cidadania
Bolsonaro apoia plano de Trump que favorece Israel em meio à guerra, diz José Vicente Pimentel
Em artigo produzido para revista da FAP, embaixador aposentado critica alinhamento do governo brasileiro aos Estados Unidos
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O governo de Jair Bolsonaro preferiu distanciar-se da maioria e manter a tendência de alinhamento integral a Donald Trump, favorecendo Israel no Oriente Médio e modificando mais uma posição tradicional da diplomacia brasileira. A crítica é do embaixador aposentado José Vicente de Sá Pimentel, em artigo que ele produziu para a 16ª edição da revista mensal Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados de graça no site da entidade.
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Em seu artigo, Pimentel lembra que o governo Geisel se posicionou a favor da retirada das tropas israelenses dos territórios árabes ocupados em seguida à guerra de 1967 e reconheceu o direito do povo palestino à autodeterminação e à independência. “Militava em favor dessa postura equilibrada a importância concedida, desde os tempos do Barão do Rio Branco, à diplomacia multilateral”, afirma ele.
Segundo o autor do artigo publicado na Política Democrática Online, também havia, na época, o reconhecimento de que o Oriente Médio é uma região importante para a manutenção da paz e para a estabilidade da economia mundiais. Além disso, conforme acrescenta, a postura de Geisel ocorreu em manifestação de respeito pela notável contribuição que as comunidades árabe e judaica deram e precisam continuar dando à harmonia da sociedade e ao progresso econômico do Brasil.
“O esquema anunciado por Trump em 28 de janeiro último, após três anos de mandato e a dez meses das eleições presidenciais de 2020, foi uma decepção para os que esperavam alguma sutileza política ou criatividade diplomática”, acrescenta Pimentel. “O plano favorece Israel em todos os temas em disputa. Mediações anteriores haviam feito progressos na negociação de medidas para assegurar segurança na fronteira da Jordânia, a fim de que terroristas não atravessassem a Cisjordânia e ingressassem em território israelense”, destaca ele.
No artigo da revista Política Democrática online, o embaixador ressalta que a questão da Palestina está na agenda internacional desde o Acordo de Sykes-Picaut de 1916. O primeiro plano de paz foi aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1947. “Desde então, é comum ver os presidentes americanos envolverem-se diretamente nos problemas do Oriente Médio”, escreve.
As guerras de 1948, 1967 e 1973 entre árabes e israelenses, vencidas sempre por estes últimos, aumentaram a pressão para que os EUA se engajassem nas negociações de paz, de acordo com o autor. “Por serem o único honest broker que as partes reconheciam como capaz de negociar soluções pacíficas para os conflitos”, assevera.
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Protesto contra o Congresso? Confira editorial da revista Política Democrática online
Edição de fevereiro da revista da FAP faz alerta sobre mobilizações antidemocráticas no Brasil
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
“Está em curso evidente campanha contra as instituições democráticas”, de acordo com editorial da 16ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. “Cidadãos já foram convocados, nos últimos meses, a sair às ruas em protesto contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, supostamente tomados pela velha política, na trincheira da resistência aos propósitos ‘renovadores’ do Executivo”, afirma um trecho.
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O posicionamento do editorial da revista Política Democrática Online é bastante atual e de interesse público. Nesta semana, Bolsonaro voltou a inflar polêmicas na sociedade, enviando vídeo pelo WhatsApp por meio do qual convoca o público para protesto contra o Congresso. Em seguida, o presidente disse que suas mensagens no aplicativo têm caráter pessoal. Juristas apontaram crime de responsabilidade.
O editorial destaca que, a cada dia, a ousadia de apoiadores do governo expande a fronteira do inusitado, sem encontrar, infelizmente, até o momento, resistência à altura por parte dos defensores da democracia. O texto lembra também que, recentemente, o Congresso Nacional foi cenário de um episódio exemplar, revelador, ao mesmo tempo, dos objetivos dos propagandistas do autoritarismo e dos métodos por eles empregados.
“Na Comissão Parlamentar de Inquérito, constituída para investigar o uso intencional de notícias falsas nas campanhas eleitorais recentes, um dos suspeitos confessou as irregularidades, denunciando partidos e candidatos no atacado, com a exceção expressa dos vitoriosos na eleição de 2018”, diz um trecho da revista Política Democrática Online, para continuar: “De quebra, acusou a repórter responsável pela investigação de parcialidade política, divulgação de mentiras, além da tentativa de obter informação em troca de favores sexuais”.
Além disso, o editorial da revista Política Democrática Online classifica como espantoso o fato de um investigado substituir explicações claras por acusações torpes contra a imprensa investigativa, em depoimento a representantes do povo. “Causa espanto maior o fato de esse investigado não ter sido objeto de detenção imediata para esclarecimento dessas acusações”, assevera o texto.
No entanto, ainda de acordo com o editorial, efetivamente estarrecedora foi a repercussão desses fatos nas redes sociais. “Nelas brotaram aos milhares manifestações de apoio ao disseminador de fake news e de repúdio à jornalista e a seu jornal, grande parte das quais provenientes de perfis evidentemente falsos. Como se a resposta à investigação fosse a reincidência massiva e pública, em tempo real.”
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‘Nosso objetivo não é doutrinarismo’, diz Luiz Carlos Azedo
Em palestra de abertura, diretor-geral da FAP indicou virtudes que devem ser valorizadas em ambiente de competitividade
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
A FAP (Fundação Astrojildo Pereira) inicia, nesta sexta-feira (28), uma série de divulgação de vídeos sobre a memória do IV Encontro de Jovens Lideranças, realizado pela instituição, em Corumbá de Goiás, a 125 quilômetros de Brasília, de 15 a 18 de janeiro. O evento de formação política reuniu 75 jovens dos 26 Estados e do Distrito Federal, além de um time de profissionais e especialistas que discutiram temas relevantes, atuais e de interesse público, fundamentados nos ideais republicanos e democráticos.
» Confira abaixo o vídeo da palestra de abertura ou clique aqui!
https://youtu.be/S4cfKupm1Lc
Na abertura do encontro, o diretor-geral da FAP, jornalista Luiz Carlos Azedo, explicou que a 4ª edição do evento tem metodologia mais moderna e atual. “Nosso objetivo não é fazer doutrinarismo nem fazer a cabeça de ninguém”, afirmou, para continuar: “Nosso objetivo é estimular vocês a pensarem pela própria cabeça e dar a vocês informação e instrumentos para que possam refletir sobre a nossa realidade, política, econômica e social, e a realidade de vocês”, disse ele.
O evento, que é coordenado pela psicóloga Maria Terezinha Carrara Lelis, é organizado com foco em trabalho em equipe, exercício de liderança e construção de relações de cooperação em ambientes competitivos. “Porque a política é muito competitiva e a gente não vai a lugar nenhum na política se não souber construir essa relação, exercer essa liderança e trabalhar em equipe”, reforçou Azedo. O evento teve transmissão ao vivo pelo site da FAP e página da instituição no Facebook.
Educação, recuo da indústria e poder religioso são destaques da Política Democrática Online de fevereiro
No editorial, revista da FAP se posiciona duramente contra massificação da mentira
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Defesa de sistema nacional de educação, recuo da produção industrial brasileira, a força do sincretismo religioso e do misticismo em Brasília e uma análise sobre o Oscar 2020 são os destaques da edição de fevereiro da revista mensal Política Democrática Online. Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), podem ser acessados gratuitamente no site e também são divulgados nas redes sociais da entidade.
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A revista chega à sua 16ª edição com o propósito de ser uma publicação de intervenção política e cidadã. O editorial faz dura crítica à massificação da mentira. Segundo o texto, “está em curso evidente campanha contra as instituições democráticas”, ressalta um trecho. “Cidadãos já foram convocados, nos últimos meses, a sair às ruas em protesto contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, supostamente tomados pela velha política, na trincheira da resistência aos propósitos ‘renovadores’ do Executivo”, lamenta.
Na entrevista especial da revista Política Democrática Online, o superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, afirma que o Brasil precisa avançar na construção de um sistema nacional de educação. Ele fala da necessidade de o país adotar uma Base Nacional Curricular Comum e do papel do instituto, que já conta com 35 anos de atuação em todo o país, entre outros assuntos.
Já o sincretismo religioso e o misticismo são abordados na reportagem especial, que mostra a força do poder espiritual em Brasília, além dos reflexos do aumento de evangélicos no país, inclusive no Congresso Nacional, e de pessoas que se consideram sem religião. “Aqui vem todo tipo de gente, cristão, espírita, católico, umbanda, ateu, agnóstico”, afirma o líder de um grupo que retrata a diversidade de manifestações religiosas na capital federal.
A revista Política Democrática Online também tem uma análise que mostra como o esquema anunciado pelo presidente norte-americano em 28 de janeiro último, após três anos de mandato e a dez meses das eleições presidenciais de 2020, decepcionou os que esperavam alguma sutileza política ou criatividade diplomática. “O governo Bolsonaro preferiu distanciar-se da maioria e manter a tendência de alinhamento integral a Donald Trump”, diz um trecho do artigo.
No campo da economia, outra análise se debruça sobre a produção da indústria brasileira, que, em 2019, recuou 1,1% na comparação com 2018, segundo informações divulgadas na primeira semana de fevereiro pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). “Os dados jogaram um balde de água fria nas expectativas de uma aceleração mais robusta do crescimento em 2020”, aponta o artigo publicado.
A publicação da FAP também mostra que obras do escritor e jornalista cubano Leonardo Padura, ganhador de diversos prêmios literários mundo afora, são leituras imperdíveis. Além disso, a crítica de cinema desta edição repercute a derrota do filme brasileiro Democracia em Vertigem no Oscar 2020 e as possíveis perspectivas para a maior competição de obras cinematográficas do mundo.
Todos os artigos da revista Política Democrática online são divulgados no site e nas redes sociais da FAP. O conselho editorial da publicação é composto por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.
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Cidadania critica declarações sexistas de Bolsonaro contra repórter da Folha de S. Paulo
O presidente do Cidadania, Roberto Freire, e os líderes do partido no Senado, Eliziane Gama, e na Câmara, Arnaldo Jardim, criticaram veementemente em nota pública (veja abaixo) as declarações misóginas e de cunho sexual do presidente da República, Jair Bolsonaro, contra a repórter do jornal Folha de S. Paulo, Patrícia Campos Mello.
“O desatino de um presidente
O presidente da República, Jair Bolsonaro, ao agredir com ironias grosseiras a jornalista Patrícia Campos Mello, hoje pela manhã, mais uma vez demonstra o seu desrespeito à liturgia do cargo, às mulheres, às famílias e aos direitos consagrados na Constituição de 1988, sem esquecer as recorrentes afrontas a imprensa livre do nosso país. Com sua atitude, rasga o senso e usa o mandato para alimentar o ódio e conflitos desnecessários entre os cidadãos.
Por estar no vértice do poder republicano, a presidência deve ser referência moral e comportamental para toda a sociedade e não trincheira ideológica para aprofundar desarmonias sociais, de gênero e de brasilidade.
Com a suas declarações, além do mais, o presidente confronta a luta histórica e a conquista de direitos pelas mulheres, afirmando posturas sexistas e misóginas, não mais toleráveis em nossa democracia.
As declarações desastradas do presidente tornam-se também condenáveis se levarmos em consideração que estamos às vésperas das comemorações do Dia Internacional da Mulher, no próximo 8 de março.
O Cidadania manifesta a sua solidariedade à jornalista vilipendiada a todas às mulheres e também a família brasileira.
Roberto Freire – Presidente do Cidadania
Eliziane Gama – Líder do Cidadania no Senado Federal
Arnaldo Jardim – Líder do Cidadania da Câmara dos Deputados“
Política Democrática || Reportagem Especial: Sincretismo religioso mostra força do poder espiritual de Brasília
Capital federal atrai famosos para rituais de consagração; misticismo se fortalece com várias opções na região
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Elas caminham com vestidos longos coloridos, seguram lanças com pontas afiadas e enchem de bijuterias braços e cabelos. Aos poucos, lotam o Templo do Vale do Amanhecer, que há 50 anos reúne centenas de médiuns em Planaltina, a 50 quilômetros do Congresso Nacional, em Brasília. As ninfas, como as mulheres são chamadas pela doutrina, entram nos rituais de consagração e mediunidade acompanhadas de parceiros, sempre uniformizados com calça marrom e camisa preta.
O Vale do Amanhecer mostra a força do sincretismo religioso na região de Brasília, que também se mantém como capital mística do Brasil. Todo esse movimento em torno da capital federal, segundo sociólogos e antropólogos, tem relação com o aumento do número de pessoas sem religião no país, que, em 2010, era equivalente a 8% da população. O dado é do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No Brasil, de acordo com levantamento realizado por cientistas britânicos, pelo menos um quarto das pessoas sem religião acredita em reencarnação e quase um terço, na existência de vida após a morte. O estudo é do programa Understanding Unbelief, segundo o qual não seguir alguma religião não significa que a pessoa não acredita em um Deus ou mais.
No Vale do Amanhecer, os fiéis se reúnem em torno da mediunidade, e, segundo eles, trabalhos de cura espiritual são realizados com frequência. A simbologia presente é sincretista. Jesus de Nazaré divide orações com Mãe Iara, do Rio Amazonas, e Iemanjá, das águas salgadas. O enredo principal da consagração se desenvolve a partir do Pai Seta Branca, reencarnação de São Francisco de Assis como cacique tupinambá e espírito líder da religião.
“Aqui vem todo tipo de gente, cristão, espírita, católico, umbanda, ateu, agnóstico”, afirma o presidente do Vale do Amanhecer, Raul Zelaya (72 anos), caçula de quatro filhos da sergipana Neiva Chaves Zelaya, conhecida como Tia Neiva, autodenominada clarividente. Antes de fundar a doutrina, cuja bandeira leva as palavras “humildade, tolerância e amor”, a líder trabalhou como caminhoneira na construção de Brasília, em 1957. Ela morreu em 1985, aos 60 anos.
A doutrina surgiu em 1959, com uma comunidade de espiritualistas, no Núcleo Bandeirante, fundada por Tia Neiva. Construído 10 anos depois, sob o Morro da Capelinha, em Planaltina, o templo-mãe do Vale do Amanhecer, como chamam seus seguidores, logo atraiu milhares de fiéis e curiosos, transformando-se também em ponto turístico. Na época, Tia Neiva passou a designar seguidores para erguer outros locais de cura espiritual.
Saiba mais
Hoje, segundo os dirigentes, existem quase 1.000 templos do Vale do Amanhecer, a maioria deles espalhada pelos 26 estados brasileiros, além do Distrito Federal. Outros países, como Estados Unidos, Suíça e Portugal, também têm unidades da doutrina construídas por seus seguidores.
O presidente do Vale do Amanhecer conta que atores globais, cantores e políticos frequentam o templo de Planaltina, assim como muitos estrangeiros, principalmente japoneses. Paola Oliveira, Miguel Falabella e Elba Ramalho estão entre os famosos que já visitaram o espaço. A reportagem apurou que, no início dos anos 1980, o então presidente do Brasil, João Baptista Figueiredo, também compareceu ao local, que, segundo os dirigentes, se mantém com a ajuda voluntária dos frequentadores e venda de uniformes da doutrina. Não há cobrança de dízimo.
Apesar de receber políticos, a direção do templo diz proibir qualquer tipo de campanha ou apoio declarado a um candidato ou partido. “Nosso templo é para o vencido e para o vencedor. Não existe comício aqui, nem defender candidato, nem pedir voto”, explica Raul.
Além disso, segundo o mestre João Nunes, a doutrina condena a prática do aborto. Em relação a casamento entre pessoas do mesmo sexo, ainda não tem uma posição claramente definida, apesar de nunca ter realizado uma cerimônia como essa. “Sabemos que, no nosso meio, tem vários homossexuais, assim como muitos heterossexuais, mas não estamos aqui para julgar”, afirma Nunes.
Além de reunir adultos e idosos em sua maioria, o Vale do Amanhecer também desenvolve ações de caridade em grupos de crianças, adolescentes e jovens. Por outro lado, de acordo com seus dirigentes, o Estado ainda não reconhece o local, oficialmente, como templo religioso e, por isso, deve pagar impostos.
Da busca por novas experiências a aumento de evangélicos
No Brasil, O aumento do número de pessoas sem religião é reflexo da busca por novas formas religiosas ou sincréticas, de acordo com o sociólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB) Eurico Antônio Gonzalez Cursino dos Santos. “Elas não são arrebanhadas por alguma forma religiosa tradicional, como catolicismo ou cristianismo evangélico, e, por isso, são muito levadas à experimentação religiosa”, explica o pesquisador.
Santos observa que Brasília sempre foi palco do que ele chama de “manifestação religiosa não regulada ou espontânea”. “Caracteriza-se por pouca doutrina e pouca regulagem institucional na vida das pessoas” afirma. Ele reforça que, na medida em que aumenta seu número, as pessoas sem religião não necessariamente adotam o ateísmo, mas buscam novas formas de experimentar a espiritualidade.
Não é só o número de pessoas sem religião que tem aumentado no país. Em 2022, se mantida a tendência atual de crescimento da quantidade de evangélicos, os católicos devem representar menos de metade da população brasileira. Desde os anos 1990, o catolicismo registra queda significativa no número de fiéis: em 2010, 64% dos brasileiros professavam a religião, contra os 91% registrados em 1970.
No ano 2000, 26,2 milhões de pessoas se declaravam evangélicas, o que representava 15,4% da população. Dez anos depois, esse número saltou para 42,3 milhões de pessoas, o equivalente a 22,2% dos brasileiros. Em 1991, os evangélicos somavam 9% e, em 1980, 6,6% da população brasileira. Todo esse movimento tem reflexo na política. A bancada evangélica hoje tem 91 parlamentares no Congresso Nacional.
VOCÊ SABIA?
As urnas reforçaram a bancada evangélica no Congresso Nacional. Para a Câmara dos Deputados foram eleitos 84 candidatos identificados com a crença evangélica – nove a mais do que na última legislatura. No Senado, os evangélicos eram três e, em 2019, serão sete parlamentares. No total, o grupo que tinha 78 integrantes ficará com 91 congressistas.
O levantamento é do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), com base nos dados disponíveis no portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2014, o Diap identificou 75 deputados seguidores da doutrina evangélica. Em 2010, a bancada tinha 73 representantes na Câmara.
Na avaliação do professor da UnB, o catolicismo lida bem com a secularização, conceito que descreve a perda da importância da religião nas posições de poder e socialização no mundo. “O protestantismo evangélico se incomoda muito com isso, já que está tomando espaço na política e quer governar o país em nome de Cristo”, afirma. “O processo de secularização, antes de tudo, se manifesta pelas leis, que tiram da religião o poder e vão colocando-o em instâncias, pessoas, instituições e crenças laicas. Hoje, a ciência que é a base”.
A análise sobre a expansão evangélica envolve comparações com o funcionamento da igreja católica, cujas relações com o que hoje é denominado Estado remontam à chegada dos portugueses em 1500, acompanhados de integrantes do clero, de acordo com a antropóloga Paula Montero, da Universidade de São Paulo (USP). Desde 2015, ela coordena projeto de pesquisa sobre o secularismo brasileiro.
Até o final do Império, eram os religiosos católicos os responsáveis por atividades de registro civil (nascimentos, casamentos e mortes) e pelo gerenciamento de boa parte das escolas, hospitais e cemitérios. Com o processo de secularização – separação oficial entre Igreja e Estado, a partir da Proclamação da República em 1889 e, mais especialmente, com a Constituição de 1891 –, escolas e cemitérios passaram a ser administrados por organizações públicas.
Nova mudança viria com a promulgação da Constituição Federal, em 1988. “Na ocasião, houve uma ruptura no entendimento da nação brasileira como sincrética e católica”, afirma Paula. Essa ruptura, explica ela, desencadeou um processo de valorização do pluralismo religioso, motivando diferentes doutrinas, entre elas a evangélica, a buscar formas de ampliar sua visibilidade na sociedade.
Objetos voadores fortalecem misticismo em Alto Paraíso
Diversas teorias tentam sustentar o suposto caráter místico de Brasília e região. "Sabemos de histórias de que a cidade foi construída na mesma disposição de pirâmides do Egito. A própria construção do local é muito mística, com alguns relatos de que Juscelino Kubitschek era maçom", diz o ufólogo João Silveira (55 anos), da Associação Brasileira de Ufologia.
De autoria da egiptóloga Iara Kern e do pesquisador Ernani Pimentel, o livro Brasília Secreta: Enigma do Antigo Egito, publicado pela Editora Pórtico, no ano 2000, mostra relatos curiosos sobre a construção da capital federal. O desenho e a disposição dos edifícios se assemelham a uma cidade egípcia erguida pelo faraó Akhenaton, casado com Nefertiti, rainha da 17ª Dinastia do Egito Antigo, em homenagem ao deus Aton.
Místicos transitam entre Brasília e Alto Paraíso, distantes a 240 quilômetros, devido ao interesse em ufologia, que se debruça no estudo de objetos voadores não identificados, os chamados óvnis. “Aqui, já vi objetos voadores descerem e pararem distante. Depois de um tempo, sumiram, de repente, para cima. Quem nunca viu não acredita, mas muitas pessoas que vivem aqui sabem disso”, afirma Silveira.
Pesquisador de óvnis, o morador de Brasília Augusto Rodrigues (57) afirma que a humanidade é dominada por uma elite alienígena metamórfica. De acordo com ele, o planeta Terra está sendo teleguiado por elites reptilianas: "É muita ingenuidade humana acreditar que estamos sozinhos no mundo. Existem forças maiores e vivas no universo, que dominam as elites política e econômica, para impor o que nós, pesquisadores, chamamos de Nova Ordem Mundial", acentua ele.
Moradora de Alto Paraíso, Antônia Augusta dos Anjos (37) diz que a cidade é marcada pela força do misticismo. Ela lembra que, em 2012, o município atraiu 15 mil pessoas, mais que o dobro da população local, para se prepararem para o fim do mundo. De acordo com o calendário maia, o dia 21 de dezembro daquele ano encerraria um ciclo de 5.125 anos e marcaria o fim do mundo, mas, para os místicos, a força dos cristais protegeria a cidade de qualquer profecia apocalíptica.
Em 1996, testemunhas disseram ter visto objeto estranho sobre a barragem do Lago Paranoá e tiraram fotos do fenômeno. A Entidade Brasileira de Estudos Extraterrestres (EBE-ET), localizada em Brasília, tem uma interpretação mais ampla da ufologia, já que, conforme explica, conjuga a ideia do desconhecido com estudo multidisciplinar, integrando física, astronomia, biologia, por exemplo.
Política Democrática || José Vicente Pimentel: O plano de Trump para o Oriente Médio
Esquema anunciado pelo presidente norte-americano em 28 de janeiro último, após três anos de mandato e a dez meses das eleições presidenciais de 2020, decepcionou os que esperavam alguma sutileza política ou criatividade diplomática
A questão da Palestina está na agenda internacional desde o Acordo de Sykes-Picaut de 1916. O primeiro plano de paz foi aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1947. Desde então, é comum ver os presidentes americanos envolverem-se diretamente nos problemas do Oriente Médio. As guerras de 1948, 1967 e 1973 entre árabes e israelenses, vencidas sempre por estes últimos, aumentaram a pressão para que os EUA se engajassem nas negociações de paz, por serem o único honest broker que as partes reconheciam como capaz de negociar soluções pacíficas para os conflitos.
A resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU (CSNU), aprovada após a Guerra dos Seis Dias, e reafirmada pela resolução 338, adotada após a Guerra do Yom Kipur, tornou-se um marco nas negociações. O texto preconiza a “retirada das forças armadas de Israel dos territórios ocupados durante o recente conflito”. Mas a delimitação desses territórios é foco até hoje de disputas. Para os palestinos, seriam suas a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, além de Jerusalém Oriental. Israel contesta os limites entre a Jordânia e a Cisjordânia e quer uma Jerusalém unificada sob seu controle. Há outros itens espinhosos, como a retirada israelense do sul do Líbano, os territórios ocupados e os assentamentos neles erguidos por Israel.
Esses temas permaneceram na pauta ao longo dos anos, gerando belos momentos diplomáticos, como os Acordos de Camp David, impulsionados por Jimmy Carter; os três pontos reconhecidos por Yasser Arafat em seus encontros com Ronald Reagan (reconhecimento de Israel, aceitação da resolução 242 e renúncia ao terrorismo); a primeira Conferência Internacional de Madri, organizada por George Bush pai, em 1991, que ensejou o histórico aperto de mão entre Arafat e Yizhak Rabin, e os Acordos de Oslo, impulsionados, em 1995, por Bill Clinton. Esses esforços criaram muita expectativa, a que se seguia desalento diante das intifadas de 1987 e 2000, bem como dos sucessivos assentamentos israelenses em territórios ocupados. Mas assim como a medicina não pode se abater ante a reincidência de um câncer, a diplomacia precisa encontrar nos insucessos motivação para renovar energias, buscar saídas e evitar o mal maior de uma ampliação do teatro de guerra. Nesse contexto, aguardava-se a contribuição de Donald Trump, aquele que ganhou as eleições autodeclarando-se “o grande negociador”.
O esquema anunciado por Trump em 28 de janeiro último, após três anos de mandato e a dez meses das eleições presidenciais de 2020, foi uma decepção para os que esperavam alguma sutileza política ou criatividade diplomática. O plano favorece Israel em todos os temas em disputa. Mediações anteriores haviam feito progressos na negociação de medidas para assegurar segurança na fronteira da Jordânia, a fim de que terroristas não atravessassem a Cisjordânia e ingressassem em território israelense. Trump resolveu a parada presenteando Israel com todo o Vale do Jordão. Dessa maneira, Jericó se transformaria num enclave, cercada por Israel por todos os lados. Os palestinos manteriam apenas 30% da Cisjordânia.
Por sua vez, a soberania sobre Jerusalém Oriental foi integralmente entregue a Israel, que passaria a ter inclusive direitos sobre o Monte do Templo, ou Haram al-Sharif, e sobre a mesquita de al-Aqsa. Como compensação, os árabes receberiam um centro turístico ao norte de Jerusalém e acesso, controlado por Israel, aos lugares santos.
O resto segue o padrão desequilibrado de um diktat, negociado pelo genro de Trump apenas com diplomatas israelenses, sem participação da Palestina. O caráter impositivo ficou patente na cerimônia de anúncio do plano, feita em conjunto por Trump e Benjamin Netanyahu, com a notória ausência de palestinos. Por isso, não causou surpresa que tenha sido de pronto rejeitado pela Liga Árabe e pelas principais Chancelarias mundo afora.
O Governo Bolsonaro preferiu distanciar-se da maioria e manter a tendência de alinhamento integral a Donald Trump, assim modificando mais uma posição tradicional da diplomacia brasileira. Vale lembrar, por exemplo, que o governo Geisel se posicionou a favor da retirada das tropas israelenses dos territórios árabes ocupados em seguida à guerra de 1967 e reconheceu o direito do povo palestino à autodeterminação e à independência. Militava em favor dessa postura equilibrada a importância concedida, desde os tempos do Barão do Rio Branco, à diplomacia multilateral; o reconhecimento de que o Oriente Médio é uma região importante para a manutenção da paz e para a estabilidade da economia mundiais e, ainda, em manifestação de respeito pela notável contribuição que as comunidades árabe e judaica deram e precisam continuar dando à harmonia da sociedade e ao progresso econômico do Brasil.
Política Democrática || Editorial: A massificação da mentira
Presenciamos, ao longo do primeiro ano do atual governo, o esforço cotidiano no sentido de normalizar o inaceitável e, consequentemente, estigmatizar os consensos anteriormente construídos em torno dos objetivos da República e dos procedimentos regulares que devem ser observados por todos os cidadãos. A cada dia, a ousadia de apoiadores do governo expande a fronteira do inusitado, sem encontrar, infelizmente, até o momento, resistência à altura por parte dos defensores da democracia.
Recentemente, o Congresso Nacional foi cenário de um episódio exemplar, revelador, ao mesmo tempo, dos objetivos dos propagandistas do autoritarismo e dos métodos por eles empregados. Na Comissão Parlamentar de Inquérito, constituída para investigar o uso intencional de notícias falsas nas campanhas eleitorais recentes, um dos suspeitos confessou as irregularidades, denunciando partidos e candidatos no atacado, com a exceção expressa dos vitoriosos na eleição de 2018. De quebra, acusou a repórter responsável pela investigação de parcialidade política, divulgação de mentiras, além da tentativa de obter informação em troca de favores sexuais.
Causa espanto que, em depoimento a representantes do povo, um investigado substitua explicações claras por acusações torpes contra a imprensa investigativa. Causa espanto maior o fato de esse investigado não ter sido objeto de detenção imediata para esclarecimento dessas acusações. Contudo, efetivamente estarrecedora foi a repercussão desses fatos nas redes sociais. Nelas brotaram aos milhares manifestações de apoio ao disseminador de fake news e de repúdio à jornalista e a seu jornal, grande parte das quais provenientes de perfis evidentemente falsos. Como se a resposta à investigação fosse a reincidência massiva e pública, em tempo real.
Está em curso evidente campanha contra as instituições democráticas. Cidadãos já foram convocados, nos últimos meses, a sair às ruas em protesto contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, supostamente tomados pela velha política, na trincheira da resistência aos propósitos “renovadores” do Executivo. A resposta foi pífia, mas, como as ruas não são ainda terreno fértil para as aventuras autoritárias, tenta-se nele espalhar adubo e água, pelos canais das redes sociais.
Contra o anonimato, contra a criação de falsos perfis, pelo reconhecimento da responsabilidade parcial, mesmo que por omissão, dos administradores das plataformas. A defesa intransigente da democracia exige a responsabilização imediata daqueles que produzem e fazem circular as mentiras na internet.
Política Democrática || André Amado: Leonardo Padura, um escritor recomendado
Obras do escritor e jornalista cubano Leonardo Padura, ganhador de diversos prêmios literários mundo afora, são leituras imperdíveis, recomenda André Amado
Leonardo Padura é um escritor e jornalista cubano que coleciona prêmios literários, só lhe faltando o Nobel. Ganhou projeção internacional com o lançamento de O homem que amava os cachorros (2008) e Hereges (2013). Como autor de romances policiais, centrou suas histórias na figura do tenente do departamento de polícia, Mario Conde.
Em O homem que amava os cachorros, Padura fabula a vida e morte de Leon Trotski, a partir de conversas entre um aspirante a escritor e um homem que costumava levar seus dois galgos a passear na praia em Havana. Em Hereges, o gancho é a viagem de um navio que transportava judeus evadidos do nazismo, em busca desesperada de acolhimento no porto que fosse, às vésperas da Segunda Guerra.
Na obra de 2008, o talento e arte do escritor cubano logram transformar a história em ficção, e a ficção em história. A trajetória de Trotski destaca grandeza e traições em meio a enfrentamentos abertos, primeiro com Lenine, pela fundação do regime bolchevique e, depois, com Stalin, que tudo faria para eliminar talvez seu último virtual competidor pelo poder no Kremlin, objetivo que, por fim, logra êxito. O livro cobre também a visão idealista de Trotski do movimento comunista, suas relações com líderes revolucionários, que teriam sorte igualmente trágica, seu exílio pela Europa e México, e até suas experiências amorosas, incluindo seu romance com Frida Kahlo.
Em Hereges, a pretexto de acompanhar a sorte dos judeus por alguns destinos forçados na Europa, Padura traça a influência marcante deles, em particular na Holanda, não resistindo a tornar Rembrandt um personagem natural da trama, tanto mais porque era dele a tela que desapareceria por décadas.
São leituras imperdíveis, de que muito aprendi e desfrutei. Mas, como leitor confesso de histórias de detetive, interessei-me desde cedo pelos textos de Padura no gênero. Não foi uma digressão irresponsável. Em Hereges, por exemplo, não fosse a assistência de Mario Conde, o neto de um passageiro do maldado navio não teria podido avançar na investigação do paradeiro de “O rosto de Cristo”, do pintor flamengo.
Mais do isso, no entanto, foi nos romances policiais que Padura afiou sua técnica, de um lado, de marcar a distância entre a realidade e a invenção do discurso com traços leves e, de outro, de desenhar com vista embaçada as sombras e as luzes da narrativa.
Assim é que o escritor não se contenta em apenas homenagear alguns de seus ilustres antecessores, como Dashiell Hammett, Raymond Chandler e Michael Connelly, ao caracterizar seu detetive com um solteirão empedernido, um solitário convicto, um tanto depressivo. Conde é tudo isso, mas os contornos do personagem ganham flexibilidade e complexidade.
Por que é solteirão? Teve, como muitos de seus colegas, aventura matrimonial desastrosa e concluiu preferir a companhia de prostitutas, isto é, mulheres que não pecam, apenas apreendem com a vida a sobreviver, aperfeiçoando maneiras de agradar os homens, mais para afirmar sua autonomia, sua independência, selecionando parceiros efêmeros e rotativos. A grande decepção de Conde foi descobrir que Karina o dispensara porque não era prostituta, mas casada e, pior: optava pelo marido, vale dizer um parceiro permanente[1].
Tal como a Paris de Allen Poe, a Londres de Conan Doyle e a Los Angeles de Chandler, Havana é o cenário insubstituível das histórias policiais de Padura. Só que Havana é uma metáfora de Cuba, e, considerando o sistema político vigente, nenhuma palavra é dita sobre as mazelas da ditadura, menos ainda sobre os Estados Unidos, cuja política de bloqueio econômico e comercial há anos vem asfixiando o desenvolvimento cubano. A única menção à política externa do país – e, ainda assim, muito indireta – envolve Magro, amigo de infância de Conde, um cadeirante por conta de ferimento a bala na guerra em Angola.
Cuba é apresentada por Padura como sua amante, cujas paisagens, elas, sim, contarão a decadência da sociedade, a degradação da paisagem urbana, as privações e a passividade indolente da população. Para compensar o silêncio político, é loquaz quanto a seus templos de devoção: a boêmia, os bares, os amigos, os lupanares, a música, o beisebol, a geografia.
Por isso, explora com carinho capítulos de seu dia a dia. Um prato delicioso é capaz de recuperar o prazer de Conde de viver, sobretudo se for “comida de pobre”, um ragoût, na boa tradição da bouilabaisse, cassoulet, paella, feijoada. Um velório não é fonte de morbidez: “O vento soprava do sul, transportando vapores de flores murchas e de óleo diesel queimado, eflúvios de mortes recentes e de mortes distantes, quando os carros e os ônibus paravam na alameda principal do cemitério” (op. cit., p. 196). Um suspeito numa investigação, de apelido Russo, se presta a uma referência cultural: “O cabelo louro, quase branco, corria em cascatas suaves sobre uma cabeça perfeitamente redonda e o rosto avermelhado de bebida de vodca. Com uma jaqueta de gola alta teria passado por Aliosha Karamazov” (op. cit., p. 152).
Padura diverte-se, também, em atribuir a personagens secundários a divulgação de episódios mais comprometedores da vida em Cuba. O comentário sai da boca de Magro: “Você não sabia que, quando foram pintar o pré, roubaram metade da tinta e, por isso, não deu para pintar as salas de dentro? Não lembra que ganhávamos todos os prêmios... na colheita de cana porque tínhamos um pistolão na usina de açúcar que nos atribuía arrobas que não eram nossas?” (op. cit., p. 126).
Ventos de Quaresma é tão rico em estética e tratamento literário que me esqueci de dizer que a trama do livro envolve a investigação de um crime de morte, indignante – uma jovem professora muito popular na escola. Desenrola-se como manda a figurino, com a marcha lenta do inquérito, a identificação do suspeito e a prisão do responsável. Mas o que fica no pós-leitura é o feitiço da narrativa e construções de Leonardo Padura.
[1] As referências a passagens de livros de Padura será sempre a Ventos de Quaresma (Companhia da Letras, 2008).
Política Democrática || Lilia Lustosa: Oscar 2020 - Cheiro de esperança no ar?
Apesar da ausência de ausência de mulheres e negros indicados nas categorias principais do Oscar 2020, Hollywood começa finalmente a abrir os olhos para o que acontece longe de seu umbigo e começa a se dar ao trabalho de ver filmes com legenda, avalia Lilia Lustosa
De todos os Oscares a que já assisti, creio que esse foi o que me deixou mais satisfeita, apesar da “derrota” brasileira (documentário Democracia em Vertigem, de Petra Costa) e da tão falada ausência de mulheres e negros indicados nas categorias principais. Uma falha grande da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas norte-americana, sem dúvida, mas que acabou surpreendendo pelo número de mulheres que subiram ao palco: Hildur Guonadóttir, trilha sonora; Jacqueline Durran, figurino; Nancy Haigh e Barbara Ling, direção de arte; Karen Rupert Toliver, curta de animação; Carol Dysinger e Elena Andreicheva, curta documentário etc. Uma prova de que a indústria cinematográfica já foi ocupada por elas. Com Oscar ou sem Oscar! O mesmo não pode ser dito, no entanto, dos negros, que tiveram participação ínfima na premiação deste ano, numa marca evidente de retrocesso em um campo já tantas vezes discutido e que, por algum tempo, tivemos a ilusão de ter avançado.
Ainda assim, diante do grande vencedor da noite – Parasita, do coreano Bong Joon-hoo –, terminei de assistir à cerimônia com a impressão de que Hollywood começa finalmente a abrir os olhos para o que acontece longe de seu umbigo… ou, como disse o próprio Joon-hoo no Globo de Ouro mês passado, começa a se dar ao trabalho de ver filmes com legenda!
A mudança vem sendo sutil. No ano passado, Roma (2018), do mexicano Alfonso Cuarón, falado em espanhol, já havia surpreendido ao ser indicado em 10 categorias, entre elas melhor filme estrangeiro e melhor filme, o que gerou certa polêmica. Spielberg chegou a se pronunciar, alegando que produções feitas para plataformas de streaming (no caso, a Netflix) não deveriam concorrer ao Oscar. Mas Roma acabou ficando com 3 prêmios importantes: melhor filme estrangeiro, melhor fotografia e melhor diretor, perdendo, porém, o prêmio maior da noite. Neste ano, a façanha se repetiu com o coreano Parasita que, indicado em 6 categorias, acabou sendo o grande vencedor, levando merecidamente 4 estatuetas – melhor roteiro original, melhor diretor, melhor filme internacional e melhor filme –, derrubando o favorito 1917, do inglês Sam Mendes, que, diga-se de passagem, é o clichê, do clichê, do clichê do filme de guerra hollywoodiano. 1917 foi premiado no que tinha de bom: diretor de fotografia, mixagem de som e efeitos visuais. Justo!
Outro sinal de mudança na Academia foi a sutil troca de nomes na categoria de filmes falados em língua estrangeira, que passou a se chamar “Melhor filme internacional”, e não mais “Melhor filme estrangeiro”. Ora, “estrangeiro”, além significar “cidadão de outra nação”, também pode ser entendido como alguém ou algo que não pertence, algo estranho àquele lugar. O que até então parecia ser de fato a norma em Hollywood. O que estaria por trás de tal mudança? Algum conluio político? Lobby empresarial? Uma mensagem para Trump em ano de eleições? Pode ser. Mas, independentemente disso, Parasita ganhou porque merecia, porque reunia todas as qualidades de uma grande obra cinematográfica (roteiro original, bela fotografia, primorosas montagem, direção, atuação, etc.). Ou seja, ganhou porque é bom, não porque é coreano! Porém, ao laurear um “estrangeiro” com seu prêmio máximo, os norte-americanos dão ares de finalmente estar entendendo que já não há mais espaço para fronteiras (nem muros) neste mundão de meu deus. Somos todos cidadãos de um mesmo planeta, com sofrimentos, angústias, alegrias e anseios semelhantes. A tendência, a meu ver, é que em breve o “internacional” saia de cena, deixando a categoria de “melhor filme” aberta a todas as nações. E quem sabe não surja a categoria “Melhor filme norte-americano” para premiar as produções locais, como já acontece em prêmios da importância de um BAFTA, maior premiação inglesa. Me parece muito mais apropriado a essa aldeia global em que vivemos.
Nos prêmios para atriz, ator e coadjuvantes, não houve muita surpresa. Joachin Phoenix e seu Coringa estavam imbatíveis; Renée Zellweger e sua Judy estavam em tão perfeita simbiose, que em nenhum momento lembrávamos de que um dia ela fora Bridget Jones… Brad Pitt também excelente no seu papel de dublê, aliás, um riquíssimo personagem criado pelo grande Tarantino. Laura Dern foi a única que não me convenceu! Achei sua interpretação exagerada, beirando o caricato, o que não combina em nada com o estilo do excelente e sensato História de um Casamento, de Noah Baumbach. Sua parceira de cena, Scarlett Johansson, duplamente indicada em 2020 (melhor atriz e melhor atriz coadjuvante), poderia ter ficado com esse prêmio por seu extraordinário desempenho no belo e original Jojo Rabbit, de Taika Waititi.
Triste foi ver O Irlandês, com tantas nomeações (10, no total), sair de mãos vazias. Dificilmente veremos um elenco de tamanho peso reunido em outro filme dirigido por um mestre do porte de Scorsese. Seria esse um outro sinal de que Hollywood está querendo se abrir para o novo? Ou seria esta não-premiação às produções Netflix uma outra mensagem da indústria do cinema para as plataformas de streaming? De toda maneira, a duração exagerada do filme (3 horas e meia) deve ter contribuído para essa derrota. Fora, claro, o excelente nível dos competidores.
Para muitos brasileiros, a grande decepção foi mesmo termos voltado para casa sem a estatueta de melhor documentário. O vencedor foi Indústria Americana, de Julia e Jeff Reichert, produzido por ninguém mais, ninguém menos do que o casal Obama. Um sobrenome de peso que certamente ajudou muito o filme a se sair vitorioso, sobretudo em ano de eleições. Sinal de enfraquecimento de Trump? Talvez. Mas, deixando outra vez a política de lado, o filme não deixa por isso de ser merecedor do prêmio recebido. Com uma produção impecável, Indústria Americana é muito bem filmado e montado, narrando um problema pra lá de atual, que afeta trabalhadores do mundo inteiro: a desumanização das empresas, a redução no número de empregos ofertados, a ambição desenfreada dos empregadores, o enfraquecimento dos sindicatos, a luta pelos direitos trabalhistas etc. Tudo isso mostrando ainda o choque cultural entre China e EUA. Um prato cheio para a OIT (Organização Internacional do Trabalho), que poderá usá-lo como inspiração para o desenvolvimento de projetos vindouros.
Nosso Democracia em Vertigem, por sua vez, apesar de tratar de um tema que também está na ordem do dia, é um filme bem mais pessoal, narrado em primeira pessoa, contando a história de nossa jovem democracia, desde o fim da ditadura militar até os dias de hoje, já na era Bolsonaro. Uma história que se confunde com a própria história de vida da diretora Petra Costa, nascida em 1983, o que não diminui em nada o valor do filme. Ao contrário, o fortalece, tornando-o mais próximo de nós e talvez, por isso mesmo, mais verdadeiro. Vide o também indicado Para Sama, documentário sírio belíssimo, extremamente duro de ver, em que a diretora Waad Al-Kateab faz uma espécie de diário para sua filha Sama, que nasceu em meio a bombas, mortes e ruínas, contando a história de sua vida em pleno cerco à cidade de Alepo. Filme de um realismo assustador, mas que tem, ao mesmo tempo, a delicadeza e a grandeza de um amor de mãe.
Democracia em Vertigem perde um pouco da força na hora em que toma partido pela versão do “golpe” contra a presidente Dilma, já mais para seu final. Talvez um final aberto, que deixasse ao espectador o trabalho (e o direito) de tirar suas próprias conclusões sobre a História, teria fortalecido a narrativa de Petra. Um dos grandes trunfos de Parasita, aliás! Mas, claro, não há obra de arte sem viés, sem subjetividade, afinal ela está no cerne de tudo que fazemos, dizemos ou escrevemos. No entanto, ao tomar partido, assumimos o risco da crítica dos contrários. E isso tem um preço!
Apesar de Para Sama ter-me tocado mais, torci muito para nosso cinema brasileiro sair premiado. Seria mais uma prova de nossa força criativa, como foram os prêmios dados a Bacurau e A Vida Invisível de Eurídice Gusmão em Cannes no ano passado. Ao mesmo tempo, acredito que estar ali, em pé de igualdade com os gigantes da indústria cinematográfica, já seja por si só um prêmio! Um lembrar que nós fazemos parte do mapa geográfico do cinema, e não mais como os bons selvagens colonizados de outrora, mas como uma nação que luta, que acerta, que erra e sofre para erguer sua cinematografia, sua arte e para consolidar sua democracia. Sim, definitivamente há cheiro de esperança no ar…
Revista Política Democrática || Entrevista Especial: 'Precisamos avançar na construção de um sistema nacional de educação', avalia Ricardo Henriques
Para o superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, se o ensino for de qualidade e equânime, os estudantes brasileiros estarão aprendendo a aprender, arquivando-se o registro do ensino enciclopédico, da memorização, da decoreba
Por Caetano Araújo e Cleomar Almeida
“Precisamos, ainda, avançar muito na construção de um sistema nacional de educação. Avançamos numa definição genérica de um regime de colaboração, só que não logramos transformar isso num sistema nacional, com responsabilidades compartilhadas em todas as instâncias – federal, estadual e municipal”, avalia Ricardo Henriques, economista e superintendente executivo do Instituto Unibanco, na entrevista que concedeu à Revista Política Democrática Online, em sua 16ª edição
“Acumulamos ao longo de nossa história, sobretudo pós-Constituinte, uma visão, por um lado, e uma prática, por outro, de que o compartilhamento da responsabilidade sobre a educação básica entre os entes da Federação fortalece a chance de uma agenda consistente a serviço das crianças e dos jovens no Brasil”, complementa Henriques.
Ricardo Henriques possui uma longa carreira na área da educação. Foi secretário nacional de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) do Ministério da Educação e secretário executivo do Ministério de Desenvolvimento Social, quando coordenou o desenho e a implantação inicial do programa Bolsa Família. É membro do Conselho de Administração do Todos pela Educação, Anistia Internacional, GIFE, Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Instituto Sou da Paz e do Instituto Natura.
Nesta entrevista, Ricardo Henriques fala da necessidade de o país adotar uma Base Nacional Curricular Comum e do papel do Instituto Unibanco, que já conta com 35 anos de atuação em todo o país, entre outros assuntos.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Revista Política Democrática Online (RPD): Por que uma instituição como o Itaú, vocacionada a trabalhar com a parcela mais afortunada da sociedade, se interessa pela educação de jovens?
Ricardo Henriques (RH): A questão remete a uma visão estratégica do que é responsabilidade pública na sociedade contemporânea, do que é o espaço público. Hoje, não é mais um espaço estritamente governamental. É um espaço que propicia a interação entre os responsáveis pela função pública e a sociedade civil organizada, os movimentos sociais, o setor privado e o mundo fundacional. A sociedade brasileira, diante de seu desafio de enfrentar a desigualdade, solicita esse tipo de engajamento. A questão de fundo é que esse espaço público compartilhado torna consistente uma opção do mundo fundacional privado, para se comprometer, de forma categórica, com a produção dos bens públicos.
A partir daí, temos o Instituto Unibanco, que existe há 35 anos, e trabalha há mais de uma década em cooperar com o poder público no âmbito da garantia de direitos, com foco na melhoria de aprendizagem dos estudantes do ensino médio, sua permanência na escola e redução da desigualdade de aprendizagem.
Este é o foco prioritário que elegemos: trabalhar com a gestão da educação. Atuamos baseados em três pilares: foco no estudante, corresponsabilização entre as instâncias, ou seja, secretarias regionais de ensino atuando com a prática; planejar, executar, avaliar, corrigir rotas com a aprendizagem e troca de experiências.
RPD: Como você acaba de indicar, o Instituto privilegia parcerias com os governos estaduais. De seu ponto de vista, a política de educação no Brasil deve ser projeto a partir da esfera estadual ou, mesmo, municipal, e não do governo federal?
RH: Acumulamos ao longo de nossa história, sobretudo pós-constituinte, uma visão, por um lado, e uma prática, por outro, de que o compartilhamento da responsabilidade sobre a educação básica entre os entes da federação fortalece a chance de uma agenda consistente a serviço das crianças e dos jovens no Brasil. Precisamos, ainda, avançar muito na construção de um sistema nacional de educação. Avançamos numa definição genérica de um regime de colaboração, só que não logramos transformar isso num sistema nacional, com responsabilidades compartilhadas em todas as instâncias.
O Ministério da Educação deveria ter muito mais força, poder e exercício de função reguladora, de controle de qualidade, de certificação, de garantia de que o pacto federativo funcione a contento, isto é, que a interação entre estados e municípios se aperfeiçoe. Ao Ministério da Educação, cabe regular essa interação, critérios de qualidade e a universalidade da educação, com o que seria possível aumentar a mobilidade educacional, desde a primeira infância até o ensino médio. A preocupação obsessiva deve ser com o desenvolvimento integral dos estudantes, mantendo-os na escola e garantindo que eles aprendam em igualdade de condições. À semelhança do sistema nacional de saúde, seria implantado um sistema nacional de educação, distribuindo-se as atribuições pelas três instâncias – federal, estadual e municipal.
RPD: O Instituto prega a adoção de uma base nacional curricular comum, que já foi aprovada, aliás. Como isso é possível em um país como o Brasil, com tantas disparidades regionais e sociais?
RH: Sem dúvida, é um desafio, e o primeiro degrau nesse sentido seria entender o valor de uma Base Nacional Comum Curricular. Ela será responsável, como ocorre em outras partes do mundo, por definir as expectativas de aprendizagem para todos os estudantes ao longo do ciclo escolar obrigatório, de 12 anos. Defendo o que, na literatura, se chamam as competências necessárias para cada estudante desenvolver ao longo de sua vida e as habilidades associadas a isso. Nisso está embutida a ideia de que, se o ensino for de qualidade e equânime, os estudantes estarão aprendendo a aprender, arquivando-se o registro do ensino enciclopédico, da memorização.
Definidos esses parâmetros da política educacional, podemos começar a estruturar os currículos dos estados e municípios. Depois tenho de desenhar as medidas de avaliação, capazes de captar esse desenvolvimento do ponto de vista das competências e habilidades a partir da base. Hoje ocorre exatamente o contrário. Defino uma prova como o ENEM e organizo todo o sistema de ensino em função disso. É o cachorro que abana o rabo ou o rabo que abana o cachorro? O que acredito é que a base deve criar os incentivos corretos para que as avaliações se deem conforme aquilo que é esperado que se aprenda. Vou aferir se isso acontece ou não e, se for o caso, introduzir as correções.
A segunda questão, como variável principal em um processo de ensino de aprendizagem, é como se dá a relação entre professor e aluno.
É fundamental ter nesse grande sistema de ensino professores com condição de trabalho e qualificação técnica adequadas às altas expectativas de aprendizagem dos estudantes. Daí a importância de um forte investimento na formação inicial da nova geração de professores, nas universidades públicas e privadas. Isso está associado tanto às competências técnicas para esse professor, do ponto de vista dos conteúdos específicos, como a práticas e técnicas didáticas mais contemporâneas, que saiam da armadilha da disciplina, reconheçam a densidade das disciplinas e favoreçam projetos, de forma a envolver os estudantes e levá-los a se encantar com o ato de aprender.
É preciso uma formação adequada para isso. Sem esquecer a geração que já está em serviço e que vai ficar muitos anos lecionando. Ela também deve receber o devido treinamento na sua capacitação profissional.
Trata-se de uma base que calça um sistema integrado de formação e valorização de professores. Há uma clara dimensão ético-política, que tem a ver com altas expectativas sobre esses profissionais e suas relações com os estudantes e, em última instância, a garantia de direitos; e há, também, uma dimensão técnico-pedagógica, de desenvolvimento da capacidade de ensinar bem e para todos.
O bom professor não dará a aula que quer dar; dará a que é necessário dar. A aula de hoje poderá ter conteúdos distintos da aula de ontem ou da de amanhã, em função das configurações próprias de cada turma, seja pelo número de alunos, grau de história sócioemocional, econômica, de conteúdos associados àquela disciplina, elementos que solicitam técnicas didáticas também diferenciadas, e os professores devem se adequar.
A formação tem de ser dedicada simultaneamente a essas duas dimensões. A Base Nacional Curricular Comum haverá de viabilizar o parâmetro nacional com que os professores, tanto os ativos das redes de ensino básico, como os que forem ensinar nas universidades, poderão contar como referência da formação escolar dos alunos.
RPD: Nessas parcerias, o que o Instituto oferece às secretarias estaduais?
RH: Focamos em três elementos: o desenvolvimento integral e pleno do estudante; a necessidade de coerência entre os níveis de intervenção, ou seja, secretarias regionais de ensino e a escola; e a ideia de aprender com a prática.
A parceria se move, então, a partir de uma visão contemporânea de gestão, gestão do sistema educacional e gestão da escola, da sala de aula, e está totalmente dedicada àqueles três pilares. Nas parcerias, produz-se o saber na prática cotidiana dessa visão mais contemporânea de gestão, a serviço da qualidade da educação.
Essa agenda envolve várias ações: a formação das equipes e profissionais de educação; a governança – reuniões entre a secretaria e o Instituto Unibanco; a assessoria técnica – equipe do Instituto atuando junto às equipes técnicas das secretarias; o sistema de dados – tecnologia que apoia as instâncias com dados e informações sobre os planos de ação, monitoramento e resultados; e a comunicação que mobiliza todo esse contingente de pessoas que todos os dias acordam para trabalhar pelos nossos jovens. O objetivo é instituir, na rotina da escola até a secretaria, aquilo que chamamos de “circuito de gestão”. Por exemplo, o planejamento se dá na escola a partir de protocolos que ajudam a viabilizar planos de ação que levem em conta técnicas de planejamento adaptadas à cada realidade. Cada escola tem seu plano de ação. As instâncias regionais têm um plano de ação para quem estiver sob sua responsabilidade, e a secretaria, um plano de ação integrado.
Definido o plano de ação, o Instituto entra no circuito, para articular-se com a secretaria, na etapa de execução. O monitoramento é conduzido por um supervisor – funcionário da secretaria – que acompanha cada escola, até um conjunto de seis. Esse acompanhamento – gerido por reuniões semanais ou quinzenais – gera avaliações sobre o funcionamento do sistema, que posteriormente viram troca de práticas entre os diretores da escola, entre os coordenadores pedagógicos, técnicos das secretarias e/ou na correção de rotas. Mas o foco será sempre o estudante.
O “circuito de gestão” opera com sentido de urgência e privilegia os horizontes de inclusão e aprendizagem; para isso, ocorre três vezes no ano: garantindo resultados antes da evasão escolar, da reprovação ou do aumento da desigualdade de oportunidades.
RPD: Raramente se ouve falar de ensino profissionalizante como meio para fazer ingressar contingentes crescentes de mão de obra no mercado de trabalho e contribuir, assim, para a elevação da competitividade do setor produtivo. O que o Instituto pensa a respeito?
RH: Infelizmente, ao longo da história, o Brasil investiu pouco no ensino técnico-profissionalizante. Não podemos esquecer que, de cada 100 crianças que entram no primeiro ano do ensino fundamental, somente 65 concluem o ensino médio; é um arranjo absolutamente perverso da sociedade, que abre mão de 35% da população infantil.
O mais grave é: o que os que concluíram o curso, os mencionados 65%, aprenderam? Qual é a qualidade e qual o significado do que aprenderam? A resposta está em que, destes 65%, cerca de 20% chegam à universidade. E os outros? Só se sabe que esses não concluíram sequer o ensino médio – em si um desastre absoluto –, não foram para a universidade e, tampouco, tiveram a oportunidade de uma formação técnico-profissionalizante.
Quando mencionei um sistema nacional de educação integrado, referia-me a uma visão estratégica que tivesse a noção de desenvolvimento pleno e integral dos estudantes, o que não acontece apenas pelo caminho propedêutico, acadêmico. Todos têm o direito de acessar a universidade, é um direito de garantia da cidadania, que tem de ser universal.
O valor das altas expectativas de aprendizagem para todos abrange tanto o ensino técnico vocacional, como o técnico-profissionalizante de qualidade. Vários países, além dos 12 anos obrigatórios, oferecem trajetórias técnico-profissionalizantes que se desdobram para pessoas com inserção no mercado de trabalho, preparando-as também para, se o desejarem mais tarde, cursar o pós-médio, o técnico na universidade e, depois, o universitário e, até mesmo, o pós-universitário.
O ensino técnico que habilitará à inserção no mercado de trabalho não inviabiliza, portanto, futura requalificação acadêmica. Tanto mais porque, na sociedade do conhecimento, no umbral da quarta revolução industrial, o aprendizado no ensino técnico ainda será insuficiente para uma inserção digna e dinâmica do ciclo de vida do cidadão.
Em outras palavras: a reconfiguração da sociedade do conhecimento tem início, forçosamente, na educação básica; precisa ser complementada, porém, pelo saber em esferas superiores, isto é, no nível universitário ou pós-universitário. Temos de criar condições para atingir esse objetivo. O desafio é gigantesco, mas não há opção se quisermos superar nosso atraso em relação a tantos outros países, inclusive no grupo dos emergentes.
PRD: O Instituto assina convênios de parcerias com todas as unidades da Federação? Já se podem identificar histórias de sucesso nessas parcerias?
RH: Temos, atualmente, parceria com seis redes estaduais – Ceará, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Piauí e Rio Grande do Norte. Buscamos desenvolver soluções que gerem resultados concretos e sustentáveis pelos próprios Estados parceiros, sem transferência de recursos financeiros entre o Estado e o Instituto Unibanco.
Na parceria são investidos recursos relevantes nossos, sem o uso de leis de incentivo, e também próprios do sistema público de ensino.
Ao longo de 11 anos de nossas parcerias, fizemos avaliação de impacto, tal como o definiu o último prêmio Nobel de economia. Ou seja, uma avaliação de impacto em que, no início do programa, se faz um pareamento, escolhem-se escolas equivalentes, do ponto de vista educacional e socioeconômico, e sorteiam-se as que vão começar no projeto. Ao cabo de três anos, mantém-se um grupo dentro do projeto, e outro grupo fora do projeto. Depois, no quarto ano, todo mundo entra, e aí ficamos mais cinco anos no Estado. São oito anos de parceria.
A avaliação de impacto traz os seguintes grandes resultados: no quesito resultado de aprendizagem, os estudantes, após os três anos do programa, aprenderam 35% a mais do que os outros alunos de Língua Portuguesa. E, em matemática, o incremento foi de 40%.
Além disso, o programa reduziu o número de estudantes que estavam em nível muito crítico de aprendizagem e contribuiu para que dez mil estudantes, que se estimava fossem evadir-se em 2017, não se evadissem. Em síntese, o programa registrou aumento significativo de aprendizagem, redução de evasão e, portanto, redução de desigualdade na aprendizagem.
Em 2017, segundo dados da avaliação externa do Ministério da Educação – o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) –, entre os Estados da Federação, Goiás foi o primeiro do ranking no ensino médio; o segundo lugar foi o Espírito Santo; e o quarto lugar, o Ceará. O terceiro lugar do ranking ficou com Pernambuco, que adotara estratégia semelhante à nossa, de gestão orientada para resultado de aprendizagem.
É interessante destacar que nenhum dos Estados mencionados está entre os mais ricos da Federação. Mas o programa de parcerias do Instituto logrou demonstrar que o padrão de desigualdade que nós temos hoje, e a estagnação do ensino médio, quando submetidos a uma estratégia de gestão preocupada e dedicada empiricamente à garantia do direito à educação, são reduzidos por resultados intensos e rápidos.