Chile
Revista online | O Chile do pós-plebiscito
Alberto Aggio*, especial para a revista Política Democrática online (47ª edição: setembro/2022)
Passados mais de 20 dias do plebiscito de 4 de setembro, aprofundam-se as avaliações a respeito do significado daquela que está sendo considerada a maior derrota eleitoral da esquerda chilena, desde a retomada da democracia, no alvorecer da década de 1990. Depois disso, nunca a esquerda havia sido derrotada por mais de 25% dos votos, numa eleição de altíssima participação. Nem mesmo quando a direita chilena se impôs com Sebastian Piñera, por duas vezes, já nos primeiros anos do novo século. A discrepância é enorme se comparada à votação no chamado “plebiscito de entrada”, no qual cerca de 80% dos eleitores votaram a favor da montagem de uma Convenção Constitucional (autônoma e paritária) para a elaboração de uma “nova Constituição” para o país.
A derrota da opção apruebo foi dura e contundente, e é necessário refletir sobre isso. Trata-se de uma reflexão obrigatória especialmente para aqueles que pensam na continuidade do governo de Gabriel Boric até o final do seu mandato. Vale enfatizar que nunca a esquerda chilena havia sido derrotada de forma tão acachapante, logo após vitórias expressivas como foram a conquista da maioria dos convencionais da Convenção e a vitória de Gabriel Boric para a presidência da República. Alguns analistas chamam atenção para o fato de que, anteriormente, apenas na década de 1970, a esquerda havia sofrido uma derrocada tão forte, mas naquela oportunidade houve um golpe militar que impôs, pela força, uma ditadura implacável que daria sustentação à sua “revolução” neoliberal.
A situação agora é diferente. Em termos sintéticos, foi uma derrota expressiva das correntes políticas que se expressaram nas manifestações multitudinárias de outubro de 2019 contra o governo direitista de Sebastian Piñera e transformaram aquela explosão de “rebeldia” numa operação política de refundação do país. Essas forças, somadas ao Partido Comunista e à Frente Ampla do presidente Gabriel Boric, “hegemonizaram” a Convenção Constituinte, que passou a ser identificada como uma assembleia de extremismo esquerdista, identitarista e antagonista. Dela saiu o texto constitucional que acabou sendo rejeitado pela imensa maioria dos chilenos.
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Para o cientista político chileno Kenneth Bunker, trata-se de uma derrota “transversal” que abarca todos os segmentos econômico-sociais, de gênero, urbano-rural, etc.; inclusive os setores que a esquerda diz representar. Para ele, foi também uma derrota “lapidária”: “a Convenção foi uma instância da esquerda, eles não tiveram a voz de veto da direita, fizeram um texto basicamente sem oposição, e o texto foi apresentado fielmente ao povo, com o apoio do governo e de uma parte importante da oposição; e o povo a rejeitou. Então é uma derrota ideológica, política, sobre uma visão socioeconômica do Estado que não tem comparação”.
Por essa avaliação, pode-se dizer que um projeto de Constituição, de caráter exclusivo de um conjunto de forças de esquerda, sem sequer uma aproximação com outros setores sociais e políticos, ou seja, um texto constitucional que revelava uma forma de ver a sociedade e o que, no longo prazo, se queria para o país em todas as dimensões, superando o sistema político vigente bem como o Poder Judiciário, marca uma visão refundacional do país e, por consequência, seu rechaço pela maioria do povo significa que não se trata apenas de uma derrota eleitoral e, sim, uma derrota política, cultural e ideológica da esquerda que hegemonizou a Convenção.
Depois de uma derrota desse porte, pode-se avizinhar um percurso bastante difícil para a esquerda chilena. Há aqueles que vaticinam um retorno da direita ao poder em prazo não muito distante. É possível que isso ocorra. As reações do governo Boric têm sido de mudanças tópicas em seu gabinete e erráticas em muitas outras dimensões – vide o estrepitoso episódio da negativa de credenciais ao novo embaixador israelense.
Confira, abaixo, galeria de imagens:
Ainda não se tem claro como se fará uma nova Constituição para o Chile, ou mesmo se ela será feita. Há uma forte divisão entre aqueles que querem uma nova Assembleia Constituinte, com um novo formato na sua composição (as sugestões são inúmeras) e aqueles que simplesmente querem entregar essa tarefa ao atual Congresso e pensam simplesmente em “reformas constitucionais”.
O cenário é efetivamente de uma imensa estafa. O apelo do presidente Boric – que defende a elaboração de uma nova Constituição – para que se afaste do novo debate constitucional as posturas “maximalistas, violentas e intolerantes com aqueles que pensam de maneira diversa” ajuda, mas é visivelmente insuficiente para enfrentar o enorme problema de recomposição de algum consenso entre os chilenos.
Sobre o autor
*Alberto Aggio é mestre e doutor em História pela USP e professor titular em História da América pela Unesp, com pós-doutorado nas universidades de Valência (Espanha) e Roma3 (Itália). Dedica-se à história política da América Latina Contemporânea, em especial à história política do Chile. É o diretor do Blog Horizontes Democráticos (https://horizontesdemocraticos.com.br/autores/) e autor de Democracia e socialismo: a experiência chilena (São Paulo: Unesp, 1993; Annablume, 2002, Appris, 2021).
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de maio de 2022 (47ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Revista online | O caminho da América Latina é a democracia
Alberto Aggio*, especial para a revista Política Democrática online (43ª edição: maio/2022)
A América Latina nasceu com o advento da modernidade e sempre esteve vinculada à sua dinâmica histórica, suas crises e destino. É a experiência do “moderno” como um paradigma que nos faz pensar sobre nossas identidades e nossas relações com o mundo. Diversas formulações fizeram-nos cultivar a utopia de uma unidade latino-americana construída pelo antagonismo a um inimigo externo. Essa visão empobrecida e envelhecida não contempla as diversas experiências históricas do continente bem como o conjunto de problemas comuns determinados quer pelo desenvolvimento da formação econômica mundial, que dá sentido unitário a uma época, quer pelas diferenciações internas e conexões que se estabelecem em diversas dimensões da vida.
Esse debate intelectual é permanente, embora tenha estado mais vivo no momento da transição do autoritarismo para a democracia que abarcou a maioria dos países latino-americanos a partir da década de 1980. Hoje, imersos na complexidade da vida democrática, temos boas razões para retomá-lo. Isso coincidiu com o fim da URSS bem como da Guerra Fria. Buscar um caminho exclusivo tendo como perspectiva o “sul do mundo”, como foi praticado pelo chavismo e outras correntes similares, mostrou-se uma tentativa limitada e, por fim, pouco exitosa. É preciso continuar a pensar em termos globais.
Em comparação com aquele período, o cenário atual não é de otimismo, e há fortes reminiscências. Condenada à “tradutibilidade” do que não lhe é original, a América Latina sempre foi pensada a partir de alguns modelos. O primeiro deles foi o europeu, visto como algo a ser atingido e, paradoxalmente, como responsável pelos históricos problemas que assolam a região. A partir do século XX, essa referência ganhou a companhia e a concorrência do paradigma norte-americano, que passou a cumprir até com maior rigor a sina de adesão calorosa e repugnante rechaço. Recentemente, o modelo oriental alcançou um inaudito prestígio. Com o deslocamento do eixo econômico para o Pacífico, a China passou a ser o novo Graal, sendo cotidianamente mobilizada como modelo diante dos dilemas de inserção competitiva enfrentados pelas economias latino-americanas.
Haveria também formulações alternativas, autoproclamadas antagônicas ou de resistência. No coração delas assenta-se a ideia de uma “segunda independência” para o continente. Com maior ou menor profundidade, isso fez emergir um mosaico de nacionalismos, em geral, débeis e breves. A Revolução Cubana de 1959 avançou por esse sendero, e seu regime tornou-se, na América Latina, o epicentro de um nebuloso projeto de ruptura com a modernidade.
Tal fabulação alimentou a reiteração de estratégias terceiro-mundistas de resultados cada vez menos auspiciosos e hoje francamente obsoletos diante de uma realidade marcada pela mundialização e por uma mudança tecnológica acelerada. O fracasso das guerrilhas inspiradas em Cuba, os pífios resultados econômicos, além de um autoritarismo cada vez mais abjeto, acabaram por ensejar a abertura de uma reflexão crítica sobre o regime cubano, até então identificado como o paradigma consagrado dessas perspectivas alternativas. Nesse novo cenário, o imaginário da revolução perdeu energia e vitalidade, mesmo na roupagem do bolivarianismo ou do “socialismo del buen vivir”.
Galvanizando enormes esperanças, o recente processo político chileno que se inicia em 2019 produziu a vitória da esquerda, com Gabriel Boric, e o estabelecimento de uma Convenção Constituinte, autônoma e paritária, que em breve apresentará ao país um novo texto constitucional para ir a plebiscito, em setembro. As notícias não são animadoras em relação à aprovação do novo texto. De qualquer forma, o Chile mostra-se, no conjunto da América Latina, como um ponto avançado, mas também limite, no processo de democratização latino-americano. Há muita expectativa, muita esperança, mas também muita crítica e até frustração frente ao percurso e aos resultados parciais já definidos pela Constituinte chilena.
De qualquer forma, a conquista da democracia, das liberdades e do pluralismo facultou as condições para que os latino-americanos pudessem pensar em construir coletivamente o seu futuro. Na quadra em que estamos, trata-se de retomar o debate em novos termos, compreendendo a identidade latino-americana como uma construção em aberto, sustentada em diferenciações específicas e em cinco séculos de diálogo com o mundo. A recente experiência democrática torna-se assim o principal ativo da América Latina para que postule um lugar neste mundo que se transforma aceleradamente. Ela não pode perder esse ativo e não pode se deixar perder por visões anacrônicas, próprias ou externas, que não respondem mais à contemporaneidade e ao futuro.
Sobre o autor
*Alberto Aggio é mestre e doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP). Professor titular em História da América pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), com pós-doutorado nas universidades de Valência (Espanha) e Roma3 (Itália). Dedica-se à história política da América Latina Contemporânea, em especial à história política do Chile. É o diretor do Blog Horizontes Democráticos. É autor de Democracia e socialismo: a experiência chilena (São Paulo: Unesp, 1993; Annablume, 2002, Appris, 2021 – no prelo); Frente Popular, Radicalismo e Revolução Passiva no Chile (São Paulo: Annablume/Fapesp, 1999); Uma nova cultura política (Brasília: Fap, 2008); Um lugar no mundo – estudos de história política latino-americana (Brasília/ Rio de Janeiro: Fap/Contraponto, 2015) e Itinerários para uma esquerda democrática (Brasília: Fap, 2018). É autor e organizador de Gramsci: a vitalidade de um pensamento (São Paulo: Unesp, 1998), e coorganizador de Pensar o Século XX – problemas políticos e história nacional na América Latina (São Paulo: Editora Unesp, 2003) e Gramsci no seu tempo (Brasília/Rio de Janeiro: Fap/Contraponto, 2010).
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática online de maio de 2022 (43ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Alberto Aggio: "Chile passa por turbilhão político no início do governo Boric"
João Rodrigues, da equipe da FAP
Há pouco mais de um mês no poder, o presidente do Chile, Gabriel Boric, enfrenta desafios para começar atender as demandas que o levaram à Presidência. Implantação de serviços públicos, combate à desigualdade social e a aprovação da nova Constituinte estão entre as missões do presidente mais jovem da história do país. Porém, de acordo com a agência Reuters, os índices de desaprovação do presidente chileno já chegam a 50%.
Para analisar o conturbado início do governo de Gabriel Boric, o podcast da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) bate um papo com Alberto Aggio, doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Estadual Paulista (UNESP) há mais de 30 anos. Responsável pelo Blog Horizontes Democráticos, Aggio é especialista em história política da América Latina e atuou como professor visitante na Universidade de Valencia (Espanha), onde realizou seu pós-doutorado entre 1997 e 1998.
As expectativas e apreensões do novo governo do Chile, os rumos da Constituinte no país e a importância simbólica da ampla participação feminina no governo de Gabriel Boric estão entre os temas do programa. O episódio conta com áudios do Fantástico, da TV Globo, Brasil de Fato, Band Jornalismo, Chilevisión, TV 247, AFP Português, CNN Brasil e Folha de S.Paulo.
O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google Podcasts, Anchor, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.
RÁDIOFAP
Míriam Leitão: O jovem Boric e os sonhos chilenos
Míriam Leitão / O Globo
O presidente eleito do Chile, Gabriel Boric, ouvia música durante a campanha, nem que fosse meia hora, de madrugada, porque, como disse, “precisa de música”. Gostaria de morar no centro da cidade, perto do La Moneda, mas não no Palácio. Não tem carro e gosta de andar de metrô. Durante a campanha, que ele definiu como “de uma intensidade que não se alcança quando se começa”, Boric conseguiu um tempo, no disputado segundo turno, para ver dois episódios da série “Get Back", sobre os Beatles. Sua namorada, Irina, não gosta do papel de “primeira dama”, e prefere continuar liderando a Frente Feminista. Esses fatos foram narrados em entrevista a jornalistas da TV Nacional, 72 horas antes da eleição que o consagrou vencedor. No domingo, ele pulou uma mureta de proteção para chegar mais rápido ao palco onde falaria para a multidão, que o aguardava gritando “Justiça, verdade, não à impunidade”.
Os sinais da juventude são uma lufada de ar fresco na política chilena, que precisava muito de renovação. Mas a grande questão que se coloca agora é como o jovem roqueiro, que começou como líder estudantil, poderá entregar os sonhos que estimulou. Ele sabe dessa dificuldade tanto que disse no discurso de vitória: “os tempos não serão fáceis diante das consequências sociais, econômicas e sanitárias da pior pandemia da história”.
Com vibrante retórica, Boric passou por todos os pontos da campanha. Falou da defesa das mulheres, do feminismo, da diversidade de orientação sexual, dos povos originários, do meio ambiente, da liberdade de imprensa, da justiça social e da democracia. “Desestabilizar as instituições democráticas é o caminho mais curto para o abuso”.
Ao derrotar o candidato José Antonio Kast, que defendeu a ditadura de Pinochet, e que mimetizava em muitos pontos os discursos de Bolsonaro e Donald Trump, Gabriel Boric já fez muito. Colocou o Chile de volta às pautas da atualidade. Ao falar em idioma indígena, no início do discurso, e se dirigir a “todos os povos que habitam essa terra que chamamos Chile” ele estava reforçando a visão cultural múltipla que é a que se deve ter na era da diversidade.
O mercado chileno ontem reagiu mal. A bolsa abriu em queda e chegou a 6,18%, o dólar teve a mais forte alta desde a crise de 2008. O curioso é que não existe banco hoje no mundo que não brade que aderiu aos princípios ESG. Eles foram todos defendidos por Boric. Quando fala de inclusão, ele está atendendo ao “S” de social, ao focar a questão climática ele está atendendo ao “E” de meio ambiente (environment), e quando afirma que negociar com outros grupos políticos é “uma obrigação e uma oportunidade”, Boric está atendendo ao “G” de governance.
Sobre contas públicas, ele disse que vai “ampliar os direitos sociais com responsabilidade fiscal, cuidando da macroeconomia para que não se tenha que retroceder”. Na verdade, a economia chilena já está em dificuldades, pelo aumento de gastos, pela alta da inflação — ainda que o índice seja mais baixo que o brasileiro — e pela previsão de reduzido crescimento em 2022. Corrigir isso será difícil. E seria também se o candidato vencedor tivesse sido o da direita. José Antonio Kast disse na campanha, entre outras mentiras, que a ditadura de Pinochet realizava “eleições democráticas”. O mercado acha mais confiável um defensor de ditadura do que um reformista de esquerda.
Será difícil governar o Chile, porque Boric não terá maioria, porque o país está num processo constituinte, porque ele tem entre suas prioridades uma reforma tributária que elevará os impostos sobre os mais ricos. O Chile tem uma carga tributária baixa. Boric quer também uma previdência pública, e isso significa mudar o controverso sistema privatizado de previdência, implantado no governo Pinochet, que já provocou muitas distorções.
O fato mais notável nos últimos dois dias é a maneira civilizada que se deu o processo político chileno. Kast reconheceu a derrota, e foi visitar o comitê de campanha do vencedor. Boric agradeceu a todos os contendores, inclusive Kast. O presidente Sebastian Piñera já se reuniu ontem com o presidente eleito e disse que o consultará sobre algumas decisões a serem tomadas até 11 de março, quando ele assumirá como o mais jovem presidente chileno.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/o-jovem-boric-e-os-sonhos-chilenos.html
Luiz Carlos Azedo: Eleição de Boric pode virar um El Niño político
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
A esquerda venceu as eleições no Chile com a eleição do ex-líder estudantil e jovem deputado Gabriel Boric, de 35 anos, o mais jovem político a presidir o país em toda a sua história. Foi uma eleição marcada pela polarização política, na qual o candidato da Convergência Social, apoiado pelo Partido Comunista chileno, derrotou o ultradireitista José Antônio Kast, do Partido Republicano, um fanático admirador do ex-presidente Augusto Pinochet, o ditador sanguinário que liderou o golpe militar de 1973, no qual o presidente Salvador Allende se suicidou, em meio ao bombardeio do Palácio La Moneda por aviões de caça da Força Aérea chilena. A eleição foi de virada: no primeiro turno, Boric havia ficado em segundo lugar.
A nova situação chilena parece retomar o fio da história interrompido com o golpe de 1973, quando Allende representava o sonho de um socialismo democrático. É como se a história tivesse sido “descongelada” após quase 50 anos. Embora o atual presidente Sebastian Piñera e a socialista Michelle Bachelet tenham protagonizado as disputas políticas direita x esquerda dos últimos 16 anos, ambos são políticos moderados, governaram em aliança com os liberais. Boric se apresentou no primeiro turno como uma candidatura de viés muito esquerdista. Entretanto, moderou o discurso no segundo e se aproximou dos socialistas, liberais e democrata-cristãos para derrotar a extrema-direita.
Gosto da expressão “descongelar” por causa de uma entrevista do filósofo alemão Jürgen Habermas, logo após a queda do muro de Berlim e o fim da União Soviética, que marcaram o colapso do chamado “socialismo real” europeu. Habermas comparou a Europa do fim da Guerra Fria a uma fotografia — como aquela de Roosevelt, Stálin e Churchill, em fevereiro de 1945, na Crimeia —, que foi “descongelada” e virou um filme de longa metragem, como se a história anterior à guerra fosse retomada de onde foi interrompida.
“Ninguém me convence de que o socialismo de estado seja, do ponto de vista da evolução social, ‘mais avançado’ ou ‘mais progressista’ do que o capitalismo tardio. (…) São senão variantes de uma mesma formação societária. (…) Temos tanto no leste como no oeste modernas sociedades de classe, diferenciadas em Estado e economia”, disse Habermas à época (Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1989). A história das nações europeias anterior à II Guerra Mundial, de fato, fora “descongelada”, despertando velhos conflitos econômicos e de fronteiras, além de forças políticas muito reacionárias que estavam adormecidas no Leste Europeu, desde a ocupação soviética, principalmente na Hungria, na Ucrânia, na Polônia e na Romênia.
No primeiro turno, Boric foi um duro crítico da democracia chilena pós-Pinochet, que governou com as baionetas de 1973 a 1990. Segundo o novo presidente chileno, a continuidade do modelo liberal deixou as classes média e baixa endividadas, sem condições de arcar com os custos da educação, da saúde e da previdência privada. Sua proposta é um Estado de bem-estar social ao estilo da social-democracia nórdica: Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia. A nova Constituição em elaboração, de certa forma, cria condições para ultrapassagem do modelo econômico neoliberal de Pinochet herdado pelos governos democráticos. Em contrapartida, no primeiro ano de governo, a inflação fora de controle complica muito a execução do projeto de Boric, que também precisa formar uma nova maioria no Congresso.
Polarização política
Em tempos geopolíticos, a vitória de Boric consolida uma guinada à esquerda no Cone Sul, que já havia sido iniciada com a eleição do justicialista Alberto Fernández na Argentina, hoje o mais importante aliado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na região. Também aprofunda o isolamento político do presidente Jair Bolsonaro, crescente desde a eleição do atual presidente dos Estados Unidos, o democrata Joe Biden. Pode virar uma espécie de El Niño político , o fenômeno atmosférico oceânico que aquece as águas superficiais do Pacífico tropical e provoca alterações climáticas na América do Sul, sobretudo no Brasil, e outras regiões do mundo, com mudanças no regime de ventos e de chuvas.
O principal beneficiado da eleição de Boric é o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, favorito absoluto em todas as pesquisas de opinião, que pode até vencer as eleições no primeiro turno. Em termos econômicos, Lula ainda é uma esfinge. Candidato à reeleição, Bolsonaro tem altos índices de rejeição, desmantelou as políticas sociais do governo, perdeu o controle da economia, mas ainda não se sente derrotado estrategicamente. Aposta as fichas na força bruta do próprio governo, como forma mais concentrada de poder, e no Auxílio Brasil, o novo programa de transferência de rendas para 14,5 milhões de famílias, no valor de R$ 400 mensais; mantém coesa a sua base de apoio de extrema-direita e evangélica e aposta na polarização política, para se beneficiar do antipetismo da classe média e do conservadorismo popular. Mas disso vamos tratar na próxima coluna.
Luiz Carlos Azedo: É bom ficar de olho nas eleições chilenas
O Chile oscila entre um governo parecido com o de Allende ou saudosista de Pinochet
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Os paradigmas da esquerda latino-americana são a Comuna de Paris (1871), a Revolução Russa (1917), a Revolução Chinesa (1949), a Revolução Cubana (1959) e a Guerra do Vietnã (1955 a 1975). A Revolução Inglesa (1640-1688), a Independência dos Estados Unidos (1776) e a Revolução Francesa (1779-1789), revoluções burguesas que deram origem à democracia representativa, não são referências para seus objetivos. A esquerda também não estuda os contragolpes que puseram um ponto final nas revoluções. Isso exigira um mergulho nos próprios erros. É mais fácil denunciar os golpistas, com a narrativa do tipo “não existe derrota quando se vai à luta”.
Na América do Sul, no cenário de guerra fria, o golpe militar que destituiu o presidente João Goulart, em 1964, foi o ponto de viragem da geopolítica continental. Entretanto, o caso mais paradigmático foi o brutal golpe no Chile, do general Augusto Pinochet, em 1973, no qual o presidente socialista Salvador Allende se matou, em meio ao bombardeio do Palácio La Moneda pelos militares golpistas. No rumo de um inédito “socialismo democrático”, Allende atraia as atenções mundiais.
O golpe no Chile levou o líder comunista italiano Enrico Berlinguer a rever toda a estratégia do Partido Comunista Italiano, propondo um “compromisso histórico” com a democracia-cristã, tendo a “democracia como valor universal”. Em 1978, um acordo negociado por Berlinguer com o ex-primeiro-ministro e presidente da Democracia Cristã, Aldo Moro, poria fim à grave crise governamental. Entretanto, enfrentava oposição do Vaticano, da Máfia, dos Estados Unidos, da OTAN, da União Soviética e dos extremistas de direita e de esquerda.
Cinco dias após a conclusão do acordo, no dia 16 de março, quando se dirigia à solenidade de posse do novo governo confiado ao democrata-cristão Giulio Andreotti, que se opusera à aliança com os comunistas, Moro foi sequestrado em Roma, numa ação que resultou na morte de cinco homens de sua escolta. O grupo terrorista Brigadas Vermelhas assumiu o sequestro e executou Moro, no dia 7 de maio.
Radicalização
A chamada Concertación (Coalizão de Partidos pela Democracia), que governou o Chile por quatro governos, aprendeu com a queda de Allende e se inspirou no “compromisso histórico”. Foi uma aliança entre o “humanismo cristão” e o “humanismo laico”, que possibilitou programas de governo exequíveis em termos econômicos e sociais, embora a chamada “agenda identitária” fosse o pomo da discórdia entre o Partido Socialista de Chile (PS), o Partido Democrata Cristiano de Chile (DC), o Partido por la Democracia (PPD), o Partido Radical Social-Democrata (PRSD) e agremiações menores.
Os democratas cristãos Patrício Aylwin (1990-1994) e Eduardo Frei (1994-2000), o liberal Ricardo Lagos (2000-2006) e a socialista Michele Bachelet (2006-2010) se revezaram na Presidência. Depois de 2010, se formou uma nova coalizão, a Nueva Mayoria, que incluiu partidos da esquerda, como o Partido Comunista de Chile, a Izquierda Ciudadana e o Movimiento Amplio Social, além dos partidos de centro-esquerda que foram parte da Concertación. Os liberais foram excluídos. A coalizão governou o Chile entre os anos 2014 e 2018.
Derrotada por Sebástian Piñera, pela segunda vez (a outra foi em 2010), essa aliança foi considerada esgotada. Entretanto, o programa liberal do novo governo não deu as respostas que a sociedade aguardava. Um processo de impeachment e o forte movimento de oposição obrigaram Piñera a convocar uma Constituinte, na qual a esquerda vem tendo protagonismo. No domingo, esse protagonismo se consolidou, sob a liderança do ex-dirigente estudantil e deputado Gabriel Boric, candidato da Frente Ampla de Esquerda e do Partido Comunista, em confronto com o ultradireitista José Antônio Kast, do Partido Republicano (pinochetista).
Houve um colapso do centro político. Um terceiro candidato, Franco Parisi, fez campanha do Alabama, nos Estados Unidos. Sem pôr os pés em Santiago, deslocou do segundo lugar Sebástian Sichel, o candidato do presidente Piñera, e Yasna Provoste, da ex-Concertación. Os ex-presidentes Ricardo Lagos, Eduardo Frei e Michelle Bachelet também foram derrotados. No segundo turno, o Chile oscila entre um projeto parecido com o de Allende e um presidente saudosista do general Pinochet, alinhado com o presidente Jair Bolsonaro.
No Chile, caldo de polarização vai ferver ainda mais em 2022
Se Kast vencer, terá de lidar com a esquerda na Constituinte; se Boric ganhar, vai ter de fazer alianças no novo Congresso chileno
Fernanda Simas / O Estado de S.Paulo
Pela primeira vez desde o retorno da democracia no Chile, os dois principais partidos do país, que ocuparam a presidência ao longo do período, não chegaram ao segundo turno desta eleição. Segundo analistas, é a comprovação de que a disputa de extremos chegou ao cenário chileno.
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Com isso, a composição para 2022 deve ferver ainda mais o caldo polarizado chileno. Esta eleição presidencial é a primeira após os protestos de 2019, que deixaram uma marca na história política de Sebastián Piñera e resultaram na decisão de se elaborar uma nova Constituição, o que vai ocorrer em 2022. A cor política da nova presidência e do novo Congresso pode ter papel importante na rapidez ou lentidão desse processo.
“Tempos difíceis estão chegando para o Chile. 2022 será um ano muito tenso: um novo presidente e novo Congresso a partir de março, e eventualmente uma nova Constituição, se for aprovada no referendo do 2º semestre de 2022”, diz Daniel Zovatto, diretor para América Latina e Caribe do Instituto para Democracia e Assistência Eleitoral Internacional (Idea).
No segundo turno vão estar um candidato de extrema direita, que admira o general Augusto Pinochet, e um esquerdista que remonta a Salvador Allende, que o ditador derrubou em 1973. Com moderados caindo no esquecimento, esse resultado oferece aos eleitores duas visões radicalmente diferentes do futuro, em um país ainda se curando das feridas dos atos de 2019 e de uma pandemia.
Neste pleito, surgirá também um Congresso renovado, com eleitores escolhendo parlamentares, o que será decisivo decidindo quanta margem de manobra dar ao novo líder.
Seja quem for o próximo presidente do Chile, terá de negociar com vários partidos para conseguir maioria na Câmara e no Senado. Tanto Jose Antonio Kast quanto Gabriel Boric são apoiados por coligações que não serão as maiores, seja na Câmara, seja no Senado.
Na Câmara, quem vencer terá de costurar muitas alianças para atingir os 93 votos necessários para aprovar as normas constitucionais, o que equivale a 3/5 dos parlamentares.
No Senado, o número de assentos para a direita e esquerda está igual, empatados. A centro-esquerda soma 25 parlamentares, mesmo número da soma do Chile Vamos, da centro -direita, com o pacto do Partido Republicano, de Kast.
Após a eleição, na Câmara dos Deputados, a soma dos partidos de esquerda e centro-esquerda chega a 73 parlamentares, perdendo a maioria (78 dos 155 votos). A direita soma agora um total de 69 deputados. O restante é de partidos e candidatos independentes.
Caso o ultraconservador Jose Antonio Kast vença, sua promessa de cortar impostos corporativos e gastos fiscais – dobrando as credenciais neoliberais do país – podem levar a um conflito com um parlamento dominado por uma esquerda fragmentada. Planos vagos de trazer capital privado já enfureceram os sindicatos.
Enquanto isso, o ex-líder estudantil Gabriel Boric, apoiado por uma coalizão que inclui aliados comunistas, quer aumentar o salário mínimo e os impostos corporativos e substituir o atual sistema de previdência privada, um dos maiores pilares dos mercados de capitais do Chile.
Insatisfação ainda é grande entre os chilenos
Em qualquer dos casos, o eleito terá de lidar com uma insatisfação crescente. O Chile costumava ser uma das histórias de sucesso da América Latina. A renda per capita quase triplicou entre 1990 e 2015; passando a ser atualmente a mais alta da região. O número de estudantes universitários quintuplicou no mesmo período. A desigualdade de renda caiu e agora está abaixo da média da região (apesar de muito maior do que a dos membros da OCDE, o clube dos países mais ricos).
Ainda assim, desde que enormes manifestações ocorreram há dois anos, nos quais pelo menos 30 pessoas morreram e estações de metrô e igrejas foram depredadas e incendiadas, a violência ficou muito mais comum. Nas semanas recentes, três pessoas morreram durante protestos, e centenas de manifestantes foram presos.
Depois dos atos de 2019, uma Assembleia Constituinte foi eleita para escrever uma Constituição que substituísse a Carta redigida na ditadura de Pinochet. Com participação de apenas 43% do eleitorado, a constituinte eleita é composta pela esquerda e progressistas. Um presidente de esquerda terá mais abertura, mas precisará articular com o novo Congresso, enquanto um presidente ultraconservador pode entrar em conflito com os constituintes.
Vencedor no Chile vai ter de costurar acordos com o Congresso
Para Pamela Figueroa, professora do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Santiago do Chile, o esquerdista Gabriel Boric “teria que buscar uma aliança política com a centro-esquerda no Congresso para avançar no programa de transformação de maneira gradual pela via legislativa”, enquanto o candidato da extrema direita Jose Antonio Kast teria uma relação mais tensa com setores da sociedade. “A plataforma do candidato tem sido muito clara em retroceder em alguns direitos da sociedade, como os das mulheres.”
A disputa presidencial mais dividida da história recente chilena coloca o ex-líder estudantil Boric, de 35 anos, e o defensor do legado econômico da ditadura de Augusto Pinochet numa disputa pelo voto daqueles que um dia apoiaram a centro-direita e a velha Concertación, coalizão cristã-socialista que governou o Chile nos anos em que Piñera não estava no cargo.
“É uma eleição bastante aberta, então é muito difícil dizer como ficará a polarização. Nas primárias de julho de 2021, por exemplo, não vimos uma polarização tão grande. Os partidos de centro-direita e da ex-Concertación tiveram votação expressiva”, avalia Pamela. No segundo turno, ambos terão de buscar alianças com esses campos políticos para conseguir uma vitória.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,no-chile-caldo-de-polarizacao-vai-ferver-ainda-mais-em-2022,70003905016
Direita chilena trava guerra civil rumo às eleições
Líderes abandonam o candidato governista para apoiar José Antonio Kast, de extrema direita
Rócio Montess / El País
Em plena contagem regressiva para as eleições gerais de 21 de novembro no Chile, nas quais se renovará o Parlamento e se definirá a sucessão de Sebastián Piñera, a direita governista enfrenta uma guerra civil interna. Embora em julho a aliança de Governo tenha realizado primárias presidenciais, nas quais o independente Sebastián Sichel foi eleito entre quatro candidatos, dirigentes e parlamentares do setor começaram a se dedicar publicamente nos últimos dias a apoiar José Antonio Kast, líder do Partido Republicano, de extrema direita, e próximo de partidos como o Vox, da Espanha. É uma questão de pragmatismo: de acordo com várias pesquisas recentes, Kast conseguiu aumentar consideravelmente seu apoio com um discurso baseado em temas como ordem, imigração e economia. Além de ultrapassar Sichel, que tem um programa de direita moderada, o republicano ameaça o favorito dessas eleições polarizadas, Gabriel Boric, candidato da aliança entre a Frente Ampla de esquerda e o Partido Comunista.
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“As sombras de Allende e Pinochet continuam pairando sobre nossas cabeças”
“Eu, a partir de agora, prefiro apoiar José Antonio Kast diretamente no primeiro turno”, disse na terça-feira o senador Claudio Alvarado, do partido União Democrática Independente (UDI), formação apegada à doutrina direitista. A confissão de Alvarado, congressista influente e com amplo conhecimento da função do Governo e do Parlamento, revelou uma hemorragia que ainda não estancou. Nas horas seguintes, diferentes lideranças começaram a mostrar seu apoio público a Kast, que já pertenceu à UDI, fundou seu próprio partido e em 2017 concorreu pela primeira vez como candidato independente à presidência, obtendo 8% dos votos, numa eleição vencida por Piñera. O apoio a Kast veio principalmente dos parlamentares candidatos à reeleição e que precisam de um candidato popular para obter votos em seus distritos e circunscrições.
O governista Sichel, um advogado que vem do mundo da Democracia Cristã de centro-esquerda, tentou conter a fuga de adesões com um discurso forte em que se distanciou do situacionismo, do próprio Kast —cujo nome sequer mencionou—, e deixou em liberdade de ação os partidos da coalizão. “Não vamos aceitar a chantagem daqueles que querem que eu me transforme em algo que não sou: uma pessoa de extrema direita”, disse Sichel na mesma noite de terça-feira em referência a Kast, que em seu programa propôs medidas como a construção de uma vala na fronteira norte do Chile para controlar a imigração ilegal. “Enquanto alguns de nós queremos oferecer um projeto de futuro, a partir da independência com os partidos, percebemos que outros, saindo do compromisso democrático que assumiram, querem voltar ao passado. Apoiar uma antiga direita e fazer o país retroceder em direitos que já havia conquistado. Para as diversidades, para as mulheres, para as minorias, para a mudança climática e a luta pela sustentabilidade”, acusou o candidato situacionista, de 44 anos, que aposta em mudar a cara dos conservadores chilenos.
As direções dos partidos de direita reafirmaram seu compromisso institucional com Sichel, embora existam dois partidos que já deixaram transparecer que apoiarão Kast em um provável segundo turno, que aconteceria no dia 19 de dezembro. Até o Evópoli, um partido que foi fundado há 10 anos para dar impulso à direita liberal. Mas embora o próprio Sichel resista a dar o passo para garantir o apoio no segundo turno, em seu setor se age com pragmatismo frente a Boric, que consideram uma grande ameaça: “O adversário está na frente e não podemos permitir que a esquerda ganhe”, disse a senadora da UDI, Jacqueline van Rysselberghe.
Enquanto isso, Kast segue em campanha, na aposta de ir ao segundo turno com o maior apoio possível. O advogado de 55 anos, que em outras épocas mostrou sintonia com Donald Trump e Jair Bolsonaro, tem importantes laços internacionais com partidos como o Vox, da Espanha. De fato, o candidato do Partido Republicano aparece entre os signatários da Carta de Madri, contra “o avanço do comunismo” na América Latina. Nas últimas semanas, porém, moderou seu discurso e seu programa. Se na campanha de 2017 chegou a dizer que se o ditador Augusto Pinochet estivesse vivo teria votado nele, há alguns dias disse na televisão: “Qualquer pessoa que violou os direitos humanos, seja militar ou não, eu não o apoio”.
Se for ao segundo turno, não é algo complicado a direita se organizar em torno do líder do Partido Republicano. “Kast poderia vencer sozinho, mas Kast não poderia governar sozinho”, disse o estrategista político de direita Gonzalo Cordero, que afirma que as diferenças entre o situacionismo e Kast não são tão profundas: “Se houver segundo turno entre Kast e Boric seria uma obrigação política e ética para a direita conciliar seus projetos”.
Boric, por sua vez, busca unir forças na esquerda, enquanto o Partido Comunista tenta acalmar as águas e dar sinais de governabilidade. “Não vamos bagunçar o país”, disse Guillermo Teillier, o líder desse partido que não fez a guinada para a social-democracia como os italianos, referindo-se a que não haverá desordem se conquistarem o palácio de La Moneda. Como acontece na direita, neste setor se aposta no vencedor: embora a centro-esquerda tenha como candidata a senadora democrata-cristã Yasna Provoste, dirigentes e técnicos socialistas já desembarcaram na campanha de Boric, deputado de 35 anos que tem grande sintonia com o partido espanhol Podemos.
Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/internacional/2021-11-01/direita-chilena-trava-guerra-civil-rumo-as-eleicoes.html
Alberto Aggio: Os 50 anos da experiência chilena de Salvador Allende
Confira entrevista à Revista de História da USP sobre os 50 anos da Experiência Chilena
Alberto Aggio / Horizontes Democráticos
https://www.instagram.com/tv/CTnfCVIqBKC/?utm_medium=share_sheet
O link acima dá acesso direto ao Instagram da Revista de História da USP. Por iniciativa do Professor Dr. Julio Pimentel Pinto, fizemos no dia 09 de setembro, uma conversa a respeito dos 50 anos da Experiência Chilena, expressão identificadora dos acontecimentos que marcaram o período de governo de Salvador Allende, eleito pela Unidade Popular, em 4 de setembro de 1970 e deposto por um golpe militar em 11 de setembro de 1973. Trata-se então de uma entrevista sobre um tema clássico da História Política latino-americana do século XX.
O vídeo se inicia com uma conversa bastante informal e descontraída para em seguida adentrarmos em aspectos mais substantivos da análise histórica, especialmente das interpretações a respeito daquele processo político. Para os interessados pode-se também acessar aqui no Blog o link do Prefácio de Alfredo Riquelme Segovia à 3a. edição de Democracia e Socialismo: a experiência chilena, mencionado na entrevista. Da mesma forma, também no Blog pode-se acessa o texto “A experiência chilena de Allende, 50 anos depois“, para uma leitura mais aprofundada sobre o tema.
Fonte: Blog Horizontes Democráticos
https://horizontesdemocraticos.com.br/os-50-anos-da-experiencia-chilena-de-allende/
Refundação do Estado chileno pode ter complicações, diz historiador
Alberto Aggio lembra, em artigo na Política Democrática online de agosto, que a Constituinte nasceu de protestos cívicos
Cleomar Almeida, da equipe FAP
O processo político e institucional no Chile pode ser considerado como o mais democrático e participativo de reconhecimento da soberania cidadã em toda a história da América Latina, mas a refundação do Estado chileno pode ter complicações irreparáveis. A análise é do historiador e professor titular da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Alberto Aggio, em artigo publicado na revista Política Democrática online de agosto (34ª edição).
Veja, aqui, a versão flip da Política Democrática online de agosto (34ª edição)
Com o título “Os desafios e os riscos da Constituinte chilena”, o texto de Aggio está publicado na revista produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília. Todo o conteúdo da publicado por ser acessado, pelos internautas, na versão flip, gratuitamente, no portal da entidade.
Em sua análise, Aggio observa que se instalou, no início de julho, a “Convención Constituyente”, que deverá elaborar a nova Constituição do Chile no prazo de nove meses, prorrogáveis por mais três, para, em seguida, ser levada a plebiscito. “São expectativas compartilhadas dentro e fora do Chile, mas há sérios riscos de uma derrapagem que pode causar complicações irreparáveis”, ressalta ele.
O historiador lembra que a Constituinte nasceu de protestos cívicos cujo ápice foi a manifestação multitudinária de 18 de outubro de 2019 e ganhou vida mediante um acordo firmado entre as principais forças políticas do país que reconheceram a legitimidade do que se passava nas ruas.
“Estabeleceu-se a realização de um plebiscito (realizado em 25 de outubro de 2020) que sancionou, tanto a vontade majoritária por uma nova Constituição, como a eleição específica e paritária de 155 constituintes, dentre eles 17 representantes dos ‘povos originários’, o que se concretizou nas eleições de 16 de maio deste ano”, afirma Aggio.
Desde novembro de 2019, de acordo com o professor da Unesp, ficou definido que 2/3 seria o critério para aprovação de todas as matérias constitucionais. “Talvez não se conheça o processo político e institucional mais democrático e participativo de reconhecimento da soberania cidadã em toda a história da América Latina”, escreve ele.
Com a aprovação de 80% no plebiscito, segundo o historiador, “feriu-se de morte a ordem institucional da Constituição de 1980, imposta pela ditadura de Augusto Pinochet e, ao mesmo tempo, abriu-se a senda da refundação do Estado chileno, expressa na instalação da Constituinte”.
“Está em curso, portanto, a ultrapassagem da Constituição de 1980 que amordaçou a sociedade chilena e, também, a estratégia de ‘reformas’ desta mesma Constituição implementada pelos diversos governos da Concertación desde 1990 que, embora tenha feito avançar a democratização, não conseguiu adequar-se aos novos tempos, ampliando direitos ou reelaborando aqueles que foram perdidos desde o golpe militar de 1973’”, assinala.
Confira, aqui, a relação de todos os autores da 34ª edição
A íntegra do artigo de Aggio pode ser conferida na versão flip da revista, disponibilizada no portal da entidade. Os internautas também podem ler, na nova edição, entrevista exclusiva com a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), reportagem sobre escândalo das vacinas contra Covid-19 e artigos sobre política, economia, meio ambiente e cultura.
Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.
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Bruno Leal: Departamento de História da UnB transmite aula inaugural sobre Salvador Allende
O Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB) vai transmitir, ao vivo, a aula inaugural do seu próximo semestre. O convidado é o historiador Alberto Aggio, professor da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista (UNESP). A aula vai analisar a experiência do governo de Salvador Allende. Allende foi presidente do Chile entre 1970 a 1973, quando foi deposto por um golpe de Estado liderado por Augusto Pinochet, chefe das Forças Armadas chilenas, e com apoio do governo dos Estados Unidos.
O evento acontece no dia 28 de julho, às 18h. A transmissão ocorrerá pelo canal do YouTube do Instituto de Ciências Humanas (ICH) da UnB. O evento é gratuito e não é preciso inscrição prévia. Qualquer pessoa poderá acompanhar a aula. A aula ficará disponível no canal do ICH permanentemente.
Aggio é doutor em História pela USP e tornou-se Professor Livre-Docente em História da América em 1999 e desde 2009 é Professor Titular da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS) da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), campus de Franca. Atuou como professor visitante na Universidade de Valencia (Espanha), onde realizou seu pós-doutorado entre 1997 e 1998. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Política, trabalhando com história política da América Latina contemporânea, cultura política e democracia, intelectuais e pensamento político, Gramsci e América Latina.
O historiador é autor do livro “Democracia e Socialismo: A Experiência Chilena”, que pode ser encontrado na Amazon. A obra também está disponível no formato Kindle.
*Bruno Leal é fundador e editor do Café História. É professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social. Tem pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisa História Pública, História Digital e Divulgação Científica. Também desenvolve pesquisas sobre crimes nazistas e justiça no pós-guerra.
Fonte:
Café História
DW Brasil: Esquerda e independentes dominam Constituinte do Chile
Direita, que governa o país e concorreu com chapa única, sai como a grande perdedora da eleição para representantes que redigirão a nova Constituição e deve ter pouca influência no processo
A esquerda e chapas independentes, formadas por cidadãos que não são ligados a partidos políticos, devem garantir a maioria dos 155 assentos na Assembleia Constituinte, que irá redigir uma nova Carta Magna para substituir a atual, em vigor desde a ditadura de Augusto Pinochet.
Com mais de 96,2% dos votos apurados até a madrugada desta segunda-feira (17/05), os atuais resultados mostram que as duas listas que aglutinam os candidatos da esquerda devem ficar com 52 assentos, seguida pelos candidatos independentes, que alcançaram, juntos, 48 cadeiras. Já a lista unificada da direita obteve 38. Há ainda 17 assentos reservados a representantes de povos indígenas.
Analistas disseram que os partidos políticos tradicionais foram os grandes derrotados da eleição. Ao contrário do que as pesquisas previam e com um sistema de contagem proporcional que privilegia as grandes siglas políticas, os independentes alcançaram um resultado inédito.
Os independentes são sobretudo pessoas ligadas a diversas áreas sociais, como educação, justiça social, meio ambiente e feminismo. São figuras de fora da política que buscam canalizar as exigências dos cidadãos na crise social de 2019, e seu surgimento é visto por muitos especialistas como o início de um novo modelo de política cidadã e a certidão de óbito dos desacreditados partidos tradicionais. Muitos deles deverão se unir à esquerda para aprovar as leis da nova Constituição.
Essa foi a primeira vez que candidatos independentes puderam concorrer em eleições no Chile ao lado de partidos tradicionais. A votação da Constituinte também foi alvo inédito no país: em 200 anos de independência, o Chile teve três Cartas Magnas (1833, 1925 e 1980), mas nenhuma foi redigida por uma convenção de pessoas eleitas pelo voto popular.
“O desempenho das chapas independentes em termos de votos e cadeiras é uma grande surpresa, embora a maior surpresa seja o colapso absoluto da direita que, apesar de passar por uma chapa única, não chegaria nem a um terço das cadeiras”
Julieta Suárez-Cao, cientista política da Pontifícia Universidade Católica do Chile
Derrota da direita
A direita, que se apresentava na chapa única “Chile Vamos” formada pelos partidos governistas, foi a grande perdedora nesta eleição ao conquistar menos de um terço das cadeiras, percentual necessário para influenciar o conteúdo da nova Carta Magna e vetar artigos.
“Nestas eleições, os cidadãos enviaram uma mensagem clara e forte ao governo e também a todas as forças políticas tradicionais: não estamos sintonizados adequadamente com as demandas e desejos dos cidadãos e estamos sendo desafiados por novas expressões e lideranças”, afirmou o presidente do Chile, Sebastián Piñera, na reta final da contagem dos votos.
Apesar de possivelmente ditarem o tom da nova Carta Magna, os independentes precisarão fazer acordos para passar suas propostas, que necessitam de dois terços dos votos para serem aprovadas. Como a maioria delas está alinhada a posições progressistas, especialistas acreditam que haverá uma união entre o bloco e a esquerda, o que poderá promover mudanças profundas no país.
A assembleia constituinte será ainda composta por igual número de homens e mulheres. Isso é algo inédito no mundo e, em poucos meses, fará do Chile o primeiro país a ter um texto fundamental escrito com paridade de gênero.
A participação eleitoral no pleito que decidiu a composição da constituinte, no entanto, ficou bem abaixo dos quase 80% alcançados no plesbicito em outubro de 2020, que decidiu a substituição da atual Constituição. Apenas cerca de 37% dos 14,9 milhões de eleitores chilenos foram às urnas no final de semana.
A nova Constituição
A constituinte foi convocada pelo Congresso chileno para esfriar os protestos que tomaram as ruas do Chile por quase um ano no final de 2019.
A assembleia constituinte, a primeira paritária do mundo e composta exclusivamente por membros eleitos, terá nove meses para redigir a nova Carta Magna, a primeira a nascer de um processo plenamente democrático e participativo em toda a história do país.
O prazo para a conclusão da nova Constituição é prorrogável apenas uma vez por mais três meses, e em 2022 deve ser aprovada ou rejeitada em referendo com voto obrigatório.
A Constituinte será o processo político mais importante em 31 anos da democracia chilena e abre um novo capítulo na história do país, que terá a oportunidade de estabelecer também as bases de um novo modelo socioeconômico.
O processo de elaboração da nova Constituição será concluído com um plebiscito para aprovar o texto que substituirá a atual Constituição, herdada do regime Pinochet (1973-1990) e criticada por parte da sociedade chilena por sua origem ditatorial e por privatizar alguns serviços básicos como água e aposentadorias.
Fonte:
DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/esquerda-e-independentes-dominam-constituinte-do-chile/a-57553680