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Revista Política Democrática || Lilia Lustosa: Uma plateia em transe

Terceiro longa metragem de Glauber Rocha (1939-1981), filme gerou enorme polêmica à época de seu lançamento. Em um contexto de guerra fria, a direita acusava-o de fazer “propaganda subliminar marxista” enquanto a esquerda o considerava “fascista", por se vê representada na tela como populista e demagoga

Estive há pouco em Genebra para falar sobre Terra em Transe (1967) no Festival FILMAR en América Latina, um festival de cinema que acontece nesta cidade desde 1997extremamente politizado e de fundamental importância para a divulgação do cinema latino-americanoO convite veio da Maison de l’Histoire, da Universidade de Genebra, instituição que elegeu o filme brasileiro em função de seu status de filme cult e, ao mesmo tempo, de sua incrível atualidade.

Terra em Transe é o terceiro longa metragem de Glauber Rocha (1939-1981), um dos maiores cineastas que o Brasil já teve, considerado louco por muitos, gênio ou visionário por outros, e até “profeta alado” pelo grande historiador e crítico de cinema Paulo Emilio Sales Gomes.

Realizado em 1967, o filme gerou enorme polêmica à época de seu lançamento, desagradando em cheio a gregos e troianos. Em um contexto de guerra fria, a direita acusava-o de fazer “propaganda subliminar marxista”, incitando a luta de classes; a esquerda o considerava “fascista”, já que se via representada na tela como populista e demagoga. A única unanimidade em torno do filme era a de que se tratava de uma obra confusa, hermética, praticamente impossível de se entender, um “texto chinês de cabeça para baixo”, como escreveu o direitista Nelson Rodrigues no Correio da Manhã.

Mas o que não se sabia na época é que toda essa confusão havia sido planejada - ou, ao menos almejada - por Glauber, que queria, de fato, que seu filme tivesse o efeito de uma bomba, atirando faíscas para todos os lados. Não por acaso o formato escolhido por ele foi o da alegoria, figura de linguagem/retórica que permite múltiplas interpretações. Em Terra em Transe, ele já não falava mais de Brasil, não precisando, portanto, temer nem a censura nem os militares. O Golpe acontece em Eldorado, “país interno atlântico”, que poderia ser qualquer país da América Latina, até o Brasil!

Assim, o diretor baiano acabou criando uma obra que serviu, e serve até hoje, como disparador de discussões e reflexões sobre a situação política de nosso país e de nosso continente. Não é difícil traçar paralelos entre o Eldorado de 1967 e o Brasil de 2019. O jogo político é o mesmo, tramado a portas fechadas, como nos grandes dramas barrocos, bem longe dos olhos e ouvidos do povo. Terra em Transe mostra uma esquerda populista, que convence o povo de que vai realizar as mudanças necessárias para transformar o país em um lugar mais justo, e uma direita sem escrúpulos, que não aceita perder o poder, dando o bote quando percebe o avanço do inimigo. A esquerda acaba se deixando dominar, porque também tem ali seus interesses…

Ainda que ciente de que de lá pra cá demos largos passos rumo à democracia, me peguei várias vezes conjecturando sobre que tipo de filme Glauber faria hoje… Que tipo de alegoria escolheria para retratar seu país e sua América Latina neste final de 2019? E resolvi terminar minha fala justamente lançando essa pergunta no ar.

Como era de se esperar, com essa escolha, afastei toda e qualquer possibilidade de discussão cinematográfica. As perguntas que se seguiram foram quase todas sobre a atual situação da América Latina. Brasil, Bolívia, Chile, Equador, Venezuela, Argentina… todas estiveram na boca (e nos corações) do público ali presente. E eu querendo falar de Terra em Transe, querendo apresentar Glauber Rocha, querendo falar de sua genialidade, de sua poética, de sua importância para a cinematografia brasileira. Ora, não sou cientista política e só poderia dar ali uma opinião de leiga, da cidadã brasileira e latino-americana que sou. Confesso que fiquei um pouco frustrada com o rumo que tomava o debate, mas, à medida que as discussões avançavam, fui entendendo que estava sendo ali um instrumento para o que Glauber havia idealizado. Sua obra não fora concebida para ser apenas arte ou objeto estético. Sua obra sempre quis ser (e foi), acima de tudo, um manifesto. Cada um de seus filmes foi construído para gerar discussão, para fazer pensar, para colocar o espectador em situação incômoda, para fazer-lhe refletir sobre o que estava acontecendo a seu redor. Fui-me acalmando e senti que, apesar de não ter conseguido falar muito de Terra em Transe, havia feito valer o papel que Glauber sonhara para seu filme.

E concluí, com ajuda daquela plateia em transe, que infelizmente a alegoria de hoje seguiria sendo uma “alegoria do desencanto”, como é Terra em Transe, chamada assim por Ismail Xavier, maior autoridade em Glauber Rocha.

 


Revista Política Democrática || Ivan Alves Filho: Johann Sebastian Bach

Johann Sebastian Bach é, para muitos, o maior nome da música em todos os tempos. Mestre do contraponto, o músico alemão fez nosso planeta soar de outra maneira

A pequena cidade de Eisenach teve um papel singular no desenvolvimento da civilização ocidental moderna. Nas suas cercanias, mais exatamente no Castelo de Wartburg, Martinho Lutero traduziu a Bíblia Sagrada para a língua alemã, tornando praticamente irreversível a Reforma protestante. E os partidários de Marx e Engels fundaram ali, em 1869, o Partido Social Democrata da Alemanha. Mais: na acanhada cidadezinha cercada de encantadoras florestas, nasceu Johann Sebastian Bach, para muitos, o maior nome da música em todos os tempos. Ninguém ou nada vem ao mundo em Eisenach impunemente, pelo visto.

Bach, um fervoroso protestante, era originário de uma família de músicos. Religião e arte faziam parte do seu corpo, como sangue e ossos. A darmos crédito a um depoimento, ao tocar órgão, Bach "corria sobre os pedais como se seus pés tivessem asas, fazendo o instrumento ressoar de tal maneira que quase se diria ouvir uma tempestade".

Bach era um homem de luta. O Duque de Weimar chegou a mandar prendê-lo, porque o músico insistia em deixar a cidade em busca de melhores condições de trabalho. Obstinado, Bach não cedeu às pressões do Duque e ainda concebeu, na prisão, o Pequeno livro do órgão.

Toda vez que ouço algo de Johann Sebastian Bach, firmo a convicção de que sua música – de tão tensa, retorcida, obcecada até – não cabe completamente nos limites das notas musicais. Na verdade, Bach nos remete a um som que extrapola ou atropela tudo que conhecemos em matéria de escala ou métrica. Talvez resida aí a principal característica do estilo barroco, o qual ocupa todos os espaços possíveis da superfície musical. Ou o barroco não é um exagero, algo que transborda sempre?

Cantatas – e penso em Magnificat e na Cantata dos camponeses. Motetos – e me recordo de Jesus, minha alegria. Obras corais – e não tenho como deixar de lembrar da Paixão segundo São Mateus. Fugas – e não há como deixar de rememorar a impressionante A arte da fuga. Tocatas – e não se pode esquecer o comentário de Mendelsohn diante da Tocata e fuga em fá maior, "que soava como se fizesse a igreja desmoronar". Além de missas, sonatas, variações, suítes e incontáveis prelúdios. Pois Johann Sebastian Bach abordou praticamente todos os gêneros musicais de seu tempo.

Contudo, acredito que o Bach concertista tenha sido o que deixou marcas mais profundas na história da música ocidental. Um exemplo apenas (ou melhor: seis...) corrobora o que digo: os monumentais Concertos de Brandemburgo. Os Concertos têm por base os instrumentos de sopro. Orquestrados, são muitas vezes tensos e conflitantes entre eles.

São seis concertos, eu lembrava mais acima – ou um verdadeiro festival de contrapontos e espantosa energia sonora. Ao mesmo tempo erudito e popular. Técnico e emotivo. Alegre e triste. Suave e enérgico. Cândido e explosivo. Alternando período longo e período curto. E – nunca é demais lembrar – contrapontísico ao extremo. Unificando tudo. Sonoridades italianas, alemãs, francesas, inglesas. Bach fazia uma música de uma época de contrastes, de Reforma e Contrarreforma, e, por isso, mesmo contraditória, rica. E bela, muito bela.

Bach combinava o recurso aos contrapontos no stilo antico com as formas orquestrais mais modernas de sua época, conforme salientou certa vez Helmut Rilling, maestro e organizador de suas obras completas. Contrapontos esses que lembram estranhamente o jazz e seu estilo sincopado. Talvez resida nessa relativa atemporalidade uma boa parte do fascínio que Bach exerce ainda hoje sobre nós.

 


Revista Política Democrática || Entrevista Especial - A democracia no Brasil está sob risco, avalia Carlos Melo

Cientista político e professor do Insper, Carlos Melo avalia que o Brasil vive uma democracia porque tem eleições, mas não é liberal porque não aceita as instituições e os valores do liberalismo político, como os direitos essenciais - liberdade de expressão e de manifestação. De acordo com ele, os próprios direitos humanos são questionados dentro dessa visão 

Por Caetano Araújo

O cientista Político, mestre e doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Carlos Melo, professor tempo integral do Insper desde 1999, é o entrevistado especial desta 13 edição da Revista Política Democrática Online. Analista político, com participação ativa em vários veículos de comunicação, palestrante e consultor de empresas nacionais e estrangeiras, Carlos Melo tem buscado contribuir com o debate político, econômico e social do Brasil por meio de uma análise conjuntural isenta e reflexão desapaixonada.

Mundo hoje, para Melo, vive uma crise de liderança, inclusive no Brasil. "Em minhas palestras, tenho chamado atenção para o fato de que, há 30, 40 anos, gostasse ou não das lideranças, se via Ronald Reagan; hoje, é o Donald Trump. Onde se via Margaret Thatcher, vê-se Boris Johnson. Onde se via Mikhail Gorbatchov, vê-se Vladimir Putin. E no caso do Brasil, sabemos a situação em que estamos", critica.

A falta de líderes reflete, ainda, na oposição ao governo Bolsonaro, avalia Melo. "É preciso definir o que unifica a oposição. Qual é a pauta mínima para as oposições, no plural? Eu diria que é a questão da democracia. Poderia haver também algum acordo em relação as reformas como a da Previdência", avalia.

Colaborador de vários veículos de comunicação, é também colunista do UOL onde alimenta um Blog com análises a respeito da política brasileira (carlosmelo.blogosfera.uol.com.br), Melo é pesquisador de temas como eleições, partidos, conflito político e liderança política. Na entrevista especial que concedeu ä Revista Política Democrática Online, ele também trata de temas como o governo Bolsonaro e o Legislativo brasileiro, que tem assumido um protagonismo inédito na política do país, entre outros temas. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista de Carlos Melo à Revista Política Democrática Online.

Revista Política Democrática Online (RPD) – A democracia corre risco no Brasil de hoje?
Carlos Melo (CM) - Corre sim. Existe um espírito antidemocrático, que tenta de alguma forma desqualificar as instituições da democracia; um espírito que não aceita um princípio básico da democracia que é um sistema de freios e contrapesos. Esse espírito acha normal o aparelhamento de instituições importantes como a diplomacia, a Polícia Federal, o Ministério Público, a Justiça. Isso tudo, evidentemente, coloca em risco a democracia. Não há como negar. Há, pelo menos, uma parcela significativa da população – não diria uma maioria – que é relativamente mobilizada que, se pudesse, liquidaria todas as instituições da democracia. É o que o cientista político alemão Yascha Mounk chamou “O Povo Contra a Democracia”; uma democracia iliberal. Ela é democracia porque há eleições, mas não é liberal porque não aceita as instituições e os valores do liberalismo político, como direitos essenciais, com liberdade de expressão, liberdade de manifestação; mesmo os direitos humanos são também questionados, nessa visão. Amplamente falando, penso que há risco sim.

RPD – Como se deveria comportar a oposição no tocante às reformas em discussão? Pensando em ser governo nas próximas eleições, deve apoiar as iniciativas reformistas, ou, ao contrário, é melhor combatê-las para pavimentar seu caminho ao poder?
CM – Vamos por partes. Algumas reformas devem ser entendidas como clássicas e inevitáveis: a reforma da previdência, uma reforma tributária, a questão do federalismo. Isso não tem a ver com direita ou esquerda, e o necessário ajuste deveria ser um ponto pacífico. Um imperativo. Ninguém governa com desajustes fiscais. É necessária uma estrutura tributária que incentive a atividade econômica, senão não haverá emprego. Simples assim. É imperativo uma reforma da previdência que seja justa e que envolva todos os setores da sociedade, que não proteja corporações; que não se volte apenas para o regime geral da previdência. As mudanças demográficas e no mundo do trabalho foram extraordinárias na maior parte do planeta, e em especial, no Brasil; o sistema que tínhamos – e cumpriu um importante papel – se esgotou, é hoje inviável. Reitero, pois: as reformas dessa natureza deveriam ser enfrentadas com muito pragmatismo, por imperativas. Assim deveria enxergar a oposição.

Mas há alguns desafios. Primeiro: definir o que unifica a oposição. Afinal de contas, qual é a pauta mínima capaz de aglutinar as oposições (no plural)? À parte do pragmatismo, diria que é a questão da democracia. Poderia haver acordos quanto a abrangência das reformas, pelo menos em relação a aspectos de algumas delas. Mas, então, superada essa fase, o desafio seria a formação do que tem sido chamado de uma frente ampla em nome da democracia e de uma pauta possível, de resgate da economia e das funções básicas e inescapáveis do Estado, como Educação, Saúde, Segurança e Política Externa. Assim, seria possível olhar para a política de uma forma mais propositiva e construtiva.

Estamos passando por um problema que é uma grande transformação do mundo do trabalho, e não estou falando do capitalismo, estou falando do mundo do trabalho, seja em qualquer regime, por conta da revolução tecnológica que vivemos. O termo uberização já é hoje um termo vulgar, bem conhecido. Uberização significa uma precarização das relações de trabalho, isto é, muita gente já está fora do mercado de trabalho e não mais dele fará parte, do modo como nos acostumamos, pelo menos. É diferente do que tivemos no passado, quando a tecnologia se impunha, acabava com alguns empregos, mas novos postos se abriam em outras áreas, nos serviços ou no comércio, por exemplo. Isso não mais ocorrerá.

Terá, assim, uma parte considerável da população que carecerá de políticas públicas para mitigar essa situação. Vivemos um momento de transição para alguma coisa que não sabemos exatamente o que será. Serão necessárias políticas públicas para mitigar todos os problemas dessa revolução tecnológica, econômica e social. Além de apenas reduzir danos, será importante também agir com sentido de antecipação. Qual é a Educação para esse novo mundo, para nossos filhos, para nossos netos? O tempo dos nossos pais e dos nossos avós já se foi. Nosso tempo é de transição. O mundo dos nossos filhos e dos nossos netos é um novo mundo, para o qual temos de nos preparar. Esse desafio da Educação implica a capacidade de aprender a aprender, educação em termos de valores humanos, democráticos, que tampouco podem ser perdidos. E claro, também a questão da Segurança, do combate ao crime organizado que hoje já atua na lógica de cartéis.

A oposição, que vai do centro liberal até a esquerda, deveria se unir em torno desta pauta mínima. Fazer oposição olhando para trás, falando dos velhos e bons tempos que o país viveu e que não retornarão, não nos levará a lugar algum. Aceita-se um conjunto de reformas como imperativo, é inevitável. Ponto. Sem transformar isto no pomo da discórdia. Unifica-se a oposição numa frente bastante ampla e democrática com uma pauta voltada ao futuro, capaz de responder à indagação e ao medo das pessoas, hoje atormentadas pelas incertezas do futuro. Política se faz olhando para frente, não para trás. O desafio não está à direita ou à esquerda, mas em avançar ou retroagir à idade das trevas. Naturalmente, não é simples. Qualquer resposta simples provavelmente estará errada; será preciso construir na complexidade.

RPD – Há hoje uma crise de lideranças?
CM – Sem dúvida, há uma crise de liderança mundial. Em minhas palestras, tenho chamado atenção para o fato de que, há 30, 40 anos, gostássemos ou não desta ou daquela liderança, o espaço era ocupado por gente como Ronald Reagan, onde hoje está Donald Trump. Onde se via Margaret Thatcher, vê-se Boris Johnson; Mikhail Gorbatchov, Vladimir Putin... E assim vai. No caso do Brasil, sabemos a situação em que vivemos.

De onde surgiu essa crise de liderança política mundial? Essa é a pergunta, que me tenho feito nos últimos anos. Decerto, haverá uma série de fatores que poderão ajudar a “cercar” o fenômeno, mas destaco uma frase emblemática de Thatcher, nos inícios dos anos 1980: “Esse negócio de sociedade não existe, o que existe são os indivíduos e suas famílias”. Esse pensamento fez um estrondoso sucesso e deu impulso ao liberalismo. A riqueza das empresas disparou e também se estabeleceu um individualismo hedonista, vinculado ao narcisismo e ao consumo extremo. Ora, se “sociedade não existe”, se o que existe são apenas indivíduos e suas famílias, a política é desnecessária. E, mais do que desnecessária, é um estorvo; as pessoas vão cuidar de suas próprias vidas, no mercado. Perde-se o elo comunitário forjado pela Política.

Essa lógica não é nova, pelo menos desde Weber, na "Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo", no começo do século XX, sabe-se disto. Mas, nas últimas décadas, a sociedade de consumo disparou e fez com que a política implodisse. A partir daí, as lideranças começaram a escassear.

Não é verdade que no Brasil não tenha havido grandes lideranças políticas. Houve, sim, desde a época do Império. Na República, também, tanto quanto no período do Getulismo, à direita e à esquerda. Tivemos lideranças políticas importantes durante o regime militar. Na transição para a democracia, tivemos lideranças importantíssimas, mas, depois – coincidente com essa transformação mundial –, elas começaram a rarear. Se olharmos, por exemplo, para o campo da esquerda – que entendo seja de esquerda – encontraremos Lula e Fernando Henrique Cardoso. Fernando Henrique Cardoso é um cidadão com cerca de 85 anos, e o Lula, 73 anos. Ambos chegaram à presidência da República, governaram por dois mandatos, e o tempo passou; não fizeram sucessores à altura. Não como “filhos” de uma sociedade patriarcal, mas como um processo natural de renovação política. Também a história foi madrasta com o Brasil: uma parte da possível renovação ficou comprometida pelo mensalão; outra, simplesmente morreu: Luiz Eduardo Magalhães, Eduardo Campos, Marcelo Deda, Luís Gushiken... E alguns morreram politicamente: Antônio Palocci, José Dirceu, Aécio Neves e, até, Eduardo Cunha, que chegou a despontar no cenário nacional como uma liderança conservadora, hábil e sagaz. E o que sobrou foi isso aí, que não é liderança. Na verdade, é uma coisa mítica. É mítica no sentido quase religioso mesmo, messiânico, que é a figura do Jair Bolsonaro, ou mesmo a beatificação que se chega a fazer de Lula. É uma crise muito grande de liderança política, no mundo e no Brasil. O novo, simplesmente, ainda não nasceu ou está apenas sendo gerado.

A indagação é: como, sem lideranças dispostas e capazes, construir essa pauta mínima? É uma excelente pergunta, para a qual evidentemente não tenho respostas. Mas posso lembrar que, até meados de 1941, Winston Churchill era considerado um derrotado, fracassado em Galípoli na primeira guerra mundial, quando era o primeiro lorde do almirantado. Era tido como excêntrico beberrão, mas se transformou pela própria crise, pela necessidade, pelas circunstâncias, no maior estadista do século XX. Acredito que as circunstâncias sejam capazes de produzir também suas lideranças. A liderança é sempre um fenômeno em contexto. Às vezes, é necessária uma bela crise para que apareçam. Penso que as condições objetivas estão dadas para que voltem a surgir, passem a propor projetos e tentem conversar; é questão de tempo. Embora, ao contrário dos chineses – capazes de esperar por séculos que as crises decantem –, somos bem mais ansiosos.


RPD –
 Como sabemos, não existe vácuo de poder em política. Quem, a seu ver, estaria tirando proveito dessa falta de liderança no governo?
CM – Muita gente, como se sabe, está-se reunindo, fazendo encontros por aí, tentando encontrar uma saída. Estamos no meio desse processo. Concordo que não exista vácuo de poder. Por exemplo, há dois anos Rodrigo Maia não era o que vemos hoje; ele cresceu, deu um salto enorme. Provavelmente, porque foi jogado ao mar e teve que aprender a nadar. Viveu ocasiões em que seria fácil se amesquinhar pelo poder, preferiu a prudência; como por exemplo não investir no impeachment do presidente Temer e assumir a presidência da República. Teve a clareza – a meu ver, até mesmo a grandeza – de não de deixar morder pela mosca azul. E mesmo agora tem tido postura interessante, sendo um importante freio às loucuras do Executivo. Em torno dele, Maia, vem-se formando um grupo eclético, política e ideologicamente; talvez, uma nova elite parlamentar. Fico preocupado, como analista, quanto à sucessão do Rodrigo Maia, lembrando que o próximo ano será complicadíssimo: carnaval no final de fevereiro, depois, março, abril, maio, junho, festa junina, eleição, votamos em novembro. E, logo depois, a pauta da sucessão do Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. Rodrigo Maia terá um sucessor à altura? Será uma figura tipo Rodrigo ou estará mais para o estilo Eduardo Cunha? É preocupante. Mas, enfim, vejo que o Rodrigo Maia já é um dos exemplos de liderança que surgem justamente da crise.

RPD – O Legislativo tem assumido um protagonismo inédito na política brasileira. É de se prever a continuidade desse processo até o fim do governo Bolsonaro?
CM – Houve, pela deficiência do Executivo, uma transferência de poder para o Legislativo. Tenho dito que estamos vivendo um presidencialismo em transe. Certamente não é parlamentarismo, o sistema é presidencialista, mas é um presidencialismo em transe. Transe pode ser entendido como “em transição” ou como “em vertigem”; veremos. Depende do modo como a própria política queira traduzir o termo: se o sucessor de Rodrigo Maia, na presidência dos trabalhos, for alguém afinado com sua atuação ou a negação disto – que tanto pode ser a oposição desmedida ao Executivo, como, por outro lado, a total submissão a ele.  Ou ainda se, mesmo no chão do Plenário, Maia atuará como um centro agregador no Congresso Nacional, o que daria continuidade a esse processo de imposição do Poder Legislativo. De toda sorte, não vejo o governo Bolsonaro capaz de se impor, de tomar a contento e moderadamente as rédeas do processo político. A grande incógnita é se o Congresso terá o tipo de liderança necessária, após a presidência de Rodrigo Maia.

RPD – O Supremo Tribunal Federal está perdendo sua função histórica de poder moderador?
CM – Um elemento grave da crise é a politização da Justiça. Não só do Supremo, mas do Supremo inclusivo. As raízes desse processo talvez estejam na omissão do poder Legislativo no passado: a indecisão de votar questões como a união homoafetiva, o aborto anencéfalo, a fidelidade partidária ou se impor em relação à intervenção do STF quanto à cláusula de barreira. Sabemos, não há vácuo; o poder é como gás, ele tem a forma do que o contém. Se nada o contém, ele se expande, e eu acho que o Judiciário se expandiu politicamente, a meu ver, de modo perigoso. Por vários motivos: primeiro, porque não é seu papel, e, segundo, porque isso aconteceu de uma forma fragmentada, como a inegável divisão e politização entre os próprios ministros da Corte.

Digo desde 2014, pelo menos, que me surpreendo ao ver pessoas comuns capazes de declinar o nome dos onze ministros do STF, sem a mesma capacidade para escalar a seleção brasileira de futebol. A crise é séria; no futebol, na política, e na Justiça. Costumo provocar minha audiência com a pergunta: por qual turma que você torce? A primeira turma ou a segunda turma? Os garantistas ou os tais consequencialistas?

Isso é ruim, porque, num sistema democrático, o Supremo tem a “última palavra”, no limite dos conflitos políticos. Além de um papel contramajoritário. O Supremo não tem de agradar a maioria da população; tem de arbitrar de acordo com a lei. Claro que há um certo nível de hermenêutica na interpretação da lei, mas ele tem de arbitrar de acordo com leitura razoável e coerente, no tempo, a respeito da lei. E não está acontecendo exatamente isso, porque as interpretações têm variado substantivamente ao longo do tempo, talvez ao sabor das conveniências políticas de cada grupo ou indivíduo ali estabelecido. Quando a política não consegue o consenso, quando a política não consegue o pacto, quem vai arbitrar antes de um conflito de verdade, maior, com consequências indesejáveis, é a Justiça, o Supremo no limite. Quando o Supremo se politiza, ele perde esse papel importante de ser um árbitro respeitado e inconteste. E o que acontece hoje? Dependendo da decisão do Supremo, à direita ou à esquerda, setores da sociedade simplesmente desqualificam sua decisão. A desconfiança de influências políticas no processo decisório - ora para um lado, ora para o outro – faz com que se perca a importante característica salomônica (sábio e criterioso) que deveria possuir. Para contar com a confiança de seus súditos, o Rei Salomão precisa ser percebido como justo.

RPD – Como resumiria as opções para a saída dos problemas políticos da atualidade?
CM – O Brasil precisa de um processo de conciliação, e não é um processo de conciliação com todo mundo. Há uma parcela hoje que não aceita a conciliação, porque não é democrática. Os setores democráticos precisam de um processo de conciliação. Quando a gente pensa em liderança, pensa-se em um sujeito como o Mandela ou como o José Mojica no Uruguai, que saíram da cadeia para articular uma grande conciliação nacional. Quando saem da cadeia, transformam-se em grandes líderes, não porque conciliam com aqueles que os prenderam, mas porque articulam um campo bastante amplo para se opor e vencer o outro lado, com o qual é impossível conciliar. Acho que o Brasil precisa de lideranças com essa disposição, tipo Nelson Mandela ou José Mojica, capazes de abrir mão do poder individual; generosos ao abrir espaços para o surgimento de novas lideranças; novas opções.

 


Roberto Freire: Polarização política não é o cenário de 2022

Ao contrário dos números de pesquisas exploratórias e comentários de alguns analistas políticos – todos eles, respeitáveis – não me parece que as eleições de 2022 estejam caminhando a passos largos para uma polarização entre Bolsonaro e um candidato do campo petista.

É muito cedo para se tirar conclusões que afirmem essa direção, as forças políticas ainda estão começando a se movimentar com mais nitidez, a avaliação de um ano de governo Bolsonaro não é boa quando comparada com presidentes da República anteriores e o PT, mesmo com Lula fora da prisão, não dá nenhuma demonstração maior de recuperação de seu fôlego eleitoral.

A polarização da política no Brasil em sua história recente, por mais paradoxal que seja, foi quebrada exatamente pela eleição de Bolsonaro. O modelo de disputa frontal iniciado em 1994, com PSDB e PT brandindo suas espadas ideológicas tortas, -não dá mais mostra que possa ser retomado, felizmente. Com a tragédia bolsonariana legitimada pelas urnas os espaços políticos se abriram e, se houver competência, poderão ser preenchidos por propostas vitoriosas mais consentâneas com a nossa história democrática e a nossa realidade.

Se voltarmos às eleições de 2018, os números indicam que naquela ocasião a polarização não ocorreu, no primeiro turno. Se Bolsonaro saiu com 46% dos votos e Haddad com 29%, houve um volume de 25% dos votos que ficaram divididos em outras alternativas, como a representada por Ciro Gomes. Como sabemos que a opção por Bolsonaro deu-se muito em função do antipetismo, podemos concluir que há uma grande massa de votos que pode fugir ao esquema pobre da polarização.

Do lado do PT, o partido não ousou, prendeu-se à estratégia de sobrevivência particular do Lula Livre, virando as costas à construção de novas alianças progressistas no país e empurrando possíveis aliados para a linha de fundo. Dificilmente terá energia para superar patamares históricos conquistados, principalmente junto à classe média e aos eleitores do centro-sul.

A situação de Bolsonaro também não é das melhores. Se toma algumas decisões para manter mobilizados algumas de suas bases – polícia, produtores rurais, extrema direita e propagadores de ideias medíocres -, no outro polo vão se acumulando insatisfações fortes junto ao mundo da cultura, aos negros, mulheres, etnias, pequenos empresários, estudantes e aos segmentos globalizados, empresariais ou não.

Ao mesmo tempo, a sua aposta tupiniquim em ser homem de Trump e fiel seguidor da sua política, demonstra ser absolutamente equivocada, pois o nacionalismo e reacionarismo do líder americano não comportam amigos nem aliados e isso deixa o governo brasileiro sem protagonismo internacional. Não se torna amigo de um presidente internacionalmente forte apenas pondo um boné com o nome dele na cabeça.

Com a sua desastrada política ambiental e ações equivocadas em política internacional, a economia tende a não deslanchar de forma efetiva e esse fato logo trará reflexos internos junto aos eleitores. A sanha privatista de Guedes, com a diabolização do Estado, embora possa acertar em alguns aspectos, não é porto seguro para os empresários e para o mercado.

Bolsonaro, ao dar amparo às teses ideológicas de ultra direita e anunciar um partido para ampará-las, distancia-se do grande campo democrático brasileiro. Muitos dos votos que lhe foram dados poderão migrar para outras alternativas que não seja o PT.

É um equívoco clamar por um centro estéril em detrimento das opções hoje colocadas, à extrema direita e à extrema esquerda. Há, sim, um enorme espaço para ser ocupado por uma proposta que saiba tirar do liberalismo a sua força para produzir riquezas com um poder público capaz de atuar numa perspectiva democrática, com políticas públicas de inclusão e da promoção da justiça social. Que mire o combate à corrupção como política permanente e que remova entulhos legais e eleitorais, permitindo que lideranças novas em idade e pensamento possam ter espaço para se apresentar à sociedade, e serem vitoriosas.

Os partidos, tal como eram concebidos, perderam a sua energia vital. Só terão protagonismo se abrirem e respeitarem os movimentos sociais, na verdade fábricas de realidades e sonhos.

Das bandas de Bolsonaro e do PT não há nada de novo e ambos mantém o Brasil fora da contemporaneidade ficando ainda como se permanentes fossem as contradições da sociedade industrial do século XX , sendo que o primeiro remete o Brasil ao século XIX e o PT à sociedade industrial do século XX. O Brasil pede uma solução para o século XXI da inteligência artificial – e ela virá.

*Roberto Freire é presidente do Cidadania e ex-deputado federal


‘Coringa é um filmaço’, afirma Lilia Lustosa à Política Democrática online

Análise do filme de Todd Phillips é da doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL)

Cleomar Almeida, da Ascom/FAP

O filme Coringa, do diretor Todd Phillips, “é um filmaço, daqueles que você sai e fica por horas discutindo, refletindo”. A afirmação é da doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), Lilia Lustosa, em artigo produzido para a nova edição da revista Política Democrática online. “Excesso de verdade atirada na nossa cara. Excesso quase insuportável quando entendemos que nós, que estamos ali sentados confortavelmente naquela sala de cinema, somos a elite ali representada”, diz ela.

» Acesse aqui a 13ª edição da revista Política Democrática online

O público tem acesso gratuito a todos os conteúdos da revista no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que produz e edita a publicação. De acordo com a Lilia Lustosa, “obviamente, Coringa é uma grande alegoria de nossa sociedade, e, por isso mesmo, se permite trabalhar com excessos e metáforas”. Segundo ela, são justamente essas extrapolações ou caricaturas que fazem entender a tela como um espelho do que as pessoas estão se tornando ou do que já são.

Segundo Lilia Lustosa, ao acompanharmos o passo a passo da construção do “monstro” em que vai se convertendo Arthur Fleck (magistralmente interpretado por Joaquin Phoenix), enxergamos muitos conhecidos nossos, quer seja na pele do próprio Arthur, quer seja na pele dos que estão em seu entorno, ajudando a construir a “criatura”.

“Enxergamos, no início, um homem com um sonho: vencer na vida como comediante. Uma pessoa que, apesar das adversidades sociais (pobreza) e psicológicas (doença mental em que não controla o riso), tenta alcançar licitamente seu sonho”, diz ela, no artigo publicado na revista Política Democrática online.

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Como evitar neutralização da Lava Jato? André Amado explica em artigo na Política Democrática online

Diretor da revista produzida pela FAP cita precedente italiano como alerta ao caso brasileiro

Cleomar Almeida, da Ascom/FAP

O diretor da revista Política Democrática online, André Amado, compara as operações Mãos Limpas, na Itália, e Lava Jato, no Brasil, e destaca que o precedente italiano serve de alerta para impedir a “neutralização” da campanha anticorrupção ocorrida em nosso país. A revista é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

» Acesse aqui a 13ª edição da revista Política Democrática online

O público pode acessar todos os conteúdos da revista, de forma gratuita, no site da FAP. Em três anos, a operação Mãos Limpas investigou 4.500 pessoas, enquanto a Lava Jato focou em 300 investigadas, no mesmo período. “A classe política italiana foi quem reagiu no sentido de promover uma série de alterações legislativas, que, pouco a pouco, neutralizaram o sucesso dos efeitos das investigações”, cita um trecho do artigo.

Em sua análise exclusiva para a revista Política Democrática online, André Amado diz que setores influentes da política italiana desmobilizaram, paulatinamente, a campanha anticorrupção. Em seu artigo, ele traça uma linha histórica de repercussão da operação:

Em 1993, editou-se decreto que descriminalizava o financiamento ilícito dos partidos. O que era crime deixou de sê-lo, reintroduzia-se o sigilo nas investigações.

Em 1994, editou-se outro decreto que proibia a prisão preventiva para crimes contra a administração pública e o sistema financeiro (Na ocasião, 2.764 pessoas que estavam presas por crimes dessa natureza foram colocadas em liberdade, das quais 350 delas eram da Operação Mãos Limpas).

Em 1995, reformou-se a prisão cautelar e suspendeu-se o processo por delito de falso testemunho, que havia sido uma conquista de Antonio Di Pietro, conquista que lograra permitir prisão em flagrante de falso testemunho e outros crimes de máfia.

Em 1997, atenuou-se o crime de abuso de officcio, crime de prevaricação que foi muito usado para criminalizar as condutas na Itália. Acrescentaram mais um elemento para caracterização do delito, e, com isso também reduziram a pena, proibiram a prisão preventiva, por tabela – com a diminuição da pena, não cabia mais a prisão preventiva. Não permitiram a adoção de provas obtidas mediante intercepção de comunicação telefônica. Diminuíram o prazo prescricional, que é o tempo que o estado tem para punir, que era de 15 anos caiu para 7 anos e meio, com o que muitos crimes prescreveram.

Em 1988-99, novas leis ampliaram a possibilidade de colaboração, porque os processos estavam encerrando já nessa época. Alguns réus condenados não tinham feito acordo de colaboração, e a lei italiana não permitia que o acordo fosse fechado depois da condenação. Então para salvar estes que foram condenados, eles mudaram as leis. Eram leis de encomenda para ajustar as situações.

Em 2001, fizeram o reingresso, repatriação de dinheiro italiano escondido no exterior.

Em 2005, criaram uma lei para punir abusos de juízes e promotores, que persigam fins diversos daqueles de justiça. Era a lei italiana de abuso de autoridade.

Em 2005, diminuíram prazos prescricionais por uma lei que ficou conhecida como Salva Corrota, salva corruptos. A prescrição voltou a cair pela metade. Cem mil processos prescreveram então na Itália. E, no ano seguinte, 135 mil.

Em 2006, proibiram o ministério público de recorrer de decisões de absolvição. A lei era tão escancaradamente inconstitucional, que a corte italiana considerou inconstitucional.

Em 2007, foi a vez da lei da mordaça, proibição de noticiar intercepções de comunicação telefônica, reforma judiciaria que hierarquizou o ministério público e italiano, tirando da autonomia inclusive de alguns membros do ministério público italiano.

Em 2009, nova lei de repatriação de bens que suspende por 6 meses, renovável por mais 6 meses, ao sabor da vontade do réu – e Berlusconi, era primeiro-ministro à época e potencial réu - o tramite dos processos. O réu tem o poder de suspender o processo.

Em 2012, altera-se a lei anticorrupção que resulta em diminuição do prazo prescricional que beneficia várias autoridades.

Em 2014, despenaliza-se o crime de sonegação.

 

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“Sem negros, não há Brasil”, diz Ivan Alves Filho à nova edição da Política Democrática online

Historiador afirma, em artigo publicado na revista da FAP, que há exclusão social do negro no país

Cleomar Almeida, da Ascom/FAP

O historiador Ivan Alves Filho diz que o Brasil tem a segunda maior população negra do mundo. “Esse é um dado fundamental para se compreender a nossa realidade”, escreveu ele, em artigo publicado na nova edição da revista Política Democrática online. Todos os conteúdos da revista podem ser acessados, de graça, no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que produz e edita a publicação.

» Acesse aqui a 13ª edição da revista Política Democrática online

A FAP é sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. Autor de uma série de livros, entre os quais Presença Negra no Brasil e Memorial dos Palmares, Ivan lembra que o padre Antônio Vieira, certa vez, disse: “Sem Angola, não há Brasil”. Para o autor, é possível afirmar, ainda, que “sem o negro, não há Brasil”.

“O povo faz história pelo trabalho. E o povo negro vem carregando esse país nas costas há cinco séculos”, afirma o historiador, no artigo exclusivo produzido para a revista Política Democrática online. “Como falar da nossa literatura sem Machado de Assis? Da nossa música, sem Pixinguinha? Da nossa arquitetura, sem Aleijadinho? Do esporte brasileiro, sem Pelé? Das nossas rebeliões, sem Zumbi dos Palmares?”, questiona Ivan.

Na avaliação do autor, “há uma evidente exclusão social do negro entre nós”. “E isso mergulha suas raízes num passado não tão distante assim. Se, por um lado, o regime escravista integra o negro na economia; por outro, o exclui da cidadania”, afirma o historiador. “A própria abolição, ao libertar o escravo, esqueceu-se de libertar o negro, “acrescenta.

De acordo com Ivan, é preciso reconhecer que a questão negra é, acima de tudo, uma questão nacional. “Ou seja, uma luta de todos os brasileiros”, diz ele. “A batalha pelos direitos dos negros no Brasil é parte da luta e não uma luta à parte. Com essa ótica, acreditamos ser fundamental unir o particular ao geral, uma vez que as chamadas lutas setoriais não devem ter um tratamento setorial”, afirma, citando um trecho do livro Presença Negra no Brasil, editado pela Fundação Astrojildo Pereira.

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Por que a manifestação no Chile? Alberto Aggio responde à Política Democrática online

Em artigo exclusivo publicado na nova edição da revista da FAP, professor da Unesp diz que os chilenos colocaram a raiva para fora

Cleomar Almeida, da Ascom/FAP

Os chilenos colocaram para fora toda a raiva frente ao mal-estar resultante do “modelo econômico”, que ordena o país desde os tempos da ditadura do Pinochet, durante as manifestações de outubro. A análise é do historiador, professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e diretor da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), Alberto Aggio. Em artigo publicado na nova edição da revista Política Democrática online, ele afirma que “o Chile explodiu”.

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Todos os conteúdos da revista podem ser acessados, gratuitamente, no site da FAP, que produz e edita a publicação. A fundação é sediada em Brasília vinculada ao Cidadania. Em artigo de sua autoria, Aggio lembra que, por vários dias, milhares de pessoas saíram às ruas em marchas de protesto que invariavelmente se tornaram violentas. “Estavam no foco dos manifestantes o Metrô de Santiago, as empresas de energia, os bancos controladores das famosas AFPs, que ‘garantem’ a aposentadoria da maior parte dos trabalhadores chilenos, dentre outras”, afirma.

No artigo exclusivo produzido para a revista Política Democrática online, o professor da Unesp diz que, assim como no Brasil de 2013, a repressão fez com que os protestos se amplificassem até chegar à manifestação de 25 de outubro, que reuniu mais de 1,2 milhão de pessoas no centro de Santiago. “Foi um sinal eloquente de que a estratégia do governo havia naufragado. Piñera recuou, propôs algumas reformas paliativas, procedeu a mudanças parciais em seu gabinete e, por fim, suspendeu o ‘estado de emergência’”, acentua ele.

Na avaliação do diretor da FAP, a modernização do país é atestada em números. Segundo ele, é notável também a sofisticação e até o luxo das estações do Metrô de Santiago em bairros pobres integram o cenário de um país dividido. “Sinais materiais de modernização em contraposição às carências domesticas cotidianas, às expectativas de futuro dos jovens em situação de ameaça, com a recorrente elevação dos custos de educação, além do nível das pensões dos mais velhos frente ao que trabalharam e contribuíram durante toda a vida, tudo isso formou um ‘caldo de cultura’ de raiva diante da flagrante desigualdade e de medo da regressão ao status quo anterior, vivenciado nos anos de crise, quando se implantou o modelo”, analisa.

O Chile que explodiu, de acordo com o artigo publicado na revista Política Democrática online, nada mais expressa do que a reação a décadas de “estado de mal-estar social”. “Os termos em que se deu tal explosão, com sua violência costumeira, agora triplicada, confirma o paradoxo de uma democracia ainda sustentada numa ordem político-jurídica (a da Constituição de 1980) que carece de legitimidade”, avalia Aggio.

 

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Congresso em foco: Polêmica. Cristovam faz inventário dos erros da esquerda e do centro que levaram Bolsonaro ao poder

  

Outra consequência foi o fracasso na tentativa de se reeleger em 2018, pleito em que derrotá-lo nas urnas era uma das tarefas prioritárias de grande parte de uma militância petista que começou a afrontar Cristovam antes mesmo de ele anunciar o voto pró-impeachment.  Tais questões, de caráter mais pessoal, não aparecem no livro Por que falhamos, que será lançado na quinta-feira (5) e ao qual o Congresso em Foco teve acesso em primeira mão. Ali, esse pernambucano de Recife, hoje com 75 anos, faz as vezes de analista e pensador. Propõe um polêmico inventário dos erros dos governos que se sucederam entre 1992 e 2018, isto é, de Itamar Franco a Michel Temer. Governos, vale lembrar, ligados a partidos (sobretudo, MDB, PT e PSDB) e personalidades de alguma maneira comprometidas com os ideais de democracia e justiça social da Constituição de 1988, aquela mesma que Jair Bolsonaro e vários dos seus seguidores não cansam de desdenhar.

Credenciais intelectuais não faltam a Cristovam, discorde-se ou não de suas reflexões. Formado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Pernambuco, doutorou-se depois em Economia pela prestigiada Universidade de Sorbonne, em Paris. Além de governador, senador por dois mandatos e reitor da UnB, trabalhou durante seis anos no Banco Interamericano de Desenvolvimento e foi ministro da Educação de Lula, que o demitiu por telefone. Por que falhamos é o seu 27º livro. Lançado pela Tema Editorial, o livro será lançado inicialmente apenas em versão digital, e com uma novidade: a partir de quinta-feira (5) estará disponível gratuitamente no site da editora.

É livro denso, mas de meras 54 páginas, redigidas sempre na primeira pessoa do plural. O ex-senador se inclui entre os responsáveis pelos equívocos cometidos. Para Cristovam, a eleição de Bolsonaro sairá cara, dado o perfil do presidente eleito: “Não tinha programa nem partido e representava uma visão sectária e retrógada – posições que pareciam superadas desde a redemocratização –, além de não expressar qualquer experiência gerencial”. Mas o questionamento sobre os erros é a parte que lhe interessa  e que explora. Numa referência indireta a Lula, um dos seus alvos é o “culto à personalidade”. Nas suas palavras: “A amarra aos líderes foi uma das principais causas de nossa derrota em 2018. Confundimos Estado com governo, governo com partido, partido com líder. Para proteger nossos líderes, subestimamos a corrupção diante da qual fomos omissos”.

Traremos um pouco de spoilers aqui listando os dez dos 24 erros apontados por Cristovam Buarque:

  1. Legamos um país sem coesão e sem rumo 

“Não nos unimos por um programa que fosse além da democracia e que servisse para orientar o Brasil em novo rumo civilizatório. No lugar de reunirmos forças para fazer um país progressista, preferimos nos dividir em partidos, siglas, sindicatos, corporações – cada um querendo parte do butim que a nova democracia ofereceu aos que apresentavam mais força eleitoral ou capacidade de pressão. (...) Passamos 26 anos fazendo oposição entre nós, uns aos outros. Somente depois de retirados do poder, ministros de diversas pastas nos governos Itamar, FHC, Lula, Dilma e Temer se reuniram para manifestar posições contrárias ao adversário que nos derrotou”. 

  1. Mantivemos o descompasso do Brasil com o progresso mundial 

“Jogamos fora a chance de cortar as correntes que nos amarram ao passado como uma sina histórica. Fomos ‘democratizadores’, mantendo um país injusto, ineficiente e insustentável. Não estivemos à altura como promotores de uma nação progressista, eficiente, justa e sustentável. Desperdiçamos mais uma vez a chance de o Brasil ficar em sintonia com o futuro. (...) Nós tomamos o poder e durante 26 anos não entendemos a revolução em marcha no planeta”. 

  1. Passamos ao largo da utopia educacionista

“Continuamos a falar no velho e relegado direito à educação, sem ver e sem defender que a educação com qualidade é mais do que um direito individual, é o vetor do progresso da eficiência econômica e da justiça social. (...) Passamos ao largo da percepção de que a globalização da economia e das informações simultâneas, os limites ecológicos ao crescimento, a robótica e automação, além do esgotamento do desenvolvimentismo econômico e do socialismo real, levaram ao fracasso das utopias que nos orientavam. Não percebemos que já não é mais possível manipular a economia pela política, sem levar em conta a realidade da globalização e da ecologia, nem é possível impor uma igualdade plena de renda e salário. Uma nova utopia, que não fomos capazes de visualizar, precisa despolitizar a economia para que ela seja eficiente, subordinar a produção e o consumo às restrições ecológicas, tolerar a desigualdade dentro de parâmetros e oferecer a mesma chance para que todos possam ascender socialmente, conforme o próprio talento”. 

  1. Ficamos prisioneiros do populismo e do corporativismo 

“Por falta de visão de uma utopia, caímos no corporativismo e no oportunismo, passando a organizar nossas bandeiras em busca de resultados eleitorais imediatos, mesmo que isso exigisse o aparelhamento e a tolerância com a corrupção na gestão da máquina do Estado e a irresponsabilidade nas contas públicas. Concentramos nossa função política em atender as reivindicações de sindicatos de categorias profissionais, os interesses e as propostas de segmentos identitários e de organizações não governamentais”. 

  1. Desprezamos o ‘espírito do tempo’

“Não vimos que a globalização, as comunicações instantâneas, globais e manipuláveis, e as novas tecnologias fizeram da terra um planeta dividido em um Primeiro Mundo Internacional dos Ricos, com basicamente as mesmas características de renda e consumo, atendimento médico e escolaridade. Até mesmo com as mesmas ideias e gostos estéticos, seja qual for o país geográfico do habitante. No outro lado, temos um Arquipélago Mundial de Pobres com padrões culturais sociais e econômicos diferenciados, solidários apenas pela escassez de bens e serviços essenciais que caracteriza suas vidas, também independente do país geográfico onde vivam. Cada país é cortado socialmente por uma cortina de exclusão, a Cortina de Ouro”.

  1. Permitimos o domínio da corrupção 

“Nosso erro mais visível para a opinião pública foi cair na corrupção, tanto no comportamento quanto nas prioridades. Abandonamos fins revolucionários e adotamos meios corruptos, trocando prioridades básicas, como escolas por estádios, para atender ao gosto imediatista e eleitoral da sociedade e também para receber propinas nessas construções”.

  1. Repudiamos reformas 

“Contentamo-nos com o salto democrático representado pela Constituição, que alguns de nós nem assinamos, mas não fizemos as reformas que dariam o salto progressista que a sociedade espera e carece. Não enfrentamos a necessária reforma do Estado. Ficamos sem fazer a reforma política, sem a qual o Estado brasileiro mantém seus desperdícios, seus privilégios, suas brechas corruptivas. Mantém também seu distanciamento em relação ao povo, seu sistema eleitoral manipulável e mercantil, sua promiscuidade entre poderes – juízes, políticos, empresários, líderes sindicais –, sua justiça ineficiente e protetora dos ricos. Estado gigante, corrupto, ineficiente.

(...) Mesmo as tímidas, mas positivas, reformas do ensino médio durante o governo Temer foram criticadas e enfrentadas por movimentos conservadores de parte de nossos militantes, sem qualquer justificativa progressista. Por acomodamento e submissão às corporações universitárias, oferecemos recursos financeiros, mas não nos propusemos a reformar as estruturas acadêmicas, sem o que a universidade brasileira não participará da construção da sociedade do conhecimento no século 21. A consequência é que até os grandes feitos educacionais, como o aumento no número de vagas no ensino superior e em cursos profissionalizantes, foram anulados por falta de avanços no número e na qualidade dos que terminam o ensino fundamental e o ensino médio. 

(...) Apesar da positiva reforma da responsabilidade fiscal no segundo mandato de FHC, não enfrentamos a necessidade de fazer as reformas que garantiriam o equilíbrio das contas públicas, devastadas pelo descontrolado aumento do custo da máquina do Estado determinado pela Constituição”.

  1. Valorizamos mais o estatal do que o público 

“Confundimos estatal com público e até hoje temos que explicar por que muitos de nós fomos contra a privatização nas telecomunicações, que permitiu a disseminação do direito a um telefone, antes um privilégio de pouquíssimos brasileiros ricos. (...) Ignoramos o fato de que a estatização não criou a oferta de serviços com qualidade que a sociedade precisava, especialmente para os pobres, nem implantou a infraestrutura econômica nas dimensões e eficiências desejadas. Assistimos passivamente ao Estado ser apropriado por empreiteiras, políticos, sindicatos e servidores que o usam para usufruírem poder e vantagens patrimonialistas. Há quase 100 anos o Brasil mantém custosas empresas estatais de saneamento, e mais da metade de nossa população continua a viver no meio de lixo, urina e fezes. Mesmo assim, resistimos à alternativa de usar empresas privadas para executarem e administrar projetos sanitários em nossas cidades, ainda que sob regulação pública”. 

  1. Ignoramos que justiça social depende de economia sólida 

“Os nossos governos Itamar, FHC e Lula fizeram esforços para assegurar uma economia eficiente, mas sofreram pressões desestabilizadoras de parte de nossos partidos e sindicatos, que mantinham a antiga visão de que os gastos públicos seriam o caminho para atender aos interesses dos trabalhadores do setor moderno e oferecer assistência aos pobres, mesmo que isso fosse feito às custas do endividamento público e privado. Aceitamos a ilusão de que o Tesouro Nacional seria como um chapéu de mágico, com disponibilidade ilimitada de recursos financeiros. (...) Por não entendermos a realidade, não fazermos as contas, não acreditarmos na aritmética ou simplesmente por oportunismo eleitoral, muitos de nós continuamos a cometer esses erros, agora na oposição.”

  1. Adotamos o culto à personalidade 

“A amarra aos líderes foi uma das principais causas de nossa derrota em 2018. A recusa da realidade e o culto à personalidade terminaram por aprisionar nossa linguagem, nossas análises, táticas e estratégias, sem metas e propostas para o longo prazo. Confundimos Estado com governo, governo com partido, partido com líder. Para proteger nossos líderes, subestimamos a corrupção diante da qual fomos omissos, sem acusar, julgar, punir nem ao menos criticar os responsáveis pela cobrança de propinas, depredação de estatais e de fundos de pensões. Não combatemos as prioridades equivocadas. Continuamos a defender que prisões de empresários aliados eram o resultado de manipulação política contra nós, os democratas-progressistas, ignorando que a Justiça julgou e prendeu dezenas de políticos e homens de negócio das mais diversas vertentes políticas.” 


Congresso em foco: Polêmica. Cristovam faz inventário dos erros da esquerda e do centro que levaram Bolsonaro ao poder

  

Outra consequência foi o fracasso na tentativa de se reeleger em 2018, pleito em que derrotá-lo nas urnas era uma das tarefas prioritárias de grande parte de uma militância petista que começou a afrontar Cristovam antes mesmo de ele anunciar o voto pró-impeachment.  Tais questões, de caráter mais pessoal, não aparecem no livro Por que falhamos, que será lançado na quinta-feira (5) e ao qual o Congresso em Foco teve acesso em primeira mão. Ali, esse pernambucano de Recife, hoje com 75 anos, faz as vezes de analista e pensador. Propõe um polêmico inventário dos erros dos governos que se sucederam entre 1992 e 2018, isto é, de Itamar Franco a Michel Temer. Governos, vale lembrar, ligados a partidos (sobretudo, MDB, PT e PSDB) e personalidades de alguma maneira comprometidas com os ideais de democracia e justiça social da Constituição de 1988, aquela mesma que Jair Bolsonaro e vários dos seus seguidores não cansam de desdenhar.

Credenciais intelectuais não faltam a Cristovam, discorde-se ou não de suas reflexões. Formado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Pernambuco, doutorou-se depois em Economia pela prestigiada Universidade de Sorbonne, em Paris. Além de governador, senador por dois mandatos e reitor da UnB, trabalhou durante seis anos no Banco Interamericano de Desenvolvimento e foi ministro da Educação de Lula, que o demitiu por telefone. Por que falhamos é o seu 27º livro. Lançado pela Tema Editorial, o livro será lançado inicialmente apenas em versão digital, e com uma novidade: a partir de quinta-feira (5) estará disponível gratuitamente no site da editora.

É livro denso, mas de meras 54 páginas, redigidas sempre na primeira pessoa do plural. O ex-senador se inclui entre os responsáveis pelos equívocos cometidos. Para Cristovam, a eleição de Bolsonaro sairá cara, dado o perfil do presidente eleito: “Não tinha programa nem partido e representava uma visão sectária e retrógada – posições que pareciam superadas desde a redemocratização –, além de não expressar qualquer experiência gerencial”. Mas o questionamento sobre os erros é a parte que lhe interessa  e que explora. Numa referência indireta a Lula, um dos seus alvos é o “culto à personalidade”. Nas suas palavras: “A amarra aos líderes foi uma das principais causas de nossa derrota em 2018. Confundimos Estado com governo, governo com partido, partido com líder. Para proteger nossos líderes, subestimamos a corrupção diante da qual fomos omissos”.

Traremos um pouco de spoilers aqui listando os dez dos 24 erros apontados por Cristovam Buarque:

  1. Legamos um país sem coesão e sem rumo 

“Não nos unimos por um programa que fosse além da democracia e que servisse para orientar o Brasil em novo rumo civilizatório. No lugar de reunirmos forças para fazer um país progressista, preferimos nos dividir em partidos, siglas, sindicatos, corporações – cada um querendo parte do butim que a nova democracia ofereceu aos que apresentavam mais força eleitoral ou capacidade de pressão. (...) Passamos 26 anos fazendo oposição entre nós, uns aos outros. Somente depois de retirados do poder, ministros de diversas pastas nos governos Itamar, FHC, Lula, Dilma e Temer se reuniram para manifestar posições contrárias ao adversário que nos derrotou”. 

  1. Mantivemos o descompasso do Brasil com o progresso mundial 

“Jogamos fora a chance de cortar as correntes que nos amarram ao passado como uma sina histórica. Fomos ‘democratizadores’, mantendo um país injusto, ineficiente e insustentável. Não estivemos à altura como promotores de uma nação progressista, eficiente, justa e sustentável. Desperdiçamos mais uma vez a chance de o Brasil ficar em sintonia com o futuro. (...) Nós tomamos o poder e durante 26 anos não entendemos a revolução em marcha no planeta”. 

  1. Passamos ao largo da utopia educacionista

“Continuamos a falar no velho e relegado direito à educação, sem ver e sem defender que a educação com qualidade é mais do que um direito individual, é o vetor do progresso da eficiência econômica e da justiça social. (...) Passamos ao largo da percepção de que a globalização da economia e das informações simultâneas, os limites ecológicos ao crescimento, a robótica e automação, além do esgotamento do desenvolvimentismo econômico e do socialismo real, levaram ao fracasso das utopias que nos orientavam. Não percebemos que já não é mais possível manipular a economia pela política, sem levar em conta a realidade da globalização e da ecologia, nem é possível impor uma igualdade plena de renda e salário. Uma nova utopia, que não fomos capazes de visualizar, precisa despolitizar a economia para que ela seja eficiente, subordinar a produção e o consumo às restrições ecológicas, tolerar a desigualdade dentro de parâmetros e oferecer a mesma chance para que todos possam ascender socialmente, conforme o próprio talento”. 

  1. Ficamos prisioneiros do populismo e do corporativismo 

“Por falta de visão de uma utopia, caímos no corporativismo e no oportunismo, passando a organizar nossas bandeiras em busca de resultados eleitorais imediatos, mesmo que isso exigisse o aparelhamento e a tolerância com a corrupção na gestão da máquina do Estado e a irresponsabilidade nas contas públicas. Concentramos nossa função política em atender as reivindicações de sindicatos de categorias profissionais, os interesses e as propostas de segmentos identitários e de organizações não governamentais”. 

  1. Desprezamos o ‘espírito do tempo’

“Não vimos que a globalização, as comunicações instantâneas, globais e manipuláveis, e as novas tecnologias fizeram da terra um planeta dividido em um Primeiro Mundo Internacional dos Ricos, com basicamente as mesmas características de renda e consumo, atendimento médico e escolaridade. Até mesmo com as mesmas ideias e gostos estéticos, seja qual for o país geográfico do habitante. No outro lado, temos um Arquipélago Mundial de Pobres com padrões culturais sociais e econômicos diferenciados, solidários apenas pela escassez de bens e serviços essenciais que caracteriza suas vidas, também independente do país geográfico onde vivam. Cada país é cortado socialmente por uma cortina de exclusão, a Cortina de Ouro”.

  1. Permitimos o domínio da corrupção 

“Nosso erro mais visível para a opinião pública foi cair na corrupção, tanto no comportamento quanto nas prioridades. Abandonamos fins revolucionários e adotamos meios corruptos, trocando prioridades básicas, como escolas por estádios, para atender ao gosto imediatista e eleitoral da sociedade e também para receber propinas nessas construções”.

  1. Repudiamos reformas 

“Contentamo-nos com o salto democrático representado pela Constituição, que alguns de nós nem assinamos, mas não fizemos as reformas que dariam o salto progressista que a sociedade espera e carece. Não enfrentamos a necessária reforma do Estado. Ficamos sem fazer a reforma política, sem a qual o Estado brasileiro mantém seus desperdícios, seus privilégios, suas brechas corruptivas. Mantém também seu distanciamento em relação ao povo, seu sistema eleitoral manipulável e mercantil, sua promiscuidade entre poderes – juízes, políticos, empresários, líderes sindicais –, sua justiça ineficiente e protetora dos ricos. Estado gigante, corrupto, ineficiente.

(...) Mesmo as tímidas, mas positivas, reformas do ensino médio durante o governo Temer foram criticadas e enfrentadas por movimentos conservadores de parte de nossos militantes, sem qualquer justificativa progressista. Por acomodamento e submissão às corporações universitárias, oferecemos recursos financeiros, mas não nos propusemos a reformar as estruturas acadêmicas, sem o que a universidade brasileira não participará da construção da sociedade do conhecimento no século 21. A consequência é que até os grandes feitos educacionais, como o aumento no número de vagas no ensino superior e em cursos profissionalizantes, foram anulados por falta de avanços no número e na qualidade dos que terminam o ensino fundamental e o ensino médio. 

(...) Apesar da positiva reforma da responsabilidade fiscal no segundo mandato de FHC, não enfrentamos a necessidade de fazer as reformas que garantiriam o equilíbrio das contas públicas, devastadas pelo descontrolado aumento do custo da máquina do Estado determinado pela Constituição”.

  1. Valorizamos mais o estatal do que o público 

“Confundimos estatal com público e até hoje temos que explicar por que muitos de nós fomos contra a privatização nas telecomunicações, que permitiu a disseminação do direito a um telefone, antes um privilégio de pouquíssimos brasileiros ricos. (...) Ignoramos o fato de que a estatização não criou a oferta de serviços com qualidade que a sociedade precisava, especialmente para os pobres, nem implantou a infraestrutura econômica nas dimensões e eficiências desejadas. Assistimos passivamente ao Estado ser apropriado por empreiteiras, políticos, sindicatos e servidores que o usam para usufruírem poder e vantagens patrimonialistas. Há quase 100 anos o Brasil mantém custosas empresas estatais de saneamento, e mais da metade de nossa população continua a viver no meio de lixo, urina e fezes. Mesmo assim, resistimos à alternativa de usar empresas privadas para executarem e administrar projetos sanitários em nossas cidades, ainda que sob regulação pública”. 

  1. Ignoramos que justiça social depende de economia sólida 

“Os nossos governos Itamar, FHC e Lula fizeram esforços para assegurar uma economia eficiente, mas sofreram pressões desestabilizadoras de parte de nossos partidos e sindicatos, que mantinham a antiga visão de que os gastos públicos seriam o caminho para atender aos interesses dos trabalhadores do setor moderno e oferecer assistência aos pobres, mesmo que isso fosse feito às custas do endividamento público e privado. Aceitamos a ilusão de que o Tesouro Nacional seria como um chapéu de mágico, com disponibilidade ilimitada de recursos financeiros. (...) Por não entendermos a realidade, não fazermos as contas, não acreditarmos na aritmética ou simplesmente por oportunismo eleitoral, muitos de nós continuamos a cometer esses erros, agora na oposição.”

  1. Adotamos o culto à personalidade 

“A amarra aos líderes foi uma das principais causas de nossa derrota em 2018. A recusa da realidade e o culto à personalidade terminaram por aprisionar nossa linguagem, nossas análises, táticas e estratégias, sem metas e propostas para o longo prazo. Confundimos Estado com governo, governo com partido, partido com líder. Para proteger nossos líderes, subestimamos a corrupção diante da qual fomos omissos, sem acusar, julgar, punir nem ao menos criticar os responsáveis pela cobrança de propinas, depredação de estatais e de fundos de pensões. Não combatemos as prioridades equivocadas. Continuamos a defender que prisões de empresários aliados eram o resultado de manipulação política contra nós, os democratas-progressistas, ignorando que a Justiça julgou e prendeu dezenas de políticos e homens de negócio das mais diversas vertentes políticas.” 


‘Patrão manda passar motosserra na Amazônia’, diz garimpeiro de Serra Pelada

Reportagem publicada na nova edição da revista Política Democrática online relaciona desmatamento a atividade ilegal

Cleomar Almeida, da Ascom/FAP

A ação de garimpeiros em situação irregular tem aumentado o desmatamento na Amazônia. É o que revela a segunda e última reportagem da série Sonho Dourado: 40 anos depois, publicada na nova edição da revista Política Democrática online. Todo o conteúdo da revista pode ser acessado, de graça, no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que produz e edita a publicação.

» Acesse aqui a 13ª edição da revista Política Democrática online

A equipe de reportagem da revista Política Democrática online viajou até Serra Pelada, no Sudeste do Pará, e revela como os trabalhadores são explorados como tatus para cavarem crateras atrás de ouro. “Todo mundo sabe que destruir a floresta não é certo. O patrão, que foi quem descobriu o garimpo, é quem manda a gente passar a motosserra de madrugada”, admite um garimpeiro.

A reportagem mostra que, no Pará, o aumento da destruição do meio ambiente tem relação direta com a exploração do ouro, que teve seu auge nos anos 1980. Desde aquela época, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o Estado perdeu 148,3 mil km² de floresta, o equivalente à área do Ceará.

De agosto de 2018 a julho de 2019, segundo informa a revista Política Democrática online, o Brasil bateu novo recorde do desmatamento na Amazônia nesta década. Os dados são do Inpe. No período, a área desmatada na floresta foi de 9.762 km², o que representa um aumento de 29,5% em relação ao período anterior (agosto de 2017 a julho de 2018), que teve 7.536 km² de área desmatada.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atribuiu o aumento do desmatamento à “economia ilegal” na Amazônia, citando o garimpo, a extração de madeira e a ocupação do solo nessa situação. Ele disse que há negociações na esfera governamental para criar uma sede do órgão na Amazônia.

Observatório do Clima considera que “a alta no desmate coroa o desmonte ambiental de Bolsonaro e Salles”. Diz, ainda, que os dados de desmatamento são decorrência direta da estratégia do governo para desmobilizar a fiscalização, engavetar os planos de combate ao desmatamento dos governos anteriores e empoderar, no discurso, criminosos ambientais.

 

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