediu a vitória dos atacantes. Arquimedes foi morto como um combatente. O comandante romano lamentou sua morte, provavelmente interessado em usar seus serviços.

Outro exemplo é o de Fritz Haber, o grande químico, colega de Einstein na Academia Prussiana de Ciência, que descobriu como fazer amônia com o nitrogênio do ar, que é a base dos fertilizantes. Durante a 1.ª Guerra Mundial ele desenvolveu os gases venenosos que provocaram enorme morticínio e sofrimento nos exércitos francês e inglês, em guerra com a Alemanha. Haber defendeu-se argumentando que os gases eram uma arma tão terrível que eliminaria definitivamente as guerras, o que se mostrou uma tolice, porque os franceses logo desenvolveram gases que foram usados contra os soldados alemães.

Outros exemplos ainda são os de Trofim Lysenko, na União Soviética, e Werner Heisenberg, na Alemanha nazista. Lysenko convenceu Stalin a adotar suas ideias incorretas e arruinou a ciência da genética e a agricultura soviética. Heisenberg foi encarregado pelo governo nazista de produzir armas atômicas, à semelhança de Robert Oppenheimer, que dirigiu o programa americano proposto por Einstein, mas Hitler concentrou todo o esforço técnico-científico da Alemanha nos foguetes que atingiram Londres e não deu atenção suficiente ao projeto nuclear. Há também indícios de que Heisenberg e alguns de seus colegas não se esforçaram suficientemente na sua missão.

A interação de cientistas e governos é, portanto, complexa: bons cientistas como Heisenberg podem desapontar governos, maus cientistas como Lysenko podem desorientá-los, e excelentes cientistas como Haber, Prêmio Nobel de Química, podem fazer coisas perversas.

Einstein tem um papel especial nesse espectro: foi pacifista toda a sua vida, mas deu início à corrida nuclear com a justificativa de que isso foi necessário para destruir um mal maior, que era o nazismo. Passou o resto de sua vida, após 1945, juntamente com Bertrand Russel e outros, promovendo movimentos antinucleares. Além disso, algo que fez a vida toda foi ajudar as vítimas do antissemitismo, auxiliando cientistas nas suas carreiras, e ainda enfrentou corajosamente a caça às bruxas promovida pela histeria anticomunista nos EUA após o fim da 2.ª Guerra Mundial.

Por mais talentosos e criativos que sejam os cientistas, eles não podem ter a ilusão de poder definir as políticas adotadas pelos governantes.

*Professor Emérito da USP, é presidente da Fapesp


pesquisa e inovação

Mayana Zatz: Em time que está ganhando não se mexe

Com o corte de 120 milhões de reais do orçamento da Fapesp, perde a ciência básica brasileira, capaz de promover revolucionários avanços tecnológicos

A FAPESP – FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO – É UM ORGULHO NACIONAL E EXEMPLO A SER SEGUIDO NO MUNDO INTEIRO, contribuindo marcadamente, há várias décadas, para o avanço do conhecimento no Estado de São Paulo e no país. Com a concessão de bolsas e auxílios para a execução de pesquisas científicas e tecnológicas em todas as áreas do conhecimento, a instituição vem apoiando estudos e a divulgação da ciência desde 1962, quando começou a funcionar. Assim, é incompreensível a decisão da Assembleia Legislativa de São Paulo que aprovou uma lei orçamentária desviando 120 milhões de reais da dotação assegurada pela Constituição do estado à instituição, nos últimos dias de 2016 – em outras palavras, um grande corte. Essa decisão não apenas contraria a Constituição estadual, que determina o repasse de 1% da receita tributária para a Fapesp, como causará um prejuízo irreversível à ciência paulista e brasileira. O valor, segundo a decisão, irá para o fortalecimento de institutos de pesquisas estaduais (como o Butantan ou o Biológico), que estariam em penúria. Entretanto a Fapesp sempre apoiou bons projetos independentemente de estarem nas universidades ou nos institutos. O erro abre um precedente perigoso – além de ser o único órgão científico do estado com tradição de independência em relação ao Executivo, tirar recursos de um lado (que funciona) para cobrir outro não pode ser um argumento defensável.

Defensores dessa decisão catastrófica alegam que é preciso investir mais em pesquisas aplicadas. Ledo engano! Os maiores e mais revolucionários avanços tecnológicos foram gerados pelas pesquisas básicas. A eletricidade, por exemplo. Inicialmente, ninguém sabia sua utilidade. Foi a pesquisa básica que desvendou suas características e, assim, possibilitou seu uso. Tente imaginar viver numa sociedade sem eletricidade... Quem poderia acreditar que a teoria da relatividade, proposta por Einstein no início do século XX, seria responsável pelo desenvolvimento de satélites e GPS, viagens espaciais, lasers, impressoras e outras invenções que correspondem a um terço da economia mundial na atualidade?

Descobertas recentes de laboratórios de pesquisa básica em biologia e genética revolucionarão a medicina. Por exemplo, Shinya Yamanaka, pesquisador japonês ganhador do Prêmio Nobel de Medicina de 2012, mostrou que é possível reprogramar células já diferenciadas tornando-as pluripotentes, portanto, capazes de gerar qualquer tipo de célula. Esse conhecimento básico possibilitará um salto gigantesco na medicina regenerativa. Jennifer Doudna e Emanuelle Charpentier descobriram que é possível “editar” genes em bactérias, ou seja, modificá-los, por meio de uma técnica revolucionária chamada CRISPR/Cas9. O conhecimento gerado por esses estudos, realizados em laboratórios de pesquisa básica, já vem sendo utilizado para tratar alguns tipos de câncer. E o prosseguimento dessas pesquisas possibilitará a correção de mutações e o tratamento de inúmeras doenças, inclusive transplante de órgãos. Essa tecnologia, cujo impacto na agricultura, pecuária e medicina serão gigantescos, foi rapidamente incorporada aos nossos laboratórios graças à Fapesp.

"O sucesso do projeto de pesquisa básica apoiado pela Fapesp foi tamanho que ganhou a capa da prestigiosa revista Nature, colocando o Brasil no mesmo patamar dos países desenvolvidos"

No fim da década de 90, a Fapesp financiou um projeto que envolveu trinta laboratórios, o sequenciamento da bactéria Xylella fastidiosa, praga da laranja. O objetivo primário era capacitar um número expressivo de cientistas nessa nova tecnologia de sequenciamento genômico. O sucesso do projeto foi tal que ganhou a capa da prestigiosa revista Nature, colocando o Brasil no mesmo patamar dos países desenvolvidos. Graças a esses avanços, hoje essa tecnologia tem uma aplicação gigantesca na agricultura, pecuária e na medicina.

Em 2004, pesquisadores do Instituto de Biociências da USP, apoiados pela Fapesp, descobriram em famílias brasileiras um gene responsável por uma forma hereditária de esclerose lateral amiotrófica (ELA - a doença do famoso cientista britânico Stephen Hawking). Posteriormente, descobriu-se que esse gene estaria envolvido em outras formas de ELA, o que abriu um novo leque de pesquisas no mundo inteiro na busca por um tratamento. Mais recentemente, também com apoio da Fapesp, foram sequenciados os genomas de cerca de 1 400 pessoas com mais de 60 anos, constituindo o primeiro e maior banco genômico da população idosa brasileira, que contribuirá para a identificação dos fatores genéticos e ambientais responsáveis por um envelhecimento saudável. A Fapesp também apoia e financia projetos importantes relativos ao zika, vírus associado a um número assombroso de casos de microcefalia em bebês no país.

Resultados expressivos em ciência envolvem investimentos contínuos e atualizados, pois a construção do conhecimento depende de estudos e experimentos, infraestrutura adequada e da formação de recursos humanos qualificados para sua realização. Essa concepção norteou a criação da Fapesp, em 1960, levando ao estabelecimento de um porcentual da arrecadação do ICMS do estado para garantir a continuidade do financiamento das pesquisas em São Paulo. Nessa ocasião, o governador Carvalho Pinto declarou: “Se me fosse dado destacar alguma das realizações da minha despretensiosa vida pública, não hesitaria em eleger a Fapesp como uma das mais significativas para o desenvolvimento econômico, social e cultural do país”. A Fapesp tem hoje 57 anos de inquestionáveis contribuições ao desenvolvimento de São Paulo e do Brasil. O corte de 120 milhões no orçamento da Fapesp, associado à redução dos recursos decorrente da própria queda na arrecadação do ICMS, ferirá irreparavelmente esse patrimônio histórico. O investimento no desenvolvimento científico e tecnológico, por meio desse órgão fundamental, é a melhor garantia de desenvolvimento crescimento econômico, social e cultural do país.


*Mayana Zatz é geneticista e diretora do Centro de Pesquisas do Genoma Humano e Células-Tronco da Universidade de São Paulo (USP)