China
Demétrio Magnoli: Envelhecer antes de enriquecer
‘Três Anos de Desastres Naturais’ — foi assim que, cinicamente, o Estado maoísta batizou um dos maiores ciclos de fome registrados na história. Na China, entre 1959 e 1962, algo entre 15 e 55 milhões de pessoas morreram de fome. Os “Três Anos de Dificuldade”, na terminologia reinventada em 1981, configuraram o solitário período de declínio populacional desde a fundação da República Popular da China, em 1949. Agora, um tanto ressabiado, o regime chinês prepara-se para anunciar que o declínio populacional tornou-se o novo normal.
O Brasil, sob Bolsonaro, já não consegue realizar censo. A China completou em dezembro seu censo decenal — e descobriu, com alguma surpresa, que sua população não atingiu 1,4 bilhão. Na Grande Fome, a taxa de fertilidade desabou bruscamente de 6,4 filhos por mulher, em 1957, para 3,3, em 1961, antes de se recuperar. Hoje, é de 1,7, pouco menor que a dos EUA (1,8) e aproximando-se da taxa da União Europeia (1,55). A China é o singular exemplo histórico de país que envelheceu antes de enriquecer.
Excluindo eventos extremos, como a Grande Fome, as curvas de taxas de fertilidade comportam-se mais ou menos como imagens invertidas das curvas do PIB per capita. As famílias têm menos filhos à medida que aumentam os custos de criação e caem os incentivos para uniões precoces. Na China, porém, a regra foi rompida pela ação de um regime totalitário. O governo introduziu a política de dois filhos por casal em 1970 e, uma década depois, estabeleceu o objetivo do filho único. O impacto de longo prazo do antinatalismo radical evidencia-se na implosão demográfica em curso.
A taxa de fertilidade recuou de 5,7, em 1970, para, 1,6 em 2000. A curiosa pirâmide etária chinesa exibe uma contração acentuada na faixa de 35 a 44 anos: o vazio deixado pelo forte recuo da natalidade no decênio iniciado em 1975. As sanções destinadas a impor o filho único foram relaxadas desde meados da década de 1980, e, a partir de 2015, o regime passou a estimular as famílias a ter dois filhos. Pouco adiantou: o gênio do controle reprodutivo não voltará à garrafa.
Na Índia, a taxa de fertilidade ainda gira em torno de 2,2. Há pouco, projetava-se que a população indiana se tornaria a maior do mundo em 2026. Tudo indica que a ultrapassagem ocorrerá antes, mas isso é quase irrelevante. Por outro lado, os impactos da implosão demográfica chinesa não devem ser subestimados — e interessam ao mundo inteiro.
A expansão econômica da China baseou-se, desde 1980, na agregação de massas de trabalhadores ao sistema industrial. O envelhecimento demográfico já se tornou um fator limitante, provocando aumento no custo da força de trabalho. O PIB chinês, que crescia a taxas médias superiores a 10% entre 1992 e a crise financeira global de 2010, acomodou-se em torno de 6% às vésperas da pandemia. A China atual só pode seguir crescendo pela via de uma contínua escalada tecnológica. Isso exige conservar a rede de intercâmbios que a prende à economia global, um imperativo com óbvias repercussões geopolíticas.
A taxa de fertilidade da China é quase igual à dos EUA, mas seu PIB per capita situa-se anos-luz atrás (US$ 10,2 mil, contra US$ 65,3 mil). A idade média de chineses e americanos é quase igual (38,4 anos). A política antinatalista maoísta eliminou as antigas famílias numerosas que asseguravam a sobrevivência dos idosos. As reformas de mercado pós-maoístas tiraram dos trabalhadores urbanos as garantias de emprego, moradia e saúde chamadas de “tigela de arroz de ferro”. A Lei de Seguro Social, de 2011, criou o atual sistema previdenciário nacional, uma ficção burocrática ignorada pela maior parte das empresas.
A crise saltou ao palco político em 2014, quando os 40 mil operários de uma fábrica em Cantão descobriram que seus direitos previdenciários eram sonegados — e engajaram-se numa inédita greve de duas semanas, que iluminou os contornos do capitalismo selvagem chinês. EUA, Europa e Japão enfrentam o desafio de oferecer previdência a suas vastas populações idosas. A China encara um dilema similar muito antes de enriquecer.
Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/envelhecer-antes-de-enriquecer.html
Luiz Carlos Azedo: Apagão de emprego e capital
O pastor anglicano Thomas Malthus era um pessimista, em meio ao otimismo iluminista do final do século 18. Atribuía aos impulsos sexuais o crescimento da população e, em decorrência, o aumento da pobreza. Era um darwinista social, como o ministro da Economia, Paulo Guedes, que acha absurdo as pessoas quererem viver até os 100 anos e os filhos de porteiros sonharem com aquele canudo de papel do samba O pequeno burguês, grande sucesso de Martinho da Vila.
Somente Thomas Malthus explica a naturalidade com que o presidente Jair Bolsonaro e Guedes estão lidando com a crise sanitária e os 400 mil mortos pela covid-19 já contabilizados no Brasil. A teoria econômica malthusiana sustentava-se na tese de que a produção de alimentos não acompanharia o crescimento da população; porém, com a má alimentação e as doenças, haveria um reequilíbrio, com a redução da expectativa de vida e da taxa de natalidade. Mais semelhança com pensamento dominante no Palácio do Planalto e no Ministério da Fazenda, impossível.
Entretanto, àquela época, a teoria malthusiana já havia sido ultrapassada pelo desenvolvimento do capitalismo, cujas inovações permitiram a maior produção de alimentos, de bens e de serviços. Hoje, a população inglesa é três vezes maior e 10 vezes mais rica do que há 200 anos. Mesmo na China, que até recentemente proibia os casais de terem mais de um filho, em decorrência do fracasso do “Grande salto para a frente” de Mao Zedong (45 milhões de chineses morreram de fome), o problema alimentar foi resolvido. Em grande parte, graças ao Brasil, que se tornou seu maior fornecedor de grãos e proteínas.
Com a pandemia, no entanto, milhões de brasileiros estão mergulhados na miséria absoluta, sem ter nem o que comer em casa por falta de renda. São números acachapantes: 14,4% de desempregados e redução da massa salarial da ordem de 7,4%,uma perda de R$16,8 bilhões, entre o trimestre encerrado em fevereiro de 2021 e o mesmo período do ano passado, segundo o Instituto Brasi- leiro de Geografia e Estatística (IBGE). A menor queda foi na agrope- cuária (-0,8%). A administração pública, porém, teve aumento surreal nos rendimentos, de 5,3%. Tem algo errado aí.
Empreendedores
As atividades de alojamento e alimentação perderam 1,5 milhão de empregos, maior queda percentual (-27,4%). A indústria fechou cerca de 1,3 milhão de postos (-10,8%), mesmo número dos serviços domésticos (-20,6%). O comércio perdeu 1,98 milhão de vagas (-11%). Somente a agropecuária (226mil) e o setor público (374 mil) elevaram o número de vagas. Durante a pandemia, houve um aumento de 2 milhões de desempregados; ou seja, a situação já era muito grave no mercado formal antes disso, com 12,4 milhões de desempregados. Um dado chama muita atenção: a perda de rendimento de empregadores (-5,4%) e dos trabalhadores domésticos (-3,6%).
O agravante é que nada será como antes, porque a covid-19 acelerou transformações no mundo do trabalho que vieram para ficar, com a substituição de mão de obra por mais tecnologia e a adoção do trabalho avulso e remoto. Além disso, 10,5 milhões de pessoas deixaram de procurar emprego, dos quais 1,2 milhão passaram a compor o grupo de desalentados, que chegou ao patamar recorde de quase 6milhões, um aumento de 27% em um ano.
Empresas com mais capacidade de investimentos aproveitam a oportunidade para avançar sobre os concorrentes e obter ganhos de produtividade. Entretanto, tão grave quanto o desemprego é o apagão de capital de micro, pequenos e médios empreendedores, que encerraram suas atividades e queimaram suas economias para sobrevivência das suas famílias. Guedes, entretanto, vê na pandemia uma oportunidade de ouro para descontruir políticas públicas, sem pôr nada no lugar, porque suas teorias ultraliberais estão tão ultrapassadas quanto as teses malthusianas.
Fonte:
https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-apagao-de-emprego-e-capital/
Marcelo Burgos: A matriz ideológica da milícia e o fenômeno bolsonaro
A milícia é um fenômeno, sobretudo, econômico, de construção de novas bases materiais na vida urbana. E nesse caso, o fato de parte da Barra da Tijuca aderir ao mesmo projeto político da população mais fortemente submetida ao jugo das milícias, indica que o modo de exploração econômica caro à milícia pode estar dando lugar a uma nova superestrutura que é, por princípio, antiestatal e genuinamente neoliberal
O Rio de Janeiro tem muito a ensinar sobre o fenômeno Bolsonaro para o Brasil, e embora isso seja óbvio, ainda não foi suficientemente levado a sério. Examinar a forma pela qual a milícia se espraiou no estado e como ela se converteu em um discurso que avançou sobre áreas ricas da cidade pode ser um bom começo. Afinal, a relação entre o atual presidente e seus filhos com a milícia não é apenas pessoal, mas ideológica, e isso precisa ser melhor compreendido.
Um bom ponto de partida para esse argumento aparece nos mapas apresentados pelo cientista político Antônio Alkmim em seminário recente, realizado pela PUC-Rio, e que também contou com a participação do deputado federal Marcelo Freixo (PSol-RJ). Ao fazer a cartografia do voto na cidade do Rio de Janeiro, Alkmim chama a atenção para o fato de que no 1º turno das eleições presidenciais de 2018, Bolsonaro teve sua maior concentração de votos no corredor que vai da região litorânea da Barra da Tijuca, onde vive parte da elite econômica da cidade, à região de Jacarepaguá, reduto principal e originário das milícias.
Esse achado é ainda mais reforçado quando se analisa o perfil dos votos nas últimas eleições municipais realizadas dois anos depois. Além do candidato Eduardo Paes (DEM-RJ), que afinal se elegeria, e dos demais candidatos de centro esquerda e esquerda, concorreram o então prefeito Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), sobrinho de Edir Macedo e representante da Igreja Universal, e o deputado federal Luiz Lima (PSL-RJ). Esses dois últimos disputavam o voto de direita e extrema direita. O mapa não podia ser mais sugestivo: enquanto Luiz Lima recebe quase toda a sua votação (cerca de 11% do total) nesse mesmo corredor composto pela Barra e a região de Jacarepaguá, Crivella impera em bairros da zona oeste da cidade onde a presença das igrejas neopentecostais é mais forte.
Duas constatações para uma análise
Desses mapas, cirurgicamente apresentados por Alkmim, tiramos pelo menos duas constatações que podem nos levar a uma análise de mais largo alcance da milícia como ideologia. Primeiro, o campo evangélico pode até ter algumas afinidades eletivas com o fenômeno bolsonaro, mas guarda autonomia em relação a ele; e segundo, a classe média e alta da Barra e os redutos empobrecidos e subjugados pela milícia apresentam uma surpreendente identidade política.
Explicar o quadro extraído desses mapas nos parece um exercício fundamental se queremos iluminar as raízes do fenômeno bolsonaro. Neste artigo, apresento algumas pistas que poderão ser úteis para a sua compreensão e o combate político e cívico desse monstro que nasceu no Rio e expandiu seus tentáculos pelo país.
Quanto à primeira constatação, não creio ser novidade, mas tampouco custa lembrar, que o campo evangélico é muito mais complexo do que se costuma acreditar. E se é verdade que algumas de suas grandes denominações têm se transformado em eficientes máquinas políticas, ainda assim, estamos falando de um terreno aberto a disputas, e que por isso mesmo pode hoje servir a Bolsonaro, como ontem serviu ao PT. O fato de Crivella ter galvanizado seu voto nos principais redutos evangélicos revela, sem dúvida, um poder de extração de voto importante, mas com baixa potencialidade para se converter em nova matriz ideológica. Para isso acontecer seria necessária uma base econômica própria, e nesse caso importa não esquecer que estamos falando basicamente de uma massa de trabalhadores empobrecidos e precarizados.
Apesar da emergência econômica das classes populares no período Lula-Dilma ter emprestado sentido ascendente e afirmativo à moralidade neopentecostal, a condição subalterna dessa população e a forma com que se relacionam com a esfera pública, comprometem seu poder transformador, tornando-a necessariamente dependente de alianças políticas e culturais para se autorreproduzirem.
Fenômeno econômico
O caso da milícia é diferente É, acima de tudo, um fenômeno econômico, de construção de novas bases materiais na vida urbana. E nesse caso, o fato de parte da Barra da Tijuca aderir ao mesmo projeto político da população mais fortemente submetida ao jugo das milícias, indica que o modo de exploração econômica caro à milícia pode estar dando lugar a uma nova superestrutura que é, por princípio, antiestatal e, por isso mesmo, genuinamente neoliberal. Quanto a isso, a cena da comemoração da vitória de Bolsonaro em torno da sua casa em condomínio da Barra teve efeito simbólico poderoso. O monstro gestado na extração da mais valia nas áreas populares havia se convertido em discurso capaz de arrastar as classes médias e altas da cidade.
Enquanto fenômeno fundamentalmente econômico, a milícia é global, fazendo-se presente, ainda que de diferentes maneiras, em diversas áreas populares do planeta, especialmente no hemisfério sul. E por suas próprias características, a lógica da milícia anima um discurso antiestatal e antipolítica. No mundo da milícia, o que vale é a lei do mais forte, que não reconhece direitos nem regulação; sua concepção de sociedade é a do hobbesianismo social: indivíduo, apetites, competição e eliminação física daqueles que representam um obstáculo aos seus negócios. A versão neoliberal do mundo periférico.
No Brasil, e muito especialmente no Rio de Janeiro, a principal singularidade desse fenômeno é o fato dele estar umbilicalmente associado à participação de policiais (majoritariamente militares, mas não apenas) da ativa e aposentados, que se valem de seu poder de fogo (literalmente) para impor a favelas e bairros empobrecidos seu domínio econômico, militar e político. A partir dessa condição, exercem um controle totalitário sobre os territórios onde pontificam, avançando sua empresa econômica especialmente nas franjas das cidades, lá onde o ilegal e o legal se misturam ao ponto de se tornarem indistinguíveis
Essa estreita conexão com forças policiais caracterizadas por uma cultura violenta, historicamente forjada na forma com que lidam com as favelas e periferias das cidades, empresta à forma miliciana brasileira o recurso a um discurso de ordem e o uso do medo como instrumento de dominação. No Rio de Janeiro, onde o fenômeno ganhou sua máxima expressão, a dominação ideológica miliciana cresceu e se alimentou da guerra ao tráfico, que transformou os territórios populares em campos de guerra. O terror das operações policiais nas favelas, e os enfrentamentos entre os próprios bandos de traficantes, retroalimentados pelas estratégias de segurança pública, serviram à perfeição para conferir à exploração econômica praticada pela milícia um discurso paraestatal de manutenção da ordem por meio da manipulação do medo.
Fenômeno bolsonaro
Essa característica da milícia no país é fundamental para que se possa compreender a natureza autoritária do fenômeno bolsonaro. De fato, na sua imaginação não está em jogo um autoritarismo de estado, à moda dos regimes militares sul-americanos dos anos de 1960 e 1970, mas sim um autoritarismo societal. O antiestatismo radical do modo de exploração da milícia é inconciliável com a presença de um Estado forte (autoritário ou não). Daí fazer parte do coquetel ideológico que está produzindo, a combinação entre a apologia do armamento da população e a defesa de uma noção de liberdade individual em face da autoridade do Estado que rejeita qualquer noção de coesão e solidariedade. Nada disso, vale frisar, pode ser facilmente digerido pelas lideranças das Forças Armadas, que, no entanto, se deixaram embalar pelo canto da sereia da raiz autoritária do fenômeno bolsonaro, não percebendo talvez o corpo inteiro do monstro. Mas essa hipótese ainda precisaria ser melhor investigada, afinal, o chefe da Casa Civil e agora ministro da Defesa, general Braga Netto, esteve à frente da intervenção militar na segurança pública do Rio de Janeiro ao longo de 2018, e é impossível que não tenha mapeado a extensão da milícia na vida da cidade e de sua região metropolitana. O próprio assassinato de Marielle Franco, ainda no primeiro mês da intervenção, obrigaria a isso.
Do mesmo modo, faz parte de seu modelo autoritário a negação da política e de suas instituições, a começar pelos partidos. Sua estética dispensa os ritos e as mediações da política (o presidente no seu discurso de vitória na sala de sua casa). E sua ética recusa o princípio da representação, não no sentido clássico do “populismo”, mas de uma forma inteiramente nova. Em suas mãos, a política é completamente instrumentalizada, servindo apenas como meio de destruição do estado e da regulação pública. Não por acaso, câmaras de vereadores e prefeituras são especialmente importantes para os milicianos. Afinal, são elas que governam as cidades, e que deveriam regular o acesso ao solo, à construção civil, ao transporte público, e ao comércio e serviços em geral, em suma, aos principais ativos econômicos agenciados pela milícia. A infiltração na vida política se faz como um movimento que encurta as distâncias que eram próprias aos velhos esquemas clientelistas. Sem precisar gastar energia com as mediações políticas, a milícia avança diretamente ao legislativo e ao poder público, para, de posse deles, destruir qualquer obstáculo à livre realização de seus negócios. O mais preocupante, porém, é que essa evocação a uma ordem desprovida de poder público e dominada pelo medo imposto pela força paramilitar, e esse discurso antiestado, ainda que tosco, agrada e atrai setores do mercado e seus representantes. Afinal, como se sabe, o neoliberalismo vai bem com qualquer tipo de autoritarismo. Quanto a isso, o fato do governo Bolsonaro ter como ministro da economia um homem que quando jovem fez parte dos “Chicago boys” da ditadura de Pinochet, dispensa outras evidências.
A conversão do neoliberalismo miliciano em uma original matriz ideológica está em curso, e sua melhor expressão é a conformação de uma nova elite econômica, forjada pela produção e reprodução de capital alimentado pelo consumo popular. Com isso, também entram em cena estratégias de transformação de capital econômico e político em capital social e simbólico. Condomínios de luxo, escolas privadas, vida noturna, restaurantes, salões de beleza e academias perfazem circuitos de transformação do domínio econômico em novos símbolos de status. E tudo, claro, bem azeitado pelo uso intensivo das redes sociais. O fato é que os homens truculentos que controlam os becos das áreas populares, erguendo barricadas e cobrando pedágios espúrios de comerciantes e moradores, e impondo ágios em preços de aluguel e de botijões de gás, já transitam (com suas mulheres) pelos espaços valorizados da cidade, ostentando símbolos de riqueza que mal disfarçam sua base econômica.
Aderência do neopentecostalismo
O mais dramático é que essa nova burguesia, com seu antiestatismo e seu peculiar autoritarismo, tem conseguido aderência – ainda que circunstancial – à moralidade difusa do neopentecostalismo. É verdade que na voz de milicianos a evocação à Bíblia chega a ser um gesto obsceno (Bolsonaro citando versículos de João na sala de sua casa após a vitória), mas o peculiar apelo à ordem que vem da milícia pode casar bem com a fetichização da família e a perseguição a minorias sexuais, tão presentes em parte do discurso evangélico. De igual modo, a agenda do “Escola sem Partido”, que recusa a moralidade laica e republicana da escola pública, na exortação do que chamam de “ideologia de gênero”, reúne uma suposta defesa da moralidade cristã a um discurso contra o Estado, do qual a escola pública é talvez a sua mais importante expressão.
Igualmente relevante, e talvez ainda mais surpreendente, é que essa burguesia miliciana, que garante sua forma de reprodução não de práticas corruptas, mas da corrupção como prática, a começar pelo próprio uso dos recursos policiais, tenha conseguido aderência ao discurso anticorrupção, o qual, levado ao extremo, se encontra com a negação da política e a criminalização de suas instituições, não dispensando para isso nem mesmo a violação de princípios básicos do devido processo legal.
Mas é preciso que se reafirme que nem os aderentes ao discurso do combate à corrupção, nem os evangélicos neopentecostais precisam ser, necessariamente, aliados da ideologia miliciana. Eles não são, com certeza, “farinha do mesmo saco”.
Foi preciso uma pandemia devastadora para que o sinal de alerta soasse com mais força entre os liberais e conservadores que não se reconhecem com o antiestatismo e a antipolítica da ideologia miliciana. E talvez isso somente tenha ocorrido porque a pandemia revelou o mais perturbador elemento dessa ideologia, que de modo algum é surpreendente para quem conhece de perto a ética da milícia: o neoliberalismo miliciano nutre desprezo pela vida alheia – para quem viu o filme, é impossível não lembrar: da barbárie sangrenta de “Bacurau”. A antena sensível de Kleber Mendonça Filho captou a brutalidade de um novo tipo de sujeito, que já não reconhece o outro como humano. Esse novo tipo de sujeito bem pode ser lido como uma visão alegórica do mundo miliciano. E certamente não é por acaso que o mesmo cineasta, alguns anos antes, em “Som ao Redor”, interligue um grupo de milicianos das ruas de Recife com a herança do canavial escravocrata da zona da mata pernambucana.
O ataque mais frontal às milícias, no Rio e no país, dependeria de dois processos complexos: uma ampla reforma urbana e uma profunda reforma da polícia. Sem isso, elas deverão continuar a contar com condições muito favoráveis para se expandir. É preciso pegar um atalho. Por isso, o alvo nesse momento deve ser a cabeça do monstro, que é a sua expressão ideológica, a qual ainda se encontra em seu momento expansivo, buscando ampliar suas alianças. A comunhão entre os eleitores empobrecidos das áreas dominadas por milícias e os endinheirados e remediados da Barra denota, na ecologia peculiar do Rio de Janeiro, seu potencial de expansão. Para se combater esse coquetel ideológico será necessário, antes de mais nada, cortar seus nexos com o campo evangélico, retirando-lhe uma fonte importante de discurso moral. Quanto a isso, a demonstração cabal de seu desapreço pela vida, incompatível com qualquer leitura da Bíblia é, sem dúvida, o mais importante a ser feito. Do mesmo modo, é preciso revelar com maior intensidade que as práticas corruptas da milícia vão muito além das “rachadinhas”. Um caminho seria o do aprofundamento da investigação jornalística e jurídica dos escaninhos que permitem a estonteante expansão imobiliária das regiões dominadas por milicianos. Quanto a isso, as ruínas do edifício que desabou na favela da Muzema, e a história das centenas de outros que ainda estão de pé, certamente tem muito a revelar.
Quanto às reformas, viriam depois, mas terão que vir…
Marcelo Burgos, professor do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio
Afonso Benites: Renan Calheiros, o insólito novo líder da oposição a Bolsonaro
Político camaleão e hábil interlocutor na câmara alta, senador envia recado: “Nossa cruzada será contra a agenda da morte. Contra o caos social, a fome, o descalabro institucional, o morticínio, a ruína econômica, o negacionismo”
Inaugurada nesta terça-feira, a CPI da Covid já demonstrou quem será o segundo principal adversário político de Jair Bolsonaro pelos próximos meses, o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Não é o principal, pois, como usualmente se diz em Brasília, o papel de maior opositor do Governo Bolsonaro cabe ao próprio presidente e a seus ministros, com as crises autoinfligidas e declarações que provocam conflito com outros poderes e países ―nesta terça-feira foi a vez de Paulo Guedes (Economia) irritar Pequim dizendo que o “chinês inventou o vírus”, sem saber que estava sendo gravado. Antes desta gafe, foi o discurso de Calheiros como relator da comissão parlamentar de inquérito que trouxe os primeiros indícios do caminho que o experiente senador de Alagoas pretende trilhar e do barulho que a CPI pode causar.
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Em sua primeira participação, Calheiros provocou incômodo no primogênito do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). O herdeiro do presidente reclamou que as sessões presenciais da CPI poderiam resultar na contaminação de mais servidores da Casa e até na morte de parlamentares ―três senadores já morreram de covid-19 desde o ano passado. “Acho que o presidente [do Senado] Rodrigo Pacheco está errando, está sendo irresponsável, porque está assumindo a possibilidade de, durante os trabalhos dessa CPI, acontecerem mortes de senadores, morte de assessores, morte de funcionários desta Casa em função da covid-19”, disse Flávio. Indagado por repórteres sobre esta fala, Calheiros ironizou. “É a primeira vez que ele se preocupa com aglomeração. Significa que ele, talvez, esteja saindo do negacionismo e esteja aderindo à ciência e à necessidade dos brasileiros”, afirmou.PUBLICIDADE
Em seu primeiro discurso na CPI, o senador não citou diretamente Bolsonaro em nenhuma ocasião. Mas enviou recados incômodos. “Nossa cruzada será contra a agenda da morte. Contra o caos social, a fome, o descalabro institucional, o morticínio, a ruína econômica, o negacionismo”, disse. Ele prometeu ser imparcial em seu relatório, do qual disse querer ser um sintetizador, um redator. E alegou ainda que prezará sempre pela ciência. É um contraponto à rejeição dos preceitos científicos de Bolsonaro e de seus asseclas. “A comissão será um santuário da ciência, do conhecimento e uma antítese diária e estridente ao obscurantismo, ao negacionismo sepulcral responsável por uma desoladora necrópole que se expande diante da incúria e do escárnio desumano.”
Crítico da operação Lava Jato, Calheiros reforçou essa postura também no discurso inicial da CPI. “[A comissão] tampouco será um cadafalso com sentenças pré-fixadas ou alvos selecionados. Não somos discípulos nem de Deltan Dallagnol nem de Sérgio Moro”, disse em referência ao procurador e ao ex-juiz que atuaram na operação em Curitiba. “Não arquitetaremos teses sem provas ou Power Points contra quem quer que seja. Não desenharemos o alvo para depois disparar a flecha”.
Ataques nas redes processos judiciais
Assim que passou a circular a informação de que o emedebista seria o relator da comissão, interlocutores do Governo o procuraram para tentar aliviar o relatório para Bolsonaro. Na conta, estaria um eventual apoio ao seu grupo político na eleição estadual do ano que vem. O cenário em Alagoas ainda não está claro. O Estado é governado por Renan Calheiros Filho (MDB), que, em seu segundo mandato, tem dois ou três pré-candidatos a sua sucessão. O apoio de Bolsonaro, no momento, não é bem recebido pelos emedebistas. Por enquanto, eles preferem estar ao lado do lulismo do que do bolsonarismo.
Seja como for, Renan Calheiros é um camaleão político que ocupa cargos públicos e eleitorais há 42 anos. Desde a redemocratização, já foi da base governista de todos os presidentes. De Fernando Collor (PROS) a Michel Temer (MDB). Em alguns momentos foi mais defensor do presidente da ocasião. Em outros, como no de Dilma Rousseff (PT), foi um conciliador que deixou de apoiá-la na reta final de processo de impeachment, mas conseguiu manter os direitos políticos da petista em um grande acordo parlamentar. Por essa razão, é bem-quisto pelos petistas, principalmente pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.PUBLICIDADE
Após ser derrotado por Davi Alcolumbre (DEM-AP) para a presidência do Senado em 2019, Calheiros atuou nos bastidores contra a gestão Bolsonaro. Fugiu dos holofotes por um período para se defender dos 12 processos aos quais responde no Supremo Tribunal Federal e, agora, volta com todas as cargas contra o presidente e já enfrenta a ira das redes bolsonaristas. A deputada Carla Zambelli (PSL-SP) tentou impedi-lo, por meio de uma ação judicial, retirá-lo da relatoria. Conseguiu, em primeira instância, mas viu na segunda, viu a decisão cair. “Intimidações, e todos os dias nós as vemos sob qualquer modalidade e arreganhos, não nos deterão”, disse. Uma das principais queixas dos bolsonaristas trata exatamente dos elos familiares de Calheiros. “Se for pela questão de interesse, o presidente não deveria nem deixar o Flávio Bolsonaro entrar aqui no colegiado”, disse o líder do PT no Senado, Paulo Rocha.
A característica mutante de Calheiros faz com que ele esteja, hoje, ao lado de quem antes era seu opositor. Agora, caminha de braços dados com Randolfe Rodrigues (REDE-AP), o senador que liderou o seu partido na Justiça, em 2016, em um movimento para afastar o emedebista da Presidência do Senado. Naquela ocasião, foi a primeira vez que o Senado afrontou uma decisão judicial, dada em caráter liminar pelo ministro Marco Aurélio Mello.
Próximos passos
Nesta quarta-feira, a CPI deverá receber sugestões de planos de trabalho, que são uma espécie de roteiro do colegiado que inclui as próximas convocações e os documentos que deverão ser entregues para se iniciar a investigação. Três já foram entregues, e o relator espera receber ao menos mais cinco. Antes, contudo, Calheiros já enviou uma série de requerimentos que devem dar o tom dos trabalhos na primeira semana. Na quinta, esses planos de trabalho deverão ser votados pela comissão.
O primeiro a comparecer na comissão, como testemunha, será o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), na próxima terça-feira. “Temos a preocupação de começar a cronologia do início, para saber o que foi feito desde o primeiro momento”, disse o presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM).
Mandetta deixou o Governo por discordar da conduta negacionista do presidente Jair Bolsonaro. Ele defendia medidas de restrição de circulação enquanto o mandatário era contrário. Também havia um confronto sobre o uso de cloroquina e outros medicamentos ineficazes no tratamento do coronavírus, sempre propagados pelo presidente.
Alon Feuerwerker: A largada da CPI
E a Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado instalou-se com uma missão definida pela maioria de seus participantes: apontar a culpa do governo federal pelo alto volume de mortes na pandemia. Na inauguração, ouviram-se declarações de princípio sobre a isenção nos trabalhos. Mas é apenas retórica. Conclusões de CPIs são modeladas não tanto pelos fatos, mas pela correlação de forças.
O Brasil vive uma situação política curiosa, porém habitual. Uma certa bipolaridade espiritual. No Senado, o foco é apontar os canhões da CPI para o Palácio do Planalto. Na Câmara, o presidente da casa legislativa engata a marcha das reformas administrativa e tributária. O que vai prevalecer? A agenda negativa ou a positiva? Naturalmente, cada um mira 2022.
Bem, a correlação de forças na largada da CPI é desfavorável ao Planalto. Mas o desenho que vale mesmo é o a ser observado nas hora das conclusões. Ou seja, um governo que aparentemente perdeu a maioria política no Senado, apesar de manter certa maioria programática, especialmente quando se trata de assuntos relacionados à economia, vai ter de encontrar uma saída do labirinto.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Luiz Carlos Azedo: Governo dispensa adversários
Guedes imprimiu as próprias digitais na resistência do governo à aquisição das vacinas durante o ano passado, prato cheio para a CPI da Covid
No mesmo dia em que a CPI da Covid foi instalada no Senado, cerimônia na qual o seu relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), afirmou que seu trabalho será orientado pela ciência e não pelo negacionismo, doa a quem doer, o ministro da Economia, Paulo Guedes, em reunião do Conselho de Saúde Complementar, voltou a alimentar especulações de que o novo coronavírus é um produto de laboratório da China. De quebra, menosprezou a vacina produzida pelo Instituto Butantan, a CoronaVac, de origem chinesa, ao afirmar que a principal vacina utilizada para conter a pandemia no Brasil, aplicada em 80% dos imunizados até agora, é menos efetiva do que o imunizante da Pfizer, produzido nos Estados Unidos, embora ele próprio tenha utilizado a vacina chinesa.
Guedes não sabia que a reunião estava sendo gravada, mas isso não atenua a gravidade do que falou, pela importância do cargo que ocupa e pelo fato de que a China é o principal parceiro comercial do Brasil e o nosso maior fornecedor de insumos para produção de vacinas: “O chinês inventou o vírus, e a vacina dele é menos efetiva do que a americana. O americano tem 100 anos de investimento em pesquisa. Então, os caras falam: ‘Qual é o vírus? É esse? Tá bom, decodifica’. Tá aqui a vacina da Pfizer. É melhor do que as outras”, disse Guedes. Sua declaração ocorre num momento delicadíssimo, em que o Brasil precisa desesperadamente de insumos chineses para produzir tanto a vacina do Butantan quanto a que está sendo fabricada pela Fiocruz, a AstraZeneca.
As insinuações de que o vírus da covid-19 seria um produto de laboratório da China, que teria saído do controle — ou que tenha sido disseminado pelo governo chinês numa suposta “guerra biológica” contra o Ocidente —, são disseminadas intensamente nas redes sociais pelos grupos negacionistas, tendo sido reverberadas, no ano passado, pelo filho do presidente da República, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), então presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, o que provocou um incidente com o embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming.
Como Guedes fez agora, na ocasião, Eduardo Bolsonaro atribuiu à China responsabilidades pela pandemia. “Quem assistiu a Chernobyl vai entender o que ocorreu. Substitua a usina nuclear pelo coronavírus e a ditadura soviética pela chinesa. A culpa é da China”, escreveu em seu perfil no Twitter, em 18 de março do ano passado. A embaixada foi dura na resposta: afirmou que o filho do presidente da República havia “contraído vírus mental” ao retornar de viagem aos Estados Unidos. E que o alinhamento do governo brasileiro com o então presi- dente norte-americano, Donald Trump, estaria “infectando amizades” entre as populações de Brasil e China.
Atraso na vacinação
O embaixador da China repudiou veementemente as declarações de Eduardo Bolsonaro e exigiu pedido de desculpas. O então chanceler Ernesto Araújo pôs mais lenha na fogueira, ao defender o filho do presidente: “É inaceitável que o embaixador da China endosse ou compartilhe postagem ofensiva ao chefe de Estado do Brasil e aos seus eleitores”, disse. Bolsonaro bancou a posição do filho e, sigilosamente, pediu à China, em março e em novembro de 2020, a troca do embaixador chinês no Brasil. Pequim ignorou os pedidos e manteve o diplomata no posto. Araújo acabou defenestrado do cargo, por causa da eleição do democrata Joe Biden para a Presidência dos Estados Unidos.
Um dos assuntos que serão investigados pela CPI da Covid é o atraso na compra de vacinas. O presidente Jair Bolsonaro chegou a vetar a aquisição da CoronaVac. “Da China, nós não compraremos. É decisão minha. Eu não acredito que ela transmita segurança suficiente para a população, pela sua origem. Esse é o pensamento nosso”, disse, em outubro passado. Bolsonaro também recusou a oferta de 70 milhões de doses da vacina da Pfizer, que seriam entregues em dezembro. Desenvolvida por um casal de cientistas turcos radicado na Alemanha, criadores da Biontech, a vacina poderia estar sendo aplicada no Brasil desde janeiro. Com sua declaração, Guedes imprimiu as próprias digitais na resistência do governo à aquisição das vacinas durante o ano passado, prato cheio para a CPI da Covid.
Roberto DaMatta: Somos todos pacientes
Para José Paulo Cavalcanti, Merval Pereira, Carlos Alberto Sardenberg e Joaquim Falcão
O dicionário “Aurélio” revela o amplo significado da palavra “paciente”. Uma palavra fundamental por sua capacidade de desmontar bate-bocas, inibir impaciências em filas, adiar vinganças e apaziguar minha angústia diante deste claro endoidecimento do Brasil.
Somos todos pacientes porque haja paciência para suportar o hospício desta psicose jurídico-política. De um lado, um enorme ressentimento porque o “povo”, que já foi puro e sagrado, teve motivos para eleger um presidente querelante, sabotador e autoritário; do outro, um surto suicida incapaz de apaziguar um sistema obsessivamente legalista em que a forma pode valer mais que o “objeto” ou substância (falando francamente: que o crime).
A palavra paciente é parte do linguajar jurídico, mas creio que seria absurdo ou despropositado chamar assassinos, genocidas e ladrões — gente como Capone, Eichmann, Goebbels, Stálin, os torturadores do regime militar, os assassinos do menino Henry, os larápios confessos da Operação Lava-Jato e Derek Chauvin, o policial que matou com óbvio viés racista George Floyd — de “pacientes”.
Uma palavra que invoca neutralidade não deveria ser usada como sinônimo de quadrilheiros. Sobretudo de gente que traiu o seu voto. Mas cabe perguntar: quando um réu vira paciente? A resposta é clara: quando ele é importante!
Aliás, se ele é o dono da grande fazenda, nem poderia ser julgado. Chamá-lo, pois, de paciente fatalmente revela a parcialidade e a lealdade do tribunal às convenções estruturais do “sistema brasileiro”, ancoradas na cautela dos compadrios, dos favores e do “você sabe com quem está falando?”, ou julgando... Essa “medida cautelar da paciência” explicita como o que conta não é o crime, mas quem o cometeu.
Trata-se de mais uma jabuticaba expressiva do jeitinho brasileiro.
Uma amiga americana compara com brilho Trump e Bolsonaro. Mas é provável que Donald seja mais facilmente explicável que Jair.
A palavra-chave nessa comparação é o compromisso e a lealdade a uma tradição democrática e republicana. É a fidelidade com a liberdade e com a igualdade como valores. Biden e Harris fazem parte dessa lista, que tem desacordos, mas não tem dúvida relativamente às complexas e duras exigências deste regime inacabado por definição chamado democracia.
Aqui no Brasil, ainda não concordamos se não seria melhor continuar mais ou menos numa realeza ibérica (franquista ou salazarista), mais ou menos populista-socialista e mais ou menos liberal-aristocrática, mas sempre autoritária, ou se vamos continuar como frustrados republicanos, arcando com o difícil compromisso de fazer valer a lei para todos — sobretudo, para nós mesmos!
E, por último, mas não por fim: se vamos cobrar coerência da instituição guardiã da Constituição, o STF.
As diferenças culturais entre Brasil e Estados Unidos são grandes, mas nada no campo do humano é impossível. Os americanos têm uma Constituição pioneira, pequena e inteligível; aqui, um oceano de leis complementares e de privilégios impede a clareza. Eles começaram republicanos, e nós fomos um pouco de tudo. Lá, trata-se de manter continuidade; aqui, de liquidar antigos privilégios; lá, quanto mais privilegiado, mais se é responsável perante a lei; aqui, o justo oposto. Lá, um federalismo localista obriga a julgamentos com início, meio e fim; aqui, há o recurso que engaveta os processos, tirando a confiança na maior das igualdades: a equidade perante a lei.
A melhor prova é o caso Floyd. Lá, está resolvido! Aqui, o STF anula sentenças e suspeita de um movimento anticrime fundamental para corrigir as trapaças do populismo, as sobrevivências do fidalguismo e o retorno do filhotismo. Lá, o trabalho é um chamado; aqui, foi e ainda é estigma e cicatriz da escravaria.
Aqui, o ministro Gilmar Mendes afirma, com maestria sociológica, que o governo do PT engendrou um “plano perfeito” de poder. Num texto magistral, esse paladino da coerência continua: “Na verdade, o que se instalou no país nesses últimos anos, e está sendo revelado na Lava-Jato, é um modelo de governança corrupta. Algo que merece o nome, claro, de Cleptocracia”. Onde foi parar esse juiz? Será que ele foi canibalizado por sua imparcialidade?
Para concluir, lembro uma outra pérola do mesmo magistrado em sua resposta a um colega: “O moralismo é a pátria da imoralidade”.
Como um velho acadêmico metido a cronista em pleno processo de cancelamento, digo apenas que a incoerência como um valor é, sejamos modestos, a terra da injustiça.
Hélio Schwartsman: A CPI da Covid será um sucesso?
Se fixarmos o objetivo no impeachment, receio que a resposta seja não
Com o passar dos anos, tornei-me cético em relação a CPIs. Há tempos que eu não vejo uma delas produzindo bons resultados.
Uma das razões para isso é que investigar é uma tarefa técnica, que requer uma expertise só raramente encontrada entre parlamentares. O ambiente escancaradamente público e politicamente carregado do Parlamento tampouco ajuda em apurações, que costumam avançar mais quando conduzidas com discrição e objetividade.
A CPI da Covid, porém, é diferente. E é diferente porque a investigação já está pronta. Aliás, dizer "está pronta" é um eufemismo. Tanto o TCU como o MPF já analisaram a atuação do governo na pandemia e produziram documentos pouco abonadores à conduta das autoridades do Executivo. A imprensa também fornece boas peças.
Nos últimos dias, o próprio governo, em mais uma demonstração de inabilidade, deu de mão beijada para a CPI um roteiro com 23 vulnerabilidades a explorar. No que talvez seja inédito, existem até estudos acadêmicos a subsidiar o trabalho dos parlamentares, apontando falhas graves na gestão da epidemia e correlacionando falas negacionistas do presidente a aumentos nos óbitos. O relator da CPI precisará só juntar tudo isso e selecionar as melhores partes.
Isso significa que a CPI da Covid será um sucesso? Depende do que se define como sucesso. Se considerarmos que a meta é apenas gerar um relatório poderoso, a resposta é provavelmente sim. Mas, se formos um pouco mais ambiciosos e fixarmos o objetivo no impeachment, aí eu receio que a resposta seja não.
O que manda é a política. E o mais provável é que as correntes majoritárias no Parlamento prefiram usar a CPI para manter uma espada de Dâmocles sobre a cabeça de Bolsonaro e arrancar vantagens do governo.
É pena, porque qualquer coisa menos que o impeachment significará que a sociedade acha normal e aceitável ter um presidente que fez tudo o que Bolsonaro fez.
Elio Gaspari: O caos de Bolsonaro
No Brasil, ao padecimento sanitário juntou-se um governo negacionista e caótico
Outro dia, o capitão perguntou:
— O que eu me preparo?
E respondeu:
— Não vou entrar em detalhes, um caos no Brasil.
Em março do ano passado, Bolsonaro reclamava da “histeria” diante do vírus, levantava o estandarte do Apocalipse, com uma frase que explica seu comportamento diante da pandemia:
— Vai ter um caos muito maior se a economia afundar. Se a economia afundar, afunda o Brasil. (...) Se acabar a economia, acaba qualquer governo. Acaba o meu governo.
Entre as duas referências de Bolsonaro ao caos, morreram perto de 400 mil pessoas, e a população aguentou o tranco com sofrimento e paciência.
Todos os povos e governos sofrem com a pandemia. No Brasil, ao padecimento sanitário juntou-se um governo negacionista e caótico. Fritou três ministros da Saúde, combateu o distanciamento, menosprezou as máscaras e enalteceu as virtudes da cloroquina.
Uma coisa é um governo que se acautela diante do risco de um caos. (Nesse caso, os detalhes são bem-vindos.) Bem outra é apreciar o caos, até mesmo desejando-o.
Em apenas uma semana, o governo de Bolsonaro produziu alguns episódios sinalizadores de um governo que, até mesmo por inépcia, patrocina o caos.
O programa Pátria Solidária, aninhado no Palácio do Planalto com o objetivo de recolher doações para enfrentar a pandemia, gastou R$ 9,6 milhões para fazer propaganda de si e arrecadou R$ 5,89 milhões.
A Secretaria de Comunicação do Planalto não comentou a discrepância. Até há bem pouco tempo, ela era dirigida pelo doutor Fabio Wajngarten. Ele acabara de dar uma entrevista contando que, em setembro, tentou apresentar ao Ministério da Saúde uma proposta do laboratório Pfizer. Já haviam morrido 123 mil pessoas:
— Se o contrato da Pfizer tivesse sido assinado em setembro ou outubro, as vacinas teriam chegado no fim do ano passado. (...) Incompetência e ineficiência.
Dias depois, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello foi fotografado num shopping center de Manaus sem máscara, fazendo piada com a transgressão:
— Onde se compra isso?
O general estava nas redes, e seu sucessor, Marcelo Queiroga, de máscara, contava que faltavam vacinas para a segunda dose em alguns estados porque eles seguiram a recomendação do ministério de avançar sobre os estoques.
Bolsonaro sonhava com crises antes mesmo da pandemia. Com ela, transmutou-se num São Jorge cavalgando o cavalo branco para matar o dragão e salvar a princesa. Ela está lá, de máscara, e o dragão não apareceu. Os desconfortos que afligem o governo decorrem da armadura desconjuntada do Santo Guerreiro, de sua lança torta e de uma sela visivelmente desconfortável.
A marquetagem do Pátria Solidária, as revelações de Wajngarten, a conduta de Pazuello e a falta de vacinas refletem um caos que está no governo, não vem de fora dele.
A Subchefia de Articulação e Monitoramento da Casa Civil de Bolsonaro encaminhou a 13 ministérios uma pauta de 23 perguntas que poderão aparecer na CPI da Covid, pedindo pronta resposta.
Lê-las é um passeio pelo caos da desarticulação e da falta de gestão do governo. Algum membro da CPI bem que poderia devolvê-las, perguntando por que a curiosidade só surgiu agora.
Nas próximas quatro quartas-feiras, o signatário usufruirá o isolamento e o ócio, sempre pesquisando as virtudes da cloroquina.
Ricardo Noblat: CPI da Covid-19 decola e ameaça abater o governo que voa baixo
Um bando de amadores
Sem querer ofender os pets, 27 de abril de 2021 ficará marcado como mais um dia de cão para o presidente Jair Bolsonaro e seus filhotes. Tudo aconteceu no período da manhã, a saber:
1) O Senado instala a CPI da Covid-19 com Renan Calheiros (MDB-AL) como relator e o governo em minoria;
2) O general Luiz Eduardo Ramos, chefe da Casa Civil, confessa que se vacinou às escondidas para que não pegasse mal para ele;
3) O ministro Paulo Guedes, da Economia, diz que o vírus é chinês e que a vacina americana é melhor do que a vacina chinesa.
Enquanto isso, distraído, Bolsonaro confraternizava bem humorado com devotos nos jardins do Palácio da Alvorada e plantava mais uma notícia falsa, desta vez contra o PT.
Segundo ele, há um vídeo que mostra Lula, Dilma, Haddad, e atrás deles, dois homens se beijando. “Beijo de língua”, garantiu, “coisa que nem homem e mulher fazem em público”.
Pensando melhor, talvez não tenha sido mais um dia de cão para Bolsonaro e seus descendentes, mas um dia normal na vida de um governo radicalmente diferente dos que o antecederam.
O senador Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ) chamou de “ingrato” Rodrigo Pacheco (DEM-MG) porque ele pouco fez de fato para barrar a criação da CPI.
Lembrou que Pacheco teve a ajuda do seu pai para se eleger presidente do Senado, e que por isso “deveria ter nos procurado” para avaliar a conveniência ou não da CPI.
Ingrato foi Flávio. Pacheco só concordou com a instalação da CPI por ordem do Supremo Tribunal Federal. O Tribunal Regional Federal derrubou a liminar de um juiz que tentou abortar a CPI.
Bolsonaro, pai, e seus filhos zero estão convencidos de que Pacheco cobiça a presidência da República nas eleições do ano que vem, e que por isso se distancia deles.
“Vão usar os caixões dos quase 400 mil mortos para fazer política contra o governo federal”, acusou Flávio. Como se seu pai não usasse a pandemia para fazer política também.
O senador da rachadinha teve que engolir uma invertida que levou de Calheiros: “É a primeira vez que [Flávio] se preocupa com aglomeração… Deve estar saindo do negacionismo”.
Nada superou, porém, as intervenções do general Ramos e de Guedes durante a reunião do Conselho de Saúde Suplementar, transmitida ao vivo no site do Ministério da Saúde.
Os dois não sabiam da transmissão. Quando souberam, já era tarde. O vídeo foi retirado do site, mas se espalhou nas redes sociais, o que dá a medida do amadorismo dessa gente.
Primeiro, Ramos afirmou:
“Tomei escondido, porque a orientação era para não criar caso, mas vazou. Eu não tenho vergonha, não. Tomei e vou ser sincero. Como qualquer ser humano, eu quero viver, pô. E se a ciência está dizendo que é a vacina, como eu posso me contrapor?”.
Não satisfeito, acrescentou:
“Eu estou envolvido pessoalmente tentando convencer o nosso presidente [a tomar a vacina], independente de todos os posicionamentos. Nós não podemos perder o presidente por um vírus desse. A vida dele, no momento, corre risco”.
Entre os 3.500 servidores da presidência da República, 460 já se infectaram com o vírus, o que representa uma taxa de contaminação de 13% – maior do que a média brasileira, de 6%.
A China é o maior parceiro comercial do Brasil no mundo. Mexeu com ela, mexeu com o agronegócio. A Coronavac representa 84% das vacinas aplicadas no Brasil até agora. Guedes tomou.
Mas isso não o impediu de acicatar os chineses:
“O chinês que inventou o vírus. E a vacina dele é menos efetiva do que a americana. O americano tem 100 anos de investimento em pesquisa. Então, os caras falam: ‘Qual é o vírus? É esse? Está bem, decodifica’. Está aqui a vacina da Pfizer. É melhor”.
A vacina da Pfizer não foi desenvolvida por americanos, mas por alemães de origem turca – o casal de cientistas que é dono da empresa BioNTech. Guedes não sabe o que diz.
Quanto à suposição de que o vírus foi inventado por chineses, a Organização Mundial da Saúde considera a hipótese improvável. Como Bolsonaro, Guedes admira tudo que seja “Made in USA”.
O Brasil registrou 3.120 mortes pela Covid-19 nas últimas 24 horas, totalizando 395.324 óbitos desde o início da pandemia. Faltam vacinas e o Ministério da Saúde está perdidinho da Silva.
Anunciou que em breve estaria vacinando 1 milhão de pessoas por mês. Depois recomendou que se aplicasse a 2ª dose em quem não tomou a 1ª. Recuou mais tarde, e agora voltou a recomendar.
Rosângela Bittar: Sinfonia em meio à barbárie
Livro de Aldo Rebelo transforma releitura da história política em instantâneo da atualidade.
No capítulo 12 do seu livro O Quinto Movimento – propostas para uma construção inacabada, a ser lançado nos próximos dias, o ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo transforma o que seria uma releitura da história política brasileira em um instantâneo da atualidade. Sua visão sobre os desafios impostos à democracia revela que não tem sido fácil mantê-la sob Jair Bolsonaro.
Sem citá-lo nominalmente, traça um retrato da ameaça à República exercida pelo comandante supremo das Forças Armadas, o presidente. As instituições democráticas, na sua avaliação, perdem prestí- gio, identidade e substância.
Bem escorado na disciplina de sua formação marxista, a que agrega experiência e trânsito entre políticos de todas as tendências, Rebelo defende, entre suas principais teses, a construção de um governo forte. Tão forte quanto democrático, com equilíbrio entre os poderes.
O problema não está só no Executivo. A situação crítica em que se transformou a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF), alvejado por todos os lados tanto pelo Executivo quanto pelo Legislativo, está arrolada como um dos maiores desafios. “Após a constituinte de 88, quando os militares se afastaram, procedeu-se à judicialização da política e, por consequência, a politização do Judiciário.”
Este desequilíbrio permanece e se amplia a cada dia, em meio à turbulência de um país de política convulsionada, em que recrudesce e se aprofunda o confronto entre parlamentares, magistrados e presidente da República. Problemas claramente expostos nos episódios mais recentes, que culminaram, ontem, com a instalação da CPI da Covid, no Senado, e a abertura, na Câmara, do debate sobre o episódio da apreensão de madeira ilegal na Amazônia. Uma reação do Congresso ao massacre de ignorância que o governo Bolsonaro impõe à sociedade.
Enquanto se desenvolve esta luta de campo aberto, surge, da quarentena da pandemia que nos esmaga, o inesperado livro de testemunhos e reflexões de Aldo Rebelo, um roteiro completo para debater o Brasil.
Político que viveu, em extensão e profundidade, como protagonista, diferentes facetas da política brasileira, Rebelo reúne uma experiência singular. Líder estudantil da época da ditadura, exerceu a presidência da UNE, seis mandatos de deputado federal e a presidência da Câmara. Foi ministro da Defesa, do Esporte, da Ciência e Tecnologia, da Coordenação Política, funções em que entrou e de que saiu sem acusações ou processos.
Aldo Rebelo sistematiza os episódios, em seu livro, com a criatividade de quem escreve uma sinfonia. Mais do que um nacionalista, como definido por todos, desde sempre, é um patriota apaixonado. E amplia, a cada dia, a confiança no seu estilo de fazer política: rigor na atenção aos diagnósticos e tolerância nas soluções.
Os sentimentos que criou com relação ao Brasil e aos brasileiros se forjaram na cena de abertura do livro. “A primeira vez que me dei conta do mundo, estava sobre um cavalo. Meu pai trabalhava em uma fazenda. Lembro que ele chegou a cavalo e me pôs montado. Eu devia ter uns três anos e vi outra dimensão do mundo. O mundo visto de cima: o rio, o horizonte, os campos. Data dessa época minha admiração, respeito e paixão pelos cavalos.”
Escrito durante a quarentena da pandemia, que Aldo Rebelo passou no Sítio Amazonas, em Viçosa, Alagoas, em companhia de sua mãe e sua mulher, o livro, de 249 páginas, tem bela ilustração de Elifas Andreato e Agélio Novaes e edição da JÁ, de Porto Alegre. Os 21 capítulos de O Quinto Movimento permitem uma visão otimista da história do Brasil, com intervenções de fatos do presente que lhe dão dinamismo.
No repertório que apresenta, com argumentos de plataforma, figuram economia e futebol, mulheres e índios, militares e diplomacia, educação e desigualdade, agricultura e Amazônia, campos nos quais se especializou nos últimos mandatos.
Carlos Melo: Fragilidade política e ruas definirão jogo
CPI é território em disputa: a oposição quer enfraquecer e, se puder, derrubar o governo; governistas agem na contenção de desgastes do Executivo. As condições iniciais tampouco independem de circunstâncias mais gerais, localizadas no governo e no país. Ao final, serão as condições de contorno – a insatisfação popular e a fragilidade política – que definirão o jogo.
Sempre houve abuso na utilização de CPIS. Oposições sem projeto e oportunismo fisiológico as usaram descoladas do contexto mais amplo. Normalmente, “deu em nada”. Mas, o oposto também se deu: a “CPI do PC Farias” derrubou Collor; a “CPI dos Correios” resultou no mensalão e destroçou promissoras lideranças do PT. Nos dois casos, a insatisfação geral se dava para além do objeto da CPI.
Hoje, a população está recolhida ao isolamento social da pandemia. E, por enquanto, não há mobilização de rua, elemento que potencializa as CPIS. Mas, à parte disso, as condições de contorno são notoriamente insatisfatórias.
Em 60 dias, o País chegará a 500 mil mortes, infelizmente. A situação econômica é deplorável: desemprego e fome tomam o cotidiano das famílias. A base governista é arenosa, como se viu no conflito do Orçamento. O governo está internamente fracionado, ministros sob fogo cerrado. Velhos aliados estão ressentidos e a imagem internacional é péssima.
O presidente e seu séquito são máquinas de disparates. Campeões de tiros nos pés, se desviam a atenção, também agravam a situação. A inabilidade política e a incapacidade de articulação atingem patamares inéditos. Não faltam condições de contorno desfavoráveis para que a CPI prospere.
Faltam as ruas. Mas, quanto mais rápido avançar a vacinação, maior a possibilidade de grandes mobilizações. Arrastar a CPI e estender seus ritos será mais um erro. Com quatro senadores e tudo o que ocorre no País, será difícil dominar o território em disputa.
*Cientista Político, professor do Insper