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Política Democrática: Batalha diária da cidadania

A revista Política Democrática tem 17 anos de edições quadrimestrais ininterruptas, sempre na busca de constituir-se em instrumento de discussão e difusão de conhecimento junto à sociedade brasileira, na perspectiva dos valores democráticos e republicanos, capaz de contribuir, teórica e politicamente, para o melhor entendimento de nossa realidade nacional, local e internacional, nos seus mais diversos ângulos. Na tradição de outras publicações semelhantes, temos procurado colocar à disposição do público leitor múltiplos enfoques de análise sobre os temas mais importantes da agenda do pais e do mundo.

Contam-se, entre nossos colaboradores, intelectuais polêmicos e dedicados, com presença assinalada nos debates públicos; acadêmicos de renome, estudiosos das questões políticas, sociais, econômicas e culturais que compõem as agendas brasileira e internacional; agentes políticos e sociais, independentemente de concepção política e ideológica, assim como de filiação partidária, que expõem suas opiniões, suas ideias e propostas, com o objetivo de servir à cidadania e de colaborar para que se conheça em profundidade a complexa e delicada situação em que vivemos neste início do século 21.

Trata-se de uma ousada tentativa de envolver-se com representantes da esquerda democrática, oriundos de partidos políticos, movimentos sociais, organizações não governamentais ou mesmo da academia, procurando dar voz aos diferentes argumentos, promover seu confronto e construir, no processo, consensos que sirvam de fundamento à reconstrução da esquerda brasileira, de uma esquerda com viabilidade e eficiência, capaz de promover, no curto prazo, a ampliação e o aprofundamento da democracia, o desenvolvimento da equidade no país, tendo como uma diretriz central a oportunidade igual para todos, homens e mulheres; a superação da pobreza e da exclusão social; e o combate a toda discriminação em razão de classe, gênero, etnia, cor da pele, opção religiosa e/ou ideológica.

Além da edição impressa, Política Democrática é lançada sob a forma de e-book, há mais de cinco anos, e já possui sua edição eletrônica. É um orgulho sermos bem considerados pela Qualis, um dos mais importantes sistemas brasileiros de avaliação de periódicos, mantido pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que relaciona e classifica os veículos utilizados para a divulgação da produção intelectual dos programas de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado), quanto ao âmbito da circulação e à qualidade. Sem falar que nossa revista está inserida no SciELO (Scientific Electronic Library Online), coleção de revistas e artigos científicos de amplitude mundial.

Abertos a colaborações, sob a forma de elaboração de artigos e ensaios, ou de criticas ao nosso trabalho, estamos orgulhosos do que já alcançamos e pretendemos ir adiante, sempre procurando produzir o melhor para fazer cabeças e estimular ações na batalha diária da cidadania por uma sociedade democrática, justa e fraterna.

Vamos em frente!

Francisco Inácio de Almeida, editor da Revista Política Democrática

 


Marcos Nobre: A nova geração da política

Terminada uma eleição, a primeira pergunta que se faz é pelas chances que teriam figuras já conhecidas para as eleições seguintes. As chances de Geraldo Alckmin, Aécio Neves, Lula, Marina Silva, Ciro Gomes, Fernando Haddad e por aí vai. O problema desse tipo de foco é o imediatismo, limitado à próxima eleição. É um raciocínio que pensa que política é apenas eleição.

Tentar entender política envolve saber distinguir movimentos políticos de lógica partidária e de estratégia eleitoral. Quadros políticos são construídos ao longo de décadas. Não surgem nem desaparecem apenas em momentos de eleição. Nem são formados apenas dentro de partidos. Suas trajetórias de vida determinam o que são e onde estão para além da política oficial. Temos de nos perguntar como se politizaram e como tomaram a decisão por um caminho e não por outro.

É importante não reduzir a pergunta pela nova geração da política à pergunta pela geração nova da política. Para conseguir pensar o que será a política nos próximos 20 anos. E o que se quer que se ela seja. Para tentar sair da armadilha imediatista e pensar adiante, vale lembrar, por exemplo, onde estavam figuras da nova geração 20 anos atrás.

Nestas eleições, há casos clássicos de uma nova geração com formação partidária ortodoxa, como o do prefeito reeleito de Salvador, ACM Neto, do DEM. Nascido em 1979, acompanhou desde cedo um político tradicional, o avô, ACM, e conquistou seu primeiro mandato de deputado federal aos 23 anos. Mas está longe de ser paradigmático de sua geração. Basta olhar para outras figuras políticas que nasceram entre 1980 e 1984.

O procurador da República no Paraná, Deltan Dallagnol, nasceu em 1980 e formou-se em direito em 2001 na UFPR. Seu mote sobre a transformação do país pode ser enunciado assim: “Não é o envolvimento político-partidário, mas o exercício de cidadania”. Provavelmente foi sua avaliação negativa do cenário político-partidário no momento de sua decisão profissional o que o fez optar pela carreira de procurador em lugar de um engajamento na política oficial.

Liderança do MTST, Guilherme Boulos tem hoje 34 anos e aos 17 já tinha assinado uma carta de rompimento com o PCB. Como será que, durante seu curso de filosofia na USP, decidiu que o caminho partidário ou a militância em um movimento social tradicional não conseguiriam traduzir mais suas aspirações políticas? No momento em que decidiu participar de sua primeira ocupação, o PT e os movimentos sociais estavam voltados para a eleição de 2002. Não parece que era essa a sua ideia do que significa fazer política.

Áurea Carolina nasceu em 1984. Sua atuação no coletivo “Hip Hop Chama” e no movimento feminista, seu engajamento nas lutas do movimento negro nas periferias se traduziu em 2016 na maior votação para a Câmara Municipal de Belo Horizonte. Elegeu-se pelo Psol, mas seu mandato está ligado à iniciativa “Muitas | Cidade que queremos”, semelhante à que foi realizada em São Paulo pela “Bancada Ativista”.

A pergunta que se pode fazer agora é: por que recuar 20 anos se há caras da nova geração que têm 20 anos de idade, como o vereador eleito Fernando Holiday, em São Paulo? Também o caso de Holiday vai além do horizonte partidário. Negro, pobre e primeiro vereador assumidamente gay, elegeu-se pelo DEM, mas sua atuação se pauta pelo movimento do qual é uma das lideranças, o MBL.

Em Junho de 2013, Holiday era secundarista. Se optou por se lançar na política oficial desde já, não foi esse o caminho escolhido por muitos da mesma idade que saíram às ruas três anos atrás. O exemplo de Holiday leva à ideia simples de que pensar o futuro é pensar o que está acontecendo agora nas escolas ocupadas em quase metade dos Estados. Da natureza dessas iniciativas e das respostas que serão dadas a elas sairá muito do Brasil de 2036.

Para quem quer entender essa “primavera secundarista”, é indispensável ler “Escolas de luta: o movimento dos estudantes contra a ‘reorganização’ escolar”, de Antonia M. Campos, Jonas Medeiros e Márcio M. Ribeiro (Veneta). É um relato generoso tanto com quem lê o livro como com quem ocupou e continua a ocupar as escolas. Reconstrói, com paciência e detalhe, o processo de “reorganização escolar” desencadeado pelo governo Alckmin em São Paulo em 2015, reunindo informações que se encontram espalhadas em fontes diversas e dispersas.

Mas não existe neutralidade quando se trata de recortar uma exuberância de dados, uma multiplicidade de vozes. Cada escola ocupada tem sua história, sua linguagem e seus temas. E nem os autores pretendem neutralidade. Se não há tomada de posição nem preferências por uma ou outra ação, é explícita sua adesão ao sentido geral das movimentações secundaristas como ações de resistência e de auto-organização.

A peculiaridade do livro é fazer com que esse conjunto de ações surja como um movimento, algo que talvez não seja claro nem para quem faz nem para quem está tentando entender o que está sendo feito. A dificuldade que o livro se colocou é dar esse caráter de movimento sem confundi-lo com homogeneidade, muito menos com partidos e com a política oficial.

Não por acaso, em lugar de “movimento”, fala-se muito desde 2011 no mundo todo em “primaveras”: árabe, feminista, secundarista. Um movimento como o de “secundas” não é um movimento no sentido que se conheceu até antes dos anos 2010. Parece que o próprio conceito de “movimento” e de “movimento social” ficou obsoleto. Nessa lógica, primavera é uma estação de germinação. As formas anteriores de organização ficaram como que com o inverno da política.

Ninguém mais tem dúvida de que o cenário partidário e a forma atual de organização do sistema político caducaram. O problema é que muitos parecem continuar a olhar apenas para a política oficial, com a expectativa de que ela se transforme de dentro e por si mesma. Essa miopia não permite ver adiante. Para olhar para frente, é preciso olhar para trás. E para um presente que não é só o da política institucionalizada. Principalmente para quem ainda acha que partidos são instituições fundamentais da institucionalização da política. (Valor Econômico – 31/10/2016)

Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap. Escreve às segundas-feiras
E-mail: marcosnobre.valoreconomico@gmail.com


Fonte: http://www.pps.org.br/2016/10/31/marcos-nobre-a-nova-geracao-da-politica/


"Uma tarefa da governança democrática é assegurar que a cidade continue sendo uma aula cívica"

Gonzalo Cáceres