cidadania
Cidadania, um espaço de atuação antenado com os novos tempos
Francisco Inácio de Almeida e Ivan Alves Filho
Agremiação política formada em 2019, como resultado da transformação que atingiu o Partido Popular Socialista (PPS), o Cidadania23 tem por objetivo contribuir para mudar a vida dos brasileiros em seus múltiplos aspectos.
Posicionando-se como herdeiro das lutas libertárias do nosso povo, as quais tiveram, em diferentes períodos, no decorrer do século XX, a participação decisiva dos anarquistas, dos socialistas e dos comunistas, o Cidadania23 tem consciência, contudo, de que vivemos um momento historicamente novo, o qual se pauta pela emergência de novos campos de reflexão e de luta.
As mudanças na esfera produtiva, com os avanços possibilitados pela automação, a inteligência artificial e o trabalho por conta própria, já deixam marcas profundas na nossa maneira de fazer política.
Se o movimento anarquista correspondeu a uma fase da organização da indústria, mais artesanal, e o movimento comunista representava a fase da indústria pesada, com uma maior separação entre o capital e o trabalho, hoje entramos em uma nova era industrial ou até mesmo pós-industrial, com ênfase na sociedade do conhecimento e no trabalho imaterial. Somos Cidadania!
O Cidadania é um movimento em diálogo permanente com a sociedade, transformando e se transformando na luta por uma nova hegemonia política que assegure a ampliação e consolidação da democracia brasileira na busca de uma nova economia, com inclusão social, preservadora do meio ambiente e dos nossos valores culturais, os valores do Humanismo.
É natural que uma outra política se faça necessária, a partir das transformações que se operam na base material da nossa sociedade. O mundo do trabalho, o mundo da cultura e a Democracia formam o tripé da nossa atuação política renovada.
O Cidadania23 entende a Democracia como um valor civilizatório, com desdobramentos nos terrenos econômico, social e institucional. Ou seja, a Democracia como meio e como fim. Alguns setores revelam mais sensibilidade na abordagem da Democracia econômica, outros avançam mais na compreensão da Democracia social ou política.
Mas o chão democrático comum pode uni-los. E a linha divisória se dá entre Democracia e Autoritarismo. Ou, se preferirmos, entre Civilização e Barbárie.
Cumpre um papel importante neste processo de retomada da Democracia o pleno entendimento do que o Estado representa de fato na vida contemporânea. Este entendimento repousa em dois pilares. De um lado, é preciso afirmar sempre sua dimensão pública, lutando contra a sua privatização ou submissão a interesses particulares.
De outro, é necessário que o Estado se submeta, aí sim, aos interesses maiores da sociedade. A esfera pública só assim poderá ser realmente contemplada. Um partido político contemporâneo tem que ser o representante da sociedade no Estado e não o contrário.
Mais: a contradição não se dá entre Estado e mercado, mas entre capital e interesse social. O conteúdo público de uma determinada propriedade é dado não por seu caráter formal, mas por sua gestão. Estatização não é sinônimo de socialismo, nem mercado sinônimo de capitalismo.
O mundo está em acelerada transformação. As fronteiras entre as classes sociais, os modos de vida se deslocam constantemente, assim como se alteram a nossa visão de mundo e a relação do homem com a natureza. Daí a necessidade imperiosa de alinharmos alguns eixos de ação, a saber:
a) exame do desenvolvimento atual das forças produtivas, com foco na automação, na inteligência artificial, no empreendedorismo e na nanobiotecnologia;
b) análise dos impasses atuais impostos ao meio ambiente e à sobrevivência da espécie humana;
c) aprofundamento do conhecimento da cultura brasileira e internacional (regionalismo, dimensão identitária, miscigenação, papel da contra elite cultural, a contribuição ou presença feminina, a relação com as instâncias institucionais);
d) e, por fim, estudo permanente e acurado da Democracia, entendida como uma conquista da própria Humanidade.
Repensar, em suma, o caráter de massas da Democracia, democratizar a própria Democracia, afinando os instrumentos de representatividade, nos quais têm um valor central o trabalho colegiado e a rotatividade em todas as esferas do poder.
Um denominador comum possível talvez seja a cidadania. Seu vínculo com o mundo do trabalho pode ser feito por intermédio da Constituição. Sua ligação com cada um de nós, individualmente falando, pode ser realizada por meio das lutas identitárias, incluindo aí a cultura como pertencimento. Seu elo com as liberdades pode se dar pela defesa dos direitos de ir e vir das pessoas.
A cidadania pode ser o grande fator estruturante da participação popular pelas mudanças. Ela perpassa o sistema de classes; como conquista do processo civilizatório não é monopólio de classe alguma. É um patrimônio de todos. A lógica do lucro atinge a toda a sociedade, e não apenas a quem nela trabalha. A cidadania, nesse sentido, concerne a todos os membros dela. É unificadora das mais diferentes sensibilidades.
A luta social ensina que precisamos de duas grandes ferramentas. São elas um programa e o instrumento para sua colocação em prática. A reflexão e a ação, dialeticamente irmanadas.
O Cidadania23 é motivo de orgulho para quem quer fazer política de alto nível, num país em que a atividade política não é praticada como deveria, sobretudo por não levar em conta os interesses maiores da sociedade.
Em toda a nossa rica e longa trajetória, oriundos que somos do Partido Popular Socialista e do Partido Comunista Brasileiro, cujo centenário ocorreu há um ano, nós nos reinventamos sempre que a realidade nos coloca esta necessidade, sempre agregando personalidades e cabeças pensantes de relevo nas ciências (sobretudo sociais e políticas), na cultura e nas atividades sociais e políticas, particularmente homens e mulheres que desejam um Brasil melhor e para todos, e não apenas para uma minoria.
Nesta nova realidade, somos o partido que primeiro se articulou com os movimentos sociais, surgidos de atividades organizadas através das redes sociais, particularmente as engajadas nas tecnologias modernas da internet, como o WhatsApp.
Além do mais, objetivando bons resultados para os brasileiros, estamos abertos ao diálogo com todas as forças políticas, evidentemente que não com as que defenderam o Governo Bolsonaro e sua postura antidemocrática contra as instituições e seus membros.
Destaque-se que nenhum grupo politico fez mais por este país do que o nosso partido, de que é exemplo o seu permanente empenho na defesa da democracia e de oportunidades iguais para todos. Exemplo maior nesse sentido foi sua batalha para que fosse feita uma Reforma Agrária no país.
Para tanto, teve a iniciativa de estimular e colaborar para a criação de sindicatos rurais, por todo o território nacional. Foi também o principal responsável pela criação da União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (Ultab), em 1961, assim como da fundação, em 1963, da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (a famosa Contag).
A campanha O Petróleo é Nosso, um dos maiores e mais consequentes movimentos de massa a dominar as ruas do país, teve apoio decisivo nosso. Isso desde meados dos anos 40 e que se tornou vitorioso, em outubro de 1953, quando o presidente Getúlio Vargas criou a Petrobras – Empresa Brasileira de Petróleo.
A luta sistemática e permanente em defesa da mulher, dos seus direitos e evitando-se que ela seja escanteada do seu espaço político natural, também começou por iniciativas de nosso partido, nas primeiras dezenas do século passado.
Ressalte-se que uma das maiores ativistas do Bloco Operário Camponês seria Rosa de Bittencourt, que trabalhava como tecelã em Petrópolis e representaria a mulher brasileira no Congresso Mundial da Mulher, em 1930, na antiga União Soviética. Rosa foi a primeira mulher a aderir ao Partido, ainda em 1922.
Era um período de grande efervescência social e as mulheres não permaneciam alheias a isso. Havia uma dedicação total ao PCB. Uma dessas mulheres, Laura Brandão, poetisa alagoana, vivendo à época no Rio de Janeiro incorporou-se, em 1925, ao lado de Astrojildo Pereira e Otávio Brandão, ao comitê de redação do jornal A Classe Operária.
Desde os anos 30, seus militantes participam da luta na defesa dos índios e tiveram papel central na demarcação e preservação das terras indígenas, atuando em estreita ligação com o marechal Candido Rondon e os irmãos sertanistas Villas-Boas, na primeira metade do século passado.
O Partido também incorpora, desde sua fundação, cidadãos negros, por entender que não havia nem há como garantir um projeto de mudanças para o Brasil sem o combate ao racismo e à exclusão social.
Em 1930, o Partido lançou um operário negro Minervino de Oliveira, do Bloco Operário e Camponês (Boc), como candidato à Presidência da República.
Destaque-se também que o primeiro deputado negro no Brasil foi, em 1945, o operário Claudino José da Silva, do Rio de Janeiro, e que o I Congresso do Negro Brasileiro, realizado em 26 de agosto de 1950, teve a participação decisiva do antropólogo Edison Carneiro, filiado ao nosso Partido.
Nosso Partido conquistou para suas fileiras, desde os anos 1930, a figura singular de Luiz Carlos Prestes, que teve rica expressão na vida política brasileira, assim como outros dirigentes de grande importância nacional, cabeças políticas de alto nível, que deram rica contribuição ao Brasil e revelaram-se líderes partidários exemplares, dentre outros Giocondo Dias, Salomão Malina, Armênio Guedes e Roberto Freire.
A questão judaica também mereceu atenção especial do Partido, desde o seu surgimento nos anos 1920, chegando a conquistar e a incorporar judeus em sua atuação partidária de que são exemplo Jacob Gorender, Salomão Malina, Marcos Jaimovich, Helena Bessermann e Dina Lida Kinoshita.
No movimento editorial, temos Ênio Silveira, Moacyr Félix, Caio Prado Junior, Renato Guimarães, Raul Mateos Castell, dentre outros, e na história da literatura brasileira agregam-se nomes comunistas da qualidade de Astrojildo Pereira, Anibal Machado, Alvaro Moreira, Bandeira Tribuzzi, Bernardo Élis, Ferreira Gullar, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Oswald de Andrade, Solano Trindade e tantos outros, assim como os historiadores Caio Prado Jr., Nelson Werneck Sodré e Joel Rufino dos Santos.
Nas artes plásticas, destacam-se nomes como Candido Portinari, Tarsila do Amaral, Abelardo da Hora, Villanova Artigas, Di Cavalcanti, Ana de Holanda, Aparecida Azedo; e no cinema, figuras como Nelson Pereira dos Santos, João Batista de Andrade, Ruy Santos, Alex Vianny, Lima Duarte, Bete Mendes, Vladimir Carvalho, Silvio Tendler e Zelito Viana.
No teatro e na televisão, nomes como os de Dias Gomes, Gianfrancesco Guarnieri, Glauce Rocha, Dina Sfat, Procópio Ferreira, Mário Lago, Oduvaldo Viana Filho e Stepan Nercessian.
Na música, clássica ou popular, nomes como os maestros Claudio Santoro, um dos fundadores da Orquestra Sinfônica Brasileira, e Francisco Mignone; compositores como Arnaldo Estrela, Camargo Guarnieri, Candeia, Carlos Lira, Jards Macalé, Jorge Goulart, José Carlos Capinam, Noca da Portela, Noel Rosa, Paulinho da Viola, Gonzaguinha (Luiz Gonzaga Junior), Sidney Miller.
No jornalismo, Élio Gáspari, Vladimir Herzog, Eneida de Moraes, Sergio Cabral, Milton Coelho da Graça, Noé Gertel, Ivan Alves e Odalves Lima.
O impacto das transformações técnicas e científicas, a partir da robótica, da telemática e dos meios de comunicação de massa, afetou a sociedade moderna e toda a vida política, econômica e social contemporânea.
As organizações políticas, econômicas, sociais, culturais e espirituais se transformaram e continuam sendo impactadas com este processo em andamento que integra e fragmenta a sociedade moderna.
As organizações político-partidárias são parte integrante deste processo de transformação. No caso concreto, o PCB-PPS e atual Cidadania23 procurou e continua procurando adaptar-se a este novo cenário político, econômico e social.
CIDADE SÃ, MENTE SÃ?
Carlos Leite, Hermano Tavares e Paulo Saldiva
As cidades surgiram da necessidade de sobrevivência da espécie humana. Em regiões onde o modo de vida de nossos antepassados caçadores/coletores não era possível, tornou-se imperioso obter alimentos por meio de técnicas agropecuárias. O aumento da produção de nutrientes permitiu o crescimento e a fixação da população humana em cidades.
A convivência próxima de um número maior de pessoas – ou seja, a vida coletiva – permitiu gradativamente todos os tipos de trocas e o desenvolvimento de tudo o que conhecemos: instituições, democracia, artes, ciência, ensino, inovação etc. As cidades talvez sejam a maior invenção humana – e vieram para ficar. Em 1800, menos de 10% da população do planeta morava nelas; já no início deste século um pouco mais da metade (55%) as habitam. Somos agora um planeta urbano. No Brasil, mais de 85% da população vive nas cidades.
Porém, junto com as aglomerações vieram o saneamento precário e a proliferação de patógenos que trouxeram consigo o adoecimento. Talvez seja válido dizer que Logos e Páthos caminham de braços dados pelas ruas das cidades mundo afora.
Ao longo da história, as cidades superaram crises monumentais, como pestes, guerras e mudanças climáticas. No entanto, a urbanização acelerada das últimas décadas acarretou novos desafios. Nas metrópoles do chamado Sul Global – onde ocorreu uma “explosão de urbanização” em pouco tempo, ao contrário dos países do Norte, onde as cidades levaram séculos a evoluir gradativamente – a distribuição desigual das infraestruturas urbanas, dos equipamentos e serviços públicos, das áreas verdes e de lazer, o excesso de trânsito, poluição e ilhas de calor, a falta de moradia digna para milhões de pessoas e, em especial, a existência de favelas com condições precárias de vida, áreas propensas a inundações e deslizamentos, representam evidentes ameaças à saúde humana.
Nesse contexto, a cidade é o resultado de uma complexa interação entre governança, ambientes urbanos físicos, sociais e econômicos, tendo como protagonista a biologia dos seus habitantes. De fato, segmentos populacionais menos privilegiados, que ocupam, em sua maioria, as periferias urbanas combinam um ambiente mais hostil (moradia precária, mau saneamento, maior exposição à poluição do ar e risco de doenças infecciosas) com mais comorbidades, deficiência nutricional, menor acesso à informação, à educação e, sem dúvida, à saúde em si – não apenas física como também mental.Trata-se de demanda social urgente, pois estima-se que cerca de 17 milhões de pessoas, 8% da população brasileira, residam em favelas, e o déficit habitacional no país seja de aproximadamente 5,8 milhões de moradias (o equivalente a 18,5 milhões de pessoas, segundo dados da Fundação João Pinheiro.
No Brasil, as doenças mentais são o terceiro maior conjunto de morbidades a pesar na sociedade, atrás apenas das doenças cardiovasculares e oncológicas, e o primeiro a subtrair tempo de vida produtiva entre os indivíduos situados na faixa dos 5 aos 15 anos de idade. Um estudo epidemiológico conduzido na região metropolitana de São Paulo mostra que aproximadamente 40% da população urbana preencheu critérios para ao menos um diagnóstico psiquiátrico ao longo da vida, 30% para um transtorno mental nos últimos 12 meses, e 10% necessitavam de atenção psiquiátrica imediata. As condições mais comumente encontradas foram transtornos ansiosos (20%), depressão e outros transtornos do humor (11%), transtorno do controle do impulso e abuso de substâncias como álcool, tabaco e drogas (4% cada). Exposição ao ambiente urbano e privação social foram associados como fatores de risco para todas as condições mentais, particularmente para os transtornos do impulso, manifestação psiquiátrica na infância e adolescência e para os transtornos associados ao abuso de substâncias. Entre os mais afetados, sobressaíram as mulheres e homens migrantes que viviam nas regiões metropolitanas mais pobres e vulneráveis, conforme pesquisa sobre transtornos mentais nas megacidades.
A pandemia de Covid, com a disrupção das rotinas de trabalho e de relacionamentos e o confinamento prolongado que trouxe visibilidade à questão da saúde mental, apenas agravou uma condição que já se encontrava em curso, antes do seu advento. Dentre os diversos problemas que as comunidades que vivem nas favelas enfrentam, há a descontinuidade de ações e serviços de atenção psicossocial. Sabe-se também que as relações entre classes sociais e gêneros têm associação com a saúde mental, demonstradas pelas arbitrariedade e obediência de um grupo por outro.
Nas favelas, outra questão que se impõe é a da violência urbana. Um estudo epidemiológico sobre o tema mostrou elevada exposição da população a eventos traumáticos (86%), dos quais 11% apresentariam risco para desenvolvimento de um transtorno do estresse pós-traumático (TEPT), sendo que as mulheres teriam um risco três vezes maior do que homens nesse aspecto. Chama atenção no estudo, o fato que 35% dos casos identificados de TEPT foram desencadeados pela perda inesperada de um ente querido e 40% devido à violência interpessoal.
Um outro estudo de natureza qualitativa soma a esse panorama, já desolador, o elemento da coerção social. Em muitas dessas comunidades, o poder do arbítrio e o uso da violência como instrumento de controle social, funções atribuídas ao Estado, são complementados – quando não completamente substituídos – pelas sociedades dedicadas ao tráfico de drogas e o crime organizado. Tais sociedades, normalmente designadas como “o tráfico”, podem ser acionadas para resolver até mesmo pendências entre vizinhos ou providenciar repressão à violência doméstica. Essa atuação, entretanto, vem a um alto custo, através da lei do silêncio imposta pelos traficantes e dos embates com as forças policiais que colhem recorrentemente toda a comunidade em um literal fogo cruzado. Cria-se uma dinâmica perversa, na qual todos os membros do território sofrem os efeitos da violência, mas são impedidos de compartilhá-los com profissionais de saúde e outras pessoas genuinamente interessadas em ajudar porque não pertencem à comunidade. Em uma complementaridade pungente ao relato mais técnico do levantamento epidemiológico, o estudo qualitativo dá voz ao sofrimento principalmente de mães, esposas e cuidadoras em geral que se sentem impotentes diante da perda de um ente querido.
Contudo, o ambiente urbano desafia a saúde mental para além dos seus aspectos sociais, envolvendo questões físicas e materiais como a poluição ambiental e sonora; o espraiamento das cidades e a necessidade de longos períodos de deslocamento de casa para o trabalho e vice-versa; e, ainda, a progressiva substituição da paisagem natural pela chamada “selva de concreto”. No caso dos longos deslocamentos diários casa-trabalho-casa, eles podem ser agravados quando, por força da baixa remuneração, a população mais vulnerável tem que assumir dois ou mais empregos para garantir uma renda condizente. Isso se traduzirá em mais horas de afastamento do domicílio, da família e dos filhos, com maior sofrimento para mulheres e crianças. Os pequenos, necessitados de uma presença parental mais efetiva, crescerão no ambiente adverso, com pouca supervisão, disso resultando, entre outros problemas, um reduzido aproveitamento escolar, evasão e baixa qualificação – perpetuando assim tal ciclo negativo. A evolução dos transtornos mentais reforça a percepção da relevância do amparo à infância como o meio mais efetivo de prevenção desses males. Metade desses transtornos identificados em adultos tiveram seu início antes dos 15 anos de idade – e a maioria começa antes dos 20 anos. Não por acaso, os principais fatores de risco para os transtornos ansiosos, depressão e queixa somáticas associadas são um conjunto de variáveis que basicamente expressam vulnerabilidade social e baixo status socioeconômico.
O esforço, porém, para o resgate da sanidade mental no contexto urbano transcende os limites da saúde e da epidemiologia. Ele reclama um envolvimento interdisciplinar que envolva campanhas de sensibilização para o tema, redução do estigma associado à saúde mental, treinamento para reconhecimento e encaminhamento precoce ao tratamento, políticas sociais de amparo aos vulneráveis, reconfiguração dos espaços urbanos para viabilização de um transporte público efetivo e redução do deslocamento. É verdade que a colheita dos benefícios coletivos dessas iniciativas exige tempo, porém menos do que se imagina – cerca de quinze anos. Não fosse por outro motivo, a certeza de que as futuras gerações sofreriam menos já seria mais do que suficiente para a implementação de políticas capazes de transformar o cenário atual dessa questão de saúde pública. O diálogo entre planejamento das cidades e os setores da saúde é, portanto, uma necessidade incontornável.
Nesse sentido, os programas do urbanismo social podem ser instrumento poderoso. Isso porque se trata de uma metodologia de atuação nos territórios de maior vulnerabilidade social que orienta transformações físicas e sociais integradas, constituídas com base na participação comunitária organizada e na governança compartilhada. Consagrado em Medellín, Colômbia, desde 2003, e referenciado no Programa Favela-Bairro, realizado, de forma pioneira, no Rio de Janeiro na década de 1990, o urbanismo social é um modelo que pode e deve ganhar maior robustez nas cidades. Ou seja, urge otimizar as valiosas metodologias do urbanismo social para além de seus focos essenciais – urbanização do território, promoção de infraestruturas urbanas, habitação social, equipamentos e serviços públicos, mobilidade etc. Os Planos Integrados de Ação Local, instrumento essencial do urbanismo social, devem se ampliar para outras dimensões, a fim de que, integradas, tornem a vida urbana mais saudável nas periferias de nossas cidades. Sabe-se que não são apenas as intervenções físicas que transformam o território, mas o tecido social de confiança, com articulação comunitária construída na vida coletiva e no exercício cidadão. Não à toa, o sucesso de Medellín em grande parte se deve à promoção, desde o início do processo, dos espaços públicos e dos grandes equipamentos públicos onde a vida comunitária é valorizada. O resgate da vida coletiva nos espaços públicos lúdicos e interativos para as crianças e seus cuidadores no programa Mais Vida Nos Morros de Recife é outro exemplo referencial, já com resultados monitorados e avaliados em programa público de – infelizmente – rara continuidade já por três gestões municipais.
A mente saudável demanda a vida social e a interação coletiva nos espaços públicos das cidades, formais e informais. As cidades nasceram assim; a ágora grega era seu exemplo pioneiro.
Melhorar as condições de vida dos habitantes das favelas de modo integral, considerando sempre os aspectos sociais coletivos que impõem diversos tipos de sofrimentos mentais individuais, e ampliar o direito à cidade é também promover o direito à saúde mental. Assim, reciclando a célebre citação do poeta italiano Juvenal, que no século I já pedia uma mente sã em um corpo são, cabe-nos trabalhar para promover um ambiente são de modo que mentes-corpos periféricos tenham mais condições de saúde.
Carlos Leite: Urbanista, PhD, Coordenador do Núcleo de Urbanismo Social do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper e professor na FAU-Mackenzie
Hermano Tavares: Médico psiquiatra, é professor na Faculdade de Medicina da USP
Artigo publicado originalmente na Revista Piauí
Novo colegiado da FAP afirma compromisso com a manutenção do cenário democrático
Nívia Cerqueira, coordenadora de Mídias Sociais
Na última segunda-feira (7/11), membros da Diretoria e dos Conselhos Curador, Consultivo e Fiscal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) elegeram o novo quadro de colegiados. A solenidade aconteceu na modalidade on-line e foi presidida por Luciano Rezende, presidente do Conselho Curador da FAP, que iniciará seu segundo mandato.
Ex-prefeito de Vitória (ES), Rezende comenta que os partidos têm uma importância muito grande neste momento. “Temos uma eleição presidencial que foi vencida por uma disputa política mínima que não foi e não será resolvida facilmente. As expectativas para o governo Lula e as cobranças serão intensas. É um grande desafio poder refletir por meio da Fundação Astrojildo, com o partido Cidadania23, como iremos avançar e nos portar nesse período", declara.
Membro do novo quadro da Diretoria Executiva, Maria Dulce Reis Galindo comentou sua satisfação em poder estar mais próxima da FAP, sobretudo num momento de destruição da política e de polarização. “Mais do que nunca, a Fundação Astrojildo Pereira - de forma suprapartidária - pode enfrentar temas que a nossa sociedade precisa: ganhar maior capilaridade; sair um pouco de Brasília e chegar às cidades onde vivem as pessoas; atingir a nossa bancada de vereadores e nossa militância; falar com cada um, ajudando a formar, refletir e discutir principalmente democracia”, ressalta.
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Diretor-geral da FAP no biênio 2020-2022 e nomeado vice-presidente do Conselho Curador para esse novo mandato, Caetano Araújo explica que a eleição do novo colegiado tenta assegurar um mínimo de renovação e também manter uma certa continuidade para que a FAP persiga nos mesmos projetos e diretrizes. “Nós temos uma regra estatutária que visa garantir ao mesmo tempo um percentual mínimo de renovação a cada dois anos e também continuidade, e, por essa regra, nenhum dos conselheiros ou diretores podem permanecer no cargo ou no mesmo colegiado por mais do que dois mandatos”, explica o sociólogo.
Caetano destaca que a ideia é fazer uma composição plural e, a partir desses colegiados, criar grupos que sejam capazes de cooperar, discutir e de atender as finalidades da fundação, seja no que se refere à preservação do passado e da tradição do partido, seja no que se refere à formulação e prospecção dos grandes temas da política no futuro.
“A nossa perspectiva é manter a pluralidade. Os nossos conselheiros não são necessariamente filiados ao partido Cidadania23, que é o mantenedor da FAP. Temos, inclusive, conselheiros que são filiados a outros partidos e essa já é uma tradição nossa e temos conselheiros que não são filiados a nenhum partido e achamos que é uma contribuição positiva que esses não filiados podem dar e têm dado às nossas discussões”, completa Araújo.
Doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) , Marco Aurelio Marrafon foi eleito novo diretor-geral da Fundação Astrojildo Pereira para o biênio 2022-2024. Ele agradeceu a Caetano, Luciano, ao diretor financeiro, Raimundo Benoni, e a todos que construíram o diálogo para a formação dessa nova chapa. Marrafon apontou como principal compromisso da gestão que se inicia a manutenção do cenário democrático.
“Precisamos avançar no público universitário, é preciso ter um olhar e precisamos falar com esses jovens. A nossa tradição sempre olhou para a juventude. É um espaço que não podemos deixar de lado para a gente poder expandir e construir uma base de formação”, afirma o professor, que também preside a Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst.
Livro Cidadania LGBTI+ escancara preconceitos e destaca avanços
João Vítor*, com edição da Coordenadora de Mídias Sociais Nívia Cerqueira
Em ordem cronológica, o livro Cidadania LGBTI+ aborda o embate no poder Legislativo que resultou na conquista da criminalização da homotransfobia no Brasil em 2019. Uma batalha que ainda não terminou, mas que mostra o quanto avançamos e precisamos ainda lutar para impedir retrocessos. O livro é escrito pelo jornalista Rogério Godinho e editado pela pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília.
Parte crucial da história do livro de 333 páginas, conforme ressalta Godinho, gira em torno do uso do preconceito como ferramenta de pânico moral. “Por entender a importância do tema e por me emocionar com a vitória de seus personagens, tenho enorme orgulho e felicidade de apresentar a vocês este livro”, destaca. Godinho afirma que a sociedade ainda vai precisar evoluir muito para eliminar o preconceito. "É um processo que envolve gerações e ainda estamos no meio dele", explica.
Apesar de ter seu nome na capa do livro, o autor considera-se interlocutor dos verdadeiros heróis desta conquista. “São pessoas que lutaram por meio de argumentos jurídicos, nos tribunais e nas colunas de opinião, no Ministério Público, nas defensorias e até nas delegacias para que isso se concretizasse”, diz.
O jornalista conta que, por vezes, teve que lutar contra as lágrimas ao escrever. “ São centenas que sofrem e morrem neste Brasil a cada ano - eternamente de luto - , uma dor que não é possível colocar em números poque não cabem em uma lista”, lamenta Godinho sobre o preconceito.
O livro foi idealizado pelo psicanalista Eliseu Neto, especialista em Orientação Profissional e defensor dos direitos das pessoas LGBT. Ele confirmou presença no lançamento da obra que acontece no dia 19/10, a partir das 19 horas, em evento online, que será transmitido nas redes sociais da FAP. “Dedico este livro a todas as pessoas que sofrem um preconceito tão arcaico”, diz Neto. Godinho mediará o webinar, que contatará também com a participação da ativista Ananda Puchta, da advogada Maria Eduarda Aguiar; do advogado de Direitos Humanos Paulo Iotti e do diretor-executivo da organização brasileira LGBTQIA+, Toni Reis.
Um levantamento do Grupo Gay da Bahia, organização não governamental voltada para a defesa dos direitos dos homossexuais no Brasil, diz que no primeiro semestre de 2022, 135 pessoas LGBTI + foram mortas no país.
Neto analisa de que forma o preconceito pode ser erradicado. "O caminho é modificar pelo processo civilizatório, pela cultura, pela educação. A gente precisa de escolas inclusivas, escolas que ensinem a lidar com o diferente, a transformar na linguagem e a mitigar os preconceitos”, explica o psicanalista.
Cidadania LGBTI+ registra embate histórico diante de um Legislativo omisso em garantir direitos às minorias. O livro remete à luta da comunidade LGBTI+, que tanto já sofreu, mas que ainda assim não se abala e segue preparando-se para um futuro ainda incerto.
Serviço
Lançamento do livro Cidadania LGBTI+: a criminalização da homofobia no Brasil
Data: 19 de outubro
Horário: 19h
Onde ver: Perfil de Facebook e canal de Youtube da Fundação Astrojildo Pereira
Realização da FAP e do autor Rogério Godinho
*Integrante do programa de estágio da FAP sob supervisão.
Em meio a disputas internas, MDB oficializa candidatura de Simone Tebet à Presidência
Luiz Felipe Barbiéri e Paloma Rodrigues*, G1 e TV Globo
Em convenção virtual, o MDB oficializou nesta quarta-feira (27) a candidatura da senadora Simone Tebet (MS) à Presidência da República nas eleições deste ano. O placar na votação interna do partido foi de 262 votos favoráveis e 9 contrários.
As convenções nacionais marcam a confirmação de um candidato. Conforme calendário fixado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o período vai de 20 de julho a 5 de agosto. Após a convenção, o partido fica apto a registrar a candidatura — o prazo é o dia 15 de agosto.
"A candidatura da futura Presidente da República do Brasil teve aprovação de 97% da nossa convenção. Hoje, anunciamos esse resultado, com muita alegria. Não percorremos o caminho mais fácil da velha política, do toma lá dá cá, das negociações não republicanas", afirmou o presidente nacional do partido, Baleia Rossi (SP).
"Apresentamos hoje ao povo brasileiro uma alternativa equilibrada, moderada, uma alternativa aos polos que são colocados e que infelizmente não dão respostas ao nosso país. A candidatura da Simone Tebet é uma candidatura da pacificação nacional. O povo brasileiro quer paz".
Delegados de Amazonas, Ceará, Piauí e Bahia, representantes de estados considerados “lulistas” , participaram da votação. Apenas Alagoas e Paraíba não registraram votos. No total, 182 dos 279 delegados aptos a votar participaram. O número de votos é maior do que os votantes porque alguns delegados têm direito a mais de um voto.
Também nesta quarta, em convenção em Brasília, a federação formada por PSDB e Cidadania formalizou o apoio à candidatura de Simone Tebet.
Pesquisa Datafolha divulgada em junho deste ano mostrou Simone Tebet em quinto lugar, com 1% das intenções de voto, atrás do ex-presidente Lula (PT), com 47%; do presidente Jair Bolsonaro (PL), com 28%; do ex-ministro Ciro Gomes (PDT), com 8%; e do deputado André Janones (Avante), com 2%.
Apesar de oficializar a candidatura de Simone Tebet, o MDB está dividido. Isso porque parte das lideranças do partido defende apoio a Lula (leia detalhes mais abaixo).
Simone Tebet, porém, conta com o apoio do presidente nacional do MDB, Baleia Rossi (SP). E após investidas de Lula sobre setores do MDB, o partido divulgou uma nota assinada por dirigentes em 19 estados reiterando o apoio à senadora.
*Texto publicado originalmente no g1
Incentivo à leitura: FAP doa 4,2 mil livros à população durante feira em Brasília
Luciara Ferreira e João Vítor*, com edição do coordenador de Publicações da FAP, Cleomar Almeida
Autoridades políticas destacaram as ações de incentivo à leitura e valorização da cultura desenvolvidas pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), que doou 4.232 livros à população, durante os 10 dias da 36ª Feira do Livro de Brasília (Felib), realizada no Complexo Cultural da República. A pré-candidata a presidente Simone Tebet (MDB); o presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire; e a deputada federal Paula Belmonte (Cidadania-DF) passaram pelo estande da entidade e ressaltaram a relevância do conhecimento.
Freire defendeu a valorização dos livros e a educação cultural, realizada por meio de publicações da FAP. “Firma a identidade da nação amarela. Não podíamos passar aqui sem ver a fundação, que tem um trabalho exatamente nessa direção aqui em Brasília”, disse o presidente do partido.
A seguir, veja galeria de fotos do estande da FAP:
"Livro salva das fake news"
Simone Tebet, que é apoiada pelo Cidadania e PSDB, disse que o livro é um ferramenta de propagação da verdade e beneficia a sociedade. “O livro salva [a população] dessas fake news, salva do radicalismo, salva dos extremismos. Quem tem cultura, quem tem a oportunidade de, através do livro, conhecer a verdade, é capaz não só de transformar, mas de transformar o país”.
“Dá para acreditar, dá para fazer um Brasil diferente. É preciso reconstruir [o país] em outras bases do fortalecimento das instituições democráticas, mas com base na verdade e igualdade para todos. E há só um caminho, o caminho da educação. Esse é o nosso compromisso principal como professora, política e brasileira”, disse a pré-candidata a presidente.
A presidenciável foi a primeira mulher a disputar o comando do Senado, em 2021. Também foi a primeira parlamentar mulher a comandar a disputada Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a primeira vice-governadora de Mato Grosso do Sul e primeira prefeita de Três Lagoas (MS).
FAP doa quase 700 obras no 1º fim de semana da Feira do Livro de Brasília
População receberá obras doadas pela FAP na 36ª Feira do Livro de Brasília
Na ocasião, Tebet recebeu, autografada, a obra Política em Movimento: Roberto Freire na imprensa, de autoria do presidente nacional do Cidadania, e disse que leria a “bonita” história de vida dele. O livro era um dos que estavam disponíveis para doação no Estande Ipê Amarelo (número 21), organizado pela Biblioteca Salomão Malina, mantida pela FAP.
"Conhecimento"
Paula Belmonte afirmou que "o livro é uma arma, da sociedade, do conhecimento". Ela elogiou a iniciativa da Fundação Astrojildo Pereira de incentivo à leitura e disse ter honra de participar tanto do partido quanto da entidade.
“A democracia só vai, realmente, se tornar uma realidade para todos nós quando as pessoas começarem a ter mais conhecimento. E a fundação vem fazendo isso. Trazendo bons temas para uma discussão da sociedade e, mais ainda, oferecendo isso gratuitamente para as pessoas”, disse a deputada federal.
A Feira do Livro de Brasília foi realizada no Complexo Cultural da República, pela Câmara do Livro do Distrito Federal (CLDF) e pelo Instituto de Produção Socioeducativo e Cultural Brasileiro (IPCB), com apoio da Câmara Brasileira do Livro (CBL) e do Sindicato dos Escritores do Distrito Federal.
*Integrantes do programa de estágio da FAP, sob supervisão do jornalista, editor de conteúdo e coordenador de Publicações da FAP, Cleomar Almeida
Revista online | "Bolsonaro é um bom exemplo de degradação", diz Carlos Melo
Equipe da Revista e, como convidado especial, Luiz Sergio Henriques | (44ª edição junho/2022)
O cientista político, mestre e doutor pela Pontifícia Unidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Carlo Melo disse que “as lideranças em vários partidos estão calcificadas”. “A crise de liderança política afeta a todos”, afirmou. Ele, que é professor de Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), é o entrevistado especial desta 44ª edição da revista Política Democrática online deste mês (junho de 2022).
Na avaliação de Melo, o cenário eleitoral deste ano reflete o problema apontado por ele. “O fato de a gente chegar a esta altura da disputa eleitoral diante do dilema Lula ou Bolsonaro é revelador da crise de liderança política por que estamos passando”, destacou ele, que diz ter buscado contribuir com o debate político, econômico e social do Brasil, por meio de uma análise conjuntural isenta e reflexão desapaixonada.
Analista político, com participação ativa em vários veículos de comunicação, palestrante e consultor de empresas nacionais e estrangeiras, Melo também faz um alerta ao centro, que, segundo ele, “não se dispõe a assumir claramente um projeto, uma visão de mundo”.
Na entrevista, Melo também defende “ajuste fiscal”. “Isso é importante, fundamental, embora ainda não suficiente”. Além disso, segundo ele, “independentemente do resultado da eleição a crise haverá de continuar a partir de janeiro de 2023”. A seguir, leia os principais trechos da entrevista.
Revista Política Democrática Online (RPD): Há quase três anos, tivemos uma bela conversa em que você explorou com o brilho habitual a conjuntura política nacional. Hoje, talvez conviesse centrar-nos na grande crise institucional brasileira, que é antes de mais nada uma crise de representatividade dos partidos. Um estranhamento radical entre representantes e representados. Você concorda?
Carlos Melo (CM): Acho ótimo evitar falar de conjuntura. Nosso problema não é exatamente a conjuntura, nossos problemas são estruturais. Diria mais, nossos problemas são estruturais e não são só no Brasil. O mundo todo está passando por um momento complicadíssimo. Outro dia, participei de um evento com a grata presença do embaixador Rubens Ricupero, que disse: “O mundo me preocupa mais que o Brasil, e não é que o Brasil me preocupe pouco”.
A verdade é que estamos vivendo uma revolução, cujo início vem lá dos anos Reagan e Thatcher, quando o mundo virou de cabeça para baixo, ao perder algumas referências do pós-guerra. O Estado de bem-estar social, por exemplo. Aquela política tributária que tirava dinheiro dos ricos para distribuir para a sociedade e fazer o bem-estar morreu e começa a concentrar nos ricos. De fato, os ricos investem, geram um baita processo tecnológico. Os Estados também investem pesadamente nisso. Aos poucos, a gente vai mudando completamente. Costumo brincar com meus alunos e dizer que troquei canal de televisão no seletor. Todos nós trocamos assim os canais de televisão. E não foi de um século para o outro, parece ter sido para outro milênio, considerando o longo tempo que faz. No mundo de hoje, a reza diária, a Bíblia que uma pessoa lê, o primeiro que se pega é, de fato, o celular, onde se concentram as notícias.
Devo registrar que troquei o canal de televisão no seletor, usei máquina de escrever, usei máquina de tirar fotografia, vi telex e, depois, muito mais à frente, vi o fax. Hoje, tudo isso está no celular. Essas mudanças afetaram terrivelmente a sociedade, em particular o mundo do trabalho, ao deslocar milhões, bilhões até de pessoas para uma situação de abandono, afetando a política.
A política e o Estado não reagiram a esse fenômeno. Sejamos justos, porém: não seria muito fácil. Tínhamos de compreender esses processos a quente, o que me faz lembrar de anedota atribuída a um político chinês, que, perguntado sobre a Revolução Industrial, disse: “Bom, só se passaram três, quatro séculos. É, portanto, muito cedo para avaliar”.
Eu diria que as mudanças que estamos enfrentando ainda não nos deram tempo, nem distância, para serem avaliadas. Daí talvez porque a política não tenha podido oferecer respostas, dando origem ao sentimento de desamparo de muita gente em nossos dias. O que se vocaliza é a demagogia. Não vou dizer que seja o populismo, porque o populismo, com todos os seus defeitos, tem uma qualidade superior a essa demagogia em voga na fala das lideranças políticas que conhecemos. Não surpreende, assim, que, diante dessa confluência de fatores e da multiplicidade de demagogos, o sistema político esteja absolutamente perdido, sem capacidade de resposta.
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Os partidos, não só do Brasil, mas da maioria dos países democráticos, padecem desse mal. O grande historiador Tony Judt antecipou em um livrinho, cujo título O mal ronda a Terra já tudo revelava, um processo da década final do século passado, invadindo o atual, de mal-estar que já adoecia o sistema político. Ele defendia a volta de uma visão capaz de reunir as pessoas que, como ele, estivessem tão absolutamente desoladas. A morte precoce privou-o de aprofundar seu pensamento e de contribuir para, quem sabe, influir nos partidos, nos intelectuais, e dar as respostas reclamadas por esse processo extraordinário de transformação.
Há pouco tempo, um ano antes da pandemia, fui convidado a falar sobre a política brasileira. Contrapropus falar não do Brasil, mas do mundo. É o cenário por onde se aceleram esses processos tecnológicos que causam mal-estar. Foi quando um senhor da plateia me interpelou: “Mas o que tem de errado em adotar avanços tecnológicos para reduzir custos de produção?”. Respondi: “Não sei se é certo, ou se é bom, saberemos dentro de um século, mas, agora, vivemos uma transição, que é custosa”. Sérgio Abranches amplia essa discussão com particular brilho, em seu belo livro A era do imprevisto.
Essa discussão não é nova, mas segue importante. Zygmund Bauman, por exemplo, recupera o sentido do conceito de transição desenvolvido por Antonio Gramsci, chamando de “interregno” este processo. Antonio Scurati, de sua parte, escreveu M, o filho do século, sobre Mussolini e o mundo do primeiro pós-guerra, um período claramente de transição, de interregno, parecido com o mundo pós-Guerra Fria, com todo este sentido de transição. Os partidos têm perdido essa perspectiva do processo histórico. Há partidos sérios e há partidos picaretas, que não se atualizam, seguem na mesma toada, como parasitas do sistema político.
Senti necessidade de explorar essas digressões para melhor situar o debate sobre o papel dos agentes políticos na tarefa de compreender o mundo em transformação e, ao mesmo tempo, traduzi-lo no conteúdo das metas prioritárias das ações dos governos. De novo, reconheço que se trata de um desafio tão difícil transpor como fundamental enfrentar.
RPD: No rastro de decisões que o Congresso vem tomando com insistência, não se enxerga com clareza o interesse nacional; antes, interesses patrimonialistas. Limito-me a mencionar que agora se cogita de um projeto declarar estado de calamidade pública nacional, que, entre outros efeitos, liberaria o governo para fazer o que lhe aprouvesse, incluindo um estado de emergência, vale dizer um golpe de estado, sob pretexto de fazer frente à calamidade pública de turno. Isso remete ao paradoxo imaginado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, de que partidos fracos favoreceriam um Congresso forte. O que pensa a esse respeito?
CM: Essa tentativa de decretar uma calamidade pública justamente para tirar proveito da ocasião de fato, passa por um problema sério. Algo precisa ser feito. Levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV) por esses dias revela que ultrapassamos a média mundial em relação à fome, a partir de uma pergunta simples: “Nos últimos 12 meses, você passou algum dia com fome, sem poder comer?”. As respostas afirmativas superaram 36%, acima da média mundial (35%), dado inédito na História do Brasil.
Posso estar enganado em algumas cifras, mas não muito. Na última pesquisa realizada, 31% das mulheres, hoje são 47%, responderam que sim, ao passo que os homens variaram um pouco menos: eram 27% dos homens, hoje são 26%. Essa calamidade está pesando muito mais sobre as mulheres. Renato Meireles, do Instituto Locomotiva, mostrou-me recentemente dados impressionantes. Hoje, temos 14,6 milhões de mães solo, o que significa famílias desestruturadas, mulheres tocando sozinhas a vida de seus filhos, suas próprias vidas, não raro carregando toda uma família, mãe, pai...
É uma situação calamitosa, e algo precisa ser feito. Só que não pode ser feito dentro de um espírito oportunista. Aliás, não poderíamos ter chegado a esse ponto. Alguns colegas dizem, tentando mascarar ou simplesmente evitar o debate, ou por mera insensibilidade, que a situação está, de fato, ruim, mas as instituições estão funcionando. As instituições estão funcionando porcaria nenhuma, algumas estão resistindo. Se elas estivessem realmente funcionando, não estaríamos onde estamos. Se as instituições estivessem funcionando, não teríamos o Bolsonaro. Simples assim. Existe, sim, oportunismo no sistema político brasileiro.
Além de todos os problemas comentados, não vamos esquecer de acrescentar problemas estruturais de âmbito mundial, bem conhecidos desde sempre. Tomemos como exemplo o próprio patrimonialismo. Uma coisa é passar por uma crise estrutural de mudança de paradigma num país democrático; outra bem diferente é passar pela mesma crise em um país com pouca tradição democrática e extremamente patrimonialista. Os sanguessugas, aqueles parasitas que matam o hospedeiro, correm para se aproveitar disso.
Sem dúvida, há motivos, sim, para ações emergenciais. Vários setores da sociedade, como o mercado financeiro, precisam saber que a pauta mudou. Nada pode ser feito se não tiver ajuste fiscal, se não tiver equilíbrio fiscal. Isso é importante, fundamental, embora ainda não suficiente. O equilíbrio fiscal demanda políticas públicas eficazes para resolver esse problema emergencial, mas não só se limitando a garantir que os compromissos assumidos e os contratos celebrados devam ser honrados. Não é esse o ponto. Impõe-se, na emergência, adotar políticas públicas eficazes, bem concebidas, que não desperdicem recursos públicos e se destinem a resolver, ou pelo menos mitigar, as questões estruturais, elidindo o patrimonialismo, o oportunismo e a picaretagem que há décadas assolam a trajetória das políticas públicas no Brasil. A sociedade tem de ter consciência do que está acontecendo no país e dar um basta nisso. Esse é o grande problema.
RPD: Com relação às eleições que se aproximam, temos, de um lado, um candidato buscando a reeleição, apoiado em uma corrente de opinião radical, extensa, ampla, embora minoritária, e que prescinde de siglas partidárias. De outro, como o nome mais bem posicionado nas pesquisas até este momento, um candidato ancorado em um partido estruturado, sólido, também dependente da vocalização de um único líder. Está claro que a democracia necessita mais do que isso. O que nos falta?
CM: O fato de a gente chegar a esta altura da disputa eleitoral diante do dilema Lula ou Bolsonaro é revelador da crise de liderança política por que estamos passando. Essa crise, aliás, não atinge só o Brasil. Se compararmos a liderança política do mundo nos anos 1980, época da queda do muro de Berlim e, depois, da unificação da Europa, com a liderança que temos hoje, é desolador. É verdade que algo tem também a ver com o processo de transformação da era Reagan/Thatcher. Lembremos que Thatcher declarou que esse negócio de sociedade não existe, o que existe são os indivíduos e suas famílias. Outro dia, comentei essa opinião com o ministro Delfim Neto, que se limitou a dizer: “Foi um equívoco”. Equívoco ou não, a sociedade acreditou que ela não existia e voltou-se para um individualismo hedonista, consumista.
O enfraquecimento da liderança tornou-se evidente. Sentimos falta de um Adenauer, de um Kohl, de uma Angela Merkel, reduzidos como estamos a um Putin, figura terrível, deletéria. No Brasil, no lugar de um doutor Ulysses ou de um Nelson Jobim, gente do que se poderia chamar alto clero, ou José Genoíno, Gastone Righi e José Lourenço, temos agora gente de todos os matizes, conformando um baixíssimo clero que se tornou hegemônico. Dos remanescentes daquela época – o período da redemocratização – sobraram-nos Fernando Henrique com 93 anos de idade e Lula, com 76 anos.
Voltando ao processo como um todo, um homem não substitui um partido. Tenho dito há mais de um ano, quando me perguntam da possibilidade da candidatura do Lula, que, apesar de todos os problemas com a justiça, ele estava cercado por um estado-maior de altíssima qualidade. Pode-se gostar ou não, mas, olhando para o passado, ele podia contar com José Dirceu, Luiz Gushiken, uma pessoa extraordinária, responsável pela indicação do Palocci, Márcio Thomaz Bastos, Duda Mendonça, um staff capaz de livrá-lo de um monte de frias. Hoje isso não acontece. Enquanto conversamos, Lula terá voltado a errar em algo. Ficou, às vezes, quase irreconhecível, na comparação com aquele homem que dava regularmente provas de sapiência, de sagacidade política. Era bem aconselhado, muito bem assessorado. Diante do vazio dos partidos – PT, incluído –, as lideranças políticas decaíram em qualidade de forma estrondosa. Restou o Lula. Então, tudo bem, é com esse que a gente vai. Tem méritos? Tem méritos, mas está longe de ser aquele quadro de 2002, quando tinha um grupo.
A crise de liderança política afeta a todos. Olhemos para a direita, temos em Bolsonaro um bom exemplo de degradação. Lembremos que a direita radical teve figuras pelo menos mais bem formadas. Do Plínio Salgado ao Carlos Lacerda, ao próprio Paulo Maluf, com todos os seus problemas, eram políticos mais bem equipados do ponto de vista intelectual, inclusive. Com o ocaso do malufismo no começo dos anos 2000, a direita debilitou-se, caiu no vazio terrível. O PSDB tentou abraçá-la, mas não conseguiu. Faltava-lhe um ingrediente, um princípio ativo ao Serra e ao Alckmin. Esse princípio ativo apareceu nesse genérico Jair Bolsonaro, que também é uma degradação no sentido da liderança mesmo de uma direita radical, extremista.
Parodiando a música do Pedro Caetano, é com esse que eu vou. É isso que a gente tem. Infelizmente é isso, com todo o respeito ao Lula, porque não cabe compará-lo a Bolsonaro. Essa é a verdade. Mas mesmo o Lula é um homem de ontem, não é um homem de amanhã. É um homem de ontem. Só que a gente está em uma situação tão complicada que talvez seja necessário recuperar o ontem para colocar os pés no presente de novo e, quem sabe, daqui a quatro anos, poder olhar para o futuro.
RPD: A gente está lidando entre o estrutural e o conjuntural, no mundo e no Brasil. Passamos aí pela extrema truculência da direita atual e, também, pela velhice do padre eterno da esquerda. Os sintomas de envelhecimento do Lula se mostram até no vestuário. Não sei se vocês têm reparado que ele se apresenta ainda hoje, depois de 20 anos, com o mesmo terninho bolivariano nas apresentações públicas, para um público sempre exaltado. São sinais do passado, signos melancólicos. Mas talvez convenha passar a conversa para a questão central, a de examinar a série de partidos, desde a União Brasil, pela centro-direita, até o Cidadania, pela centro-esquerda, passando pelo PSD, do Kassab, PSBD, MDB, frações de um centro democrático que há décadas – não é um fenômeno recente – não consegue se articular, se coordenar, minimamente. Por que a prevalência dessas forças centrífugas no território do centro? Isso tem conserto?
CM: Gostei muito da imagem do “terninho bolivariano”. Percebi isso semanas atrás em um evento na PUC, São Paulo, mas não tinha elaborado dessa forma brilhante. É perfeito.
Quanto à questão do centro, existe uma série de questões de conceituação. Primeiro, falar de centro no Brasil é falar de muita coisa. Fala-se de um centro fisiológico ou de um centro democrático? Geraldo Alckmin, em 2018, foi vítima da crítica ao centro fisiológico. Seu maior erro foi deixar-se abraçar pelo Centrão. Aliás, o governo do Temer foi um governo de centro, o Temer sendo um primus inter pares. Durante algum tempo, não se usava o termo centrão, era “peemedebização”, referindo-se à lógica peemedebista de abandonar candidaturas majoritárias, para aderir a quem se estimava fosse ganhar a eleição e engordar suas bancadas, para beneficiar-se, assim, de um butim maior da máquina pública.
Segundo, tem também um centro democrático, que, sendo justo, inclui parcelas do MDB, de fato preocupadas com a democracia. O problema é que ambos os tipos de centro se confundem. Veja, por exemplo, o caso do PSDB. Depois de tantas idas e vindas, depois de perder sua principal característica fundadora – a ideia da social-democracia, de ser um partido de centro-esquerda –, pouco a pouco, perdeu a identidade de centro-esquerda, para se tornar um partido de centro por excelência. Ele tem setores que são centro democrático e setores que são centro fisiológico. A luta do PSDB, hoje, é para não ter um candidato à presidência da República, para ficar liberado à adesão fisiológica nos estados, à lógica do partido estadual, à lógica da federação de partidos estaduais em um só partido.
Urge separar o joio do trigo, o que é centro democrático e o que é centro fisiológico, fenômeno que contagia todos os partidos chamados de centro. Veja o União Brasil: a candidatura do Bivar é uma caricatura desse processo. O Bivar, presidente do PSL, há quatro anos deu guarida a Jair Bolsonaro. O PSL foi o partido do Bolsonaro por um bom tempo e agora se apresenta como partido de centro democrático. O primeiro problema é separar o joio do trigo e não jogar o trigo fora. É isso.
Falemos do centro democrático. Carece, também, de renovação de lideranças. É impressionante verificar como as lideranças em vários partidos estão calcificadas. São lideranças de ontem, algumas até com mérito, é verdade, mas também é verdade que de ontem, com imensa dificuldade de olhar para o futuro. E, assim, retoma-se o problema mais conjuntural: como definir esse centro. Para além de ser centro democrático, como se define? Nem Lula nem Bolsonaro? O que qualifica o centro é estar equidistante de dois polos? Isso lá é forma de definir algo?
Isso é pouco. É o que venho defendendo, sem êxito, há algum tempo. O centro não se dispõe a assumir claramente um projeto, uma visão de mundo. Talvez um certo oportunismo: surrupiar forças da direita e da esquerda, para engordar, mas sem engrossar nem fortalecer a musculatura. Atua num espaço do nem-nem. Não conseguiu se qualificar a ponto de, aí sim, surgir como uma força de centro capaz de aglutinar os outros. Os candidatos de centro que apareceram eram todos candidatos com esse perfil indefinido. Basta a proposta do nem Lula nem Bolsonaro. Qual projeto de futuro, qual crítica ao patrimonialismo, onde está uma verdadeira visão moderna de mundo? Surgiu alguém com capacidade política, intelectual, moral, para efetivamente conduzir esse projeto?
O que aconteceu com o centro pode ser uma reedição extemporânea do jogo “resta-um”. De início, eram 11 jogadores, passou-se para 10, depois nove e, assim, sucessivamente, até chegar a dois, Ciro e Simone Tebet. E ainda pode se reduzir a um ou uma. Pena que não se enxergue que não existe mais esse negócio de nem-nem, encoberto por uma cortina de fumaça que ofusca uma aposta cega na ambiguidade de perfis, de identidade política. A expectativa – equivocada – é a de que cerca de 25% do eleitorado, que não pretendem votar nem no Lula nem no Bolsonaro, terminarão migrando, por gravidade, para o centro. Quem acredita nisso é melhor voltar para a casa.
Ou, ainda, será possível que Eduardo Leite volte a encarnar o sonho peessedebista de concorrer à eleição para presidente? Tudo no Brasil é possível, pois, como ensinava Ulysses Guimarães, a política brasileira é sempre movida por “sua excelência, o fato novo”. Por isso, ainda há tempo. Mas por que não se construiu uma identidade? Será ele, finalmente, candidato à governança do Rio Grande do Sul, depois de ter rejeitado a proposta de Kassab para concorrer nacionalmente pelo PSD, ter sido deslocado da disputa presidencial pela vitória de Doria, na prévia do PSDB, e, em seguida, pela perda de espaço junto ao MDB, de Simone Tebet? Sem esquecer que este partido está fraturado, se equilibrando entre apoiadores de Lula ou de Bolsonaro. Esse é apenas um reflexo sobre a estratégia na campanha eleitoral da ausência de projeto de governo dos candidatos alternativos. Seguimos atraídos por nomes, não por programas, menos ainda por lideranças.
A falta de definição de segmentos do eleitorado revela a grande crise de liderança. Quando falo de liderança, não estou falando de uma liderança unipessoal. Estou falando de um grupo capaz de conduzir processos, preocupantemente ausente no universo político-partidário do país, que reúne homens de ontem que não sabem separar o joio do trigo e um centro que mescla centro democrático e centro fisiológico.
O exemplo mais eloquente disso é o PSDB. Três ou quatro facções brigam entre si, mas todas se indignaram com a declaração de Lula de que o PSDB morreu. Embora politicamente infeliz, a assertiva sobrevive a uma análise objetiva no sentido de que o partido, se não morreu, está na UTI, e precisa de alguma forma ser resgatado. Foi um partido importantíssimo. Basta lembrar o legado dos governos Fernando Henrique, que tiveram entre tantas outras realizações o Plano Real. Mas, já em 2002, na primeira campanha sem FHC, José Serra saiu-se com essa: “Continuidade sem continuísmo”. Em 2006, Geraldo Alckmin, sendo criticado pela esquerda por conta das privatizações, tirou aquela foto ridícula com um bonezinho do Banco do Brasil e a blusa da Caixa Econômica, exibindo seu afastamento do projeto do Fernando Henrique. Não vejo ninguém, hoje, do PSDB discutindo o problema da gasolina, dos combustíveis, etc. Bolsonaro cometeu essa patacoada de querer privatizar a Petrobras, e ninguém do PSDB resgatou a ideia das agências de regulação, da importância da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), da importância de todas essas agências, projetos vencedores do governo Fernando Henrique. Ninguém resgata isso. Quem se der ao trabalho de ler meus artigos nesses dois últimos anos verá que defendi a ideia de que o centro democrático deveria tentar a formação de uma frente ampla até mesmo com o PT de Lula. Mas isso não ocorreu, e temo dizer que, independentemente do resultado da eleição – e sabe-se lá que resultado teremos e com quais consequências –, a crise haverá de continuar a partir de janeiro de 2023.
Sobre o entrevistado
*Carlos Melo é cientista político e professor senior fellow do Insper.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de maio de 2022 (43ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Desarrumando o tabuleiro
Sérgio C. Buarque*
A definição da candidatura de Simone Tebet à presidência da República (Tasso Jereissati de Vice) pela coligação MDB, PSDB e Cidadania pode provocar uma desarrumação geral no tabuleiro eleitoral até agora dominado pela polarização entre Lula e Bolsonaro. Simone surge como uma novidade num cenário poluído por candidatos que brilham pelos elevados índices de rejeição, cada um alimentando a votação do outro. As pesquisas mostram que a polarização está consolidada, mas também que 42% dos eleitores definiram o voto na ausência de uma candidatura alternativa consistente e viável. Simone pode ser esta alternativa, frente a uma polarização que empobrece o debate da campanha eleitoral, os dois candidatos destilando ódio e ressentimento, o presente destruindo o país (Bolsonaro) e o passado ameaçando o futuro (Lula).
Não há dúvida que, a poucos meses das eleições, será difícil quebrar a polarização eleitoral a ponto de levar Simone Tebet para o segundo turno. Entretanto, a emergência de um nome novo, pouco conhecido, mas com história e experiência política e administrativa, pode sensibilizar parte importante do eleitorado, que se inclina a votar em Lula porque não vê outra forma de derrotar Bolsonaro, ou opta pelo atual presidente porque repudia o ex-presidente petista. Simone Tebet pode capitalizar este eleitorado da rejeição? Difícil, mas possível.
A simples apresentação da sua candidatura como alternativa do centro-democrático provocará, de imediato, uma rearrumação do tabuleiro eleitoral. Além disso, deve introduzir um fator novo e um tom diferente na campanha, oferecendo aos eleitores a possibilidade de escapar da armadilha de uma desastrosa escolha entre o populismo do demolidor de direita e o populismo da esquerda naftalina. Simone pode ser a energia que quebre a polarização, com um projeto de defesa da democracia e de reconstrução nacional que combina inclusão social, reformas estruturais e gestão responsável das finanças públicas.
A entrada em cena de Simone Tebet na disputa eleitoral pode elevar o nível político da campanha, na medida em que apresente e discuta com o eleitorado novas ideias e propostas para a reconstrução do Brasil. A candidata do MDB pode ainda trazer à campanha uma serenidade totalmente ausente do ambiente político brasileiro, contaminado pelos gritos ameaçadores de Bolsonaro, pelos discursos raivosos de Lula, e pelas agressões verbais de Ciro Gomes. Quem sabe, ela consegue mostrar que é possível convencer o eleitor das suas propostas sem recorrer aos gritos e gestuais populistas, lembrando a lição do bispo Desmond: “Meu pai sempre dizia: não levanpolíticate a sua voz, melhore os seus argumentos”.
Se a polarização eleitoral consolidar-se, o acirramento da disputa entre Lula e Bolsonaro provocará uma profunda fragmentação política no Brasil, amplificando as tensões e acirrando os ânimos para além do pleito e dificultando a governabilidade. A alternativa do centro-democrático que Tebet representa pode, ao contrário, com serenidade e capacidade de negociação, esvaziar os dois polos deste confronto, isolar os grupos fanáticos dos dois lados, contribuindo para a pacificação do Brasil. Desta forma, pode avançar na formação de um governo de união nacional, fundamental para a reconstrução do país para lidar com a grave crise econômica, social e fiscal, e preparar o país para os desafios do futuro.
*Texto publicado originalmente em Revista Será? Penso, logo duvido
Nota de pesar: Companheiro Fausto Matto Grosso, presente!
O Brasil acaba de perder um homem que dedicou sua vida à luta pelas liberdades públicas e ao desenvolvimento do país: faleceu nesta madrugada, em Campo Grande, o engenheiro e histórico militante Fausto Matto Grosso. Integrante da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) desde a primeira hora, e membro por exatos cinquenta anos do PCB-PPS-Cidadania23, Fausto Matto Grosso foi conselheiro e diretor da FAP, dirigente partidário, secretário de Estado de Planejamento no Mato Grosso do Sul e professor titular da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).
Vereador pelo antigo MDB em Campo Grande, quando o PCB ainda atuava na clandestinidade, teve um papel de destaque nos combates contra a ditadura militar e, posteriormente, nos embates pelas Diretas-Já e na campanha do então deputado comunista Roberto Freire à Presidência da República, em 1989. Integrante do Diretório Nacional do PPS, Fausto lutou o bom combate ao lado de figuras partidárias, como Carmelino Resende e Onofre da Costa Lima.
Morre, aos 73 anos, Fausto Matto Grosso, ex-diretor da FAP e membro do Cidadania
Homem afável, amigo dos seus amigos, Fausto nascera em 1949, em Ponta Grossa, no Paraná, e participou, junto a Sérgio Augusto de Moraes e Raulino de Oliveira, de um grupo de reflexão sobre os efeitos da nova revolução industrial sobre o aparato produtivo da sociedade, em particular a automação. Isso, ainda nos anos 80, durante a passagem do saudoso Giocondo Dias à frente do PCB. Profundamente dedicado aos estudos, publicou, em 2021, o livro Histórias que ninguém iria contar, editado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP). Trata-se de obra que aborda, em 40 crônicas, a rica trajetória dos comunistas no Mato Grosso do Sul. Fausto colaborou, ainda, com a obra coletiva Almeida, um combatente da democracia, hoje em segunda edição pela FAP, como autor do texto Almeida, um democrata exemplar.
Nós, conselheiros, diretores e colaboradores da FAP manifestamos a todos os seus familiares, amigos e companheiros os nossos votos de profundo pesar. Fausto Matto Grosso ficará para sempre em nossa memória.
Luciano Rezende, presidente do Conselho Curador da FAP
Caetano Araújo, diretor-geral da FAP
Curso de formação política ultrapassou 1,5 mil inscritos, em parceria da FAP com ITV
Cleomar Almeida, coordenador de Publicações da FAP, (atualização do número de inscritos)
Mais de 1,5 mil pessoas se inscreveram no curso inédito de formação política para candidatos, candidatas e suas equipes, realizado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), em parceria com o Instituto Teotônio Vilela (ITV). Sem custo para os matriculados e totalmente online, a qualificação foi a primeira a ser realizada pelas duas instituições, vinculadas ao Cidadania e ao PSDB, após a federação partidária.
Inscreva-se no curso de formação política para candidatos, candidatas e suas equipes
Veja, abaixo, vídeo de apresentação do curso:
O curso foi realizado, de 23 a 27 deste mês, com a últimas aulas marcada para os dias 30 e 31 seguintes, das 19h às 20h30, por meio da plataforma Somos Cidadania, totalmente interativa, moderna e com design responsivo. No primeiro dia, as aulas inaugurais foram ministradas pelos presidentes nacionais do PSDB, Bruno Araújo, e do Cidadania, Roberto Freire.
Em vídeo divulgado nas redes sociais, o diretor financeiro da FAP, Raimundo Benoni, vice-prefeito de Salinas (Cidadania-MG), afirmou que “esse curso é imperdível". Ele ressaltou que as aulas abordarão análise de conjuntura política, atividade parlamentar, estratégias de campanha, comunicação e redes sociais, legislação eleitoral, arrecadação, contabilidade e finanças, além da importância das mulheres na política.
Confira, abaixo, vídeo de Benoni:
Diretor financeiro do ITV, o deputado federal Eduardo Barbosa (PSDB-MG) também destacou a relevância da formação política para capacitação de candidatos e candidatos, além de suas equipes, com o objetivo de que, durante o mandato, todos desempenhem o seus papéis de forma eficiente, com foco na população e no desenvolvimento do Brasil.
“Buscar o êxito nas eleições, consolidar a federação entre os partidos e se comprometer com os ganhos sociais e econômicos do nosso país é defender a democracia. Esse é o espírito desse curso dirigido a todos que desejam exercer a representatividade política”, disse o deputado federal.
O diretor executivo da FAP, Marco Aurélio Marrafon, parabenizou as duas instituições e os partidos pelo sucesso no curso já na fase de inscrição. “Para que um time seja vitorioso, precisa de formação, dedicação, empenho e muita energia para alcançar a vitória. E é isso que nossos candidatos, nossas candidatas, as suas assessorias e suas equipes estão demonstrando ao alcançar, em pouquíssimo tempo, mais de 1 mil inscrições”, disse ele.
No lançamento das inscrições, realizado no dia 5 deste mês, o presidente do Conselho Curador do ITV, o economista Marcus Pestana, que foi deputado federal pelo PSDB-MG, destacou o objetivo do curso e a expectativa para que a qualificação resulte no exercício de mandatos com excelência.
“Esse curso visa qualificar, preparar e treinar nossos candidatos, e nossas candidatas, além de suas equipes, para que consigam cumprir sua missão: conseguir processo eficiente de comunicação com a população levando conteúdo, a discussão do futuro do país, a defesa da democracia”, asseverou Pestana.
O presidente do Conselho Curador da FAP e ex-prefeito de Vitória (ES) por dois mandatos consecutivos, o médico Luciano Rezende disse que o foco deve ser sempre “juntar o talento político à boa técnica de gestão”. “Esse talento político, que é inerente aos candidatos que vão disputar a eleição em outubro, terá uma potencialização com a formação política porque o curso tem um programa espetacular aplicado”, observou ele.
Veja, abaixo, vídeos das aulas:
Saiba mais sobre os palestrantes
Análise da conjuntura política: 23/5
Bruno Araújo: formado pela Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), foi eleito duas vezes deputado estadual e deputado federal por Pernambuco durante três mandatos consecutivos. Foi ministro das Cidades entre 2016 e 2017. Atualmente é o presidente nacional do PSDB.
Roberto Freire: presidente nacional do Cidadania 23, atuou como deputado estadual e federal por Pernambuco e São Paulo; senador por Pernambuco; líder do governo Itamar Franco; ministro da Cultura e candidato a presidente da República em 1989 pelo PCB.
O mediador será o deputado federal do PSDB/SP Samuel Moreira.
Atividade parlamentar: 24/5
Carlos Sampaio: procurador de Justiça do Estado de São Paulo, é formado em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Foi vereador (1993 a 1997), deputado estadual (1999 a 2023) e, desde 2003, é deputado federal por São Paulo.
Rubens Bueno: professor de formação, vice-presidente nacional do Cidadania, exerce o seu quinto mandato de deputado federal pelo Paraná, sendo o terceiro consecutivo.
A mediadora será a senadora do Cidadania Eliziane Gama.
Estratégias de campanha, comunicação e redes sociais: 25/5
Paulo Vasconcelos: natural de Belo Horizonte (MG), o publicitário Paulo Vasconcelos do Rosário Neto liderou a coordenação do marketing da campanha de Aécio Neves à presidência da República de 2014. Em 1995, assumiu a Secretaria de Comunicação do Governo de Minas Gerais. Atuou nas melhores agências de propaganda do país ao longo das últimas quatro décadas.
Sergio Denicoli: pós-doutor em comunicação digital, pesquisador da Universidade do Minho, em Portugal. CEO da AP Exata Inteligência Digital. Foi professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e, também, em Portugal, na Universidade Lusófona e na Universidade do Minho.
O mediador será o advogado e doutor em direito Marco Marrafon.
Legislação eleitoral: 26/5
Marilda Silveira: Doutora e mestre em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Coordenadora do IDP Online e Professora dos cursos de graduação e pós-graduação da EDB/IDP. Membro do IBRADE, da ABRADEP e das Comissões de Direito Administrativo e Eleitoral da OAB/ DF (2015). Foi Assessora Jurídica de Ministros e da Presidência do TSE.
Arlindo Fernandes: servidor público, consultor legislativo do Senado Federal nas áreas de direito constitucional e eleitoral, desde 1996, é advogado e especialista em direito constitucional e em ciência política.
O mediador será o presidente do Conselho Curador do ITV Marcus Pestana.
Arrecadação de campanha, contabilidade e finanças: 27/5
Guilherme Sturm: contador pela Fundação Educacional do Município de Assis (Fema), concluiu o MBA Executivo Internacional pela FGV-Chinese University Hong Kong e MBA em Gestão Estratégica do Agronegócio pela FGV. Sócio do Grupo Essent Negócios Contábeis e CEO da Essent Jus, startup especializada em Arrecadação e Contabilidade Digital para Partidos, Igrejas e outras entidades.
Marcelo Nunes: ex-servidor do TER-ES, professor e advogado especialista em direito eleitoral, com atuação nas eleições dos últimos 20 anos.
O mediador será o presidente do Conselho Curador da FAP Luciano Rezende.
Mulheres na política: 30/5
Shéridan Oliveira: psicóloga e mestranda em gestão pública, é deputada federal por Roraima desde 2015. É presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher na Câmara Federal. Foi secretária da Promoção Humana e Desenvolvimento de Roraima de 2007 a 2014.
Eliziane Gama: senadora da República pelo Maranhão e líder da bancada feminina do Senado Federal. Esposa, mãe, cristã. Teve atuação destacada na CPI da covid-19. Foi deputada estadual entre 2007 e 2014 e deputada federal de 2015 a 2018.
A mediadora será a coordenadora do PSDB-Mulher no nordeste Iraê Lucena.
A representatividade negra na política: 31/5
Gabriela Cruz: presidente do Tucanafro.
Kennedy Vasconcelos: Coordenador do Igualdade23 MG.
A mediadora será a ativista transexual Mariana Valentim.
Livro ‘Almeida, um combatente da democracia’ mostra legado de dirigente
Cleomar Almeida, coordenador de publicações da FAP
Cearense, jornalista, revolucionário e referência na luta pela democracia brasileira, Francisco Inácio de Almeida, de 81 anos, superou prisões, clandestinidades e exílios sem desanimar. Com sabedoria histórica, ele é um dos principais articuladores do Cidadania, que garantiu nova identidade ao PPS (Partido Popular Socialista), do qual foi secretário-geral e que evoluiu a partir do PCB (Partido Comunista Brasileiro), fundado em 1922.
“Almeida enfrentou prisões, clandestinidades e exílios sem nunca esmorecer no combate pelo Estado Democrático de Direito. Tem a Democracia como fundamento da sua práxis ou ação política. Este o seu maior legado. Ou seja, a tolerância, a solidariedade e a dedicação a uma luta”, escrevem os organizadores do livro Almeida, um combatente da democracia (Abaré Editorial, 140 páginas), Ivan Alves Filho e George Gurgel de Oliveira.
Com homenagem e registro da importância de Francisco Almeida para as forças democráticas brasileiras, o livro será lançado no dia 21 de maio, a partir das 10 horas, na Livraria Livro Técnico, de Sérgio Braga, ao lado do Flórida Bar (Rua Dom Joaquim, 54). O evento, realizado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília, conta com a participação do jornalista que é descrito na obra como “articulador de pessoas e coisas na luta comum”.
Almeida é o retrato vivo da história de luta pela redemocratização do país, pela qual atuou, conjuntamente, com outros grandes nomes do PCB. Em Moscou, trabalhou com Luiz Carlos Prestes. No Brasil, com a volta dos comunistas ao país garantida pela Anistia, em 1979, integrou a direção máxima do partido, ao lado de Giocondo Dias, Dinarco Reis, Salomão Malina, Hércules Corrêa, Geraldo Rodrigues dos Santos, Paulo Elisiário Nunes, Sérgio Augusto de Moraes e do hoje presidente do Cidadania, Roberto Freire.
Filho de uma família de pequenos produtores rurais e que trabalhou desde menino em uma padaria, o dirigente carrega, em si mesmo, as várias formas pelas quais é chamado e a característica de integridade, como ressalta Freire. “Pra este antigo comunista, hoje cidadão do meu tempo, Chico. Pros (sic) cearenses, Inácio. Para o resto do Brasil, Almeida”, afirma o presidente do Cidadania.
“É um homem de luzes, sempre olha pra frente. Sua mesa de trabalho, uma bagunça organizada onde sabe encontrar cada um dos papéis que procura, é um sinal de sua criatividade. E pessoas criativas não param no tempo. Difícil ver Chico perder a calma. Mantém a tranquilidade mesmo nos debates mais acirrados. Debate ideias”, afirma Freire, em seu texto.
O cientista político e diretor-geral da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), Caetano Araújo, lembra que Almeida aproximou-se do partido ao final dos anos 1950, perto dos seus 20 anos, quando estudava jornalismo e trabalhava em jornais de Fortaleza. “Em uma década decisiva na história nacional, que começou com o fortalecimento das lutas populares, passou pelo golpe de 1964 e culminou na radicalização da ditadura no rumo do fascismo, após o AI-5, percorreu o trajeto habitual de simpatizante para militante e de militante para dirigente partidário”, diz Araújo.
Para o dirigente do Partido Democrático, da Itália, o sindicalista Andrea Lanzi, Almeida é “democrata exemplar” e suas principais características são “humildade, cordialidade e respeito”. “Mesmo sendo ele um militante apaixonado pelas próprias ideias, sempre mantivemos um profundo respeito um pelo outro. Apesar do meu apoio ao Partido dos Trabalhadores, como responsável político do PD no Brasil, que ele considera uma posição equivocada, o companheiro Almeida sempre soube entender os meus posicionamentos”, conta ele, no livro.
A dura realidade nordestina criou em Almeida o inconformismo em aceitar as injustiças que, no Brasil, começam no Nordeste, o principal responsável pelas escandalosas desigualdades econômicas e sociais do país, na avaliação da escritora Aspásia Camargo, ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas).
“Este inconformismo certamente o levou a abraçar as causas do nosso Partidão, a procurar em Cuba um caminho para a América Latina e a encontrar em Prestes sua fonte de dedicação, ele que foi o único verdadeiro herói que tivemos, o herói da Coluna Prestes que varou 27.000 km invencível, denunciando as oligarquias. E sendo, afinal, a fonte inspiradora de Mao Tsé Tung em sua Longa Marcha que conquistou a China e surpreendeu o mundo”, afirma Aspásia.
Além das questões políticas e da intensa e incansável defesa de Almeida pela democracia, o livro também aborda aspectos familiares, mostrando a versão do “Pai Almeidinha”, conforme escreve o filho e jornalista Thiago Vitale Jayme. De um homem que inspira inúmeras pessoas, o exemplo é a melhor forma de ensinamento. “Você é um pai que ensina por meio do exemplo. A sua dignidade diante da vida é uma aula diária. A sua empatia (você liga para todos os grandes amigos rotineiramente, só para saber se estão bem) é outro gesto que me ensina sempre”, conta Jayme.
A socióloga Abigail Páschoa, ativista das causas negras, avalia que “Almeidinha”, como ela também o chama, simboliza a organização, o funcionamento produtivo e orgânico do partido antigo PPS e do atual Cidadania. “Espero que o companheiro continue cumprindo seu papel de direção não autoritária no Cidadania, fortalecendo seu papel de liderança orgânica e firme”, ressalta, para continuar: “Que esta justa homenagem que ora fazemos ao companheiro sirva também de estimulo para que os novos militantes pautem suas atuações pelos princípios democráticos, buscando sempre os projetos coletivos, acima dos delírios dos projetos de poder individual, na trajetória política do Cidadania”.
Serviço
Lançamento do livro Almeida – Um Combatente da Democracia
Dia: 21/5/2022
Horário: a partir das 10h
Onde: Livraria Livro Técnico, de Sérgio Braga, ao lado do Flórida Bar (Rua Dom Joaquim, 54)
Realização: Fundação Astrojildo Pereira