centrão
José Roberto Mendonça de Barros: O Brasil não será o mesmo depois da pandemia
O acordo com o “Centrão” garante que o projeto liberal de Guedes naufragou de vez
O coronavírus é o maior choque das últimas décadas. Espalhou-se rapidamente pelo mundo e é bastante letal. Como ainda não temos remédios definitivos ou vacina, a única recomendação da ciência é reduzir a circulação das pessoas por meio de uma quarentena, com diferentes graus de intensidade.
Esse recolhimento produz uma parada súbita na atividade econômica, uma vez que muitas empresas fecham e as pessoas ficam, em sua maior parte, nas suas casas. Essa situação resulta, muito rapidamente, em uma forte recessão na economia.
Como já vimos no caso de vários países, após três ou quatro meses o surto inicial do vírus começa a se reduzir e, cautelosamente, as regras de confinamento começam a ser abrandadas.
Neste momento, descobre-se que ficar fechado em casa por um longo período é uma experiência única, que será marcante na vida de todos. Ninguém será o mesmo quando tudo isso acabar. Vejo alterações em pelo menos três dimensões: enquanto cidadãos, trabalhadores e consumidores.
As pessoas, provavelmente, estarão mais próximas de uma vida mais simples e mais natural, que vai afetar, inclusive, o seu estilo de vida e o tipo de alimentos desejados, mais naturais, menos industrializados, orgânicos.
Na esfera do trabalho, muita gente terá aprendido a operar à distância e conhecido muitas técnicas e ferramentas novas, que inclusive tendem a elevar a produtividade. Entretanto, muitas pessoas perderão renda, ficarão desempregadas e dependerão por um tempo de mecanismos de transferência de renda. Para esse grupo, a demanda de alimentos se voltará para os mais básicos. Ainda na dimensão do trabalho, a pandemia vai levar muitas companhias a adotar técnicas mais automatizadas.
Finalmente, o consumidor, além da mudança de hábitos, também está alterando a forma de comprar, entrando firme na direção do e-commerce e dos novos canais de comercialização.
As empresas também serão diferentes. Na verdade, muitas nem sequer sobreviverão à recessão pela qual todos estão passando, inclusive o Brasil, mas as que conseguirem atravessar esse percurso também irão se alterar.
Pensemos um pouco no caso do comércio. O confinamento levou as famílias para a compra por internet em larga escala. Com isso, muitos consumidores aprenderam a usar novas ferramentas, inclusive comparação de preços, levando a um crescimento enorme neste canal de comercialização. As empresas já preparadas deram um salto nas vendas e se beneficiarão muito. Entretanto, muitas companhias nem sequer dispunham do canal. Como na situação pós-covid muitas pessoas ainda evitarão aglomerações, essas empresas sofrerão muito. Por outro lado, as empresas menores necessariamente terão de se encaixar nas plataformas de vendas das grandes. A organização do mercado mudará muito.
Todas essas mudanças ocorrerão no Brasil de forma muito intensa, até porque nossa economia vai cair muito mais do que pensávamos há algum tempo. Hoje, projetamos uma contração de 7,8% no PIB, algo sem precedentes, em meio a uma instabilidade enorme, capitaneada pelo radicalismo e falta de rumo do governo federal.
Sairemos da crise do coronavírus muito mais pobres. Nossa renda per capita ao cabo deste ano será algo como 15% menor em relação a 2014!
Ao mesmo tempo, o país será ainda mais desigual: o desemprego vai crescer muito e a tecnologia avançará na direção da automação. Finalmente, o pior ministro da educação de todos os tempos trouxe um enorme retrocesso na área.
O acordo com o chamado “Centrão” garante que o projeto liberal do ministro Paulo Guedes naufragou de vez, especialmente pela implosão de qualquer reorganização do regime fiscal. Da mesma forma, o Plano tipo Geisel (chamado Pró-Brasil) tem chance zero de dar minimamente certo.
A pergunta que fica: como recompor no futuro um arranjo que permita sonhar de novo com crescimento econômico?
*Economista e sócio da MB Associados.
Vinicius Torres Freire: O centrão vê a economia na crise de Bolsonaro
Não há impulso para impeachment, mas economia vai mudar, diz um líder do bloco
O governo falou muito, mostrou “boa vontade”, mas entregou pouco até agora, dizia nesta terça-feira (12) um deputado líder do centrão que negocia aliança e cargos com o Planalto. O parlamentar falava no começo da noite de todos os rumores sobre o vídeo da reunião ministerial em que Jair Bolsonaro teria ficado, mais do que nu, em carne viva —ou morta, a depender do boato e do ânimo crítico do espectador.
E daí? Daí que o vídeo degradaria a situação política de Bolsonaro, óbvio. Ainda não parece “tiro na cara”, como diz o deputado, mas o presidente precisaria de mais gente firme na Câmara para se segurar na cadeira e “governar com estabilidade” (sic).
Continua não haver risco de processo de impeachment, por ora, na opinião do deputado, para quem, no entanto, que está muito difícil medir a temperatura do Congresso e do país em geral, por causa do distanciamento provocado pelo vírus.
Por enquanto, “sem uma bomba grande”, não haveria impulso grande para criar um movimento relevante para depor Bolsonaro. Nem as pesquisas de opinião mostram descalabro do prestígio presidencial nem “as bases” dele e de parlamentares próximos pressionam por alguma movimentação. Nem mesmo os governadores, diz.
Mas o governo piscou, porque está mais fraco. Ainda não sabe fazer o básico da articulação no Congresso, apesar da boa vontade dos generais do Planalto, diz o deputado.
E daí? A crise renovada a cada dia pode levar a mudança substancial de planos do Ministério da Economia, como se especula?
Não muda grande coisa, diz o deputado. Primeiro, porque o Congresso está mais devagar, com outras prioridades e daqui a pouco vai ter de pensar o que fazer da eleição (datas e campanhas). Segundo, porque o centrão ou pelo menos seu partido tem compromisso com “as reformas”, afirma. Mas o governo vai ter de mostrar mais “sensibilidade”.
O quer quer dizer “sensibilidade”? Não se trata apenas de cargos ou ministérios, diz o deputado. O governo teria de olhar mais para os pobres e para as empresas que estão quebrando, muito pequeno negócio. Apresentar um plano para o país ter esperança de sair da crise, ter uma relação mais estável com os deputados. Pensar um modo “inteligente” de lidar com a eleição do próximo presidente da Câmara. Tem de ajudar a formar a base, mas não pode querer decidir resultado.
Objetivamente, poderia vir mudança mais essencial, tal como mexer no teto de gastos, por exemplo? Ninguém fala disso, no sentido de que não é nem assunto de discussão grande. O teto não impediu o aumento de gasto extraordinário neste ano, argumenta. Não quer dizer que o gasto extraordinário vá continuar no ano que vem. Mas vai ser preciso rediscutir o caso a cada avaliação que houver da economia e da “crise social”.
Com uma queda grande da economia, a vida estará difícil também em 2021. Não será possível cortar a ajuda de uma hora para outra e não é possível ficar apenas na ajuda (como o auxílio emergencial). Vai ser preciso criar emprego, diz. Como fazer, é uma questão.
Essa história de que o centrão quer logo um plano de obras e gastança seria conversa. Ninguém sabe direito o que fazer nem tem ainda articulação para fazer uma mudança: “O pessoal está meio na muda, quieto, olha até o Rodrigo [Maia, presidente da Câmara]”. Mas a situação mudou, daqui a pouco vai aparecer uma ideia de mudar também alguma coisa da política econômica, como já mudou e não tem muita volta.
William Waack: Dentro do alçapão
A crise tripla que Bolsonaro enfrenta é inédita e não permite dizer o que vai acontecer
Com a vivência de 28 anos de política em Brasília, provavelmente Jair Bolsonaro sabe ou pelo menos intui que está, agora, nas mãos de profissionais. Os do Centrão e os do STF. Na linguagem militar, trata-se de um formidável movimento de pinça, do qual o presidente tem poucos recursos para escapar.
O alçapão armou, Bolsonaro está dentro dele e ali ficará debatendo-se em limites muito estreitos, salvo o imponderável (o número de mortos da crise de saúde pública e um impeachment são hoje os imponderáveis). Mantida a situação atual de precário equilíbrio, suas opções são reduzidas.
Ele criou a armadilha para si mesmo agindo por medo e com muita pressa. Bolsonaro é um personagem político autêntico e de extraordinária transparência. Faz questão de reiterar publicamente que se sente sempre o alvo de uma grande conspiração, integrada por membros da velha política, imprensa, juízes e ministros do STF, comunistas, ministros com alta popularidade, governadores – a lista é longa.
Por algum tempo o “cerco” urdido por conspiradores era apenas uma distorcida percepção da realidade. Hoje, de fato, o presidente está cercado. Pelos profissionais do Centrão, que dispõem de tempo e de circunstâncias inesperadamente favoráveis para extrair do presidente o preço máximo em troca de apoio político.
E pelos profissionais do Judiciário, sobre os quais Bolsonaro tem pouco ou nenhum tipo de controle. A judicialização da política na era Bolsonaro assumiu contornos muito semelhantes aos da era Dilma, quando uma liminar proferida por um integrante do STF a impediu de nomear Lula como ministro. Desvio de finalidade – o mesmo tipo de figura jurídica da liminar que bloqueou a nomeação por Bolsonaro de um novo diretor-geral da Polícia Federal.
Os perigos para Bolsonaro estão hoje no STF – uma instituição contra a qual seus apoiadores foram mobilizados com a ferocidade e irresponsabilidade típicas de redes sociais nas quais o presidente acredita residir seu maior capital político. A figura do presidente já seria lateralmente atingida por investigações em curso nas quais se pretende apurar quem e como organizou e financiou campanhas contra o Judiciário, mas, agora, está no centro do inquérito que o procurador-geral da República requereu “sem apontar A ou B”. O STF apontou para o B de Bolsonaro.
Salvo imponderáveis, o Centrão não tem o apetite para tocar adiante um processo de impeachment. Os parlamentares não enxergam nenhuma vantagem prática em derrubar o presidente neste momento, e se consideram bem situados do ponto de vista político em assegurar “governabilidade” que, nestes dias de enorme crise de saúde pública, significa sobretudo abrir os cofres públicos para ver como é que fica depois. O movimento para moer Bolsonaro está vindo do STF.
A preciosa intuição que Bolsonaro exibiu na campanha eleitoral faltou-lhe agora. Sem que nenhum de seus opositores precisasse se esforçar, ele mesmo acabou solapando os pilares da sua imagem e está perdendo rapidamente o apoio em camadas de eleitores que não são tão numerosos, mas têm peso na propagação e formação de opinião. E, em vez de evitar comoções, Bolsonaro se esmera em criá-las constantemente. Seu jeito “autêntico” de ser (como ao dizer “E daí? Que quer que eu faça?” diante de um recorde de mortos pelo coronavírus) é visto com repulsa em círculos cada vez mais amplos.
Como tudo na atualidade, a situação que Bolsonaro enfrenta também é inédita. Dilma tinha de lidar com uma dupla crise, econômica e política. A situação de Bolsonaro é de uma tripla crise: a terceira é a pandemia. Mas não há parâmetros históricos para dizer o que vai acontecer.
Bruno Boghossian: Bolsonaro faz mutirão de cargos, mas centrão ameaça emparedar governo
Partidos querem criar dificuldades no Congresso para aumentar preço de apoio ao Planalto
Sob pressão de parlamentares, o Planalto topou abrir um mutirão do emprego. O governo suavizou o discurso de campanha e preparou uma lista de cargos que serão abertos para indicações políticas em troca de apoio no Congresso. As vagas só serão negociadas depois do Carnaval, mas deputados e senadores já ameaçam aumentar a fatura.
Jair Bolsonaro se enrolou na própria retórica. Durante a eleição, o presidente demonizou os partidos e a distribuição de espaços na máquina pública. Ele só percebeu que precisaria desse artifício ao subir a rampa do palácio. Agora, potenciais aliados encaram o governo com desconfiança e querem cobrar mais caro para aprovar seus projetos.
Líderes partidários que estiveram com Bolsonaro na terça-feira (26) se dividiram. Alguns se contentaram com os sinais de que o presidente aceitou participar do jogo da política tradicional, mas outros deixaram o encontro dispostos a criar dificuldades e constrangimentos para o Planalto nas próximas semanas.
Parte das siglas do centrão planeja emparedar o governo. A ideia é convocar ministros e presidentes de bancos públicos para explicar nomeações e medidas tomadas nos primeiros meses de mandato. Os parlamentares consideram que a retórica antipolítica de Bolsonaro os colocou sob suspeição e querem devolver na mesma moeda.
A hesitação do Planalto diante das engrenagens da política desgastou o novo governo, abrindo caminho para aproveitadores e chantagistas.
A rigor, é normal que siglas com assento no Congresso participem do governo, já que representam uma parte da população. Não é normal que políticos aproveitem essa lógica para assaltar o Estado. Bolsonaro reagiu com fúria ao segundo grupo, mas pode ter ficado de mãos atadas.
Sem saída, o presidente fará uma concessão aos partidos e entregará os cargos, ainda que a contradição com sua plataforma de campanha consuma parte de seu capital político. Mais do que nunca, ele precisará dos partidos para governar.
Bernardo Mello Franco: Para votar reforma, centrão pede cota de até R$ 10 milhões por deputado
Depois da eleição, o ministro Paulo Guedes disse que bastaria dar uma “prensa” no Congresso para aprovar a reforma da Previdência. Se alguém no governo ainda acreditava nisso, ontem foi o dia de cair na real.
O projeto entregue por Jair Bolsonaro foi recebido com frieza. Parlamentares da bancada governista deixaram claro que vão aproveitar o momento para forçar um acerto de contas com o Planalto.
Nas palavras de um senador tucano, o presidente pensou que conseguiria tratar o Congresso como um quartel. Agora será pressionado a dividir poder, fazer concessões e reabrir o balcão de negócios.
As primeiras conversas já tratam da distribuição de cargos. As queixas nesse campo se multiplicam desde a montagem do governo, quando Bolsonaro entregou três ministérios ao DEM e esnobou siglas maiores. Nos últimos dias, aumentou a cobrança pela partilha no segundo e no terceiro escalão.
Os deputados não devem se contentar com nomeações. Para apoiar a reforma, a bancada ruralista exigirá a manutenção de subsídios que Guedes pretende extinguir. Já os partidos do centrão querem que o governo crie uma espécie de cota de gasto extra por parlamentar.
As tratativas já incluem cifras. Segundo o presidente de um partido médio, a ideia é que cada deputado novato tenha direito a indicar R$ 7,5 milhões em obras e repasses federais. Para os reeleitos, a cota seria de R$ 10 milhões. Apesar do discurso oficial contra o “toma lá, dá cá”, a Casa Civil tem indicado disposição de negociar.
O Orçamento aprovado no ano passado já reservou R$ 15 milhões a cada parlamentar em emendas individuais. No entanto, os recém-eleitos teriam que esperar até 2020 para começar a destinar verbas.
Enquanto as negociações não avançam, o fogo amigo deve se intensificar. Ao apresentar uma proposta de reforma que só atinge os servidores civis, o governo abriu um flanco a mais para as críticas.
“Sem uma reforma que alcance também os militares, o texto apresentado não deveria sequer tramitar”, disparou ontem o senador Ciro Nogueira. Ele é presidente do PP, o maior partido do centrão.
Fábio Alves: O 1º grande teste de Bolsonaro
O maior risco é Bolsonaro jogar o MDB e Centrão nos braços da oposição
Para o mercado financeiro, com impacto nos preços da Bolsa e do dólar, o primeiro grande teste de um eventual governo Jair Bolsonaro, caso as pesquisas de intenção de voto confirmem a vitória do candidato do PSL no segundo turno da eleição presidencial, será a escolha dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado. A eleição para a presidência das duas Casas ocorre em 1.º de fevereiro de 2019 e os investidores estão monitorando atentamente as movimentações e negociações em torno da escolha dos candidatos para as posições mais cobiçadas no Congresso.
Há muito tempo que a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado não assumia uma importância tão grande como a do ano que vem, pois, ao longo do processo até o pleito, o otimismo do mercado sobre o sucesso em relação ao eventual governo Bolsonaro poderá se consolidar ou se erodir.
Na visão dos investidores, quem Bolsonaro escolher apoiar para presidentes da Câmara e do Senado será um termômetro importante para medir se a sua eventual gestão será pautada por uma habilidade política que ainda o mercado não lhe confere.
Mais ainda: se ele poderá repetir um padrão da ex-presidente Dilma Rousseff, cuja falta de flexibilidade e habilidade política não permitiu tornar fiel uma ampla base de apoio e transformar essa coalizão em votos necessários para aprovação de reformas ou de medidas econômicas urgentes.
Nesse sentido, os investidores vão encarar o desempenho de Bolsonaro ao longo do processo para a escolha dos presidentes da Câmara e do Senado também como um termômetro para avaliar as chances de seu eventual governo de conquistar os 308 votos necessários para aprovar uma reforma da Previdência. “Esses eventos [eleição dos presidentes da Câmara e do Senado] servirão como sinais claros quanto à disposição do Bolsonaro de construir sua base no Congresso e aprovar reformas”, diz o economista-chefe de uma grande instituição financeira. “Basicamente, estamos monitorando a disposição do Bolsonaro em trazer o Centrão para dentro de sua base de apoio.”
Já um experiente gestor de uma administradora de recursos se diz preocupado com a movimentação de vários parlamentares do PSL, que saiu da eleição com a segunda maior bancada da Câmara, com 52 deputados, mirando concorrer à presidência das duas Casas. “Se o PSL tentar disputar a presidência [da Câmara e do Senado], Bolsonaro corre o risco de refazer os erros de Dilma”, alerta o gestor. “Essa eleição para o comando no Congresso será uma amostra de como um governo Bolsonaro se comportaria em negociações políticas.”
E essa habilidade de negociação será testada já na decisão de Bolsonaro em escolher os candidatos certos para a eleição da presidência das duas Casas, os quais talvez tenham que surgir de um consenso com o Centrão. “Se essa eleição no Congresso em si não garantirá que reformas passarão, uma derrota pode acarretar consequências de longo prazo para passar qualquer coisa depois”, explica renomado economista de uma grande instituição estrangeira.
E quais os nomes para o comando das duas Casas que mais agradariam aos investidores, com impacto positivo nos preços dos ativos?
Por enquanto, o atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) é o favorito do mercado financeiro, que o vê como um parlamentar comprometido com a aprovação das reformas e com melhor trânsito do que outros nomes cotados para o cargo tanto com partidos de centro-direita, quanto os de esquerda.
Para o comando do Senado, o mercado ainda não escolheu um nome que lhe traria maior tranquilidade.
“Não está claro [quem seria melhor para o Senado]”, diz um experiente economista. “Eu diria um nome do MDB.” Já outro economista de uma instituição estrangeira acrescenta: “Mas Renan Calheiros (MDB-AL) na presidência do Senado não seria bom para Bolsonaro.”
Se no Senado, Bolsonaro não terá como ignorar o MDB, ainda a maior bancada, com 12 senadores, na Câmara o eventual presidente não pode deixar de lado o Centrão, que, embora com número menor de deputados eleitos, segue sendo uma força importante. O maior risco é, durante o processo de eleição para o comando das duas Casas, Bolsonaro alienar essas duas forças - MDB e Centrão - e jogá-las nos braços da oposição.
Bruno Boghossian: Centrão faz fila para o bote salva-vidas de Bolsonaro
Valdemar, Kassab e companhia preparam entrada na base aliada do presidenciável
No grande naufrágio partidário de 2018, os primeiros da fila para o bote salva-vidas são Roberto Jefferson, Pastor Everaldo, Valdemar Costa Neto e Gilberto Kassab. Os caciques do centrão, que sustentaram governos de todas as cores, decidiram se alinhar a Jair Bolsonaro (PSL) em busca de sobrevivência.
O PSD não é de esquerda, nem de direita, nem de centro (como definiu Kassab ao criar a legenda), mas já está afinado com o radicalismo de Bolsonaro. O fundador da sigla disse nesta quarta (17) que, se o candidato do PSL for eleito, “evidentemente” apoiará seu governo no Congresso.
A condição é que as pautas tenham convergência com as crenças do PSD, mas a adaptação não será muito difícil. Kassab foi ministro de Dilma Rousseff, pediu demissão para apoiar o impeachment e, em menos de um mês, pegou as chaves de outro ministério com Michel Temer.
O PR não quis apoiar Bolsonaro no primeiro turno, mas agora planeja um consórcio com o presidenciável. Caso sua eleição se confirme, o partido de Valdemar estará na base governista e lançará ao comando da Câmara o deputado Capitão Augusto, um policial que diz que o regime militar não foi uma ditadura.
“Houve alternância no poder, o Congresso manteve-se aberto, o Judiciário manteve-se aberto e até a imprensa tinha liberdade”, disse, em 2015. Quatro mentiras, se considerarmos que a ditadura aposentou ministros do STF e tutelou o tribunal.
O time pró-Bolsonaro tem ainda a companhia do PTB de Roberto Jefferson, do PSC do Pastor Everaldo e de outros partidos que acreditam farejar vitória no campo do PSL.
A corrida atrás de um candidato que se beneficiou do derretimento da política soa como ironia, mas não surpreende. Se for eleito, Bolsonaro precisará dessas siglas para aprovar uma pauta especialmente amarga de equilíbrio das contas públicas.
Embora o candidato prometa não distribuir cargos, tudo parece negociável. Há dois dias, Bolsonaro pediu à bancada ruralista uma indicação para o Ministério da Agricultura.
Merval Pereira: Mudanças em risco
A formalização do apoio dos partidos do centrão à pré-candidatura do tucano Geraldo Alckmin deu uma clareada na disputa presidencial, sem entrar no mérito se esse fato é bom ou mau para o futuro do país. Não se trata aqui de analisar conceitualmente essa união, que para muitos é um abraço de afogados. Outros acham que a candidatura tucana ganha substância e passa a ser competitiva.
O fato é que a adesão do centrão (ou será adesão ao centrão?) passará agora pelo crivo dos eleitores, e as pesquisas eleitorais mostrarão mais adiante as consequências dessa decisão.
Muitos eleitores tucanos rejeitarão esse conchavo partidário com legendas que abrigam investigados e indiciados na Lava-Jato, dando destaque ao inquérito a que o próprio Alckmin está submetido. Se bem que os tucanos há muito tempo lidam com as incongruências do partido, que se recusou a punir o ex-candidato à Presidência Aécio Neves, o que contaminou todo o resto.
Dependendo da intensidade dessa rejeição, quem pode se beneficiar é a pré-candidata da Rede, Marina Silva, que, no entanto, mais uma vez dá a sensação de não controlar seu próprio partido.
Delegar às direções regionais a decisão sobre acordos eleitorais, e ser surpreendida, como foi no Rio, com a aliança com o partido de Romário, que a própria Marina rejeitou, repete o voto do representante da Rede no impeachment de Dilma.
A Rede, depois de uma infindável discussão, resolveu apoiar a destituição da então presidente, mas seu representante na comissão votou contra.
Se, no entanto, a máquina eleitoral dos partidos que formam o centrão superar as eventuais rejeições do eleitorado, que pode reagir com pragmatismo diante da possibilidade de vitória de Bolsonaro ou do candidato da esquerda, o tucano Alckmin poderá se beneficiar do chamado voto útil antecipado, recuperando os votos que foram para Bolsonaro, especialmente no campo, e para Alvaro Dias nas regiões Sul e Sudeste.
A incógnita é a candidatura do PT que, de tanto ser retardada pelo projeto pessoal de Lula, não se sabe se será exitosa, pois os candidatos apresentados até agora não mobilizam o eleitorado.
Parece mais fácil aumentar o índice de votos nulos e em branco, além da abstenção, do que a transferência maciça de votos. Para que seu candidato chegue ao segundo turno será preciso que Lula transfira a ele pelo menos metade de sua votação potencial, que está em torno de 30% nas pesquisas confiáveis.
Colocar um poste com cerca de 15% no segundo turno parece tarefa difícil de concretizar, por mais carismático que seja o ex-presidente. O problema do PT é que os possíveis substitutos nada têm de carismáticos, e a lembrança do desastroso governo Dilma, poste que se recusou a deixar o poder para abrir caminho para a tentativa de volta de Lula em 2014, deve ter marcado não apenas o eleitorado, mas o próprio ex-presidente. Talvez por isso relute tanto a indicar um substituto.
A possibilidade de termos novamente a sexta disputa presidencial entre PT e PSDB, apesar de todos os pesares, demonstraria que as máquinas partidárias ainda são relevantes, e que a chance de uma renovação política é escassa.
Na verdade, a renovação não é um imperativo em si num sistema político-partidário maduro. Essa renovação só é desejável entre nós diante do descalabro de corrupção que está sendo revelado pela Lava-Jato, demonstrando que o sistema está falido e precisa de um aggiornamento para incluí-lo nos arranjos de modernidade necessários ao país. Essa atualização partidária depende, sobretudo, de ser reivindicada pelos cidadãos. Que só o farão quando ligarem causa e efeito, para o que é preciso uma política educacional com visão de futuro, mais eficaz e ampla.
Nem PT nem PSDB fizeram seu aggiornamento, ao contrário de alguns partidos europeus. O melhor exemplo sendo o Partido Comunista Italiano, que virou de esquerda democrática. Porém, se as máquinas partidárias, como acreditam petistas e tucanos, forem capazes de colocar seus representantes no segundo turno, vai ser difícil ao futuro presidente conseguir fazer uma verdadeira reforma político-partidária, que seria contrária aos interesses dessas máquinas e, no limite, aos do próprio presidente, eleito por elas.
Fernando Gabeira: Sísifo e o Centrão
Eleitores podem colocar a pedra lá em cima para vê-la, de novo, rolar montanha abaixo
Algumas coisas que deveriam estar juntas correm em dimensões ainda diferentes no Brasil, realidades paralelas: o aumento do índice de mortalidade infantil, como sintoma de decadência, e a campanha eleitoral no Brasil. O desencontro da vida real com a política se deve também ao momento em que campanha significa muito arranjo entre partidos, composições, definições de tempo de TV, escolha de vices. É como se o jogo ainda estivesse sendo discutido no vestiário, antes que saia para o campo aberto, diante da plateia.
Mas as notícias que vêm pelo túnel já nos dão matéria para pensar. O famoso bloco parlamentar chamado Centrão é uma das referências do quebra-cabeças. Esta semana, o Centrão decidiu apoiar Geraldo Alckmin. E o mercado reagiu positivamente à notícia.
Uma aliança com o Centrão significa a continuidade do que está aí: ocupação política dos cargos, troca de votos por verbas, enfim, um roteiro que não é necessário relembrar.
O mercado, que aparentemente almejava mudanças, acabou se conformando com a continuidade. Seria isso a manifestação de um senso comum? Não sei bem o que seria um senso comum. Aliás, Leonardo da Vinci tem um belo desenho de crânio em que apontou uma pequena cavidade onde seria o senso comum, o espaço para onde convergem todas as sensações.
Transplantado da fantasia física de Da Vinci para o campo social, o senso comum também poderia estar em outra manifestação: a das pessoas que dão as costas para a política porque rejeitam seus sórdidos métodos. Estas querem mudança, certamente, mas provocam a continuidade. O oposto do que desejam.
A rigor, continuidade dificilmente haverá. Se o mesmo esquema for mantido, as coisas vão piorar. O Congresso já armou uma bomba fiscal que certamente tornará um novo presidente mais vulnerável.
A experiência recente do Congresso foi a de tratar com dois presidentes fracos que precisavam dele para sobreviver no cargo. Dilma caiu, mesmo tentando negociar. Temer teve êxito na negociação para escapar. A correlação de forças entre presidente e Congresso foi alterada por essas experiências recentes. E isso, é claro, vai repercutir no ano que vem. Não importa o presidente vitorioso, de qualquer forma, ele terá de atravessar essa barreira de troca de votos por cargos e verbas.
O mundo real continuará em perigosa decadência. Até gripe se tornou mais letal, num país onde o sarampo reaparece.
Os custos de serviços públicos ineficazes foram sentidos em 2013 e expressos no desejo de ver o dinheiro dos impostos ser mais bem empregado. O impacto da corrupção foi sentido a partir de 2015, com os primeiros lances da Operação Lava Jato. Existe o perigo de que todo este processo de tomada de consciência se sinta frustrado com o desenrolar de uma eleição que pode prolongar a crise.
Impossível prever muitos lances à frente, no entanto torna-se mais claro que, embora o foco se ache na eleição presidencial, é no Congresso que se armam algumas bombas, inclusive a tentativa de acabar com a Lava Jato.
Não vejo saídas brilhantes num cenário em que os partidos, cheios da grana, vão permanecer no poder. Exceto uma atenção maior na eleição para o Congresso e a tentativa de criar uma minoria que defenda a sociedade deste mecanismo vampiresco.
Ainda assim, num tipo de luta como este, a minoria tende a ser isolada e as vitórias se contam em desastres evitados, picaretagens abortadas. O rumo, mesmo, é difícil de mudar.
Nem tudo é sombrio. Graças à Lava Jato, aumentou o risco nos processos de corrupção. Nas composições políticas de agora dificilmente vai entrar dinheiro vivo. É um avanço relativo, porque o rateio dos cargos públicos pode se tornar uma máquina de fazer dinheiro.
Nesse raciocínio, algo que talvez pode ser útil é enfatizar no debate a importância da relação presidente-Congresso e tentar liberá-la, ainda que parcialmente, de seu caráter fisiológico.
Não é uma solução do tipo “seus problemas acabaram”, mas cairia bem no Brasil o sistema francês: eleições parlamentares na semana seguinte à eleição presidencial. O calendário fortalece uma aproximação programática, a tendência dos eleitores é a de garantir maioria para seu presidente eleito.
Isso nem sequer foi pensado numa reforma política, cujo principal objetivo foi o de perpetuar as forças existentes com seus mecanismos de poder. Duas tímidas exceções foram a adoção de uma cláusula de barreira e o fim das coligações proporcionais.
O quadro descrito aqui não é um destino inexorável. Mas o fato de que o Centrão negocia em bloco antes mesmo das eleições e está preparado para exercer uma influência decisiva nos anos que seguem é preocupante. Desde já, aparece como um dos nós a serem desatados.
Como o jogo está sendo discutido no vestiário, não veio ainda a campo aberto e o grande público não se manifestou, ainda existe esta variável da reação popular em aberto.
Mas algumas das regras foram escritas pelos próprios jogadores: até mesmo a latitude dessa variável foi reduzida.
Restam apenas a crise e sua dolorosa pedagogia, sobretudo quando se torna mais aguda. De um modo geral, atinge os mais vulneráveis, e o sistema político, por meio de aumento de impostos e outros sacrifícios sociais, tenta se manter incólume.
Caminhamos para o futuro com um modo de governar chamado governo de coalizão que contém todos os vícios do passado. Como Sísifo, a maioria dos eleitores brasileiros pode colocar a pedra lá em cima para vê-la, de novo, rolar montanha abaixo.
Os filósofos discutem uma saída para essa maldição entre suicídio e revolta. Em termos políticos, certamente haverá muitas nuances, mas algum tipo de revolta é inevitável no horizonte.
A Venezuela está se derretendo e terá inflação de um milhão por cento. Parece ficção, mas já aconteceu na Alemanha em 1923 e na Rodésia no princípio do século.
Dominados por predadores, da esquerda ou da direita, os países se tornam quase inviáveis.
Hubert Alquéres: Centrão, de coadjuvante a protagonista
Desde a redemocratização, o Centrão sempre esteve no poder, mas em papel de coadjuvante. Fernando Henrique Cardoso e Lula, com enormes diferenças, contaram com as forças do atraso em nome da governabilidade. Mas sem transformá-las em principal núcleo de sua base de sustentação.
Com a vitória no Congresso do “Fica Temer”, a constelação de siglas partidárias que formam essa massa gelatinosa adquiriu status de protagonista. Chegou ao núcleo duro do poder, em condomínio com o PMDB, com quem tem identidades nos métodos e na forma de se fazer política.
A assunção do Centrão altera os polos da dualidade estabelecida no governo Temer. Desde o início havia um lado renovador, expresso na equipe econômica, em quadros como Pedro Parente e mesmo em políticos antenados com a modernidade como José Serra e Mendonça Filho.
Havia também o lado arcaico constituído por partidos e políticos formados e forjados em práticas patrimonialistas. Velhos camaradas como Geddel Vieira Lima, Romero Jucá, Moreira Franco, Eliseu Padilha.
Michel Temer é originário desse campo. Por circunstâncias, se compôs com o polo reformista.
Os dois blocos não deixaram de existir, bem como os seus conflitos. O que muda de figurino é a opção do presidente pelo atraso como forma de administrar o contencioso em sua base de sustentação.
Até a delação da JBS, Temer vislumbrava a possibilidade de entrar para a história como um presidente reformista, condottieri da travessia para 2018. Daí nasceu a agenda da reforma, a autoridade da equipe econômica e a escolha do PSDB como principal aliado. Quanto mais seu grupo era atingido, mais força ele transferia para os tucanos, pois necessitava deles para manter a pinguela.
Se antes a preocupação era com a imagem com a qual entraria na história, com a denúncia do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, passou a ser pela sobrevivência. Às favas a história e a opinião pública. Com esse espírito foi a guerra no Congresso, tendo o Centrão como principal estaca de sustentação.
Em grande medida, a escolha se deu por falta de opção. Com o escândalo que o vitimou, perdeu apoios no PSB, PPS e PSDB. Seu aliado preferencial entrou em barafunda com o enrosco do seu presidente licenciado Aécio Neves.
O PSDB saiu da votação dividido, não confiável aos olhos do governo, e queimado com seus eleitores que não aceitam suas dubiedades éticas. Ainda teve de pagar o mico do parecer do tucano mineiro Paulo Abi-Ackel, à favor de Temer. Tudo isso para, mais cedo ou mais tarde, ser alvo da “reacomodação de forças” no interior do governo.
Sim, os tucanos são os grandes perdedores desse imbróglio, com suas vísceras expostas à opinião pública. Divididos, ou não, continuarão no governo, mas com status rebaixado, como coadjuvantes. E com a autoestima de seus militantes esgarçada.
A decepção de peessedebistas históricos com as dubiedades do alto tucanato fica patente em carta dos economistas Edmar Bacha, Elena Landau, Gustavo Franco e Luiz Roberto Cunha ao senador Tasso Jereissati: “Infelizmente, incapaz até agora de se dissociar de um governo manchado pela corrupção institucionalizada que herdou do PT, o PSDB tem optado por deixar vazio o centro político ético de que o país tanto precisa”.
A hegemonia no interior do condomínio governista sai das mãos das forças comprometidas com a austeridade fiscal, com os fundamentos macroeconômicos e com as reformas e vai para setores acostumados à gastança, que só entendem a linguagem da liberação de verbas e cargos.
Essas forças podem até dar uma base sólida a Temer para enfrentar novas denúncias, o que não pode ser confundido com a necessária estabilidade para levar as reformas adiante. Mesmo uma reforma da previdência extremamente desidratada, limitada à idade mínima, encontrará resistência em uma base que se move exclusivamente em função de interesses clientelistas e fisiológicos.
A dependência do Centrão põe em riscos ganhos da política econômica, compromete o equilíbrio das contas públicas e alimenta desconfianças do mercado de que Temer fará novas concessões populistas às corporações para preservar o seu mandato.
A equipe econômica fica tensionada pela compulsão da base de fazer bondades com o erário público. Há um exemplo emblemático: a expectativa era obter R$ 13 bilhões com a MP do Refis/2017, mas a arrecadação deve ficar em R$ 500 milhões se for aprovado o parecer do deputado Newton Cardoso Jr (PMDB-MG), que atendeu a pleitos de empresários da indústria e do agronegócio.
De concessão em concessão o governo perde seu ímpeto reformista, deixa de lado qualquer veleidade modernizante.
O Centrão estava órfão e recolhido ao fundo do palco desde a cassação do seu líder Eduardo Cunha. Com a delação de Wesley Batista vislumbrou a oportunidade de voltar ao primeiro plano, cerrando fileira em torno de Temer. Assumiram o papel de Pit Bull do Temerismo por saber que é dando que se recebe. E já estão recebendo.
* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo
O Globo: A proposta de uma antirreforma política
São inconcebíveis R$ 3,6 bilhões para campanhas e o ‘distritão’, de que se beneficiarão apenas políticos conhecidos, em prejuízo dos partidos e da renovação
A proximidade de outubro, quando se esgota o prazo para que mudanças na legislação eleitoral vigorem no pleito do ano que vem, agita um Congresso preocupado com as finanças da campanha. E como o tempo é curto, amplia-se a margem de risco da aprovação de medidas de um modo geral equivocadas, e, no caso do financiamento dos gastos eleitorais, contrárias ao interesse do contribuinte.
O perigo é real, como demonstra uma miscelânea batizada de reforma, sob relatoria do deputado Vicente Cândido (PT-SP), que ganhou notoriedade ao embutir emenda no projeto para que candidato condenado a até oito meses do pleito não seja preso. Logo recebeu o nome de “emenda Lula”, líder máximo do partido do deputado e condenado em primeira instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O reluzente chamariz desse projeto é o inconcebível aumento do Fundo Partidário, já em elevados R$ 800 milhões, para R$ 3,6 bilhões ou o equivalente a 0,5% da receita líquida da União. No pleito de 2022, seria reduzido para 0,25%. Em nada alivia para quem paga imposto.
É certo que a democracia tem um custo. Mas é preciso debater esta opção de uma contribuição compulsória de R$ 3,6 bilhões, pelo contribuinte, enquanto as contas públicas continuam muito desequilibradas, e persistem efeitos sobre a população da abissal recessão de 2015 e 2016. Na falta de emprego e na queda da renda.
Este projeto também avança em outro desatino, com a instituição do tal “distritão”, pelo qual cada estado seria um distrito, em que os mais bem votados ocupariam os assentos da bancada estadual, em ordem decrescente.
O sistema é muito simples de entender e, à primeira vista, irretocável do ponto de vista de preceitos democráticos. Afinal, entrariam na bancada os mais votados. Mas é positivo só mesmo à primeira vista.
Ao atender o senso comum — algo quase sempre perigoso —, o “distritão" só beneficiará candidatos à reeleição, portanto, já conhecidos, e famosos em geral. Irá em sentido contrário à necessidade de renovação na política, e ainda deixará em plano secundário os partidos, cujo fortalecimento é crucial para a democracia representativa.
Esboça-se a possibilidade da volta daquele clima de feira livre que o então presidente da Câmara Eduardo Cunha criou em 2015, ao tentar votar uma reforma política a toque de caixa, sem qualquer maior reflexão.
Enquanto isso, está em fase final de tramitação na própria Câmara proposta de emenda constitucional, já aprovada no Senado, com uma reforma eficaz, na medida certa: cláusula de desempenho para exigir que partidos tenham um mínimo de votos, a fim de ter acesso a prerrogativas como o uso do dinheiro do Fundo; e a extinção das coligações em pleitos proporcionais, para não ser distorcida a intenção do eleitor. Não se deve perder esta oportunidade.
Editorial O Globo