cidadania

Rogério Baptistini Mendes explica o que ‘desgraçou sistema político’ no Brasil

Pesquisador da Unesp aponta relação de retrocessos com bolsonarismo no país, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de outubro

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O sociólogo Rogério Baptistini Mendes afirma que a radicalidade da concepção de autoridade que empresta sentido ao bolsonarismo está em harmonia com a visão de mundo de certas elites, organizadas politicamente e ocupadas em difundir versão grotesca e ultrapassada de liberalismo econômico. “No universo do mercado livre, sem qualquer regulação, coordenação e planejamento, a anarquia e o caos social surgem e reclamam soluções de força”, afirma, em artigo que produziu para a revista Política Democrática Online de outubro.

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A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todos os conteúdos, gratuitamente, em seu site. “A ausência de solidarismo e o individualismo exacerbado conduzem à desordem, somente atenuada pela obediência ao soberano, homem da família, cuja moralidade é agir contra tudo e todos, para proteger os seus, os escolhidos, na jornada até a suposta terra prometida”, analisa Mendes. Ele também é pesquisador do LabPol (Laboratório de Política e Governo) da Unesp (Universidade Estadual Paulista),

De acordo com o autor do artigo publicado na revista Política Democrática Online de outubro, uma série de equívocos levou a sociedade até este momento. “A pressuposição de que a justiça se confunde com a democracia, por exemplo, desgraçou o sistema político, a atividade política e, no limite, a cultura pública essencial à construção republicana”, afirma.

O caráter normativo do conceito de justiça, segundo o pesquisador, dificulta verificações empíricas sobre o que seria uma situação justa, em contraste com o governo democrático que evidencia o que descreve. “Na luta contra a corrupção, a conexão entre Direito e Política foi subvertida ao ponto de o Direito se confundir com a força coativa do Estado, e a práxis política ser amesquinhada por certa racionalidade econômica para a qual o não-Estado é o objetivo”, explica o sociólogo.

Segundo o autor do artigo, num cenário atomizado, sem lugar próprio e seguro, os grupos primários, nos quais vige o contato íntimo e direto entre os membros, substituem a integração na comunidade política e levam à construção de uma identidade distorcida, apoiada no ódio contra o diferente e em contínuo transe. “Tudo a ameaça, tudo a aflige”, destaca. “Não há destino comum; apenas inimigos a derrotar. A violência substitui o diálogo, a própria atividade parlamentar perde o sentido, transformando o que deveria ser a ágora moderna numa verdadeira arena, ocupada por tipos aberrantes e incapazes”, continua.

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‘Pandemia mostra que cidades não são mundos encapsulados’, diz Alberto Aggio

Em artigo na revista Política Democrática Online de outubro, professor da Unesp aponta ‘saldo positivo a esperar dos brasileiros’

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O historiador e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Alberto Aggio afirma que “a pandemia do coronavírus demonstrou, de forma cabal, que as cidades não são mundos encapsulados, que vivem para si mesmas”. Em artigo que produziu para a revista Política Democrática Online de outubro, ele observou que, nos momentos mais agudos, elas se “fecharam” e restringiram o movimento dos seus cidadãos, mas, conforme acrescenta, se mantiveram conectadas com o que de mais importante se fazia ao redor do mundo no enfrentamento da pandemia.

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A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que disponibiliza todos os conteúdos, gratuitamente, em seu site. Em seu artigo, Aggio observa que as orientações dos especialistas não responderam de imediato às expectativas de contenção do vírus e, com o decorrer dos meses, foram alteradas, embora mantidas como as referências mais seguras para enfrentar a emergência sanitária que se apresentava.

“Elas [orientações] eram insuficientes diante da complexa realidade que se instalava”, analisa o historiador. “Sabia-se do alcance, dos benefícios e dos limites do isolamento social confrontado com a realidade social e econômica. Se é verdade que a fala dos especialistas não poderia ser tomada de maneira absoluta, era rematada tolice vocalizar que a pandemia estava sendo politizada. Em suma, não havia sentido em pensar que as decisões quanto à pandemia estivessem fora da dimensão política”, emenda.

O professor da Unesp diz que, como nem governadores nem prefeitos e muito menos os cidadãos poderiam ficar à mercê de orientações conflitantes, o resultado foi a desorientação da população, com mais de 150 mil mortos no Brasil em pouco mais de seis meses. “No essencial, em relação à pandemia, Bolsonaro entregou uma política truculenta e beligerante, eivada de incompreensão e de ausência de solidariedade, além da absoluta falta de empatia com aqueles que perderam pessoas queridas”, critica.

Na avaliação de Aggio, “se há algum saldo positivo a esperar é que os brasileiros, nas próximas eleições e nas vindouras, exerçam suas escolhas estabelecendo claramente a diferenciação entre lideranças e dirigentes políticos que se comprometeram em superar a crise e aqueles que se aproveitaram dela visando apenas seus interesses pessoais”.

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Biblioteca Salomão Malina realiza webinar sobre cultura e representação política

Evento online será nesta terça (20), com mediação do jornalista Luiz Carlos Azedo

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

A Biblioteca Salomão Malina realiza, nesta terça-feira (20), a partir das 19 horas, webinar sobre cultura e representação política. Mediado pelo jornalista e diretor-geral da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), Luiz Carlos Azedo, o evento online terá transmissão ao vivo e participação da escritora e conselheira de Cultura no Distrito Federal Cleide Soares.

O encontro virtual também vai discutir como o livro é instrumento de formação de cultura, arte e educação. Na ocasião, os participantes irão explicar a construção desse mandato no próprio partido, no âmbito do TRE (Tribunal Regional Eleitoral), e como têm  desenvolvido a campanha eleitoral da bancada do livro. Cleide também é bibliotecária e gestora cultural. Foi integrante do Colegiado Nacional Setorial de Livro, Leitura e Literatura, do Conselho Nacional de Política Cultural do Ministério da Cultura.

Assista ao vídeo!

A seguir, confira nomes da bancada do livro e seus respectivos objetivos de pauta:

» Vanessa Daya: articular a RCBC (Rede Carioca de Bibliotecas Comunitárias) e desenvolver fomento que possa garantir recursos e visibilidades a esses trabalhos;

» Carol Guedes: legalizar e valorizar o trabalhador ambulante;

» Eliseu Neto: desenvolver projeto de vida nas escolas, com ideais de escola com noções de direito e de profissões de níveis superior, técnico e informal;

» José Couto Júnior: criar a FEIRARTE na comunidade da Perereca, em Senador Camará;

» Neliana Silva: valorizar secretários escolares municipais;

» Ygor Lioi: propor ampliação de horário de creches municipais e conveniadas;

» Eliza Morenno: fomentar ações culturais na rede pública de ensino;

» Paloma Maulaz: estimular rede colaborativa de feiras e festas literárias na cidade;

» Gledson Vinícius: articular rede carioca de bibliotecas comunitárias.

O webinar terá transmissão ao vivo na página da biblioteca no Facebook. A FAP realizará a retransmissão, em tempo real, em seu site e em sua página na rede social. O vídeo do evento online também ficará arquivado no canal da fundação no Youtube.
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Educação de excelência com equidade é tema de webinar da Biblioteca Salomão Malina

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Webinar da Política Democrática impressa discute espaços de transformação urbana

Artur Rozestraten, Diogo Augusto Mondini Pereira, Gabriel Mazzola Poli de Figueiredo e Tuca Vieira participam de programação de lançamento da publicação

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Especialistas discutirão, nesta quarta-feira (21), a partir das 19h, perspectivas dos espaços de transformação urbana, no quarto encontro do ciclo de debates online A reinvenção das cidades, mesmo título da recém-lançada revista Política Democrática impressa, número 55. Resultado de parceria com a Tema Editorial, a publicação foi produzida, pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que vai fazer a transmissão do evento em seu site e em sua página no Facebook.

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Mediado pelo sociólogo e consultor do Senado Caetano Araújo, diretor da FAP, o debate terá participação de autores de análises sobre as cidades publicadas na revista. A jornalista Beth Cataldo, organizadora da revista, também tem participação permanente no ciclo de debates online, que integra a programação de lançamento da nova edição temática da revista Política Democrática impressa.

Confira o vídeo!



No grupo de debatedores, está confirmado o professor Artur Rozestraten, da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo). Na revista, ele escreve em coautoria com o arquiteto e urbanista Diogo Augusto Mondini Pereira e o engenheiro eletrônico Gabriel Mazzola Poli de Figueiredo, que também confirmaram participação no evento online.

Rozestraten, Pereira e Figueiredo integram o grupo de pesquisa RITe (Representações: Imaginário e Tecnologia) junto ao CRI2i (Centre de Recherches Internationales sur L’Imaginaire). Além deles, está confirmado para o debate o fotógrafo Tuca Vieira, mestre em arquitetura e urbanismo pela USP e autor do premiado Altas Fotográfico da cidade de São Paulo. Ele também produziu o livro Salto no escuro: leituras do espaço contemporâneo.

Os vídeos de todos os debates ficam disponíveis no site e na página da FAP no Facebook, para serem vistos pelo público, a qualquer momento, gratuitamente. Além disso, seus arquivos também são publicados no canal da FAP no Youtube.

Ficha técnica

Título: A reinvenção das cidades – Revista Política Democrática edição 55
Número de páginas: 282
Projeto gráfico e diagramação: Rosivan Pereira
Revisão textual: Mariana Ribeiro
Preço versão impressa: R$ 45,00
Publicação: Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e Tema Editorial

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Por que Bolsonaro cessou política de confronto com Legislativo e Judiciário?

Editorial da revista Política Democrática Online de outubro destaca que estratégia é para ‘ganhar tempo e fortalecer posições do governo’

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

A política de confronto aberto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com o Legislativo e o Judiciário não cessou por alguma mudança nas convicções profundas dele e de seu círculo mais próximo, mas pela ausência das condições mínimas necessárias para levar essa política às últimas consequências. O alerta é do editorial da revista Política Democrática Online de outubro, cujos conteúdos são disponibilizados, gratuitamente, no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que produz e edita a publicação.

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De acordo com o editorial, a mudança da estratégia de Bolsonaro é para ganhar tempo e fortalecer as posições do governo, com dois objetivos, especificamente. O primeiro deles, diz o texto, é possibilitar o aceleramento da política de destruição nacional em andamento.

“Passar a boiada, na expressão do ministro [do Meio Ambiente, Ricardo Salles], para avançar no rumo da catástrofe ambiental, do isolamento internacional, do desastre sanitário, do retrocesso educacional, bem como da transformação da segurança pública e dos direitos humanos em campos repletos de minas”, afirma o editorial da revista Política Democrática Online.

O segundo objetivo, de acordo com o texto, é criar as condições para revisitar a estratégia do confronto, quando as consequências da crise e a responsabilidade do governo sobre o processo aparecerem de forma mais clara para a opinião pública. “Cenários de popularidade baixa e dificuldades eleitorais crescentes são propícios para investidas populistas contra a legitimidade do processo eleitoral”, diz um trecho.

Por isso, conforme destaca a revista, cabe às oposições não ceder às tentações da divisão, ao conforto ilusório do isolamento. “Urge retomar o processo de convergência em torno de objetivos comuns: a defesa da democracia e a construção de uma plataforma mínima de reconstrução nacional”, destaca. 

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Política Democrática Online mostra falta de transparência no combate à corrupção

Destruição do Pantanal e estratégias de discurso de Bolsonaro também são analisadas na edição de outubro da publicação da FAP

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Brasil menos transparente no combate à corrupção, Pantanal destruído em meio ao desmonte de políticas ambientais no governo Bolsonaro, a retórica do ódio nas pregações do guru do Bolsonarismo e politização do combate à pandemia frente a perspectivas filosóficas dos governantes brasileiros. Esses são os principais destaques da revista Política Democrática Online de outubro, lançada nesta sexta-feira (16).

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A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza acessos gratuito a todos os conteúdos da revista em seu site. No editorial, a revista Política Democrática Online chama atenção para a urgente necessidade de “retomar o processo de convergência em torno de objetivos comuns: a defesa da democracia e a construção de uma plataforma mínima de reconstrução nacional”.

“Está em curso a consolidação da aliança entre o presidente da República e o bloco de deputados e senadores que responde pelo nome de ‘centrão’”, observa o texto. “Repudiada, no primeiro momento, pelos núcleos duros do bolsonarismo como capitulação frente à velha política, a aliança já rende frutos significativos ao governo e promete colheita ainda maior de resultados no futuro”, critica.

Em entrevista exclusiva para a nova edição da revista, o economista Gil Castello Branco, fundador e atual diretor executivo da Associação Contas Abertas, diz que o Brasil está menos transparente. A entidade fomenta a transparência, o acesso à informação e o controle social no país. Ele alerta que o país pode perder cerca de R$ 18 bilhões de recursos federais usados no combate à pandemia por conta da corrupção.

A reportagem especial, por sua vez, analisa como a destruição do Pantanal confirma retrocessos da política ambiental no governo Bolsonaro, o que, de acordo com o texto, é refletido também na declaração do próprio presidente e de seus ministros em defesa do “boi-bombeiro”. “A versão do governo não sinaliza, positivamente, para qualquer medida eficaz de preservação do meio ambiente no país”, afirma um trecho.

'Ética do diálogo'

Ao analisar a retórica do ódio e bolsonarismo, o professor titular de Literatura Comparada da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e ensaísta João Cezar de Castro Rocha aponta para a necessidade de se abraçar “a ética do diálogo, na qual o outro é sempre um outro eu, cuja diferença enriquece minha perspectiva porque amplia meus horizontes”. Segundo ele, esse é o primeiro passo para a superação da problemática.

A política nacional na pandemia é analisada pelo professor titular da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Alberto Aggio. Segundo ele, Bolsonaro notabilizou-se, dentro e fora do país, porque politizou a pandemia da forma mais equivocada possível. “Desdenhou de suas consequências e principalmente dos mortos; recusou-se a colaborar com governadores e prefeitos no combate à pandemia, alegando falsamente suposta obstrução do STF [Supremo Tribunal Federal]”, exemplificou.

Aggio também avalia que Bolsonaro impediu a comunicação e a transparência a respeito do avanço e do combate à pandemia. “E, por fim, buscou, a todo custo, ‘abater’ politicamente seus supostos concorrentes às futuríssimas eleições presidências de 2022. Assim se comportou com dirigentes democraticamente eleitos e com ministros que ele próprio convocou como seus auxiliares”, lamenta.

Além desses assuntos, a revista Política Democrática Online também tem conteúdos sobre economia e cultura. A publicação é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado e tem o conselho editorial formado por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.

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RPD || Rogério Baptistini Mendes: A negação da política e a degeneração republicana

Bolsonaro explora um republicanismo de aparências, dilacerando os limites entre o público e privado, o conjuntural e o estrutural, o razoável e o absurdo, ampliando ainda mais os desafios que o século apresenta

A ideia de um Estado pervertido por políticos desonestos mobilizou a sociedade civil e iniciou o processo que, paradoxalmente, exacerbou os vícios que depravam o espaço público. A República, em sua moderna concepção, herdada dos norte-americanos, está sob ameaça antes mesmo de se consolidar. Seculares oposições distendidas em uma história de acomodações entre o velho e o novo ganham nova vida e fazem aumentar a insatisfação dos viventes. A democracia representativa, a separação de poderes como prevenção ao autoritarismo e a defesa dos direitos individuais parecem formas vazias. O governo Bolsonaro explora um republicanismo de aparências e amplia os desafios que o século apresenta, dilacerando completamente os limites entre o público e privado, o conjuntural e o estrutural, o razoável e o absurdo.

Seguindo lógica torta, os acontecimentos iniciados com as manifestações populares de 2013-14 transmutaram o que parecia ser a emergência de um protagonismo civil em despotismo fundado na moralidade e na religião, típico das sociedades hierárquicas e iliberais. O novo Brasil, egresso da onda negadora da política e dos políticos, galvanizou situação na qual o expurgo dos viciados – mas não da inclinação para o mal – é tolerado, desde que praticado contra os inimigos. E estes são muitos a povoar o universo da cultura, o sistema de partidos e a vida pública da redemocratização. Pessoas e instituições entram na mira, e os fantasmas de nossa tradição autocrática voltam a incomodar.

É possível observar que a radicalidade da concepção de autoridade que empresta sentido ao bolsonarismo está em harmonia com a visão de mundo de certas elites, organizadas politicamente e ocupadas em difundir uma versão grotesca e ultrapassada de liberalismo econômico. No universo do mercado livre, sem qualquer regulação, coordenação e planejamento, a anarquia e o caos social surgem e reclamam soluções de força. A ausência de solidarismo e o individualismo exacerbado conduzem à desordem, somente atenuada pela obediência ao soberano, homem da família, cuja moralidade é agir contra tudo e todos, para proteger os seus, os escolhidos, na jornada até a suposta terra prometida.

Uma série de equívocos nos trouxe até este momento. A pressuposição de que a justiça se confunde com a democracia, por exemplo, desgraçou o sistema político, a atividade política e, no limite, a cultura pública essencial à construção republicana. O caráter normativo do conceito de justiça dificulta verificações empíricas sobre o que seria uma situação justa, em contraste com o governo democrático que evidencia o que descreve. A primeira, conforme explica o filósofo político Félix E. Oppenheim (1913-2011), reclama o auxílio de definições morais; a segunda, não. E é este o engodo, a verdadeira cilada, que se armou no caminho da cidadania. Na luta contra a corrupção, a conexão entre Direito e Política foi subvertida a ponto de o Direito se confundir com a força coativa do Estado, e a práxis política ser amesquinhada por certa racionalidade econômica para a qual o não-Estado é o objetivo.

Voltando ao passado, a representação idealista da República como uma construção virtuosa, ordenada de cima para baixo, aproxima os que anseiam por justiça dos que exploram seus sentimentos e esvaziam a esfera pública. Num cenário atomizado, sem lugar próprio e seguro, os grupos primários, nos quais vige o contato íntimo e direto entre os membros, substituem a integração na comunidade política e levam à construção de uma identidade distorcida, apoiada no ódio contra o diferente e em contínuo transe. Tudo a ameaça, tudo a aflige. Não há destino comum; apenas inimigos a derrotar. A violência substitui o diálogo; a própria atividade parlamentar perde o sentido, transformando o que deveria ser a ágora moderna numa verdadeira arena, ocupada por tipos aberrantes e incapazes.

É por saber que os homens são o que são que os republicanos modernos criaram o sistema de pesos e contrapesos. Inumano um governo de deuses, falíveis os homens, a República moderna só é possível se operada pela Política ativa e protegida pelo Direito. Este não troca de lugar com aquela, nem pode. É de sua neutralidade e independência que os conteúdos de justiça construídos ao longo da história dependem. O que consideramos avanços civilizatórios não são objeto de negociação. Promotores, magistrados ou mitos não ocupam o proscênio. Entre nós, este pertence à cidadania.

* Sociólogo. Pesquisador do LabPol (Laboratório de Política e Governo da Unesp-FCLCAr). 


RPD || Paulo Baía: Os ventos andam favoráveis para Bolsonaro

Apesar do descaso com o meio ambiente, o aumento das queimadas e devastação na Amazônia e no Pantanal, além dos efeitos nocivos da pandemia do novo coronavírus na economia brasileira, Bolsonaro continua com sua popularidade em alta, mostra Paulo Baía em seu artigo  

Para Jair Bolsonaro, os ventos andam favoráveis no mesmo ritmo em que o Pantanal arde em chamas. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), as queimadas aumentaram 210% em 2020, se comparadas ao mesmo período do ano de 2019. Dessa forma, de janeiro a setembro de 2019, foram registrados 4.660 focos de incêndio. Já em 2020, foram 14.489 focos. A fauna e a flora sofrem nas mãos de um governo que tem o meio ambiente como um obstáculo para a ideia de um progresso aos moldes extrativistas – pecuária e minérios.

No entanto, os ventos vindos pelo lado social e político, segundo a última pesquisa do IBOPE de 24 de setembro de 2020, indicam um aumento da popularidade de Bolsonaro para 40% de bom e ótimo e 29% de regular, o melhor índice desde a posse. A ventania a favor de seu governo cresceu ao redor dos 69% dos entrevistados, marcando seu apoio. O levantamento foi feito a pedido da Confederação Nacional da Indústria (CNI). E o aumento da popularidade ocorreu principalmente entre cidadãos que têm renda familiar de até um salário mínimo (R$ 1.045,00).  

No novo livro do cientista político Jairo Nicolau, O Brasil dobrou à direita, lançado no dia 5 de outubro pela editora Zahar, o pensador destaca que parte do eleitorado de Bolsonaro é composto por pessoas que o admiram e se identificam com seu jeito. E o compara a Lula, só que à direita. A admiração do eleitor é encontrada nos grandes centros urbanos, não precisando destacar-se no reduto petista do Nordeste. Talvez por isso, os ventos que queimam o Pantanal não sejam capazes de atingir seus eleitores de marca urbana, que se imaginam distantes dos problemas ambientais. Ele conquistou o eleitor das periferias urbanas, onde os partidos de esquerda não ganham e insistem, segundo o cientista político, numa disputa sobre o “fascismo”. Estas pessoas já vivem sob o domínio da violência cotidianamente, pelas mãos do narcotráfico ou das milícias, e agora pelos consórcios das narcomilícias em formação.

Para Nicolau, Jair Bolsonaro representa o primeiro líder de direita popular desde que o Brasil entrou na era da redemocratização. Talvez o fosso educacional esteja apresentando suas contas e desvelando o “Brasil profundo”. Nem mesmo o aumento do desemprego atingindo 13,1 milhões de brasileiros, a maior marca desde 2012, como indica a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE, de 30 de setembro de 2020, foi capaz de abalar sua popularidade.

O presidente da República permanece seguindo a favor de vetos numa reação recíproca entre identidades que se espelham ao se reconhecerem. A escolha do desembargador Kassio Nunes Marques – presidente do TRF-1 – para a vaga de Celso de Mello é uma sinalização de paz e integração com a magistratura de carreira, uma das pautas da campanha presidencial de Bolsonaro e desejo dos bolsonaristas de raiz. O juiz Kassio Nunes Marques encaixa-se nos critérios políticos e morais que são eixos de seu governo e evita críticas do mundo jurídico em relação ao currículo do novo ministro do STF, além de ser nordestino (do Piauí).  

Em relação às eleições municipais no próximo dia 15 de novembro, os movimentos do presidente da República são discretos em apoio às candidaturas a prefeito na maioria dos 5.570 municípios brasileiros. É um comportamento calculado com o intuito de agradar aos aliados dos últimos três meses, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, após o inquérito das Fake News, que foi capaz de conter seus arroubos autoritários. A presença ativa de Bolsonaro só é vista na cidade do Rio de Janeiro com dois candidatos, Marcelo Crivella e Luiz Lima e, na cidade de São Paulo, com Celso Russomanno.  

Outro vento bastante favorável para o eleitor que o vê como mito é o Programa Renda Brasil, que deverá ser pago a partir de janeiro de 2021. Ou seja, Jair Bolsonaro vai constitucionalizar o programa de renda mínima como política de Estado, o que Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma não fizeram, apesar da insistência cidadã de Eduardo Suplicy.  

Pelo que tudo indica, os ventos aceleram o ritmo de campanha em que o presidente está mergulhado desde a posse. E, pelo que parece, apesar de as queimadas estarem acelerando no Pantanal, na Amazônia e em outras florestas, não estão sendo capazes de consumir o apoio pró-Bolsonaro nesta primavera/verão de 2020, para perplexidade e inação das muitas esquerdas e oposição.

 
    * Sociólogo e cientista político.  


RPD || Editorial: Defesa da democracia e reconstrução nacional

Está em curso a consolidação da aliança entre o presidente da República e o bloco de deputados e senadores que responde pelo nome de “Centrão”. Repudiada, no primeiro momento, pelos núcleos duros do bolsonarismo como capitulação frente à “velha política”, a aliança já rende frutos significativos ao governo e promete colheita ainda melhor de resultados no futuro.

Os arroubos do presidente como revisor e intérprete da Constituição e o consequente confronto com o Legislativo e o Judiciário parecem coisas do passado. Em troca, o governo conseguiu fortalecer sua base de apoio na Câmara e no Senado; está prestes a obter uma composição do Supremo Tribunal Federal mais receptiva para suas demandas e inicia a campanha eleitoral com perspectivas favoráveis para os candidatos do novo e turbinado bloco governista, espalhados entre diversas siglas partidárias.

A oposição, por seu turno, permanece na defensiva, aparentemente atordoada com o crescimento da popularidade do presidente, apesar das crises superpostas, sanitária e econômica, que assolam o país e apontam para um quadro de enorme dificuldade para todos no futuro próximo.

No entanto, é preciso ter claro que a política de confronto aberto com as instituições democráticas não cessou por obra de alguma mudança nas convicções profundas do presidente e de seu círculo mais próximo, mas pela ausência das condições mínimas necessárias para levar essa política às últimas consequências. Houve mudança para ganhar tempo; tempo para fortalecer as posições do governo, com dois objetivos.

Primeiro, possibilitar o aceleramento da política de destruição nacional em andamento. “Passar a boiada”, na expressão do ministro Ricardo Salles, para avançar no rumo da catástrofe ambiental, do isolamento internacional, do desastre sanitário, do retrocesso educacional, bem como da transformação da segurança pública e dos direitos humanos em campos repletos de minas.

Segundo, criar as condições para revisitar a estratégia do confronto, quando as consequências da crise e a responsabilidade do governo sobre o processo aparecerem de forma mais clara para a opinião pública. Cenários de popularidade baixa e dificuldades eleitorais crescentes são propícios para investidas populistas contra a legitimidade do processo eleitoral.

Cabe às oposições não ceder às tentações da divisão, ao conforto ilusório do isolamento. Urge retomar o processo de convergência em torno de objetivos comuns: a defesa da democracia e a construção de uma plataforma mínima de reconstrução nacional.


RPD || Ensaio - João Cezar de Castro Rocha: A desqualificação nulificadora

Ensaio de João Cezar de Castro Rocha analisa a retórica do ódio presente nas pregações do guru do Bolsonarismo, Olavo de Carvalho. Falso silogismo olavista pode - e tem - de ser desmascarado, avalia

Tal como ensinada na pregação de Olavo de Carvalho, a retórica do ódio é uma técnica discursiva que pretende reduzir o outro ao papel de inimigo a ser eliminado.  

Trata-se de uma técnica — e esse aspecto deve ser sublinhado. Por isso, pode ser ensinada e transmitida. E como uma técnica, possui elementos próprios. No caso do discurso de Olavo, destacam-se dois procedimentos: a desqualificação nulificadora e a hipérbole descaracterizadora. 

A retórica do ódio tem um alvo expresso — a “esquerda”, compreendida como um bloco monolítico, representante da “mentalidade revolucionária” — e um conjunto determinado de recursos — sempre com a finalidade de eliminar o adversário.  

Marco zero da retórica do ódio, gênesis e apocalipse da técnica olavista, a desqualificação nulificadora reduz o adversário ideológico num outro tão absoluto que ele passa a se confundir com um puro nada, um ninguém de alguém nenhum. O efeito é assustador porque autoriza a completa desumanização de todo aquele que não seja espelho. E como se trata de uma técnica, a desqualificação nulificadora foi apreendida e multiplicada pela miríade de youtubers de direita, empregada à exaustão nas redes sociais, por meio da orquestração muito bem coordenada de likes deslikes, e, por fim, traduzida e ampliada nos círculos políticos do fenômeno bolsonarista, por meio do linchamento permanente do inimigo de plantão.  

O primeiro nível da técnica da desqualificação nulificadora não passa de um truque infantil. Olavo de Carvalho principiou o joguete: por que não desqualificar um adversário pela corrupção paródica de seu nome próprio? Não vou me estender muito mais nesse primeiro (des)nível. O historiador Marco Antônio Villa, torna-se Marco Antônio Vil; o pensador Mário Sérgio Cortella, Mário Sérgio Costela. Sem comentários... 

Venho, pois, ao segundo nível da desqualificação nulificadora. Trata-se da estigmatização que converte o outro numa mera caricatura, estimulando o seu sacrifício simbólico — pelo menos numa fase inicial.  

A estigmatização tem um alvo preciso, aliás, ponto de interseção entre olavismo e bolsonarismo: 

       Cada vez mais me convenço de que o movimento comunista tem sido a ÚNICA força agente no cenário mundial. O resto é apenas “reação”, termo com que os próprios comunistas o descrevem   com notável exatidão. (Facebook, 25 de setembro de 2016, grifos meus).  

A sequência da postagem é uma peça inadvertidamente dadaísta: 

       (...) Desde a II Guerra o “establishment” americano, incluindo um exército inteiro         de conservadores, tem como uma de suas principais ocupações acobertar — e             portanto ajudar — a penetração comunista nos altos círculos do governo,         tornando-a tanto mais poderoso e devastadora quanto mais invisível e imencionável. (grifos meus). 

um exército inteiro, não de democratas radicais, porém de conservadores, unidos na improvável missão de propiciar o triunfo do movimento comunista internacional, muito embora a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas tenha sido dissolvida sem honra alguma em dezembro de 1991. Pois é... 

Chegamos assim ao terceiro nível da desqualificação nulificadora: eliminação do outro, pois no âmbito da retórica do ódio, o adversário é um inimigo a ser eliminado. 

Não exagero: leia esta postagem de 2018: 

       Quebrada a hegemonia intelectuala guerra cultural começa com a desocupação de espaços. Botar         para fora, da maneira mais humilhante possível, os farsantes e usurpadores. Isso exige militância organizada e PRESENÇA FÍSICA. (Facebook, 20 de março de 2018, grifos meus).  

PRESENÇA FÍSICA? Ameaçadoras letras maiúsculas, associadas à ideia belicosa de uma militância organizada? Compreende-se que a noção de guerra cultural pouco tem de metafórica, sendo antes a expressão de um desejo nada obscuro, explicitada por verbos como quebrarvarrereliminarapagar. Mais uma vez, o fantasma da hegemonia intelectual da esquerda é um falso passaporte que pretende legitimar toda forma de violência simbólica, que, agora sabemos, é o prelúdio cinzento da PRESENÇA FÍSICA — violenta, por óbvio.  

A desqualificação nulificadora é o meio através do qual a retórica do ódio e a Doutrina de Segurança Nacional vivem em permanente lua de mel, inventando inimigos em série. Esse é o passo mais importante na caracterização da retórica do ódio. Contudo, precisamos ainda descrever um segundo procedimento padrão da mentalidade revolucionária olavista, a hipérbole descaracterizadora. Se entendermos seu alcance, o castelo de cartas marcadas do sistema de crenças Olavo de Carvalho terá os dias contados.  

Hipérbole descaracterizadora  

A marca d’água da mentalidade olavista é o cacoete da redundância, que pretende, por assim dizer, manipular a consciência do leitor, já que a reiteração sistemática do que se acabou de dizer almeja, conscientemente ou não, paralisar o receptor, que assediado pelo mesmo sentido, confundindo a reflexão filosófica com a experiência iniciática.  

Comecemos a descrever a hipérbole descaracterizadora com o vídeo O Olavo tem razão 1: quem sou eu. O próprio fala de si. Um artigo que Ruy Fausto dedicou a sua obra serviu de pretexto.[1] Olavo então esclareceu a razão do impacto que produziu na cena brasileira.  

Escutemos: 

       E o que eu escrevi tem mais efeito do que o que ele escreveu, porque eu escrevo mil vezes melhor           do que esses caras, pô! É a coisa mais óbvia do mundo.  Eles             não sabem nem português, são uns             coitados, porra! Então... agora o que eu escrevo é vivo, é engraçado, tem humor, tem sentido, tem           conteúdo; então, é claro que acaba tendo muito mais repercussão. É obvio.[2] (grifos meus) 

A autoproclamação hiperbólica — eu escrevo mil vezes melhor —econfirmatória— o que eu escrevo é vivo, é engraçado, etc. —tornou-se a máscara sem medo usada por Olavo de Carvalho em sua persona nas redes sociais. O efeito é devastador: seus discípulos adotam o truque, embora em geral não disponham de formação sólida em área alguma do conhecimento. Rapidamente, e com invejável ousadia, ministram cursos online com base em dois ou três livros consultados dogmaticamente acerca de um tema aleatório. O resultado é o caos cognitivo que domina o cenário brasileiro contemporâneo.  

Nos textos de Olavo sempre estamos às voltas com o mais vasto empreendimento, envolvendo centenas de militantes-delatores infiltrados nas mais diversas instâncias do estado e na sociedade civil, e, claro, jamais houve na história do Ocidente uma tal empresa; naturalmente, não há nenhum precedente histórico para esse fenômeno, capaz de criar um império universal da impostura, pois, ao fim e ao cabo, um cérebro marxista nunca é normal.  

Ora, tomei frases soltas da trilogia de Olavo de Carvalho, e simplesmente alinhavei uma longa frase, tendo como ponto de fuga a “ameaça vermelha”, pânico que, no campo da direita e sobretudo da extrema-direita, confere verossimilhança às associações mais desconexas e às conclusões mais disparatadas. Inventei assim um aplicativo: o gerador automático de frases do sistema de crenças Olavo de Carvalho. É uma espécie de silogismo aristotélico de Napoleão de hospício. Isto é, no silogismo, digamos, com juízo, duas proposições verdadeiras possibilitam a inferência de uma terceira proposição igualmente válida. A primeira premissa é de caráter mais geral, a segunda, mais restrita, e a conclusão é derivada da relação entre as duas proposições anteriores. No exemplo sempre citado: 

       Todo homem é mortal. 

       Sócrates é homem. 

       Sócrates é mortal.  

Cristalino, não é mesmo? 

Agora, por efeito de contraste, o falso silogismo olavista pode ser desmascarado. Olavo parte sempre da conclusão — “o perigo vermelho” iminente, e, desse modo, pouco importa o conteúdo das proposições, que, logicamente, deveriam anteceder à conclusão. Como ela se encontra determinada à priori e jamais se altera, Olavo inaugurou uma nova modalidade de lógica: trata-se da lógica do vale-tudo. Em 2019, a conclusão pau-para-toda-obra conheceu uma formulação impecável: 

       Nada no mundo se compara à intensidade do ódio no coração de um esquerdista.            É implacável, incessantesem fim. (Twitter, 4 de novembro de 2019, grifos meus).  

A redundância e suas reiterações infinitas: se o ódio é incessante, já se sabe que é sem fim. Se essa é a ilação-matriz, então, literalmente qualquer conteúdo se torna inaceitável; mesmo as afirmações mais absurdas parecem razoáveis.  

Acredite! 

Vejamos alguns exemplos.  

       A tal quarentena é A MAIOR FRAUDE DA HISTÓRIA HUMANA. (Twitter, 20 de abril de 2020,            grifos meus). 

       Para o futuro do Brasil,  a luta contra os comunistas é prioritária. O resto é TUDO desconversa,          oba-oba e carreirismo. TUDO. (Facebook, 15 de setembro de 2020, grifos meus) 

A mentalidade do Messias Bolsonaro ecoa essa lógica do vale-tudo. Recentemente, diante do fracasso óbvio da política econômica de seu governo, o presidente levantou a suspeita da presença de “infiltrados do PT” na equipe econômica.[3]Os ineptos ministros da Educação justificam a inação de suas gestões recorrendo à noção olavista das centenas de militantes infiltrados. O predomínio do silogismo de Napoleão de hospício nas altas esferas da administração pública somente torna ainda mais agudo, quase dramático, o paradoxo: o êxito do bolsonarismo implica o fracasso do governo Bolsonaro. 

hipérbole olavista é descaracterizadora porque ela suprime deliberadamente as mediações entre os pontos tratados num argumento qualquer. Transita-se do alfa ao ômega sem pausa alguma, numa vertigem que impede a reflexão e despreza o conceito. O uso constante de letras maiúsculas apenas dá forma visual ao efeito pretendido, qual seja, a adesão absoluta ao exposto pelo mestre-sabe-TUDO. 

O inquietante é a homologia entre o recurso estilístico olavista e a natureza autoritária do projeto político bolsonarista. Em ambos os casos, o propósito último é o de abolir toda forma de mediação, a fim de estabelecer seja o controle da consciência dos discípulos, seja o estabelecimento de uma “democracia” direta por meio da abolição das mediações institucionais entre poder e cidadania.  

Caracterizada a retórica do ódio, descritos os seus procedimentos textuais, damos o primeiro passo para sua superação. Isto é, precisamos abraçar a ética do diálogo, na qual o outro é sempre um outro eu, cuja diferença enriquece minha perspectiva porque amplia meus horizontes. 


[1] Ruy Fausto. “Única coisa rigorosa no discurso de Olavo de Carvalho são os palavrões”. Folha de SPaulo, 30 de novembro, 2018: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/11/unica-coisa-rigorosa-no-discurso-de-olavo-sao-os-palavroes-diz-ruy-fausto.shtml

[2] O Olavo tem razão 1: quem sou eu: https://www.youtube.com/watch?v=5q1FhFgjBhY

[3] Thiago Bronzatto. “Bolsonaro desconfia de ‘infiltrados do PT’ na equipe econômica”. Revista Veja, 27 de setembro de 2020: https://veja.abril.com.br/brasil/bolsonaro-desconfia-de-infiltrados-do-pt-na-equipe-economica/

https://youtu.be/5q1FhFgjBhY

RPD || Entrevista especial: O Brasil está menos transparente, diz Gil Castello Branco

Economista fundador da Contas Abertas alerta que corrupção pode levar o país a perder no mínimo cerca de R$ 18 bilhões dos recursos federais usados no combate à pandemia

Por Caetano Araújo e Davi Emerich

Com mais de 150 mil brasileiros mortos em plena pandemia do novo coronavírus, o Brasil está menos transparente no combate contra a corrupção. A avaliação é do economista Gil Castello Branco, 68 anos, fundador e atual diretor executivo da Associação Contas Abertas, entidade que fomenta a transparência, o acesso à informação e o controle social no país.

Entrevistado especial desta 24ª edição da Revista Política Democrática Online, Castello Branco acredita que, em meio à pandemia, a redução da transparência é ainda mais preocupante. “Já foram autorizados para o enfrentamento ao Covid-19, só na área federal, cerca de R$ 600 bilhões; na hipótese (otimista) de que 3% desses recursos venham a ser desviados, R$ 18 bilhões serão abocanhados por criminosos”, avalia.

Gil Castello Branco realiza frequentemente palestras em workshops para empresários, e cursos em instituições acadêmicas e nos principais veículos brasileiros de comunicação (O Estado de S. Paulo, TV Globo, Folha de S. Paulo, Fundação Getúlio Vargas, USP, UnB e O Globo, entre outros). Foi professor visitante da Unicamp e colunista mensal dos jornais O Globo, Correio Braziliense e O Estado de S. Paulo.

Para ele, “é preocupante constatar que, desta vez, as acusações não pairam sobre um, dois, ou três partidos políticos. Não dizem respeito a um governador ou a um secretário”, lamenta. “A corrupção está acontecendo de uma forma horizontal, e merece ampla reflexão. A única arma de que dispomos é a transparência”, completa Castelo Branco.

Atualmente Castello Branco é o professor do curso EaD No rastro digital do dinheiro público: como fiscalizar os gastos da União, Estados e Municípios, organizado pela Knight Center for Journalism in the Americas, da Universidade do Texas, em parceria com a Contas Abertas. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.

 
Revista Política Democrática Online (RPD) – Antes das eleições de 2018, o senhor dizia que as propostas dos candidatos estavam ao nível de “lava pé”. Estamos no mesmo nível ou houve alguma variação?    
  

Gil Castello Branco (GCB) – Acho que realmente as propostas tiveram a profundidade de um lava pé. Só que hoje estamos inclusive com dúvidas quanto ao que irá acontecer em relação às propostas. Atualmente estão no ar o Renda Cidadã, o Pró-Brasil e até a intenção de prorrogar o auxílio emergencial. Mas são propostas que esbarram em uma série de dificuldades, a começar pelo teto de gastos. O país está quebrado. Já vinha rachado antes da pandemia, com gastos maiores do que a arrecadação por seis anos seguidos. Já começávamos o ano no vermelho: essa era a realidade reinante de 2014 a 2019. Em 2020 não foi diferente; a meta fiscal antes mesmo da pandemia já era de um déficit de R$ 124,1 bilhões (Tesouro, Previdência e Banco Central). A previsão era um pouco melhor do que no início de 2019, cuja meta era de um déficit de R$ 139 bilhões.  

Acontece que a pandemia chegou e nos pegou, eu diria, em uma situação fiscal que já era bastante difícil. A dívida pública, que era de 51,5% do PIB em 2013, passou para 79% do PIB, em setembro de 2019. Em 2020, com a pandemia, poderá chegar a 95% do PIB, ou mesmo ficar acima de 100% do PIB.  

O governo tem pouca margem de manobra, diante de outro fator marcante no crescimento de nossa despesa pública. No início da década de 2000, exatamente em 2002, nossa despesa obrigatória correspondia a 76,8% da despesa primária (excluídas as despesas financeiras). Na proposta do orçamento para 2021, as despesas obrigatórias representam 93,7% do PIB. Ou seja, a despesa discricionária para 2021, a que o governo poderá eventualmente mexer, é de apenas 6,3% da despesa primária. Chego a achar curioso que o Congresso Nacional passe quatro meses, desde que o orçamento foi entregue, em 31 de agosto, para discutir o que será feito com aproximadamente 6% da despesa não-obrigatória. Esse engessamento restringe as margens de ajuste do governo. O investimento, que é o gasto nobre – obras, compras de equipamentos para hospitais, escolas etc. – vai ficar cada vez mais tendendo a zero. Em 2020, ele é só 0,4% do PIB.    

RPD – Passamos nos últimos anos por vários processos de avanço no combate às práticas de corrupção. Da Lava Jato sobrou algum avanço? Hoje é mais difícil roubar do que era antes ou não? Houve excessos por parte da Lava Jato, no que ficou conhecido como “Vaza Jato”?    

GCB – O Brasil é historicamente um país corrupto. Vejam, por exemplo, os indicadores da Transparência Internacional, divulgados todos os anos, apresentando os índices de percepção da corrupção, criados em 1995. Nos primeiros anos da série, quando a escala era de 0 a 10, o Brasil nunca chegou sequer a 5. Costumo dizer que nós nunca passamos de ano no que diz respeito à corrupção, porque não obtínhamos sequer a nota 5. Depois, quando a escala passou a ser de 0 a 100, o Brasil de novo não conseguiu chegar à nota 50. Em 2019, com a nota 35, o Brasil ficou em 106º lugar, em um universo de 180 países. Há 5 anos seguidos estamos caindo nesse ranking, o que reflete a percepção de um país cada vez mais corrupto.

A Lava Jato, a meu ver, estava modificando esse quadro. Antes dela não se viam poderosos indo para a cadeia, fossem eles empresários, políticos, banqueiros etc. Tive a ocasião de visitar a força tarefa da Lava Jato em Curitiba logo no início, e vi o quanto era importante a união de diversas pessoas em diversos segmentos para que a corrupção e o crime organizado pudessem ser combatidos. Integravam a força tarefa profissionais especialistas no sistema financeiro, bancário, pessoas que tinham a possibilidade de fazer conexões com o exterior para a colaboração internacional, e conheciam a fundo a Receita Federal. Com esse apoio, os procuradores conseguiram formatar processos com tal consistência que escritórios famosos de advocacia, desta vez, não conseguiram invalidar provas na origem, o que acontecia até então com frequência. Isso não aconteceu com a Lava Jato. Os escritórios de advocacia, inclusive os grandes escritórios criminalistas, passaram a não conseguir inocentar rapidamente os seus clientes. Quando surgiu o instrumento da delação premiada, alguns escritórios tradicionais foram até substituídos por outros mais especializados nessa linha de defesa.  

O excelente trabalho da força-tarefa foi extremamente importante para que tivéssemos a impressão de que a corrupção iria diminuir no país. Pouco depois, surgiram as “10 Medidas Contra a Corrupção” ampliadas posteriormente para as “70 Medidas Contra a Corrupção”, um trabalho coordenado pela Fundação Getúlio Vargas e a Transparência Internacional, que contou com a participação de quase 300 entidades, inclusive a Contas Abertas.  

O que está acontecendo com a Lava Jato no Brasil não é muito diferente do que aconteceu com a Operação Mãos Limpas na Itália. Quando a operação começou a atingir poderosos, dos mais diversos naipes, inclusive políticos, a operação começou a ser fragilizada por diversos meios. E, hoje, dizem na Itália, que combater a corrupção depois da Mãos Limpas é mais difícil do que era anteriormente. Por quê? Porque justamente a Legislação foi sendo afrouxada de tal maneira que inviabilizou o combate mais acirrado à corrupção. E receio que isso possa acontecer aqui no Brasil, ou, pior, que já esteja acontecendo.  

A meu ver, a “Vaza Jato” não trouxe absolutamente informação alguma que pudesse consignar a parcialidade do juiz, a favor ou contra um determinado réu. Meu pai era promotor de Justiça e um de seus grandes amigos era um juiz. Nossas famílias se relacionavam e jamais essa relação afetou a atividade profissional de ambos. O promotor e o juiz representam o Estado. Não vi nas denúncias da “Vaza Jato” qualquer ato ou informação que pudesse configurar prejuízo aos investigados.  

RPD – Haveria, a seu juízo, algum paradoxo entre os resultados políticos colhidos pelo candidato à Presidência em sua campanha em favor do combate à corrupção e a conduta do chefe de Estado, sobre o qual pesam evidências constrangedoras de envolvimento com a baixa corrupção e com o alto crime organizado?  
GCB – Sem dúvida, o presidente da República se elegeu em função da promessa de continuar o trabalho anticorrupção. Hoje, entretanto, sinto-me completamente decepcionado com o que vejo no Brasil, uma espécie de pacto em favor da impunidade, que já vinha sendo desenhado há alguns anos. Basta lembrar aquela frase do Romero Jucá: “Nós precisamos estancar essa sangria”. Essa era e é a opinião de vários políticos, e inclusive de alguns ministros do Supremo, que chegavam a dizer que o combate à corrupção estaria prejudicando o crescimento do país. A meu ver, uma falácia.  

Atualmente, percebo a existência de um pacto entre os Três Poderes. Foram adotadas medidas no Legislativo e no Judiciário que dificultaram o combate à corrupção. Por exemplo, dentro do próprio Supremo Tribunal Federal, a mudança da interpretação da prisão a partir da condenação em segunda instância. Além disso, o presidente do Tribunal chegou a suspender a troca de informações que existia entre o Coaf, órgãos do Ministério Público e a Polícia Federal, decisão que foi, posteriormente, revista. Foram paralisadas investigações que a Receita Federal vinha fazendo, de forma absolutamente imparcial, em relação a algumas autoridades. No Legislativo, foi aprovado às pressas o projeto de lei de abuso de autoridade e não se tem observado pressa alguma na condução das propostas que podem recompor a prisão a partir de segunda instância. Foram também desidratadas as propostas anticorrupção apresentadas pelo então ministro Sérgio Moro, e engavetadas as 70 Medicas Contra a Corrupção, de iniciativa da sociedade civil.    

Nessa mesma linha, o presidente da República, preocupado com a defesa dos seus familiares atingidos por denúncias e por evidências de irregularidades, tomou várias decisões como rasgar a carta branca que ele tinha dado ao então ministro da Justiça Sérgio Moro, contrariando completamente o discurso de campanha, para influir nas decisões da Polícia Federal, o que na minha percepção, ficou absolutamente caracterizado, qualquer que seja a consequência. Além disso, indicou a dedo um Procurador-Geral da República que, muitas vezes, parece mais um advogado criminalista do que propriamente um membro do Ministério Público. Recentemente, o presidente indicou um novo ministro para o STF com base na opinião de políticos investigados e de atuais ministros da Corte que nunca se caracterizaram pelo enfrentamento rigoroso à corrupção.

Em resumo: creio que os instrumentos de combate à corrupção estão sendo enfraquecidos, tal como ocorreu na Itália. Temo que estejamos retrocedendo décadas no que diz respeito efetivamente ao combate à corrupção, com certa conivência da cúpula dos Três Poderes.    

RPD – Como você avalia a questão da reforma da Previdência, que também não é um privilégio do governo Bolsonaro, até porque várias medidas para reformá-la foram tomadas em governos anteriores, desde Fernando Henrique, passando por Lula e Dilma?    
GCB – A questão da Previdência, de fato, precisava ser novamente enfrentada, o que já vinha sendo discutido há muito tempo, há vários governos. A Previdência é a segunda maior despesa do país, após os juros. Para 2021, mesmo depois da reforma, apenas as despesas com a Previdência e Pessoal corresponderão a mais de R$ 1 trilhão. Dessa forma, de uma despesa primária de aproximadamente R$ 1,5 trilhão, cerca de R$ 1,077 trilhão serão gastos com Pessoal e Previdência. A reforma, porém, manteve privilégios, como por exemplo em relação aos militares que acabaram saindo com vantagens. Em decorrência da pandemia, a economia de R$ 700 bilhões que seria obtida em 10 anos com a reforma foi completamente consumida no combate ao Covid-19. A reforma também não alcançou os Estados e Municípios que continuam em uma situação extremamente difícil.    

RPD – E quanto às privatizações e às outras reformas, como a tributária?  
GCB – As privatizações, realmente, ainda não saíram do papel. Deve ter sido uma enorme frustração para o ministro Paulo Guedes, um liberal da escola de Chicago, como também para muitos do grupo que ele trouxe para o governo. Quanto à reforma tributária, existem, hoje, três propostas: uma na Câmara, uma no Senado, e outra do governo. Em outras palavras, quem tem três, não tem nenhuma. E não acredito que avancem, não só em função da pandemia, mas, também, das eleições. O governo, cada vez mais, vem adotando linha populista, em que a preocupação central é mais a eleitoral do que com a responsabilidade e a austeridade fiscal, fato que já afeta alguns parâmetros da economia.

O real foi a moeda que mais se desvalorizou nos últimos tempos dentre todos os países emergentes. A taxa de juros futuros está subindo e o governo poderá ter dificuldades para rolar a dívida. Já é perceptível a fuga de capitais, com cerca de R$ 88 bilhões deixando a Bolsa de Valores, o dobro do que aconteceu em todo o ano passado. A bolsa opera abaixo de 100 mil pontos, sintoma de insatisfação do mercado financeiro. A inflação está em processo de aceleração, sobretudo no segmento da alimentação. Trata-se, enfim, de uma série de parâmetros que revelam que os agentes econômicos, de uma maneira geral, não estão mais acreditando que o governo irá seguir com reformas e no caminho da responsabilidade fiscal.    

Agora, a cereja desse bolo populista é realmente a situação do Renda Cidadã e do Pró-Brasil. A preocupação maior do governo deixa o mercado de cabelo em pé. Nitidamente, a preocupação do governo não é apenas a de ampliar a base do Bolsa Família e sim fazer com que o valor médio desse novo programa, o Renda Cidadã, chegue o mais perto possível dos R$ 300,00 que está sendo pago como auxílio emergencial e alavancou a popularidade do presidente. Só que sair do atual valor médio de R$ 191,00 do Bolsa Família para valor próximo de R$ 300,00, além do aumento da base, irá significar um aumento relevante da despesa. O orçamento já está combalido e o país quase quebrado.  

Neste quadro fiscal extremamente difícil, há hipóteses do endividamento chegar ao final deste ano bem perto de 100% do PIB. A Instituição Fiscal Independente, do Senado Federal, trabalha com três cenários. No otimista, a dívida bruta do governo chegará a 92% do PIB; no cenário base atingiria 96,1% do PIB; no cenário pessimista a dívida alcançaria 101,3% do PIB. Quanto ao déficit primário, segundo estimativa do próprio governo, o Brasil só deverá reequilibrar suas finanças, ou seja, equilibrar receita e despesa, em 2026/2027. Mas, no cenário pessimista da Instituição Fiscal Independente, isso só irá acontecer no início da década de 2030.    

RPD – Com a sua autoridade de dirigir “Contas Abertas”, o Brasil de hoje é mais ou menos transparente em relação a governos anteriores?    
GCB – O Brasil está menos transparente. Lembro que, logo nos primeiros meses do governo, houve a tentativa de fazer com que os documentos secretos pudessem ser declarados como tal por uma quantidade enorme de pessoas. Ao se aprovar a Lei de Acesso à Informação, a ideia era justamente limitar o número de pessoas com essa capacidade, para que fosse possível manter maior controle sobre os documentos secretos e quem decidiria pelo sigilo maior. O Fórum de Acesso às Informações Públicas tem interpelado a Controladoria Geral da União sobre situações de restrição à transparência. Em meio à pandemia, a redução da transparência é ainda mais preocupante. Já foram autorizados para o enfrentamento ao Covid-19, só na área federal, cerca de R$ 600 bilhões; na hipótese (otimista) de que 3% desses recursos venham a ser desviados, R$ 18 bilhões serão abocanhados por criminosos. A Lava Jato de Curitiba conseguiu recuperar efetivamente pouco mais de R$ 4 bilhões, e tem o objetivo de, no médio/longo prazos, recuperar cerca de R$ 14 bilhões. Estamos, portanto, diante da possibilidade de uma fraude enorme, em volume inédito, em tão pouco espaço de tempo, durante a pandemia. Isso supondo o percentual de 3%. Pelo que já tomamos conhecimento de desvios no pagamento de auxílio emergencial, na compra de respiradores, máscaras, álcool em gel, toucas, na construção de hospitais de campanha etc., serão apenas 3%?  O maior antídoto contra a corrupção é a transparência.

Algo preocupante é constatar que, desta vez, as acusações não pairam sobre um, dois, ou três partidos políticos. Não dizem respeito a um governador ou a um secretário. A corrupção está acontecendo de uma forma horizontal, e merece ampla reflexão. A única arma de que dispomos é a transparência, até mesmo porque as medidas de enfrentamento à corrupção tiveram caráter emergencial. Esta emergência, embora indiscutível, pode ter gerado facilidades maiores para os corruptos.  

RPD – Ou seja, a tendência é pessimista.    
CB – Sim. A emergência não revoga os princípios constitucionais de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A emergência não dispensa a fiscalização rigorosa por parte do Ministério Público, Tribunais de Contas e da própria sociedade. Tal como já dizia há um século um juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, “a luz do sol é o melhor dos desinfetantes”. A transparência é essencial para que exista o controle social. Repito, na hipótese de desvio de 3% do montante destinado ao enfrentamento à pandemia, a corrupção atingiria a R$ 18 bilhões. A corrupção no Brasil pode ter-se tornado mais horizontal do que muitos imaginam.