cidadania

‘Bolsonarismo ultrapassa clã presidencial’, analisa Marco Aurélio Nogueira

Em artigo na revista Política Democrática Online, cientista política aponta Bolsonaro transmite ‘mensagem de guerra’

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

 O cientista político Marco Aurélio Nogueira, professora da Unesp (Universidade Estadual Paulista), critica a falta de postura de Jair Bolsonaro condizente para o cargo que ocupa. “Do presidente, não parte qualquer mensagem de apaziguamento e serenidade, fatores estratégicos para que se possa ter sucesso no enfrentamento da epidemia [do coronavírus]”, escreveu, em artigo produzido para a nova edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira). “Bolsonarismo ultrapassa o clã presidencial”, afirma, em outro trecho.

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Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados de graça no site da entidade. De acordo com cientista político, o presidente só se preocupa em mobilizar o seu próprio clã. “O presidente fala, e a malta enlouquecida que o segue reverbera imediatamente, em alto som. É uma mensagem de guerra, não contra o vírus, mas contra os que são considerados adversários do bolsonarismo”, critica.

De acordo com Nogueira, Bolsonaro não pede paz, mas atrito, conflito, ajustes de contas. “Junto vem um cálculo eleitoral rasteiro, balizado por aquele medo pânico de que o vírus estrague os planos e congestione a estrada do poder”, lamenta. “Os olhos esbugalhados apontam para 2022, e tudo é feito para que os fatos duros da vida se enquadrem naquilo que se deseja reproduzir politicamente. É o império de uma fantasia mesquinha”, afirma.

Na avaliação do professor da Unesp, conforme artigo publicado na revista Política Democrática Online, outra articulação, benéfica, mas mais complexa, envolve prefeitos e governadores, que lidam diretamente com comunidades, bairros, pessoas de carne e osso, vida concreta. “Pregam o confinamento porque sabem que, sem ele, os sistemas estaduais e locais entrarão em colapso. Tornaram-se agentes decisivos do combate à crise sanitária. Demarcam novo espaço na política nacional”, observa.

Nogueira destaca que “o bolsonarismo ultrapassa o clã presidencial”. “Ele é sobretudo um estado de espírito. Não é ‘antipetista’, mas antidemocrático, segue um patriotismo tosco e cego, liberando pelos poros aquilo que tem sido chamado de ‘olavismo’, uma gosma venenosa hostil à comunidade política, à vida democrática”, analisa o professor da Unesp.

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‘Partidos políticos estão muito oligarquizados’, afirma historiador Alberto Aggio

Professor da Unesp, que também é diretor da FAP, destacou importância da ‘cultura política’

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“Os partidos políticos estão muito oligarquizados. É preciso democratizar os partidos. As estruturas e instituições públicas precisam de uma renovação, já que estão dominadas pelo corporativismo e privilégios”, avalia o historiador e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Alberto Aggio. Ele abordou o assunto ao explicar progressismo e liberalismo, conforme mostra série de divulgação de vídeos da retrospectiva do IV Encontro de Jovens Lideranças, realizado pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em janeiro.

No oitavo vídeo da série da retrospectiva, Aggio, que também é diretor da FAP, aparece no debate ao lado do cientista político e cofundador do Movimento Agora, Leandro Machado, e do sociólogo e também diretor da FAP, Caetano Araújo, que mediou a discussão. Ao abordar o assunto, o historiador citou diversos pensadores liberais e liberais progressistas.

» Confira o vídeo abaixo ou clique aqui!

https://www.youtube.com/watch?v=AmtxhP0SZx4&t=449s

De acordo com Aggio, defensor da esquerda democrática, redemocratizar a democracia vai abrir espaço para os movimentos mais recentes que ocorreram em vários lugares do mundo, como Madri (Espanha), Nova Iorque (Estados Unidos), Paris (França) e São Paulo (Brasil).

Aggio explicou que uma das linhas do liberalismo busca visão mais progressista da política e uma visão mais democrática da democracia. “Autores liberais são expressões do mal-estar e do descontentamento contra o engessamento da democracia e o neoliberalismo. Nos EUA, por exemplo, a corrente chama-se libertarismo.

O palestrante também destacou a importância de os participantes do evento terem cultura política. “Cultura política dá sustentação a quem faz política. Se não tiver cultura política, pode até ter voto, mas nós aqui estamos olhando o horizonte, não estamos olhando a esquina. Esse curso da FAP serve para olhar o horizonte”, afirmou.

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‘É urgente enfrentar escalada autoritária de Bolsonaro’, diz editorial da Política Democrática

Revista da FAP afirma que presidente investe simultaneamente contra a democracia e a ciência

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

É urgente enfrentar e derrotar a “escalada autoritária” do governo de Jair Bolsonaro, de acordo com editorial da nova edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. “Essa tarefa exige a ação firme das instituições e o diálogo e a cooperação entre todas as forças democráticas, na União, nos Estados e nos Municípios”, diz um trecho do texto. Internautas podem acessar, gratuitamente, todos os conteúdos da publicação no site da entidade.

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De acordo com o editorial, Câmara dos Deputados, Senado Federal e Supremo Tribunal Federal devem acordar uma reação articulada aos desatinos do Presidente. “Regras relativas à identificação e responsabilização de produtores e divulgadores de falsidades nas redes devem se aprovadas e aplicadas”, afirma, para continuar: “Lidar com as ruas, por sua vez, é tarefa dos governadores, dos legislativos estaduais, do Judiciário e do Ministério Público nos Estados”.

O editorial da revista Política Democrática Online lembra que Bolsonaro compareceu, neste mês de abril, a uma manifestação convocada nas sombras de seu governo, endossou com sua presença as consignas autoritárias das faixas e cartazes ali levantados e prometeu a mudança radical no rumo de um novo e puro país. “Tudo para desmentir, no dia seguinte, qualquer intenção golpista. Se o roteiro é sempre o mesmo, pois se trata, afinal, de fazer retroceder as fronteiras do inaceitável, a ousadia dos atores é crescente”, analisa.

A cruzada de Bolsonaro, segundo o editorial, investe simultaneamente contra a democracia e a ciência. “Parece ter como premissa a incapacidade de os brasileiros estabelecerem relações de causa e consequência, tanto para prever o futuro, quanto para avaliar o passado”, diz um trecho. “É certo que há concidadãos, letrados inclusive, que relutam a perceber que nossa situação hoje é em tudo similar à de outros países, semanas antes de mergulharem no abismo”.

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Conselho Curador da FAP aprova prestação de contas e defende frente democrática

Frente democrática é alternativa à tensão e polarização políticas no país, conclui Colegiado da FAP durante reunião online

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O Conselho Curador da FAP (Fundação Astrojildo Pereira) aprovou, neste sábado (25), a prestação de contas da entidade relativas ao ano de 2019, por unanimidade, e discutiu a conjuntura política do Brasil com sugestões para o fortalecimento da democracia. Pela primeira vez, o colegiado realizou reunião online, por meio de uma sala virtual com acesso exclusivo aos conselheiros, por causa da orientação da OMS (Organização Mundial da Saúde) de manter o isolamento social em meio à pandemia do coronavírus.

O presidente do Conselho Curador da FAP, Cristovam Buarque, parabenizou a iniciativa da diretoria da fundação de realizar a reunião virtual e manter o compromisso com a prestação de contas. Ele lembrou que, enquanto atuou como senador, apresentou a proposta no Parlamento para que possibilitasse a participação virtual de senadores em discussões e votações, mesmo que estivessem em outros compromissos nos seus respectivos Estados.

O diretor-geral da FAP, Luiz Carlos Azedo, destacou as ações da fundação em defesa dos valores democráticos e republicanos. Segundo ele, a instituição tem se empenhado cada vez mais para atuar da melhor forma possível e levar resultado de qualidade à sociedade, por meio dos eventos, publicações e do curso de formação política Jornada da Cidadania.

» Confira como foi a Reunião do Conselho Curador da FAP no vídeo abaixo ou clique aqui.

https://youtu.be/65dJ8PhTLwQ

 

Investimentos

Em sua apresentação, o diretor financeiro Ciro Gondim Leichsenring detalhou todos os investimentos da fundação no ano passado, na ordem de R$ 584,1 mil, para a realização do IV Encontro de Jovens, dos Seminários Desafios da Democracia e Cidades Inteligentes, além de outros eventos. Todas as iniciativas tiveram a participação de importantes pesquisadores, professores de universidades e grandes nomes do mercado.

Leichsenring também destacou a grande importância das publicações da FAP, como as revistas Política Democrática online e impressa, as quais, segundo ele, colaboram muito para o pensamento crítico da sociedade. “São publicações importantes porque levam conteúdos de muita qualidade para o público”, disse.

No total, em 2019, R$ 636,4 mil foram investidos em publicações, edições e lançamentos de livros, produção de teatro e filme, em ações de comunicação digital e no planejamento da Jornada da Cidadania. O curso de formação política é realizado pela FAP, por meio de uma plataforma online, interativa e com acesso gratuito aos alunos matriculados.

Frente democrática

Durante a reunião, os conselheiros demonstraram preocupação com o atual momento político do país. Eles apresentaram propostas, como a necessidade de se fazer uma ampla frente democrática em defesa da democracia, da Constituição e da independência entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

A discussão partiu de um texto produzido pelo conselheiro Paulo Fábio Dantas Neto, escrito inicialmente para analisar os principais fatos políticos das últimas semanas, como a exoneração do então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, mesmo durante a epidemia do coronavírus. Durante a reunião, o autor atualizou o texto, incluindo no debate o caso do ex-juiz Sérgio Moro, que, nesta sexta-feira (24), pediu exoneração do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

» Paulo Fábio Dantas Neto: Notas sobre a conjuntura e o depois – abril 2020

Conforme lembra o sociólogo e diretor executivo da FAP Caetano Araújo, o colegiado também considerou a questão da pandemia, que, conforme discutido, trouxe à tona a necessidade de solidariedade e a importância de implementá-la, principalmente, na saúde pública. “Isso era algo que já existia na sociedade, mas que a pandemia escancarou ainda mais”, afirmou ele.

Além disso, o conselho curador também sugeriu a necessidade de pôr fim à lógica da polarização, substituindo-a pela cooperação. “Isso não é esquecer divergências, mas trabalhar consensos e deixar claros os pontos que são dissenso, outra linguagem da política, diferente da que tem predominado no Brasil, nos últimos cinco ano, que é a da polarização”, disse Caetano.


Política Democrática: Tragédias do coronavírus e do governo Bolsonaro são destaques

Em editorial, revista da FAP alerta para ‘escalada autoritária’ no país, que, conforme destaca, deve ser enfrentada com urgência

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

A catástrofe provocada pelo coronavírus na saúde pública global e a bomba-relógio que pressiona cientistas a descobrirem vacina para salvar milhares de vidas, a tragédia do governo Bolsonaro e o estresse da democracia são os principais assuntos da nova edição da revista Política Democrática Online, lançada nesta sexta-feira (24). Produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília, a publicação tem acesso gratuito no site da entidade e contempla análises relevantes, atuais e de grande interesse público.

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No editorial, a revista faz duras críticas ao que chama de “escalada autoritária” do governo de Bolsonaro. “É urgente enfrentar e derrotar essa escalada”, alerta a publicação. “Essa tarefa exige a ação firme das instituições e o diálogo e a cooperação entre todas as forças democráticas, na União, nos Estados e nos Municípios”, continua, em um trecho.

Em entrevista exclusiva, o destaque desta edição da revista Política Democrática Online, o médico infectologista do Hospital Albert Einstein (SP), Helio Bacha, diz ser impensável encerrar no momento o isolamento social no Brasil. De acordo com ele, o padrão mundial para saber quais podem ser os efeitos devastadores da pandemia em nosso país é a Itália. “O aprendizado para o mundo, de como se comportava o vírus, veio fundamentalmente da Itália”, afirma.

A reportagem especial destaca a grande corrida pelo mundo atrás de uma vacina contra o coronavírus. O texto destaca que mais de 100 testes de diferentes imunizações foram divulgados desde o início da pandemia. Ao menos sete estão sendo analisadas em pacientes humanos em diferentes países. No Brasil, onde também há testes em andamento, a ameaça é ainda maior para 50 milhões de pessoas adultas, o equivalente a um terço dessa população. Elas sofrem doenças crônicas ou passaram dos 60 anos.

Em um dos artigos publicados, o cientista político e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Marco Aurélio Nogueira avalia que Bolsonaro torna ainda pior o grave momento que todos enfrentam por conta da pandemia do coronavírus Covid-19. Segundo ele, o presidente "não coordena seus próprios ministros, não coordena os entes federativos, os cidadãos e os governantes subnacionais".

A nova edição da revista Política Democrática Online também tem análises sobre o grau de estresse da democracia brasileira, a importância da cidadania principalmente em momento de pandemia, a defesa por uma conferência mundial pela produção e emprego após o coronavírus e uma narrativa de histórias policiais.

Todos os conteúdos da publicação são divulgados no site e tem chamadas nas redes sociais da FAP. O conselho editorial da revista é composto por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.

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2020 começa bem para cinema brasileiro, diz Lilia Lustosa à Política Democrática Online

Crítica de cinema analisa, em artigo na revista da FAP, obras cinematográficas de grande destaque

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O ano de 2020 começou bem para o cinema brasileiro. A afirmação é da crítica Lilia Lustosa, em artigo publicado na 17ª edição da revista Política Democrática Online. “Primeiro foi a indicação do Democracia em Vertigem (2019), de Petra Costa, ao Oscar de melhor documentário. Em seguida, foi a vez de Meu Nome é Bagdá (2020), de Caru Alves de Souza, levar o Grande Prêmio do Júri Internacional na Mostra Generation do Festival de Berlim, dedicada a produções sobre a juventude”, escreveu ela na publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira).

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De acordo com Lilia, Berlinale, o mais politizado dos grandes eventos internacionais de cinema, esteve bem verde e amarela neste ano. A autora observa que o júri, que teve Kleber Mendonça Filho como membro, teve de avaliar o recorde de 19 filmes brasileiros (algumas coproduções) competindo em diversas categorias, incluindo a principal (Urso de Ouro) com Todos os Mortos (2020), de Caetano Gotardo e Marco Dutra, que integram o coletivo paulista Filmes do Caixote. “Sinais do prestígio e do excelente nível que nossa cinematografia atingiu”, escreve a crítica de cinema.

Desde 1898, quando Afonso Segreto registrou as primeiras cenas brasileiras a bordo do navio Brésil, até os dias de hoje, o caminho não tem sido fácil. “Problemas de falta de regulamentação e de orçamentos escassos, somados à dificuldade para inserir filmes no circuito comercial, vêm desde sempre obstruindo as veredas de nossa cinematografia”, lamenta Lilia.

Apesar disso, segundo a autora do artigo publicado na revista Política Democrática Online, pode-se dizer sem medo que a qualidade do cinema brasileiro melhora a cada ano. Desde os anos 1930, de acordo com ela, o país produz obras belíssimas, como o Limite (1931), de Mário Peixoto, pouco conhecido entre nós, apesar de ter sido eleito pela Associação de Críticos Brasileiros como o maior filme nacional de todos os tempos. Ou ainda Ganga Bruta (1933), de Humberto Mauro, que impressionou tanto o historiador de cinema francês Georges Sadoul, que este tratou logo de incluí-lo entre os maiores cineastas do mundo.

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RPD || Lilia Lustosa: Ficção sem tela

A ficção invadiu a realidade com Covid-19 e as plataformas de streaming ganharam destaque por sua utilidade para a humanidade em crise, dando uma trégua à guerra entre a telinha e a telona, avalia Lilia Lustosa

Sempre fui grande fã de ficção científica e de distopias. Os livros que mais me marcaram na adolescência foram Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, e 1984, de George Orwell. Adulta, descobri Saramago e me encantei por seu Ensaio sobre a Cegueira, depois transformado em filme por Fernando Meirelles. Adaptação, aliás, que levou o escritor português às lágrimas quando de seu lançamento. No cinema, me marcaram Metrópolis (1927), de Fritz Lang, e Blade Runner (1982), de Ridley Scott. A verdade é que cenários distópicos sempre me fascinaram, não sei muito bem por que… Acho que imaginar como nós, seres humanos, agiríamos em situações extremas sempre desafiou minha mente. Ficava pensando em que soluções encontraríamos para superar obstáculos e restrições impostas, quão criativos seríamos para encontrar novas formas de viver. Mas eis que, de repente, a ficção invadiu a realidade e, agora, somos nós, os personagens daquelas ficções que tanto me encantavam. Hoje, a tela que nos separava daqueles universos fantasiosos já não existe mais. E, como meros personagens desta narrativa catastrófica, não temos quase nenhum poder de edição, a não ser seguir o script, trancafiados em nossas casas até a curva da pandemia “achatar”.

Diante deste cenário orwelliano, nunca as plataformas de streaming puderam ser tão úteis a nossa humanidade em crise, dando uma trégua à guerra entre a telinha e a telona. Estamos todos impedidos de ir ao cinema. Bem como ao teatro, ao estádio de futebol, ao churrasco com os amigos e por aí vai. Nesta hora, a sobrevivência da sétima arte parece ter como grandes aliadas as Netflix, Amazon Prime e Google Play da vida. O mundo para, mas a sétima arte continua viva! E mais: pode ser um grande remédio, ajudando a passar o tempo, divertindo, ensinando, distraindo, fazendo refletir, rir e chorar, mas podendo, também, ampliar nossos medos e angústias.

Talvez por essa razão, boa parte dos espectadores tem dado preferência atualmente a comédias leves ou aos chamados feel good movies. Algo capaz de fazê-los esquecer o que se está passando ao redor de suas quatro paredes, de sua bolha de proteção. Outros, como eu, vêem-se tentados a mergulhar de vez no universo das pandemias, revendo filmes como Contágio (2011), do premiadíssimo Steven Soderbergh, ou a assistir pela primeira vez a Epidemia (1995), de Wolfgang Petersen, a A Gripe (2013), do coreano Sung-Su Kim, a 93 dias (2016), do nigeriano Steve Gukas ou, ainda, à série documental Pandemia, produzida recentemente pela Netflix. A ideia sendo comparar aquelas ficções à nossa real-ficção. Algo que fascina e traz medo ao mesmo tempo. Medo de ficar ainda mais neurótica. Medo de achar que toda tosse é coronavírus. Medo de perder um ente querido. Medo de enxergar todo o sofrimento do mundo, já sem nenhuma tela de proteção.

Além das gotículas criminosas filmadas em close e em slow motion, todas essas ficções apontam para o isolamento – ou quarentena – como um dos primeiros passos a serem tomados no combate à contaminação. O despreparo dos sistemas sanitários para a contenção de um vírus desconhecido e a falta de investimentos necessários em pesquisas científicas são temas igualmente recorrentes. Fator ressaltado também na série Pandemia, composta por seis episódios que narram as lutas diárias de alguns profissionais da área de saúde – médicos, pesquisadores ou atores da OMS, USAID – para salvar vidas em diversos lugares do mundo (EUA, India, Congo, Vietnam). O que se apreende dali é que, apesar dos vários alertas dados pelo mundo científico nos últimos anos, os países não se prepararam devidamente para enfrentar a chegada de uma pandemia. Fato, aliás, constatado e confirmado cada vez que ligamos a televisão ou abrimos um jornal hoje em dia.

A produção, que é de 2019, deixa bem claro que estava muito próximo o momento em que uma nova pandemia iria emergir no planeta, sendo, portanto, da maior urgência preparar hospitais, profissionais de saúde, acelerar o andamento das pesquisas etc. E o que fizeram nossos líderes? Investiram em armas e em campanhas eleitorais para se manterem no poder. Negligenciaram as pesquisas tão necessárias para desenvolver novas vacinas e os estudos capazes de detectar os vírus ainda nos animais, antes que passassem para os humanos. Temas que, de alguma forma, também são discutidos, mesmo que de forma maniqueísta – por vezes, caricata –, nos filmes de ficção aqui mencionados, que colocam, de um lado, a classe científica correndo atrás de respostas, e de outro, os mandatários do poder escolhendo em que momento agir e divulgar tais respostas.

Com relação à estética, o coreano A Gripe destoa um pouco de 93 Dias, Epidemia e Contágio pelo paroxismo de sua mise-en-scène, que mostra, por meio de uma câmera nervosa e de uma iluminação sombria, imagens grotescas de sangue jorrando, cadáveres sendo empilhados e corpos infectados, incinerados ainda vivos como medida de contenção do vírus. Uma narrativa um tanto quanto inverossímil (assim esperamos!), que leva ao extremo o dilema trabalhado também em Epidemia: exterminar a população de uma única cidade versus deixar contagiar a população de todo um país. Produção americana com elenco de peso (Dustin Hoffman, Morgan Freeman, Kevin Spacey, Rene Russo e Cuba Gooding Jr.) que sugere, ainda, a possibilidade de uma eventual guerra biológica, revelando a descoberta de um vírus letal por parte dos militares dos EUA, informação guardada a sete chaves pelo governo daquele país.

Contágio, outro filme americano com grande elenco (Matt Demon, Kate Winslet, Gwyneth Paltrow, Jude Law e Marion Cotillard) opta por destacar o papel das redes sociais como divulgadoras de informações sonegadas à população pelos meios oficiais. Ao mesmo tempo, mostra-as também como difusoras de informações ainda não confirmadas, as famosas fake news. Na nossa real-ficção de hoje, o canal brasileiro de Youtube Spotniks, entre outros, faz o papel do teórico da conspiração interpretado por Jude Law, tendo disponibilizado recentemente o impactante Timeline Covid-19, reportagem sobre a evolução da pandemia no mundo, desde seu provável início até 31 de março.

O conteúdo ali apresentado deixa a OMS e o Estado chinês em maus lençóis, em função da lentidão em divulgar as verdadeiras informações sobre a real gravidade do novo coronavírus. Já no prólogo, a fórmula “Do futuro desta saga pouco sabemos. Do passado, aprendemos que os homens públicos podem ser tão inescrupulosos quanto um vírus” sintetiza bem o conteúdo da reportagem. É interessante notar, porém, que o Brasil ficou praticamente de fora da análise, até mesmo no momento em que o texto cita “líderes caricatos” que se recusam a acreditar no efeito desastroso da Covid-19, como os presidentes da Bielorússia, Alexander Lukashenko, e do Turcomenistão, Gurbanguly Berdymukhamedov.

Das ficções aqui mencionadas, 93 Dias é a única que se baseia em fatos reais, narrando a chegada do ebola à Nigéria, trazido por um diplomata liberiano. A história é contada sob a perspectiva da equipe médica que tratou do paciente e que, comandada pelo braço forte da Dra. Ameyo Adadevoh, conseguiu identificar rapidamente o vírus e isolar imediatamente o paciente, contrariando ordens das autoridades locais. No espaço de 93 dias, com 20 casos confirmados e 8 mortes, a OMS decretou a Nigéria um país livre de ebola e a Dra. Adadevoh foi transformada em heroína nacional. Apesar da produção modesta, bem diferente das produções hollywoodianas a que estamos acostumados, este case de sucesso nigeriano pode ser um bálsamo de esperança para tempos tão bizarros.

Por outro lado, Pandemia parece-me a produção mais aterrorizante de todas, já que, no caso das ficções – sobretudo em função de suas narrativas clássicas –, depois de duas horas de tensão, chega-se a uma solução, a um estado de alívio. Ao passo que, na real-ficção que estamos vivendo, tão bem retratada pela série, ainda não se pode antever esse momento de respiro.
A verdade é que, hoje, nenhuma ficção supera a angústia propiciada por nossa realidade. Ao contrastar ficção e mundo real, porém, podemos acreditar (talvez como o Cândido, de Voltaire) que os líderes mundiais – ao menos, quase todos – estão tomando atitudes importantes e sensatas para resolver a maior crise que nossa geração já viu. E mesmo que algumas informações nos estejam sendo omitidas, bem ou mal, ações estão sendo tomadas a fim de frear a pandemia. E isso já é um alento, permitindo-nos, quiçá, vislumbrar os créditos no final do filme.


RPD || Gloria Alvarez: Compartilhar. Um ato de cidadania

O papel das ONGs e de associações comunitárias nos momentos de crise, como o que o mundo inteiro está vivendo com a pandemia de Covid-19, é fundamental para chegar onde o Estado e as empresas não conseguem, avalia Gloria Alvarez em artigo

Da noite para o dia, milhões de brasileiros que diariamente trabalhavam para, naquele dia, ter o que comer em casa ficaram desamparados, sem alternativa para substituir o desemprego ou o subemprego. A chegada da pandemia provocada pelo Novo Coronavírus fora determinante e desesperante, especialmente para aqueles milhões que não pertencem ao Cadastro Único do Ministério da Cidadania, não têm Bolsa Família, muito menos FGTS, RG, título de eleitor e um simples CPF regularizado. Um desses brasileiros, respondendo a um repórter, definiu-se como “uma pessoa que não existe”. Foi quebrada a rotina diária de passar a montar a barraquinha de biscoitos, balas e chocolate, e ficar sob sol e chuva à espera do resultado de suas vendas. No final do dia, depois das contas com o “empresário” (o dono da barraquinha e dos produtos), mal ou bem, restava algum para gastar na vendinha comprando a refeição das crianças e da mulher. Agora, nem pensar. A barraca não podia mais ser montada. O negócio terceirizado dessa “pessoa que não existe” fora fulminado pelas ações preventivas para conter o vírus.

Na comunidade onde esse típico nordestino acariocado mora, instalou-se o medo. As entidades que distribuíam cestas básicas cerraram as portas. As faxinas que sua mulher fazia foram desmarcadas e a hora de pagar o aluguel do quartinho se aproximava, ao passo que os sacos de arroz e de feijão murchavam. E a recomendação geral era “não sair de casa”. Como? Ficar sem comida? Aumentar a dívida na vendinha? Como pagar depois? Esse cidadão brasileiro, invisível, não viu outra saída.

A primeira fagulha de luz no fim do túnel chegou com uma cesta básica entregue por quem menos esperava: o “empresário” que fornecia as balas e os biscoitos para ele vender. Claro que na cesta havia muita bala e biscoito. Mas também açúcar, feijão e arroz. Emocionado, agradeceu,

Logo depois, uma das clientes da mulher ligou pedindo sua conta bancária (como se ela tivesse...). Queria depositar a diária, apesar de a faxina não ter sido feita. Benza Deus!

A escola das crianças, fechada, sem aulas, mandou aviso: distribuiria para os pais o estoque de alimentos destinados à merenda dos alunos antes que o prazo de validade vencesse.
O líder comunitário comunicou que o movimento Ação da Cidadania (fundado pelo sociólogo Herbert de Souza) estava recolhendo nos restaurantes estoque de alimentos in natura, que em breve também venceriam, e entregando para as associações distribuírem nas comunidades do Rio de Janeiro.

Nosso personagem começou a sentir alguma mudança. Será? Pensou esperançoso.

Os especialistas não parecem ver, ainda, essa tão esperada mudança na cultura de doação do brasileiro. E como seria bem-vinda para ajudar esses cidadãos invisíveis a tomarem rumo e acertarem o passo no caminho de um reconhecimento social... Ora justificam que a crise econômica e a política deixaram o brasileiro desconfiado ao escolher uma causa para contribuir. Ora argumentam que é uma questão de educação, que deve vir de casa e da escola. “O brasileiro não considera a doação como um ato de cidadania”. Alegam também que não há estímulo governamental para aumentar as doações. Esses espasmos de solidariedade nos momentos de crises são previstos por esses técnicos que dirigem associações e organizações sem fins lucrativos (ONGs). A prática que têm no dia a dia, tentando reverter a vida de inúmeros cidadãos invisíveis, embasa tais opiniões.

Apontam, no entanto, que estimular a cultura de doação seria um dos grandes passos para fortalecer a sociedade civil. Algumas iniciativas criativas germinam e trabalham para promover essa mudança no conceito de solidariedade. O Arredondar (arredondar.org.br), por exemplo, desde 2011 adota as microdoações, geradas a partir do troco no varejo. De centavo em centavo, já arrecadaram quase R$ 5 milhões através de 23 milhões de doações. No portfólio da entidade estão catalogadas mais de 80 ONGs certificadas, que são beneficiadas.

O papel das ONGs e de associações comunitárias nos momentos de crise, como o que estamos vivendo com o coronavírus, é fundamental para chegar onde o Estado e as empresas não conseguem. Elas atuam fiscalizando o comportamento do Estado, dão voz às populações e complementam a ação das políticas públicas. Nesses momentos a credibilidade, a capacidade e a organização para receber e distribuir doações mobilizam a solidariedade. Um exemplo foi o sucesso que a Comunitas (www.comunitas.org) alcançou ao levantar R$ 4,2 milhões para doar 60 respiradores para hospitais públicos de São Paulo e ainda mais R$ 23,5 milhões e mais 345 respiradores. O link https://emergenciacovid19.gife.org.br registrava R$ 1.037.862.747,00, no dia 08/04. Era o total parcial do levantamento feito pela campanha Emergência Covid-19, através de institutos, fundações e empresas.

Ações solidárias espontâneas brotaram também de março para cá. Dois restaurantes do Recife se revezam no fornecimento gratuito de almoço para os profissionais de saúde. Na marmita, um bilhete intitulado “Um sincero obrigado”. Inúmeros professores promovem aulas gratuitas de ginástica, de inglês, artesanato, gastronomia, administração de finanças e palestras. Médicos se oferecem nos prédios onde moram e na vizinhança para “avaliar situações de gastroenterites, hipertensão e outras doenças, para renovar receitas de remédios de uso contínuo e orientar sobre sintomas de urgências”. Jovens colocam avisos nos elevadores e os distribuem pelas mídias sociais (www.vizinhodobem.com.br) oferecendo-se para atender a idosos que precisem de compras de mercado ou farmácia.

Na situação em que vivemos, com uma pandemia que está matando dezenas de milhares de habitantes do planeta e esfacelando todas as economias mundiais, só há uma esperança para quem, hoje, se sente como “pessoa que não existe”: uma radical mudança no comportamento do ser humano, adotando o ato de compartilhar tempo ou dinheiro como uma ação civil transformadora e construtiva. Como? Deixando de querer só para si e conseguindo enxergar quem está ao seu lado, implorando para deixar de ser invisível.


RPD || Editorial: Escalada autoritária

Mais uma vez, o Presidente da República consegue surpreender os cidadãos brasileiros. Comparece a uma manifestação convocada nas sombras de seu governo, endossa com sua presença as consignas autoritárias das faixas e cartazes ali levantados, promete a mudança radical no rumo de um novo e puro país, tudo para desmentir, no dia seguinte, qualquer intenção golpista. Se o roteiro é sempre o mesmo, pois se trata, afinal, de fazer retroceder as fronteiras do inaceitável, a ousadia dos atores é crescente.

Curiosa cruzada essa que investe simultaneamente contra a democracia e a ciência. Parece ter como premissa a incapacidade de os brasileiros estabelecerem relações de causa e consequência, tanto para prever o futuro, quanto para avaliar o passado. É certo que há concidadãos, letrados inclusive, que relutam em perceber que nossa situação hoje é em tudo similar à de outros países, semanas antes de mergulharem no abismo.

No entanto, são poucos. E, como mostram as notícias do mundo, quando a questão é perda de vidas, não há como ignorar para sempre a escalada dos números. Ou seja, em algum momento, as responsabilidades políticas pelo caos que está por vir serão estabelecidas e cobradas.
Cumpre reconhecer, contudo, que a crise sanitária provocada pela pandemia é um ingrediente exterior, que se soma, entre nós, a um processo político anteriormente iniciado e com ele se combina.

Está em curso, desde a apuração dos votos no segundo turno das eleições de 2018, uma escalada golpista no país. As manifestações visíveis dessa escalada são o comportamento do Presidente da República; os fluxos poderosos de falsa informação disseminada nas redes sociais contra seus presumidos desafetos ou em favor de suas bandeiras; e a insistência de um pequeno número de seguidores em sair às ruas, manifestando-se contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, em favor de uma intervenção militar.

É urgente enfrentar e derrotar essa escalada. Essa tarefa exige a ação firme das instituições e o diálogo e a cooperação entre todas as forças democráticas, na União, nos Estados e nos Municípios. Câmara dos Deputados, Senado Federal e Supremo Tribunal Federal devem acordar uma reação articulada aos desatinos do Presidente. Regras relativas à identificação e responsabilização de produtores e divulgadores de falsidades nas redes devem se aprovadas e aplicadas. Lidar com as ruas, por sua vez, é tarefa dos governadores, dos legislativos estaduais, do Judiciário e do Ministério Público nos Estados.


RPD || Ricardo Tavares: Democracia estressada

Política norte-americana segue intensa e no centro da epidemia do coronavírus Covid-19 que assola os Estados Unidos. Enquanto Trump demostra grande dificuldade em se adaptar ao novo cenário para concorrer à reeleição, os democratas definiram Biden como o candidato à Presidência

O novo corona vírus pode ter paralisado a sociedade e a economia norte-americanas, mas a política continua sua dinâmica intensa. Nos EUA, os conflitos políticos estão no centro da gestão da pandemia, que está influenciando decisivamente a preparação para as eleições presidenciais em novembro deste ano.

O Presidente Donald Trump faz coletivas de imprensa diárias sobre a pandemia com longas digressões que muitas vezes contradizem seus técnicos também presentes. Esta alta exposição à mídia, apesar do gerenciamento desastrado da crise, fez crescer sua popularidade.
No Partido Democrata, a pandemia resolveu a disputa entre o Vice-Presidente Joe Biden e o Senador Bernie Sanders; Sanders finalmente reconheceu que não tem chance alguma de ganhar as primárias contra Biden e encerrou sua campanha. Biden é o candidato Democrata à Presidência.

O Partido Republicano continuou sua trajetória de desencorajar eleitores a votarem, uma estratégia que assegura a predominância do partido na política americana, apesar de a maioria ter votado Democrata em eleições recentes. No estado de Wisconsin, os Republicanos forçaram o voto presencial, descartando o adiamento das primárias até junho.

Trump
Trump não esconde sua decepção com a pandemia. Esperava fazer campanha para a reeleição em cima de seu desempenho econômico. Em fevereiro, a taxa de desemprego nos EUA era de 3.5%, a mais baixa das últimas décadas. Hoje, há 17 milhões de desempregados e, nas próximas duas semanas, devem ser 20 milhões, uma taxa de desemprego de 15% da força de trabalho.

O presidente dos EUA está mostrando grande dificuldade de se adaptar ao novo cenário. Sua administração está povoada de pessoas leais, independente de sua competência. Mesmo com os pacotes de apoio a pessoas e empresas já aprovados pelo Congresso, a implementação administrativa das políticas tem sido lenta e ineficaz.

Se os eleitores decidirem se preocupar com o desempenho do Presidente na área de saúde, a situação de Trump pode ser ainda pior, dependendo do status da pandemia próximo à data das eleições, 3 de novembro. De momento, ainda falta tudo nos hospitais americanos. Médicos compram suas próprias máscaras em muitos Estados. O governo federal não coordena as iniciativas dos estaduais, é cada um por si. Alguns Estados estão-se coordenando entre si. Os EUA ainda são o único país capaz de liderar uma ampla coordenação internacional de resposta à crise da pandemia, mas a diplomacia americana parece estar falida.

Biden
As eleições de novembro serão Trump X Biden. Joe, como o candidato é popularmente conhecido, fez uma campanha bastante errática nas primárias do Partido Democrata. Perdeu as três primeiras primárias. O crescimento de Bernie Sanders assustou os centristas do Partido, que se uniram em torno de Biden para impedir uma vitória do candidato visto como socialista. O golpe de misericórdia em Sanders, no entanto, foi dado pelos eleitores negros nas primárias do sul dos EUA. Foram vitórias avassaladoras em Estados onde os membros do Partido são predominantemente negros que criaram momento para a candidatura de Biden, até o ponto em que sua vitória se tornou certa. O conceito de “classe trabalhadora” de Sanders não atraiu o eleitorado negro.

Biden é admirado por seu grande trabalho como Vice-Presidente de Barrack Obama, o primeiro presidente negro da história do país. Mais: os eleitores negros são o grupo mais fiel ao Partido Democrata. As condições sociais desta população melhoram em administrações democratas. Sem uma maciça presença de eleitores negros nas urnas – o voto nos EUA é facultativo – é quase impossível uma vitória Democrata para a presidência.

Quatro anos atrás, Bernie Sanders continuou em campanha contra Hillary Clinton nas primárias democratas de 2016, mesmo depois de não ter mais chances de vitória. Isto contribuiu para o desgaste da candidatura de Clinton, e foi aproveitado pela campanha de Trump. Muitos eleitores que votaram em Sanders nas primárias do Partido Democrata vieram a votar em Trump, principalmente em Estados do meio-oeste. A saída de Sanders das primárias, diante da crise da pandemia e do risco de um prolongamento até o verão americano deste processo, tenta evitar uma repetição deste fenômeno.

No entanto, é impossível prever o resultado das eleições de novembro. Biden cresceu na adversidade durante as primárias. Venceu apesar de ter menos dinheiro de campanha do que Sanders. Mas mostrou deficiências como debatedor e ator de campanhas. Biden enfrentará em novembro a campanha extremamente bem financiada de Donald Trump, que joga pesado e não hesita em usar táticas de baixo nível.

Estresse
Nenhuma democracia ocidental em um país desenvolvido possui um partido político dedicado a desencorajar estrategicamente eleitores de irem às urnas. O Partido Republicano de hoje é um partido de base rural num país totalmente urbanizado. Reúne quatro forças essenciais para seu sucesso: uma aliança de grupos “pro-business”, religiosos evangélicos, defensores do acesso fácil a armas (organizados nacionalmente pela NRA – National Rifle Association), e o importante apoio do grupo de media Fox News, do empresário australiano-americano Robert Murdoch.

Em 2016, Trump perdeu no voto popular agregado nacionalmente, mas ganhou no Colégio Eleitoral, através do qual o presidente é escolhido por delegados eleitos Estado por Estado. Este Colégio é uma influência do federalismo do sistema político americano e neutraliza a influência dos Estados e das cidades mais populosas. Como o voto é facultativo, a lógica eleitoral tem dois elementos – motivar seus eleitores a ir votar e, ao mesmo tempo, desencorajar os eleitores de seu opositor a se apresentar nos locais de votação. A eleição ocorre num dia comum de trabalho. Nas últimas eleições presidenciais, o índice de votação variou entre 49%, em 1996, ao máximo de 58.2%, em 2008, quando Obama venceu pela primeira vez. Em 2016, somente 55.7% dos eleitores inscritos compareceram às urnas.

Um episódio preocupante ocorreu na semana passada em Wisconsin. O governador do Partido Democrata, Tony Evers, determinou o adiamento das primárias no Estado para junho deste ano, a fim de evitar a aglomeração de pessoas, por conta da pandemia. O legislativo estadual, controlado por Republicanos, apesar de os Democratas obterem a maioria dos votos no Estado, recusou a mudança. O caso foi parar na Suprema Corte do EUA, que deu ganho de causa aos legisladores. O voto ocorreu sob grande risco para os eleitores.

Esta batalha pelas condições de votação durante a pandemia pode chegar até o dia 3 de novembro de 2020, data das eleições presidenciais. O Partido Democrata apoia o voto pelo correio e outras medidas para maximizar a participação popular, ao passo que o Partido Republicano resiste à adoção maciça destas medidas. Este quadro levou o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman, que se tornou comentarista político, a proclamar recentemente: “A democracia americana pode estar morrendo.” Não está, mas certamente está bastante estressada, ainda mais em tempos de corona vírus.

*Ricardo Tavares é consultor internacional de empresas de tecnologia. É mestre em ciência política pelo Iuperj e membro do Council on Foreign Relations (CFR).


RPD || Reportagem especial: Na guerra contra coronavírus, ciência pode salvar vidas

Pesquisadores do mundo todo se mobilizam em busca de imunização eficaz; pesquisador de Harvard ressalta “método científico hiperacelerado”

Cleomar Almeida

A corrida pela produção de vacina contra o coronavírus faz cientistas do mundo todo aumentarem os esforços em pesquisas para salvar a vida de milhares de pessoas. Mais de 100 testes de diferentes imunizações foram divulgados desde o início da pandemia. Ao menos sete estão sendo analisados em pacientes humanos em diferentes países. No Brasil, onde também há testes em andamento, a ameaça é ainda maior para 50 milhões de pessoas adultas, o equivalente a um terço dessa população. Elas sofrem doenças crônicas ou passaram dos 60 anos.
Apesar de todos os esforços de pesquisa envidados em muitos laboratórios pelo mundo, inclusive no Brasil, a perspectiva mais otimista de contar com alguma vacina ou tratamento eficaz contra o coronavírus deverá tardar, mas não há saída à certificação da ciência. Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) realizaram levantamento sobre a quantidade de pessoas no grupo de risco no Brasil, onde a ciência também tem de enfrentar obstáculos ainda maiores devido à politização do combate ao coronavírus, como no caso da exoneração do médico Luiz Henrique Mandetta do cargo de ministro da Saúde. Além disso, o presidente Jair Bolsonaro ganha cada vez mais destaque como líder que estimula parte da população a agir como ele próprio e não cumprir orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), como isolamento social e uso de máscaras.

O infectologista e pesquisador da Fiocruz Júlio Croda afirmou que o Brasil teve tempo para se preparar contra a pandemia, mas, conforme disse, a politização prejudicou o combate ao coronavírus. Assim como ele, o presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Mauro Ribeiro, reforçou que o uso da cloroquina, defendida por Bolsonaro, não tem comprovação de eficácia no tratamento de pacientes infectados.
Diante da emergência global de saúde pública provocada pela Covid-19, cientistas estão flexibilizando protocolos mais estritos de desenvolvimento de vacinas. Normalmente, é um processo demorado e bastante trabalhoso, pois envolve várias etapas de testes em animais e avaliações sobre a toxicidade antes das três fases obrigatórias de testes clínicos em pessoas. Diretora brasileira da OMS, a médica Mariângela Simão é otimista: “Teremos uma vacina, se tudo correr bem. O desafio será distribuí-la”.

No Brasil, pesquisadores da Fiocruz de Minas Gerais estão modificando o vírus influenza, causador da gripe, para que ele carregue trechos do material genético do Sars-CoV-2 associados à proteína S – da superfície do coronavírus, o gancho molecular usado pelo Sars-CoV-2 para se conectar às células humanas. O objetivo é produzir um vírus defectivo, que invade as células inicialmente, sem se propagar para outras, depois. O desenvolvimento pré-clínico, com testes em animais, deve levar de 12 a 18 meses, seguido dos testes clínicos.
Já os pesquisadores do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (Incor), da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) estão desenvolvendo outra vacina contra o coronavírus. A expectativa é de que, nos próximos meses, a fórmula seja testada em animais.
“Acreditamos que a estratégia que estamos empregando para participar desse esforço mundial para desenvolver uma candidata a vacina contra a Covid-19 é muito promissora e poderá induzir uma resposta imunológica melhor do que a de outras propostas que têm surgido, baseadas fundamentalmente em vacinas de mRNA”, disse o diretor do Laboratório de Imunologia do Incor e coordenador do projeto, Jorge Kalil, conforme divulgou a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Utilizada no desenvolvimento da primeira vacina experimental contra o Sars-CoV-2, anunciada no fim de fevereiro nos Estados Unidos, a plataforma tecnológica de mRNA se baseia na inserção na vacina de moléculas sintéticas de RNA mensageiro (mRNA) ― que contêm as instruções para produção de alguma proteína reconhecível pelo sistema imunológico.
De acordo com a pesquisa, o objetivo é que o sistema imunológico reconheça essas proteínas artificiais para posteriormente identificar e combater o coronavírus real. A plataforma que será utilizada pelos pesquisadores do Incor é fundamentada no uso de partículas semelhantes a vírus (VLPs, na sigla em inglês de virus-like particles).

As VLPs são estruturas multiproteicas com características semelhantes às de um vírus e facilmente reconhecidas pelas células do sistema imune. No entanto, elas não têm material genético do vírus, o que impossibilita a replicação. Por isso, são seguras para o desenvolvimento de vacinas.

Em artigo publicado no The New York Times, o médico Marc Lipsitch, professor do Departamento de Epidemiologia, Imunologia e Doenças Infecciosas da Universidade Harvard, afirma que o ponto de equilíbrio entre todas essas incertezas ficará mais claro quando mais pesquisas sorológicas, ou exames de sangue para detectar anticorpos, forem conduzidos com grande número de pessoas. “Estudos desse tipo estão começando e devem mostrar resultados em breve. É claro que muito dependerá da sensibilidade e especificidade dos diversos testes: quão bem eles conseguem identificar anticorpos ao Sars-CoV-2 quando estão presentes e se conseguem evitar sinais espúrios de anticorpos a vírus aparentados”, escreveu.

Lipsitch também defende a realização de mais estudos. “São necessárias mais pesquisas científicas sobre quase todos os aspectos deste novo vírus, mas, nesta pandemia, assim como em pandemias anteriores, decisões que terão consequências enormes precisam ser tomadas antes de dispormos de dados definitivos”, disse, para enfatizar: “Em vista dessa urgência, o método científico – formular hipóteses informadas e testá-las com experimentos e epidemiologia cuidadosa – é hiperacelerado”.


 

Pesquisas exploram diferentes testes de vacinas
Os Estados Unidos desenvolveram a primeira vacina contra a Covid-19 a ser testada em humanos. A imunização se baseia em trechos de RNA que integram o material genético do vírus. O RNA viral da vacina contém a receita para a produção da chamada proteína S. A expectativa é que, dentro das células, o pedaço de RNA seja usado para iniciar a produção da proteína S, a qual, por sua vez, desencadeará uma reação de defesa do organismo. Quando o organismo entrar em contato com o vírus real, espera-se que já esteja com anticorpos prontos para combatê-lo.

A técnica é considerada relativamente segura, mas ainda falta comprovação de sua eficácia. Nenhuma vacina de RNA já foi liberada para uso comercial no mundo. Os testes começaram em 16 de março, na fase 1 (que mede apenas a segurança). A fase 2, que investiga a eficácia mais diretamente, pode começar em poucos meses. A pesquisa é uma parceria entre o governo americano, o Instituto de Pesquisa em Saúde Kaiser Permanente, em Seattle (EUA), e a empresa de biotecnologia Moderna. A empresa farmacêutica Pfizer anunciou que também quer testar sua própria vacina de RNA contra o coronavírus em seres humanos a partir de agosto de 2020.

Na China, uma vacina começou a ser testada um pouco depois da americana, mas foi a primeira a alcançar a fase 2 dos testes clínicos. Pesquisadores da empresa farmacêutica chinesa CanSino recrutaram 500 voluntários neste mês. A técnica é similar à que havia sido usada no desenvolvimento de uma vacina contra o ebola. A CanSino aposta em patógeno modificado, do grupo dos adenovírus, como vetor.
De acordo com cientistas, o adenovírus geneticamente modificado carregará material genético com código para produção da proteína S, semelhante ao caso da vacina americana de RNA. A diferença é que os vírus conseguem repassar a informação genética da imunização, o que, em tese, pode ser mais eficiente do que o material genético solto. No entanto, pode haver mais riscos de efeitos colaterais. A expectativa é de que resultados mais exatos da abordagem sejam divulgados em um ano.

Uma abordagem muito parecida à da China está sendo usada por pesquisadores da Universidade de Oxford (Reino Unido). Os testes começaram em março e devem durar cerca de um ano.

Neste mês, a empresa de biotecnologia americana Inovio Pharmaceuticals começou a testar outra vacina na fase 1. O método tem muitas semelhanças com a vacina de RNA. A diferença é que o genoma do vírus, na parte correspondente ao código da proteína S, foi adaptado para uma molécula de DNA. Para injetar a vacina na pele ou nos músculos dos voluntários, os pesquisadores usam tecnologia que emite breve pulso elétrico, facilitando a entrada do material genético nas células por meio da abertura de pequenos poros. Até 40 voluntários, recrutados em duas cidades americanas, vão receber o fármaco na fase 1. O objetivo é ter a vacina para uso comercial em prazo de 12 meses a 18 meses.
A China também produz outras duas vacinas baseadas em células. As abordagens estão sendo desenvolvidas pelo Instituto Médico Genoimune de Shenzhen. Os cientistas acreditam que seria possível usar células geneticamente modificadas como vacinas. Essas células dendríticas, como são conhecidas, ajudam o sistema imunológico a reconhecer invasores.

Os pesquisadores querem incluir, no material genético das células, uma espécie de biblioteca de vários fragmentos de genes do Sars-CoV-2, assim como outros genes com a receita de moléculas que ativam o sistema imune. Ao produzir arquivo de substâncias estranhas quando entrarem em contato com o organismo, elas desencadeariam uma reação similar a uma infecção real, sem os riscos do contato com o vírus. A fase 1 do projeto já está em andamento. O grupo de Shenzhen planeja concluir o desenvolvimento da vacina até julho de 2023.


BCG pode ser grande aliada contra Covid-19
Aplicada em bebês recém-nascidos em países acometidos pela tuberculose, a vacina BCG, ou Bacillus Calmette-Guérin, está sendo pesquisada em pelo menos quatro países para ser aplicada na prevenção ao coronavírus. Estudo de pesquisadores dos Estados Unidos sugere que países que incluem a BCG no programa universal de imunização, como Japão, China e Brasil, podem ter 10 vezes menos casos de infecção de Covid-19 em relação aos demais.

Os pesquisadores americanos fizeram estudo com 178 países, durante a pandemia, e compararam aqueles em que a BCG é obrigatória com outros onde não há programa universal de imunização que inclua essa vacina. Os resultados preliminares mostram que, nos países onde a BCG não é obrigatória, o número de contaminados e mortos pela Covid-19 é 10 vezes maior.

Na Austrália, 4 mil profissionais de saúde participarão de uma pesquisa prática. Metade vai receber um produto sem efeito terapêutico. Na outra metade, será aplicada a dose da BCG. Os pesquisadores querem analisar se, em caso de possível infecção pelo coronavírus, os efeitos serão, ou não, mais leves.

A BCG é a vacina aplicada no braço em bebês recém-nascidos. No Brasil, é obrigatória desde a década de 1970, o que, segundo especialistas, ajuda a garantir alta cobertura vacinal. De acordo com os estudiosos, se for comprovada a eficácia da BCG contra o coronavírus, o Brasil sairá em vantagem.