China

Ricardo Tavares: Trazer a política industrial brasileira para o século XXI

País enfrenta a perda de competitividade internacional, visto que os nossos parceiros comerciais mais competitivos penetram o nosso mercado e deslocam a produção brasileira de mercados tradicionais de nossas exportações industriais, como a América Latina.

A produção industrial mudou nas últimas décadas com fábricas e cadeias produtivas nacionais cedendo lugar a cadeias de produção transfronteiriças aonde tarefas e componentes atravessam vários países, frequentemente, mais de uma vez, até que o produto seja finalizado numa zona de baixo custo de mão de obra. O Brasil ficou à margem deste processo, procurou adensar as suas cadeias produtivas nacionalmente e utilizou abundantemente políticas de “conteúdo local”.

Isto resultou, nas palavras do economista Otaviano Canuto, em cadeias de produção “densas demais”, que levaram à perda de competitividade internacional. Subsídios setoriais e políticas de proteção já não são mais suficientes para dar sobrevivência à indústria brasileira, visto que os nossos parceiros comerciais mais competitivos penetram o nosso mercado e deslocam a produção brasileira de mercados tradicionais de nossas exportações industriais, como a América Latina.

O debate no Brasil, especialmente entre economistas na academia, no entanto, continua resistente à ideia de que o país precisa reavaliar sua politica industrial na direção de maior integração com cadeias globais. Os argumentos são variados, mas aqui vão três deles:

A fragmentação dos processos produtivos não é boa para os sócios mais fracos, porque só países centrais mantêm os melhores empregos e salários;

A China define a ordem industrial atual e nossa integração nos desindustrializa e nos torna meros fornecedores de commodities;

Finalmente, surge o argumento de que não valeria a pena o Brasil se inserir em cadeias globais exatamente quando a Indústria 4.0, com tecnologias como a Internet das Coisas, Robótica, Impressão 3D, Inteligência Artificial e Realidade Virtual irão reverticalizar a indústria e reduzir a importâncias destas mesmas cadeias.

O economista Richard Baldwin notou que os países do G-7 em 1990 tinham cerca de 70% da renda mundial, mas hoje possuem algo como 45% e caindo. Este significativo deslocamento de renda se deveu à fragmentação da produção e à expansão de cadeias globais de valor. Seis países em desenvolvimento se beneficiaram fartamente deste processo por sua integração a cadeias globais: China, Coréia do Sul, Índia, México, Polônia e Tailândia. O Brasil ficou à margem deste processo. Centenas de milhões de pessoas saíram da faixa de pobreza. Assim, a ideia de que as cadeias globais simplesmente criam injustiça nos países em desenvolvimento é mais complicada do que a simplicidade do argumento indica.

A China hoje ocupa papel central nas cadeias produtivas de várias indústrias-chave. Ganhou esta posição saindo debaixo, importando bens de capital e componented e subindo a ladeira das cadeias de valor. As políticas chinesas vão muito além do simples livre comércio, mas são baseadas em importar para exportar, agindo estrategicamente em vários setores, integrando-se e buscando papel mais central nas cadeias. No entanto, não é responsabilidade da China que o Brasil tenha aproveitado o ciclo de commodities para aumentar o consumo sem crescer seus investimentos, ou que tenha optado por adensar cadeias locais antes de se integrar ao dinâmico processo de formação de cadeias globais. Estas responsabilidades são exclusivamente nossas.

Quanto à Indústria 4.0 está claro que terá impacto nas cadeias produtivas globais. O que não está claro é qual será a direção deste impacto. O Fórum Econômico Mundial (WEF), por exemplo, está promovendo debates sobre a questão. No caso da Impressão 3D, o WEF concluiu que o impacto é mais restrito a produtos industriais de baixa escala e alto valor. Outras tecnologias vão ser integradas à produção nos próximos anos. Vale a pena esperar sentado pela reverticalização enquanto a bola continua rodando em cadeias transfonteiriças? Como será a indústria brasileira em cinco ou dez anos sem ajustes? Além disso, estas novas tecnologias permitirão aos países do G7 recapturar nacos da renda mundial, agora junto com a China? Uma reverticalização da indústria num novo patamar tecnológico daria mais ou menos oportunidades ao Brasil?

Ao invés de questionar a importância da integração, seria mais útil discutir como o Brasil pode se beneficiar de cadeias globais de valor, que na verdade tendem a se estruturar regionalmente. Trata-se de uma tarefa gigantesca. As políticas não podem mudar radicalmente do dia para a noite, visto que isso terminaria por destruir a indústria. É importante pensar um processo de transição de cadeias densas demais para maior integração.

O governo Dilma Rousseff (2011-2016) é responsável por políticas de conteúdo local que levaram painel da Organização Mundial de Comércio (OMC) a condenar o Brasil por programas como o Inovar-Auto e a Lei de Informática. Mas ironicamente criou o RECOF, programa aduaneiro especial que deu à indústria exportadora intensa em tecnologia mais flexibilidade para importar insumos à produção sem pagamento de impostos imediatos, com a isenção se configurando quando produto é exportado. Isto certamente está dando impulso à maior integração do Brasil em cadeias internacionais e à melhoria das condições de competitivade das nossas exportações industriais em setores de intensidade tecnológica.

A Embraer por seu turno está procurando fazer, com o apoio da Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), um programa de localização de fornecedores de insumos industriais diferente do passado, estimulando o desenvolvimento de sua cadeia local de fornecedores de componentes não somente para suprir a Embraer mas para exportar para a indústria aeronáutica international. O conteúdo local para vender somente no próprio país não faz qualquer sentido e destrói a competitividade internacional da indústria. Devemos pensar em iniciativas semelhantes para outros setores.

A política industrial brasileira dos últimos 10 anos ficou parada no século XX. É preciso fazê-la chegar ao século XXI. O RECOF deu um passo importante. A próxima etapa é sem dúvida a modernização da política comercial.

* Ricardo Tavares é cientista político e consultor de empresas; é presidente da TechPolis, empresa de consultoria internacional.


BRICS ainda é prioridade estratégica para o Brasil

Serra faria bem em enviar um sinal inequívoco de que país está disposto a fortalecer a cooperação.

Há quase dez anos, em 2007, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva era um dos palestrantes mais esperados no Fórum Econômico Mundial de Davos. Um enorme fluxo de investimentos transbordava um dos mercados emergentes mais empolgantes do mundo, e o chanceler Celso Amorim — que mais tarde seria considerado “o melhor ministro das relações exteriores do mundo” pela revista norte-americana Foreign Policy — estava começando a expandir a presença econômica e diplomática do Brasil ao redor do mundo.

Era a primeira vez que um país da América do Sul estabelecia uma rede tão ampla de embaixadas, a ponto de rivalizar com as de grandes potências. Um ano mais cedo, Amorim começara a se encontrar regularmente com seus pares na Rússia, Índia e China para discutir como os países BRIC poderiam fortalecer seus laços de cooperação e articular posições para lidar com desafios globais de forma conjunta. O grupo BRICS (que desde 2010 passou a incluir a África do Sul) se tornou rapidamente uma das inovações mais importantes da política mundial desde a virada do século, e foi capaz de chamar a atenção de potências tradicionais para a necessidade de adaptar estruturas globais a novas realidades.

De volta a 2016, o desempenho da economia brasileira é um dos piores do mundo, o país é comandado por um Governo interino envolto em escândalos e abalado por protestos, medidas de austeridade e uma espantosa investigação de esquemas de corrupção que ameaça as carreiras de grande parte da elite política do Brasil. Observadores internacionais consideram os BRICS como algo do passado, e alguns analistas brasileiros acreditam que o grupo já não deve ser prioridade para a política externa brasileira.

Eles não poderiam estar mais errados.

A sugestão de negligenciar o BRICS não leva em consideração as amplas vantagens estratégicas que a participação no grupo traz ao Brasil. Não tratá-lo como uma prioridade (por exemplo, se esquivando de ir à Cúpula anual) seria um erro cabal. Há três razões pelas quais o grupo é essencial para os interesses estratégicos do Brasil.

A primeira e mais importante é que a adesão aos BRICS providencia ao Brasil acesso direto e institucionalizado às lideranças políticas em Nova Déli e Pequim — um privilégio que o país não necessariamente teria de forma automática a cada ano. Apesar da desaceleração do crescimento econômico, espera-se que a China cresça em torno (ou até mais) de 6% em 2016 e 2017. O desempenho da Índia tem sido ainda melhor e espera-se que o país crescerá mais rápido do que a China. O FMI prevê que a China e a Índia contribuirão com mais de 40% da expansão da economia global até 2020 – em comparação, os Estados Unidoscontribuirão com apenas 10%. Atualmente, já se contabiliza mais riqueza privada na Ásia do que na Europa, e espera-se que a China, independentemente da atual desaceleração, supere os Estados Unidos como a maior economia do mundo.

O Brasil deve fazer muito mais para se adaptar a essa nova realidade, e não há dúvidas de que o futuro do país dependerá em grande parte da Ásia. O grupo BRICS importa neste contexto porque representa muito mais do que cúpulas presidenciais anuais. Na realidade, o grupo inclui mais de 15 reuniões a nível ministerial por ano, que auxiliam na promoção de cooperação intra-BRICS em áreas tão diversas como agricultura, educação, economia, ciência e tecnologia — sem mencionar o Novo Banco de Desenvolvimento, criado no âmbito do BRICS.

Como a influência crescente da China na Venezuela afeta os interesses nacionais brasileiros? Como a região como um todo deveria responder ao papel da China? Nenhuma dessas questões tem sido abordada a sério.

Em segundo lugar, a próxima reunião de Cúpula do BRICS na Índia em outubro é uma chance única para o presidente interino Michel Temer apresentar como ele está tentando superar as atuais adversidades do Brasil. Com a reputação do país em frangalhos, investidores asiáticos precisam ser reassegurados de que a investigação sobre corrupção em andamento é um passo na direção certa, que em última instância levará o Brasil a ser um país mais amigável para investidores. Temer, portanto, deveria ser acompanhado dos principais líderes da sua equipe econômica, os quais deveriam visitar investidores em vários centros financeiros asiáticos após o encontro da cúpula.

Finalmente, a adesão do Brasil ao grupo BRICS, junto com seu status de membro fundador no Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB) e o Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS, são sinais importantes de que a presença global estratégica do país estabelecida na primeira década do século 21 é permanente e não será afetada substancialmente pela crise atual. As instituições citadas acima são símbolos de um maior deslocamento em direção à Ásia, que impactará o Brasil mais do que muitos estão cientes.

Enquanto a China se tornou o maior parceiro comercial do Brasil em 2009, a elite brasileira na política, nos negócios, na mídia e na academia estão ainda lamentavelmente ignorantes em relação à China e à Ásia como um todo. Pouquíssimos diplomatas brasileiros falam chinês e jovens estudantes nas melhores universidades brasileiras ainda preferem passar seus semestres de intercâmbio em Barcelona ou Paris em vez de Pequim ou Xangai. Não há um único programa de dupla diplomação entre universidades brasileiras chinesas e, no lugar de enviar correspondentes para a China, muitos jornais brasileiros compram conteúdo relacionado à China de jornais estrangeiros.

Isso mostra que o Brasil está entre os grandes países menos preparados para o surgimento de uma ordem mundial centrada na Ásia. Considerando a crescente influência da China na América do Sul, esta falta de preparo cria sérios riscos estratégicos. Como a influência crescente da China na Venezuela afeta os interesses nacionais brasileiros? Como a região como um todo deveria responder ao papel da China? Nenhuma dessas questões tem sido abordada a sério. O fato de que alguns pensadores (particularmente entre a esquerda da América Latina) ainda veem o crescimento da influência chinesa na região como positiva simplesmente porque Pequim é tido como adversário de Washington mostra quão incipiente é o debate na região — como o exemplo africano mostra, as coisas são bem mais complexas do que isso.

Independentemente da orientação ideológica de seu Governo, qualquer país no mundo hoje deve construir o conhecimento necessário para se envolver significativamente com a Ásia (e especialmente a China), que será em breve o centro econômico do mundo. Com o grupo BRICS, o Brasil já tem a sorte de ser parte de um fórum institucionalizado que facilita esse processo.

É pouco provável que o Brasil se afastará do grupo de maneira abrupta. O chanceler sabe da importância do BRICS. No entanto, considerando que há algumas dúvidas em Pequim e Déli em relação ao compromisso do novo Governo com o grupo, José Serra faria bem em enviar um sinal inequívoco de que o Brasil está disposto a não só manter, mas a fortalecer a cooperação intra-BRICS.


Oliver Stuenkel é Professor Adjunto de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo

Fonte: El País