Chavismo
Ricardo Noblat: Na Venezuela e no México, como no Brasil
Qualquer semelhança não é mera coincidência
Na Venezuela, o chavismo contaminou a imagem de isenção dos militares como o bolsonarismo tenta fazer por aqui. No México, eleito depois de prometer moralizar a vida pública, o presidente Andrés López Obrador, um político de esquerda, está às voltas com denúncias que o embaraçam e à sua família. Lembra algo?
Vídeos divulgados na última quinta-feira mostram um dos irmãos de Obrador, Pío Lopes, recebendo dinheiro de David León, diretor da nova distribuidora estatal de medicamentos. As imagens são de 2015. Os pagamentos já eram feitos há um ano e meio. Foram cerca de dois milhões de pesos, o equivalente a 500 mil reais.
Em um dos vídeos, León, que na época trabalhava como consultor, vai à casa de Pío López para lhe entregar um milhão de pesos (250 mil reais). E pede que informe ao seu irmão sobre a origem do dinheiro: “Avise o advogado […] que nós o estamos apoiando”. Pío responde: “Irmão, irmão. Já sabe, já sabe perfeitamente bem”.
López Obrador afastou David León: “Vamos procurar outra pessoa enquanto isso é esclarecido e ele fica limpo.” E disse que não sabe se o dinheiro foi declarado à Justiça, algo obrigatório. Esquivou-se: “Só sei que muitas pessoas contribuíram com recursos para a campanha.” No México, caixa 2 também é crime.
A divulgação dos vídeos ocorre em meio ao chamado Caso Lozoya. Uma gravação mostra um grupo de políticos recebendo subornos e a denúncia do ex-diretor da Pemex (a Petrobras mexicana) Emilio Lozoya que implica três ex-presidentes da empresa e 14 outros políticos em episódios de corrupção.
Foi López Obrador quem bancou a divulgação do Caso Lozoya para “purificar a vida pública”. Serviu para que comparasse os valores envolvidos nas duas situações: o equivalente a 90 mil dólares, entregues ao seu irmão, e o equivalente a 200 milhões de dólares, que ele tratou como “corrupção do dinheiro público”.
No mesmo dia em que o presidente mexicano tentava se apartar de mais um escândalo que abala seu governo, no Brasil a defesa do senador Flávio Bolsonaro recorreu da decisão da Justiça que autorizou o prosseguimento das investigações sobre seu eventual envolvimento no crime de lavagem de dinheiro.
O novo procurador-geral da Justiça do Rio será escolhido em dezembro próximo. Comandará o órgão que investiga Flávio e também seu irmão Carlos, vereador. Ameaçado de impeachment, o governador Wilson Witzel admite negociar a indicação de um nome ao gosto de Flávio, desde que não perca o cargo.
Flávio parece preferir negociar a indicação com Cláudio Castro, o vice de Witzel, e que assumirá a vaga se o governador for derrubado. Nada disso seria necessário se o próprio Flávio tivesse convencido da sua e da inocência do irmão. Não é verdade?
El País: Maduro acusa Bolsonaro e pede mediação de “países amigos” para conflito com os EUA
O líder chavista acusou o presidente brasileiro de querer provocar um “conflito armado” contra a Venezuela
Nicolás Maduro revelou ontem que pediu que a Espanha e “outros países amigos” criem um grupo de apoio para facilitar o diálogo diante das eleições parlamentares deste ano na Venezuela e que ajudem o regime em sua ofensiva contra as sanções dos EUA. “Oxalá o presidente argentino Alberto Fernández nos ajude com isso. Também fizemos saber à Espanha, ao Panamá, ao México e à União Europeia” que foi iniciada uma ofensiva internacional no Tribunal Penal Internacional, onde nesta semana o ministro das Relações Exteriores Jorge Arreaza interpôs uma ação contra o presidente Donald Trump pelas sanções contra a Venezuela, que qualificou como um “chamamento à guerra” por parte dos Estados Unidos. Maduro agora recorre a Haia, onde desde 2019 repousa uma ação interposta por seis países (Argentina, Chile, Peru, Colômbia, Canadá e Paraguai) contra ele, acusando-o de crimes contra a humanidade durante a violenta repressão às jornadas de protesto de 2014 e 2017, disse o líder chavista, que aproveitou para qualificar o conteúdo da conversa entre a número dois do regime, Delcy Rodríguez, e o ministro dos Transportes da Espanha, José Luis Ábalos, de “secreto”.
Em uma entrevista coletiva realizada no palácio de Miraflores, em Caracas, o líder chavista disse que entre esses “países amigos” estariam Argentina, México, Panamá, Rússia e também a União Europeia. O líder bolivariano ressaltou a importância de que esse diálogo, para o qual disse contar com a disposição do presidente argentino, aconteça antes das eleições legislativas para conseguir um Conselho Nacional Eleitoral (CNE) “de consenso”. A oposição rejeita a atual composição do órgão eleitoral dominado por chavistas e estão fora do diálogo novas eleições presidenciais que resolvam a crise institucional que o país enfrenta desde que Maduro tomou posse em seu segundo mandato, em 2019, depois de eleições consideradas fraudulentas. “Na Venezuela acontece uma das guerras mais importantes do século XXI e por isso divulgamos a verdade sobre o nosso país para exigir justiça ao mundo inteiro. Quando conseguimos um lote importante de medicamentos em algum país e estamos prontos para trazê-lo, chega uma ordem, retiram a carga e o paciente que está na Venezuela fica sem seu medicamento”, afirmou.
Esta seria a quarta rota de conversações e mediação que se abriria no último ano, depois do fracasso das reuniões do Grupo Internacional de Contato às quais se uniu o Grupo de Lima para promover uma transição política na Venezuela, da suspensão das negociações de Oslo e Barbados e da Mesa de Diálogo Nacional, à qual se juntou recentemente o ex-presidente do Governo (primeiro-ministro) espanhol José Luis Rodríguez Zapatero, que em 2016, 2017 e 2018 também liderou tentativas de diálogo.
Maduro considerou também que “esse processo de diálogo deveria conhecer todas as ações perante o Tribunal Penal Internacional (TPI) para exigir a cessação de todas as medidas coercitivas contra a Venezuela por parte do Governo dos Estados Unidos”. Maduro referiu-se à denúncia apresentada quinta-feira por seu ministro das Relações Exteriores, Jorge Arreaza, perante o TPI pelos supostos crimes contra a humanidade propiciados pelas sanções dos Estados Unidos contra a Venezuela. “Oxalá esse grupo de países amigos diga a ele e faça com que entenda e defenda perante o Governo dos Estados Unidos o direito da Venezuela ao seu desenvolvimento econômico sem medidas persecutórias, coercitivas e criminais”, sugeriu.
Durante a coletiva Maduro também abriu fogo contra o Brasil. “[O presidente] Jair Bolsonaro está por trás das ameaças terroristas contra a Venezuela e os está arrastando a um conflito armado com a Venezuela por amparar terroristas”, disse em referência aos militares venezuelanos que se asilaram no país vizinho depois de um ataque a um depósito de armas no sul da Venezuela. Lembrou que este fim de semana realiza um novo exercício militar com mais de dois milhões de soldados e milicianos para o qual a artilharia foi mobilizada. Mísseis russos BUK foram expostos na base militar de La Carlota, em Caracas.
O líder chavista disse também que na Espanha há uma campanha contra a Venezuela, mas que as pesquisas realizadas no país atestam que a maioria o considera presidente constitucional. Às perguntas de um correspondente e na presença de sua número dois, a vice-presidenta Delcy Rodríguez, Maduro se referiu pela primeira vez ao incidente no Aeroporto de Barajas, em 24 de janeiro, em torno do encontro entre Rodríguez e o ministro dos Transportes da Espanha, José Luis Ábalos, que provocou uma tempestade no panorama político espanhol. A vice-presidenta venezuelana está proibida de entrar no território Schengen devido às sanções impostas pela União Europeia.
Maduro brincou, entre risos da própria Rodríguez e de outros ministros, sobre o conteúdo da conversa e disse que inventaram uma novela. “Na Espanha fizeram uma novela, a Delcygate. Isso é secreto. Ela terá de contar”, disse. “Delcy passou pelo aeroporto da Espanha e seguiu seu rumo. Deixou lá nosso ministro do Turismo [Félix Plasencia], que cumprimentou o Rei, empresários e ministros espanhóis. Mas a direita espanhola queria prendê-la e humilhá-la. Delcy morou seis anos em Londres e cinco em Paris, é quase europeia, fala bem inglês e francês. Os amigos dela são europeus. Parem de perseguir a Venezuela.”
Ábalos teve que dar explicações sobre sua reunião no Aeroporto de Barajas nesta quarta-feira no Congresso, na sessão de controle do Executivo. Quando a reunião foi revelada, o ministro dos Transportes negou que tivesse acontecido. Depois mudou sua versão e reconheceu que houve “uma saudação que durou entre 20 e 25 minutos”. Um relatório policial ao qual o EL PAÍS teve acesso confirmou que Rodríguez não entrou em território europeu, mas detalhou que a reunião durou “aproximadamente uma hora”.
O líder chavista reiterou sua disposição de realizar eleições parlamentares, que por mandato constitucional devem acontecer até o fim deste ano. Disse estar disposto a dar algumas garantias, como a eleição de um novo Conselho Nacional Eleitoral, que deixaria a cargo da atual Assembleia Nacional, mas aquela dirigida pela junta paralela de Luis Parra, a que Maduro reconhece.
Por outro lado, voltou a lançar ameaças de prisão contra o presidente encarregado reconhecido por 60 países e chefe do Parlamento, que voltou a desafiar as proibições de saída do país impostas pela Justiça venezuelana para fazer uma turnê internacional. “No dia em que os tribunais expedirem o mandato de prender Juan Guaidó por todos os crimes que cometeu, ele será detido. Esse dia ainda não chegou, mas chegará.”
Por último, e em referência ao retorno do presidente encarregado Juan Guaidó à Venezuela depois de sua turnê internacional, Maduro disse que estão sendo avaliadas as medidas que serão tomadas contra membros do corpo diplomático credenciado no país, que voltaram a acompanhar o líder da oposição em seu retorno ao país “O embaixador da França [Romain Nadal] se imiscuiu mais uma vez em assuntos internos. Estamos avaliando a resposta e vamos avaliar os casos um por um e veremos se nossa resposta é que nossos embaixadores convoquem mobilizações em oposição aos Governos desses países, se transformarmos em um caos em relações diplomáticas e políticas no mundo ou que respeitem” advertiu.
El País: Volta do líder opositor Juan Guaidó coloca a Venezuela em expectativa
Decisões do chavismo e da oposição marcam o futuro da crise após semana de "impasse" que deu oxigênio a Maduro. Pela internet, Guaidó disse que se o opositor o prender será seu último erro
Há uma semana a sensação na Venezuela é que, novamente, tudo dá voltas sobre si mesmo. Um impasse que, tudo parece indicar, irá pelos ares com o regresso de Juan Guaidó ao país nas próximas horas. O presidente da Assembleia Nacional anunciou no final do sábado sua intenção de voltar a seu país, sem esclarecer quando, mas convocou mobilizações para segunda e terça-feira, feriado pelo carnaval. A oposição acredita que a volta de Guaidó reativará o entusiasmo de seus seguidores, mas as consequências de seu retorno ainda são uma incógnita. Em uma mensagem transmitida via redes sociais, no domingo à noite, de um lugar não especificado, Guaidó disse, ao lado da mulher, que se Maduro decidir prendê-lo, seria "o último erro que cometeria".
Guaidó se encontra fora da Venezuela há mais de uma semana. Seus movimentos, decididos durante a viagem e comunicados a conta-gotas, o levaram à Colômbia para liderar a tentativa frustrada de introduzir material médico e suplementos nutricionais através da fronteira. De lá foi para o Brasil, Paraguai, Argentina e Equador, reunindo-se com os presidentes desses países da região que são os que mais o apoiaram e procurando um contrapeso ao protagonismo da Administração de Donald Trump na crise, como se deduz das conversas com uma dezena de fontes, entre deputados próximos a Guaidó, assessores, líderes políticos da oposição e o entorno do chavismo, consultadas para essa reportagem. Uma estratégia que não está isenta de riscos, já que Guaidó saiu da Venezuela apesar de ser expressamente proibido pelo Supremo Tribunal de Justiça (TSJ), controlado pelo Governo.
Nicolás Maduro e os principais dirigentes chavistas sugeriram nos últimos dias que o líder oposicionista deve ser levado à Justiça. Ninguém pediu abertamente sua prisão e fontes do alto comando chavista afirmaram nessa semana que a intenção é “evitar cair em provocações”. Com toda a probabilidade, o sucessor de Hugo Chávez tomará a decisão final no último momento após se consultar com um pequeno grupo de colaboradores.
Entre as opções na mesa existe a possibilidade de que as autoridades de imigração impeçam sua entrada na Venezuela e, em uma tentativa de menosprezá-lo, o Governo lhe condene a uma espécie de desterro à espera de que o processo que colocou em andamento esfrie. A máquina chavista pode, também, detê-lo, uma vez que tecnicamente é um fugitivo. Essa hipótese lembra o caso de Leopoldo López, principal apoiador de Guaidó e líder de seu partido, o Vontade Popular, preso em 2014. E teria repercussões internas e externas imprevisíveis, que vão da explosão de um novo ciclo de protestos ao endurecimento do cerco diplomático e uma reação mais contundente de Washington, que nunca deixou de agitar o fantasma de uma intervenção militar.
Se por fim conseguir entrar será obrigado a retomar iniciativas, a mover peças. Ou seja, após um regresso ao qual sua equipe tentará dar contornos épicos não pode se permitir outra falha. Tampouco retornar ao setor anterior a 23 de fevereiro, quando se reunia com diversas instituições e apresentava seus planos. De alguma forma, o desafio de Guaidó passa por conseguir feitos concretos que possam chegar a uma saída da crise e manter viva a esperança dos amplos setores da sociedade que apoiam sua causa.
O desafio do presidente da Assembleia Nacional para derrubar Nicolás Maduro teve um impulso inicial que fez pensar em uma mudança iminente. Quase um mês e meio após o jovem político venezuelano se declarar presidente, entretanto, a intensidade do confronto diminuiu e as fileiras da oposição temem que esse processo acabe no enésimo falso alarme. “Impasse” é uma das palavras que mais acompanham a conversa sobre a situação da Venezuela, junto com “bloqueio”, “parada” e até “retrocesso”. Depende do otimismo dos interlocutores.
O erro de cálculo mais evidente ocorreu em 23 de fevereiro. A tentativa de levar ajuda aos venezuelanos mais vulneráveis se transformou em um instrumento político para enfraquecer o chavismo. Apesar de ter a partida quase nas mãos (alguns carregamentos já se encontravam no território venezuelano) foram geradas expectativas muito altas e o chavismo foi subestimado. A maior parte da oposição estava convencida de que o custo de um cenário violento pesaria sobre eles. Ainda mais quando Diosdado Cabello, na véspera, sugeriu que estavam dispostos a deixar entrar a ajuda. “Quem quiser comer comida desidratada é problema seu”, disse.
O chavismo, entretanto, mobilizou sua artilharia, não somente as forças de segurança, para reprimir os protestos. Coletivos armados foram à fronteira e intervieram depois, após uma fase inicial liderada pela Guarda Nacional e, posteriormente, a Polícia Nacional Bolivariana. Para garantir que as ordens de Maduro seriam respeitadas e prevenir qualquer problema, o chavismo enviou em cada ponto fronteiriço uma espécie de comissário político, como foram os casos da ministra de Prisões Iris Valera e o ex-ministro e coordenador dos Comitês Locais de Abastecimento e Produção (CLAP) Freddy Bernal.
A violência desativou a operação, apesar da oposição aventar a possibilidade de introduzir ajudas através de passagens fronteiriças informais, ao longo das trilhas, como acontece diariamente. Ocorreram também as desordens produzidas por militantes violentos, os chamados guarimberos, cuja presença foi reconhecida pelos próprios opositores. E alguns episódios que afetaram a imagem de Guaidó, como a detenção do ex-preso político Lorent Saleh.
Após um dia marcado pelos confrontos na fronteira, Guaidó, no Twitter, afirmou que pediria à comunidade internacional que deixasse abertas “todas as opções para conseguir a libertação da Venezuela”, o que foi interpretado como um pedido de intervenção militar e ceder aos setores mais radicais da oposição e à ala dura dos Estados Unidos, os chamados falcões de Trump, liderados pelo chefe de Segurança Nacional, John Bolton. A confusão causada por suas palavras obrigou Guaidó a abrandar sua mensagem. Em seu entorno defendem que ele não queria atiçar o fogo e que fez até referência à possibilidade de se sentar para negociar com o chavismo. Mas já era tarde. Pouco depois, um dos líderes da oposição no exílio, Julio Borges, representante de Guaidó no Grupo de Lima, afirmou que durante o encontro previsto para um dia depois exigiriam do órgão “um aumento na pressão diplomática e no uso da força contra a ditadura de Nicolás Maduro”. Nem mesmo o Governo da Colômbia, que junto com Washington é o principal apoiador da oposição no tabuleiro internacional, aceitou o desafio. O Grupo de Lima descartou essa possibilidade e somente a Administração de Donald Trump deixou todas as portas abertas.
A ideia de uma intervenção militar está em cada conversa sobre o futuro da Venezuela. No chavismo estão convencidos de que é algo mais do que uma ameaça retórica. Sentem que não pode ser descartada com Trump na Casa Branca e o que consideram uma traição golpista de uma parte da oposição. Conscientes de que não poderiam enfrentar um ataque durante muito tempo, não hesitam no momento de afirmar que tentarão resistir a um assédio até o último momento, com todas as consequências.
Diante desse contexto, a oposição caminha sobre uma linha muito fina. A maior parte dos próximos a Guaidó, deputados com capacidade de tomar decisões e assessores, refuta o uso da força para conseguir uma saída à crise. Sabem, entretanto, que deixar o chavismo sem essa ameaça diminuiria a pressão psicológica e poderia significar um retrocesso nesse processo. Mais um. De modo que a fórmula de que todas as opções estão sobre a mesa seja a mais recorrente. O risco, admitem as fontes consultadas, é que a estratégia estremeça com o sentimento de grande parte da população, do qual o setor externo pretende amealhar frutos. O cansaço e o desespero com o chavismo são tais que ela não se importaria com a forma com que pudesse ser tirado do caminho. Os setores mais radicais, com María Corina Machado na liderança e apoiados por muitos venezuelanos no exílio de Miami e Washington, deram força a essa opção.
“A intervenção já chegou”, comenta este colaborador. A intervenção, entretanto, não é, por enquanto, de caráter humanitário e militar. Como é feito, então, o cerco dos Estados Unidos? Com sanções diretas e individuais à cúpula do chavismo e alto comando militar e a oferta de incentivos (vistos, desbloqueios das contas) em troca do abandono a Maduro. Por enquanto, esse caminho se mostrou ineficaz ou, pelo menos, ineficiente. Por volta de 700 oficiais e soldados desertaram desde 23 de fevereiro. Um número que pode parecer significativo e que, entretanto, é risível diante dos números das forças armadas venezuelanas, que possuem aproximadamente 250.000 membros.
Um dos objetivos da viagem de Guaidó dessa semana era pedir aos mandatários com os quais se encontrou que adotem sanções concretas contra Maduro e seu entorno para apertar o cerco. No começo também foi avaliada a possibilidade de que Guaidó viajasse à Europa, para realizar uma minireunião na qual estivessem presentes, pelo menos, a Alemanha, França e Espanha.
A União Europeia é vista pelos dois lados como um caminho para se chegar a uma saída pacífica e diplomática à crise. A oposição quer que o Grupo de Contato criado pela chefa da diplomacia europeia, Federica Mogherini, dê passos mais rápidos e concretos diante de uma eventual negociação com o chavismo. Isso permitiria ao chavismo não ceder aos Estados Unidos, mesmo que deem como certo que qualquer acordo com a oposição deve ter o sinal verde da Casa Branca.
Vários diplomatas destacam que, nesse ano, Maduro, que não costumava se reunir com os embaixadores europeus, se encontrou com eles duas vezes e os canais continuaram abertos com as embaixadas mais importantes apesar da maioria dos países da UE ter reconhecido Guaidó como presidente interino da Venezuela. A sensação dentro da diplomacia europeia é que o chavismo continua sendo uma caixa preta difícil de decifrar, em que não se sabe se há divisões e até debates internos que possam produzir uma ruptura. Vários participantes desses encontros lembram uma das falas de Maduro: “Eu não sou Gadafi e Saddam, mas se me matarem surgirá outro e será mais radical”.
Matias Spektor: Crise do chavismo afeta trajetória da criminalidade no Brasil
Desdobramentos na Venezuela não se esgotam na questão da democracia
A conversa pública está focada num aspecto específico do dilema que o Brasil enfrenta na Venezuela: até que ponto é justo e legítimo pressionar por uma mudança de regime em Caracas?
A pergunta divide governo e sociedade e, por isso, domina o debate. Acontece que esse modo de enxergar o problema é excessivamente limitado e coloca o foco no lugar errado.
Para o Brasil, o que está em jogo vai muito além da estabilidade democrática. Antes, nosso problema é mais grave: a decadência institucional venezuelana afeta a qualidade das instituições brasileiras.
Como assim?
Na Venezuela, a ditadura chavista é apenas um dos atores com peso geopolítico próprio. Coexistem com ela numerosas milícias e grupos paramilitares que não respondem ao comando de Caracas nem fazem parte da estrutura formal do Estado. Tais grupos podem até obter a anuência do governo, mas não se confundem com ele.
Existem na Venezuela estruturas político-militares paralelas às forças oficiais com capacidade de geração de riqueza e de captura do Estado. A batalha desses grupos é pela colonização da vida pública do país e pela sua transformação em narco-estado.
É esse o maior problema estratégico do Brasil.
A gente já tem experiência. Há três décadas, aconteceu algo parecido na região de fronteira com Bolívia e Paraguai. Redes transnacionais de autoridade paraestatal e de economia ilegal obtiveram recursos para espalhar insegurança por milhares de quilômetros entre a fronteira e o oceano Atlântico. Essas organizações mafiosas capturaram agentes públicos em cidades brasileiras, paraguaias e bolivianas, originando uma máfia transnacional difícil erradicar.
Agora, o grande risco é uma repetição dessa dinâmica com a Venezuela. Por isso, ao calcular quais passos tomar diante da crise do chavismo, a prioridade deveria ser a de impedir a consolidação de um drama similar na fronteira Norte.
Ou seja, o interesse brasileiro pelos desdobramentos na Venezuela não se esgota na questão da democracia. E é crucial entender que a eventual restauração das garantias democráticas não levará, necessariamente, a uma reversão do problema. Bolívia e Paraguai são democracias.
Essa mudança de perspectiva demanda reconhecer que a crise política venezuelana transborda não apenas sobre a Colômbia, mas também sobre o Brasil. O futuro da criminalidade brasileira tem conexão estrutural com a evolução da criminalidade no Caribe.
Ao conceber instrumentos de política externa para lidar com o vizinho, a prioridade brasileira deveria ser a de ajustar o foco, dando centralidade aos impactos internos da instabilidade em nosso entorno geopolítico.
*Matias Spektor é professor de relações internacionais na FGV.
O Globo: Maduro rompe relações com Washington
Número dois do chavismo convoca vigília popular em apoio ao regime e desafia opositores
CARACAS — Em pronunciamento no Palácio de Miraflores, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, anunciou o rompimento de relações diplomáticas com Washington. Mais cedo, o presidente americano, Donald Trump, reconheceu o presidente da Assembleia Nacional , Juan Guaidó, como presidente interino do país, e se referiu ao regime de Maduro como "ilegítimo".
— Dou 72 horas para que toda a equipe diplomática americana abandone a Venezuela — afirmou o presidente venezuelano. — Aqui ninguém se rende, ninguém se entrega. Vamos rumo ao enfrentamento, ao combate, à vitória da paz, da vida, da democracia e do futuro.
O presidente venezuelano acusou os Estados Unidos de tentarem promover a queda de seu governo.
— É um gravíssima insensatez da política extremista do governo de Donald Trump contra a Venezuela tentar dividir o país, tentar destruir suas instituições democráticas e tentar impor um governo por vias inconstitucionais.
Embora sua própria reeleição, em maio do ano passado, tenha ocorrido em meio a uma abstenção recorde, de 54% dos eleitores, Maduro lembrou que chegou ao poder pelo voto.
— Estivemos e estaremos com os votos do povo, que é o único que elege presidentes constitucionais na Venezuela — afirmou, criticando o papel da imprensa na crise política que atinge o país. — Todos os veículos são manipuladores, e com sua manipulação ocultam do mundo que aqui há um povo governando os destinos de uma nação. Somos a maioria. Somos o povo.
Ele, no entanto, não compareceu a uma contramarcha convocada pelo governo no centro de Caracas, que reuniu menos gente do que a jornada de protesto da oposição.
O Presidente da Assembleia Nacional Constituinte (ANC) e número dois do regime, Diosdado Cabello, reagiu à proclamação de Guaidó afirmando que “aqueles que queiram ser presidentes devem ir ao Palácio de Miraflores”, numa referência à sede do Poder Executivo do país.
— O presidente é Nicolás Maduro e ele virão nos atacar — afirmou Cabello durante uma marcha de apoiadores do regime chavista em Caracas. — Mas lhes peço, em nome de (Hugo) Chávez, que se algo aconteça a um de nós, que aquele que vem atrás pegue sua bandeira e siga adiante. Quem quiser ser presidente que venha nos buscar em Miraflores, que aqui estará o povo defendendo Nicolás Maduro.
Primeiro vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela (Psuv, legenda de Maduro), Cabello convocou uma vigília em frente à sede do governo em apoio ao governo do presidente.
— A partir desta noite nos instalaremos em vigília em frente ao Palácio de Miraflores, como fizemos no 11 de abril — exclamou. — Hoje o povo da Venezuela se levantará e amanhã Maduro continuará na Presidência. A maioria é representada pelo povo venezuelano, e não pela direita que não tem vergonha e não respeita a Constituição bolivariana. Se eles cruzarem a linha, a Justiça entrará em ação. Somos obrigados a preservar a paz do país.
As Forças Armadas também se manifestaram em defesa do chavista e disseram não reconhecer um “presidente imposto” e “autoproclamado fora da lei”, como escreveu no Twitter o ministro da Defesa do país, Vladimir Padrino.
Guaidó preside a AN, comandada pela oposição, que teve os poderes suspensos pelo governo venezuelano. Em 2017, o regime convocou a ANC, liderada por Cabello, para anular os poderes legislativos da AN.
Cabello acusou a oposição venezuelana de “contratar delinquentes para gerar terror nas ruas” durante as manifestações populares.
— Hoje a direita volta a ameaçar e causar terror no nosso povo, mas hoje é um dia do povo que foi traído e nunca mais voltará a ser — afirmou o líder da ANC em referência ao golpe que derrubou o general Marcos Jimenez Pérez em 1958.
Alberto Aggio: Venezuela rumo ao totalitarismo
Há três anos eu começava a publicar artigos de opinião no jornal O Estado de São Paulo. O primeiro artigo tinha como título "O impasse venezuelano". A situação era complicada mas havia uma expectativa de que o chavismo garantiria os mínimos espaços de democracia, com alternância de poder. Há um ano, o chavismo perdeu as eleições para a Assembléia Nacional. Apoiada em massivas manifestações, a oposição esperava que aquele seria o primeiro e um importante passo para alcançar o poder democraticamente.
Passado esse tempo, o chavismo, liderado agora por Nicolas Maduro, consuma um golpe com a eleição fraudulenta da Assembléia Constituinte, faz a sua instalação e anuncia mais do que um regime autoritário. Pelas informações que se tem, a questão da "dualidade de poderes" já foi resolvida em favor do chavismo. Não há mais nenhum impasse na Venezuela.
A conquista de um "poder constituinte" acaba com a Assembleia Nacional, reafirma a escalada contra qualquer questionamento no poder Judiciário (muitos juízes já estão buscando asilo no Panamá, Chile e EUA) e instaura um conjunto de medidas de cunho abertamente totalitário: cancelamento de passaportes, regularização de documentação apenas para os favoráveis à Revolução Bolivariana, imposição de medidas extraordinárias a todos os bens particulares de todos os venezuelanos, haverá nova moeda nacional (o Sucre) e será presa a pessoa que estiver com moeda estrangeira; além disso, estarão suspensas a internet e as pessoas terão que registrar seus aparelhos eletrônicos nas instituições competente do Estado, e assim por diante.
Está claro o resultado: a democracia foi cancelada na Venezuela; sequer há o que podemos chamar de autoritarismo, que via de regra regula fortemente os espaços públicos; com o chavismo nessa nova fase, instaura-se o totalitarismo, já que o controle revolucionário vai atingir violentamente a vida privada das pessoas; não haverá mais nem autonomia e muito menos liberdade para os indivíduos diante do Estado Chavista que sairá dessa Assembléia Constituinte.
Em tempos de globalização, pode-se divisar que a Venezuela terá um regime mais radical do que foi o cubano; terá algo parecido com a Revolução Cultural chinesa, nos idos dos 60, ou algo como a Coreia do Norte. É ai que chegamos. Esperamos que os democratas latino-americanos possam compreender essa situação e mobilizar esforços, com realismo e consenso, para enfrentar o totalitarismo chavista que, sem dúvida, romperá com qualquer perspectiva de unidade ou colaboração do conjunto da América Latina.