centrão
Merval Pereira: Apoio incipiente
O presidente Bolsonaro criou um monstro que pode engoli-lo, o Congresso. Revitalizado no início do governo, quando o presidente ainda tentava governar sem os partidos, imaginando que o poder do Executivo era insuperável, o Congresso, com especial atuação da Câmara presidida por Rodrigo Maia, assumiu a direção dos trabalhos de aprovação das reformas.
Chamou a si a tarefa de reformar a Previdência Social, mesmo atrapalhada pela ambiguidade de Bolsonaro, que até o último minuto incluiu categorias que lhe são caras nas exceções da nova legislação.
Até fazer o acordo com o Centrão, renegando tudo o que dissera na campanha eleitoral e nos meses iniciais de seu governo, Bolsonaro recebeu dos parlamentares demonstrações cabais de que sem eles não governaria.
A recente votação do veto ao aumento de servidores públicos enquanto perdurar a pandemia da Covid-19 demonstra bem como a relação do presidente com uma base parlamentar ainda incipiente pode trazer novos problemas para o governo.
Teve que contar com o presidente da Câmara para organizar sua base para derrotar a decisão do Senado, que derrubara o veto do presidente. Mas criou diversos atritos com os senadores, a começar com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que não quis presidir a reunião do Congresso porque já imaginava que o governo poderia ser derrotado e não queria se indispor com o governo, com cujo apoio conta para poder se reeleger.
Agora, com os ataques do ministro da Economia, Paulo Guedes, aos senadores que votaram pela derrubada do veto, Alcolumbre já não pode se omitir, pois nada importa o apoio de Bolsonaro se os senadores não quiserem reelegê-lo. “Aqui não tem voto de cabresto”, avisou um senador, referindo-se tanto a Bolsonaro quanto a Alcolumbre.
Para manter seu prestígio interno, Alcolumbre terá que colocar seu prestígio externo em jogo. A boca grande do ministro Paulo Guedes mais uma vez o coloca em confrontação com o Congresso, mas desta vez também o presidente Bolsonaro não quer afrontar seus novos aliados.
Quando Paulo Guedes ou outro ministro agredia o Congresso, recebia palmas do presidente Bolsonaro. Foi assim que o ex-ministro Abraham Weintraub começou sua derrocada, flagrado dizendo que mandaria para a cadeia “todos aqueles vagabundos”, a começar pelo Supremo.
Dito em reunião fechada, não haveria problema. Tendo o ministro Celso de Mello mandado divulgar o vídeo da reunião, tornou-se insustentável sua permanência no cargo. Desta vez, Guedes errou no timing político. Chamar os senadores que derrubaram o veto de “criminosos” foi um excesso, mesmo que se leve em conta que estava tomado por uma “santa indignação”, um sentimento justo diante da irresponsabilidade de permitir aumentos nesta crise econômica que tentamos atravessar.
O problema é que quem fala muito corre o risco de dar bom dia a cavalo, já diz o ditado popular. Guedes fala muito, e nem ele nem o governo são coerentes na maior parte das vezes. Os senadores já ressuscitaram na internet pelo menos duas declarações do ministro da Economia defendendo que os servidores que estão na frente de combate à Covid-19 seriam exceções no congelamento dos salários.
O veto do presidente foi contrário ao combinado com os parlamentares, e por isso formou-se um ambiente propício à sua derrubada. Muitos senadores espalharam que Bolsonaro queria o veto, o que parecia plausível diante das suas incoerências. Bolsonaro chama seus novos parceiros do Centrão de sócios. “Sócios no bom sentido”, alertou, assim como avisa, quando diz que ama um homem, que “é um amor hétero”.
Bolsonaro e suas contradições profundas.
Confissão
A decisão do Senador Flavio Bolsonaro de não aceitar a acareação com seu suplente Paulo Marinho sobre a acusação deste de que recebeu informações antecipadas sobre a Operação Furna da Onça e demitiu seu amigo Fabrício Queiroz para tentar apagar os rastros da “rachadinha” que ele comandava, demonstra receio de cair em contradição e ser pego na mentira. Uma confissão de culpa indesmentível.
Bruno Boghossian: Bolsonaro fracassa no primeiro grande teste após acordo com centrão
Apesar de servir banquete aos partidos, presidente leva um baile atrás do outro no Congresso
Antes de oferecer banquetes aos líderes do centrão, Bolsonaro gostava de culpar o Congresso pela incompetência de seu governo. Em março, quando a pandemia do coronavírus já estava nas ruas, ele reclamava da demora dos parlamentares em aprovar a ampliação do prazo das carteiras de habilitação, um objeto de obsessão presidencial.
“Até um simples projeto, mais simples impossível, como passar a validade da carteira de cinco para dez anos, está há seis meses lá dentro e não vai para frente!”, queixou-se.
Desde então, Bolsonaro e seus auxiliares pararam de chamar os políticos de patifes e chantagistas. Abriram a máquina pública a novas indicações partidárias e serviram chá para seus novos amigos no Planalto. A carteira de motorista, no entanto, continua com a mesma validade.
O governo pagou pelo apoio dos partidos, mas continua levando um baile atrás do outro no Congresso. Na terça-feira (18), o Senado decidiu retirar de pauta o projeto de estimação de Bolsonaro para mudar o Código de Trânsito. Votaram contra o governo até parlamentares do PSD, que já ganhou um ministério, e do MDB, que namora o Planalto.
No dia seguinte, a derrota foi ainda mais feia. Por 42 votos a 30, os senadores derrubaram o veto do presidente ao aumento de salários de servidores envolvidos no combate ao coronavírus. Se a Câmara seguir o mesmo caminho, Bolsonaro terá que desembolsar até R$ 98 bilhões.
O presidente fracassou no primeiro teste de articulação política desde que topou dar o braço ao centrão. No mesmo pacote, o governo tentou evitar uma humilhação e aceitou que os parlamentares rejeitassem o veto de Bolsonaro ao uso obrigatório de máscaras durante a pandemia.
O balanço mostra que o presidente continua sem força para aprovar até medidas simbólicas. Na terça, o presidente da Câmara fez uma provocação sobre as propostas econômicas do Planalto. “O governo tem base para fazer isso? Isso é que precisa avaliar primeiro”, disse Rodrigo Maia. O resultado parcial está aí.
Eliane Cantanhêde: A derrota da realidade
Se os fatos não correspondem às versões, danem-se os fatos; Bolsonaro agradece
A realidade e os fatos vão para um lado, a popularidade do presidente Jair Bolsonaro vai para o outro, confirmando que a propaganda é a alma do negócio e que o grande desafio dos governantes em processo de reeleição não é dar bons exemplos, agir estrategicamente e tomar as decisões mais adequadas ao País, mas manter um eleitorado cativo, cooptar o indeciso e atacar sem piedade qualquer tipo de opositor.
Não importam os princípios, importa o que bate diretamente no bolso. Não importam os fatos, importam as versões. Os esquemas da família Bolsonaro, de rachadinhas, funcionários fantasmas e do vício de pagar em dinheiro vivo escola, plano de saúde e até apartamentos não têm efeito na popularidade nem na rejeição do presidente. Diminui daqui, soma dali, o resultado é que Jair Bolsonaro continua sendo o único candidato à Presidência em 2022 e está em ascensão.
Também não interessa o desempenho trágico do presidente no combate ao coronavírus, que até aqui matou perto de 110 mil brasileiros. Como não importam o desmanche do Ministério da Saúde, a disparada das queimadas na Amazônia, o desdém pelo meio ambiente, o abandono da Educação, a exclusão da cultura da pauta nacional e a política externa desastrosa. Sergio Moro, Lava Jato e órgãos de combate à corrupção? Já vão tarde. Quem está interessado nisso? Em Polícia Federal? Coaf? Receita? PGR? Só essa mídia “esquerdista”, “petista”, para desmistificar o “mito”. O “povo” tem mais o que fazer e com o que se preocupar.
Igualmente pouco importa se Bolsonaro assassinou as promessas de campanha e voltou à “velha política” e ao Centrão. Os bolsonaristas raiz, de memória curta, continuam fiéis e o número de desgarrados é compensado nas pesquisas por outro tipo de rebanho: o dos que precisam do Estado para sobreviver, até para comer. Para esses, não interessa se Bolsonaro apenas cedeu ao Congresso, mas sim que é ele quem distribui os R$ 600 e o socorro a empresas.
Além desse fator objetivo, que muda a percepção no Nordeste e entre os desempregados e os que ganham até dois salários mínimos, houve também uma guinada estratégica que estancou a sangria na classe média e entre os escolarizados: Bolsonaro parou de prejudicar Bolsonaro. Pôs de lado a metralhadora giratória contra tudo e todos, saiu das manchetes e reverteu a curva: deixou de cair, passou a subir.
Portanto, a nova pesquisa Datafolha, apurando que Bolsonaro atingiu o melhor índice de aprovação desde a posse – 37% - e reduziu sua rejeição em dez pontos porcentuais – para 34% - pode ter definido dois jogos internos no governo: a favor de estourar o teto de gastos para vitaminar a campanha do presidente e, portanto, contra Paulo Guedes.
Se Rogério Marinho, Tarcísio de Freitas e o time militar têm o Datafolha para convencer Bolsonaro de que gastança garante reeleição, o que Guedes tem para contrapor? Um crescimento econômico pífio em 2019, antes da pandemia, e… mais nada. Ah! Mas foi o presidente quem atrapalhou a reforma tributária e vetou a administrativa! Ok, é verdade. Mas quem quer saber da verdade, se a versão bolsonarista é que importa?
Moro foi dormir ídolo e acordou Judas, Luiz Henrique Mandetta era um poço de popularidade e secou, o general Santos Cruz era líder e virou uma ilha entre militares. Guedes pode ir se preparando. Os “gabinetes do ódio” (no plural) não atuam só contra críticos e esquerdistas, mas para apagar a verdade e massificar versões e fake news. As pesquisas depois colhem o resultado. Descobrem, por exemplo, que Bolsonaro não tem nada a ver com as 106 mil mortes!!! Bolsonaro e bolsonaristas vão muito bem. Não se pode dizer o mesmo do Brasil e dos brasileiros.
Bruno Boghossian: Bolsonaro contrata profissionais do ramo para evitar impeachment
Em pacto de sobrevivência, presidente entrega operação política do governo ao centrão
Às vésperas do impeachment de Dilma Rousseff, dirigentes do PP pediram as chaves do Ministério da Saúde. O governo hesitou, mas topou a jogada em troca de votos para evitar a queda da presidente. Pouco depois de deixar o Planalto, o deputado Ricardo Barros foi à casa de Michel Temer. O vice cobriu a oferta: o PP ajudou a derrubar a petista, e Barros virou ministro.
Na próxima semana, o parlamentar assume oficialmente o posto de líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara. Depois de açoitar os velhos partidos, o presidente decidiu contratar profissionais com experiência no ramo para se proteger no cargo.
A palavra impeachment dita os lances de Bolsonaro há alguns meses. Faz sentido, já que a hipótese é citada com desinibição –tanto por aqueles que gostariam de derrubar o presidente quanto por sua tropa de choque e pelos omissos que não veem “nenhum tipo de crime”.
O último a falar no assunto tem assento na Esplanada dos Ministérios. Paulo Guedes disse na terça (11) que as pressões para furar o teto de gastos públicos levariam o presidente à “zona do impeachment”. Ele mencionou conselheiros de Bolsonaro, mas o alvo era um chefe acometido pela comichão da gastança.
O presidente abriu dois movimentos para se esquivar desse tormento. Nesta quarta (12), ele fez uma declaração insossa em defesa do limite de despesas e confirmou a escolha de Barros para a liderança do governo.
O deputado é um especialista. Ainda no ano passado, ele peitou um ministro do governo ao cobrar a liberação de cargos e disse: “Se precisar demitir o presidente, nós demitimos. Ele não pode demitir o Congresso. A palavra final é nossa”.
Além de instalar uma operação política no governo, a nova aliança de Bolsonaro com o centrão representa um pacto de sobrevivência. O novo líder carrega esse espírito. No início do governo, Barros afirmava que não cabia ao Congresso investigar o caso Fabrício Queiroz. “Agora vamos ficar votando CPI em vez de votar reforma?”, perguntou.
Em pacto de sobrevivência, presidente entrega operação política do governo ao centrão
Às vésperas do impeachment de Dilma Rousseff, dirigentes do PP pediram as chaves do Ministério da Saúde. O governo hesitou, mas topou a jogada em troca de votos para evitar a queda da presidente. Pouco depois de deixar o Planalto, o deputado Ricardo Barros foi à casa de Michel Temer. O vice cobriu a oferta: o PP ajudou a derrubar a petista, e Barros virou ministro.
Na próxima semana, o parlamentar assume oficialmente o posto de líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara. Depois de açoitar os velhos partidos, o presidente decidiu contratar profissionais com experiência no ramo para se proteger no cargo.
A palavra impeachment dita os lances de Bolsonaro há alguns meses. Faz sentido, já que a hipótese é citada com desinibição –tanto por aqueles que gostariam de derrubar o presidente quanto por sua tropa de choque e pelos omissos que não veem “nenhum tipo de crime”.
O último a falar no assunto tem assento na Esplanada dos Ministérios. Paulo Guedes disse na terça (11) que as pressões para furar o teto de gastos públicos levariam o presidente à “zona do impeachment”. Ele mencionou conselheiros de Bolsonaro, mas o alvo era um chefe acometido pela comichão da gastança.
O presidente abriu dois movimentos para se esquivar desse tormento. Nesta quarta (12), ele fez uma declaração insossa em defesa do limite de despesas e confirmou a escolha de Barros para a liderança do governo.
O deputado é um especialista. Ainda no ano passado, ele peitou um ministro do governo ao cobrar a liberação de cargos e disse: “Se precisar demitir o presidente, nós demitimos. Ele não pode demitir o Congresso. A palavra final é nossa”.
Além de instalar uma operação política no governo, a nova aliança de Bolsonaro com o centrão representa um pacto de sobrevivência. O novo líder carrega esse espírito. No início do governo, Barros afirmava que não cabia ao Congresso investigar o caso Fabrício Queiroz. “Agora vamos ficar votando CPI em vez de votar reforma?”, perguntou.
Merval Pereira: Da boca pra fora
Assim como continua dizendo que é a favor do combate à corrupção, depois de forçar a saída do ministro Sérgio Moro, também Bolsonaro jura que é a favor do teto de gastos, e garante que o equilíbrio fiscal é o objetivo de seu governo. Conversa mole. O objetivo de Bolsonaro sempre foi a reeleição, que esconjurou durante a campanha.
Foi contra a corrupção da boca para fora, porque lhe rendia votos, e hoje ajuda a desconstruir a Operação Lava-Jato e o ex-ministro Moro. As trapalhadas do Queiroz e os gastos em dinheiro vivo da família mostram que há anos o mesmo sistema de rachadinhas irriga as contas de seus membros. Era a pequena corrupção, a corrupção do baixo clero, como a do ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti, que achacava o dono do restaurante da Casa.
Nunca foi liberal, nem a favor de privatizações, mas percebeu na aproximação com Paulo Guedes que essa era uma escolha que lhe garantiria o apoio do empresariado e do setor financeiro, dava credibilidade à sua candidatura.
Passada mais da metade do segundo ano de governo, Bolsonaro vai mudando de casca, largando pelo caminho promessas, aliados, posições, para proteger os seus e alimentar o eleitorado que depende do governo para sobreviver. Projetos de resgate da pobreza? Só a ampliação do Bolsa-Família. Mudanças estruturais? Desde que não prejudiquem seus potenciais eleitores.
À medida que vai se arrastando seu mandato, mais perto da eleição, menor a vontade de mexer em velhas estruturas corporativas, como a dos servidores públicos. Lula foi mais prudente, embora também tenha perdido o ânimo para continuar a reforma da Previdência depois dos primeiros embates com sua base sindicalista.
Mas o PT levou quase um mandato inteiro para colocar as manguinhas de fora. Só no seu segundo mandato o PT achou-se em condições de aplicar sua própria política econômica, a nova matriz do ministro Guido Mantega, que desembocou na falta de controle de gastos e no impeachment da presidente Dilma, de quem Mantega continuou ministro da Fazenda no primeiro mandato.
Bolsonaro é mais afoito, um a um desestabiliza seus superministros antes do fim do segundo ano de governo, e Paulo Guedes é a bola da vez. Está lutando contra o Centrão, os militares desenvolvimentistas e o Bolsonaro raiz, liberal e contra a corrupção da boca para fora.
Se acreditasse que Bolsonaro quer mesmo desestatizar, Salim Mattar não teria deixado o governo. A aproximação com o Centrão é mais um obstáculo. Afinal, é preciso ter estatais para dar aos novos aliados. Se achasse que a reforma administrativa é para valer, Paulo Uebel não teria saído.
O ministro Paulo Guedes nunca esteve tão próximo de deixar o governo, mas acredito que vá brigar até o Orçamento da União ser proposto. Se for incluída, por uma pedalada qualquer, o aumento de gastos em obras de infra-estrutura, e para fazer o Renda Brasil, vai ser difícil que fique.
Dizem que ele está procurando dentro do governo verbas que estariam sobrando e poderiam ser dadas para aplacar a sede do Centrão, mas achar a esta altura que existem verbas sobrando é quase risível. Já está cortando da educação, e vai precisar de mais para o projeto de reeleição de Bolsonaro.
Talvez até aguente, porque, dizem, teme que a economia desande caso saia. Mas se ficar sem capacidade de ação, não adianta, pois logo o mercado saberá identificar sua fragilização. Talvez tente também aprovar a reforma tributária, mas com a CPMF digital não vai conseguir. A CPMF é a saída que ele encontrou para financiar as maluquices de Bolsonaro sem furar o teto de gastos.
O apoio do Rodrigo Maia ajuda, mas não muito, porque ele não aceita a CPMF e é difícil a Câmara aprovar a reforma administrativa que diminua o número e o salário de servidores. E não creio que Bolsonaro tenha ânimo para brigar com uma corporação tão forte.
Importante é a posição de Maia contra a tentativa de abuso do uso de dinheiro público. Nesta, ele vai brigar com o Centrão, que está ávido por mais verbas. Mas em final de mandato, com perspectiva de Bolsonaro apoiar o Centrão na sucessão da presidência da Câmara, pode ser que Maia não tenha força.
A única coisa que pode contê-lo é a advertência de Guedes de que ele está sendo levado para o impeachment.
Maria Cristina Fernandes: O Centrão virou um Congressão
Criação da renda básica permitiu a Maia ampliar o Centrão à esquerda e criar um Congressão
A miséria atingiu o menor patamar das últimas quatro décadas no momento em que a economia tem o maior derretimento da história. A necessidade de amparo a milhões de desassistidos pela pandemia é tão imperativa quanto insustentável é mantê-lo sem atividade econômica. O racha do Centrão é a disputa pela arbitragem da porta de saída desta distopia.
A saída, por enquanto, dá num beco. A proposta do governo é de um imposto sobre transações eletrônicas, uma espécie de CPMF com uma base ampliada pela digitalização da economia durante a pandemia. O Congresso não quer saber de aumentar imposto, embora seja crescente o interesse em encontrar uma maneira para perpetuar o auxílio emergencial, a verdadeira poção mágica que o presidente Jair Bolsonaro tanto procurou na cloroquina.
Vice-líder do governo, Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) encomendou uma pesquisa numa cidade de 20 mil habitantes do agreste pernambucano, região petista por excelência e governada por uma aliança entre PSB e PT. Antes do auxílio, Luiz Inácio Lula da Silva registrava lá 75% de aprovação e Bolsonaro, 82% de rejeição. Hoje a aprovação do ex-presidente caiu para 44% e a rejeição do atual, para 42%.
O que vale, diz o deputado, é o último favor. Na ausência de empregos, é neste elixir que o Congresso está agarrado não apenas para atravessar as eleições municipais, mas para o segundo biênio bolsonarista. Ainda que esta renda básica com a qual se renomeará este Bolsa Família encorpado dê sobrevida a Bolsonaro, não há hoje viabilidade para que qualquer partido se oponha à sua implementação.
É pela “pedalada assistencialista” que a relação entre Executivo e Congresso pode ser repactuada. Ainda não há uma equação que abrigue a poção mágica do bolsonarismo nos limites fiscais, mas há alguma boa vontade no Congresso para encontrá-la, até porque este governo, ao contrário daquele da outra presidente pedaleira, converge na agenda de manter o Ministério Público e a Polícia Federal sob rédea curta, além do ex-ministro Sérgio Moro fora do jogo eleitoral.
Ao liderar o desembarque do DEM e do MDB do Centrão, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), aposta na reforma tributária em tramitação na Casa como uma oficina desta porta de saída. O presidente desta comissão e autor da proposta de emenda constitucional de reforma tributária que mais avançou na Casa, deputado Baleia Rossi (MDB-SP), é um dos cotados da extensa nominata de candidatos à sua sucessão.
O fim do recesso do judiciário inviabilizou a última chance de qualquer liminar que abrigasse mudança nas regras do jogo na sucessão das mesas do Congresso para permitir a recondução dos atuais presidentes. Em plenário cheio, ainda mais numa Corte em transição de comando, a acolhida de um casuísmo do gênero parece inviável.
Seria o caminho mais curto para transformar o Congresso Nacional numa Assembleia Legislativa do Amapá ou do Rio de Janeiro. Desmoralizaria quaisquer esforços de o STF se opor a desatinos presidenciais, em quarentena por ora, mas suscetíveis a uma reinfestação a qualquer momento.
Somem-se aí os erros cometidos pelo deputado Arthur Lira (PP-AL) que, subitamente transformado em interlocutor preferencial de Bolsonaro no Congresso, cresceu os olhos e antecipou sua pré-candidatura à cadeira de Maia antes de aparar as arestas que cercam seu nome.
A condição de réu no Supremo em ação penal por corrupção impõe um selo de desqualificação a um parlamentar que pretende ocupar a segunda vaga na linha sucessória da Presidência da República. Ainda mais porque o deputado não goza das mesmas prerrogativas que permitiram ao senador Renan Calheiros (MDB-AL) articular, no Supremo, uma saída que, ao mesmo tempo o manteve na presidência do Senado, em 2016, e o excluiu da sucessão na República.
A desconfiança em relação às chances de Lira emplacar o cargo levaram o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto a lançar pontes com o DEM, por meio do ex-líder Elmar Nascimento (BA), um dos mais discretos pré-candidatos. Fez ainda com que o presidente do Republicanos, deputado Marcos Pereira (SP), outro postulante, tomasse distância. O único imperativo que, de fato, importa, para os partidos é não ficar de fora da mesa diretora. São esses cargos que lhes dão condições de operar. Para isso, se compõem com quem for preciso.
O racha foi a saída para manter o Centrão unido. Sem DEM e MDB, o bloco não existe. São esses partidos que lhe permitem ter acesso às antessalas do PIB nacional. Sob Rodrigo Maia, porém, o bloco vai além. Virou um Congressão. Isso ficou patente não apenas no acachapante quórum de renovação do Fundeb como também na distribuição de tarefas-chave na Casa.
Ao mesmo tempo em que entregou a uma deputada do PP do Piauí, Margarete Coelho, a missão de coordenar um texto para modernizar o SUS, Maia deu asas ao protagonismo do deputado João Campos (PE), filho do ex-governador Eduardo Campos, e maior aposta do PSB no seu Estado, na discussão do projeto de renda básica.
Assim como o Centrão abrigou-se no Bolsa Família do lulismo, a esquerda vai buscar um lugar à sombra na renda básica do bolsonarismo. Seu avanço no Nordeste não poderia ser melhor exemplificado do que pela recepção que Bolsonaro terá hoje no sertão da Bahia, maior Estado governado pelo PT no país. O presidente retomará suas viagens pós-convalescença com a inauguração de uma adutora em Campo Alegre de Lourdes, município governado por Enilson Macedo, do PCdoB, partido do governador Flávio Dino, pré-candidato da esquerda em 2022 mais enturmado com o centro.
O desafio de Maia é agregar o apoio que tem em toda a esquerda, inclusive no PT, ao nome que vier a escolher. Se em sua primeira disputa pelo cargo, em 2017, o presidente da Câmara só garantiu o apoio do seu próprio partido, na véspera, e do PSDB, no dia da eleição, não dá para esperar que, desta vez, a coisa se resolva com brevidade.
A única aposta que dá pra fazer é que o presidente da República terá que repartir sua poção mágica com mais gente. Se vai dar pra todo mundo e vai render até 2022 é outra história.
Merval Pereira: Caminho do meio
Faz sentido o PSDB, PSD e DEM, partidos ideologicamente muito próximos, tentarem se unir em nova alternativa
Se não houvesse outras indicações, a saída de DEM e MDB do bloco do Centrão que apóia o governo seria, por si só, uma importante inflexão parlamentar em busca de “independência regimental”. Isso quer dizer que os dois partidos não querem estar formalmente ligados às decisões da liderança do governo no Congresso.
Na prática, já estavam distanciados, o que a votação do Fundeb demonstrou, impondo uma derrota acachapante ao Governo e a seu líder oficioso Arthur Lira. Os movimentos de aproximação do novo PSDB sob o comando do governador de São Paulo João Doria, e o DEM se tornaram evidentes desde a escolha do relator da reforma da Previdência, com os tucanos ganhando um posto chave na questão mais central da política daquele momento, uma decisão que coube ao presidente da Câmara Rodrigo Maia, do DEM.
As conversas entre PSDB e DEM têm a participação também do PSD de Kassab, para se fundirem um único partido, ou trabalharem em conjunto na direção da centro-direita e se opor aos radicalismos de esquerda e de direita. Maia, embora se dê muito bem com a esquerda parlamentar, não quer uma coligação “de centro- esquerda”. Muito menos o governador Dória, que levou o PSDB para a centro-direita.
Kassab foi secretário do governador Doria, e agora ganhou espaço maior no governo Bolsonaro, que um dia o chamou de “desgraça”, com a indicação de Fabio Faria para o ministério das Comunicações, que tem ligação forte com o presidente da Câmara. A aproximação de Bolsonaro com o Centrão, que parecia lhe dar suporte político no Congresso, foi fragilizada com a saída de DEM e MDB, ao mesmo tempo em que se fortaleceu uma antiga ideia de formação de um bloco de centro-direita que possa se opor aos extremos políticos, PT e bolsonarismo.
A disputa pela presidência da Câmara faz parte dessa estratégia de longo prazo, que se consolidará caso se confirme a possibilidade legal de reeleição de Maia e Alcolumbre no Senado. Nessa questão Rodrigo Maia está agindo com mais cautela do que Alcolumbre, que assumiu a frente da luta pela reeleição na mesma legislatura, que hoje é proibida pelo regimento interno.
Já houve exceções na história do Congresso, com Antonio Carlos Magalhães se reelegendo na própria legislatura com base em uma interpretação da advocacia da Casa aprovada na Comissão de Constituição e Justiça. Também Rodrigo Maia recebeu permissão do Supremo Tribunal Federal para ser reeleito, pois o ministro Celso de Mello decidiu não contar o mandato-tampão que exerceu substituindo Eduardo Cunha.
Uma tendência é o STF decidir que esta é uma questão interna da Câmara e do Senado, permitindo reinterpretações ou mudanças dos regimentos internos. Caso isso aconteça, o mais provável é que Rodrigo Maia, docemente constrangido, aceite mais um mandato à frente da Câmara, o mesmo acontecendo com David Alcolumbre no Senado, sem nenhum constrangimento.
O Centrão ganhou força no Palácio do Planalto, mas não politicamente, pois a Câmara está tendo mais influência na gestão dos assuntos mais importantes, como as reformas, começando pela da Previdência, o Fundeb e o marco regulatório do saneamento básico sem precisar do Palácio do Planalto.
A popularidade do presidente Bolsonaro está estável em bom patamar, depois de ter dado sinais de queda, devido ao auxílio emergencial, e se o governo conseguir arranjar dinheiro para ampliar o Bolsa Família, transformando-o em Renda Brasil, é possível que consiga manter a vantagem que hoje as pesquisas lhe dão para 2022.
Mas o panorama econômico de curto prazo não é favorável, e ainda há muitas questões políticas para Bolsonaro ultrapassar no caminho para a reeleição. Por isso, faz sentido o PSDB, PSD e DEM, partidos hoje ideologicamente muito próximos, tentarem se unir em uma nova alternativa de centro-direita. Depois que as lideranças tucanas mais identificadas com a centro-esquerda perderam a influência, inclusive diante das investigações da Lava Jato eleitoral, esse caminho está aberto.
MDB e DEM afastam-se do Centrão e enfraquecem candidatura de Lira
Atuação de líder do PP na votação sobre o Fundeb antecipou decisão
Por Marcelo Ribeiro e Raphael Di Cunto, Valor Econômico
BRASÍLIA - Adeptos de uma postura independente em relação ao Palácio do Planalto, as bancadas do MDB e do DEM na Câmara decidiram ontem desembarcar do bloco comandado pelo líder do PP na Casa, deputado Arthur Lira (AL), que vem atuando como representante informal do governo.
Além da proximidade de Lira e de outros partidos do Centrão com o presidente Jair Bolsonaro, a corrida pela presidência da Câmara, que terá eleição em fevereiro de 2021, também contribuiu para que as legendas batessem o martelo sobre o desembarque. A expectativa é que DEM e MDB costurem uma aliança com partidos da oposição para a disputa pela principal cadeira da Câmara. Nos bastidores, o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) tem sinalizado que não apoiará um nome que desagrade as siglas da esquerda.
Cada vez mais próximo do Planalto, Lira, que pretende concorrer ao comando da Câmara, já é visto com resistência por parlamentares da oposição. Com o esvaziamento do bloco, o líder do PP pode ter novos obstáculos para fortalecer sua candidatura.
O líder do MDB na Câmara, Baleia Rossi (SP), afirmou que pretende formalizar a saída hoje. De acordo com ele, o partido seguirá votando a favor de pautas que sejam necessárias para a retomada da atividade econômica, mas seguirá com a postura independente e não irá “a reboque de ninguém”.
Com o desembarque do MDB e do DEM, o grupo liderado por Lira diminuirá de 221 para 158 deputados. Ao deixarem o grupo, as siglas terão autonomia para apresentar requerimentos de urgência, de retirada de pauta e para que emendas em projetos de lei sejam apreciadas.
Antes desse movimento, PSL, PSDB e Republicanos já deixaram a composição. PTB, Pros e Solidariedade também avaliam sair do bloco e formar um novo grupo, para ter mais competitividade na disputa por relatorias de propostas relevantes. De acordo com parlamentares dessas siglas, o líder do PP tem sido protagonista nas negociações mais importantes e os partidos menores acabam não tendo voz.
O bloco comandado por Lira foi formalizado no ano passado para fortalecer as legendas na disputa por cargos importantes em comissões, entre elas a Comissão Mista de Orçamento (CMO). A composição determinou que o Centrão fosse responsável por 18 indicações no colegiado. O DEM compunha esse grupo por um acordo que garantiria o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) na presidência da CMO.
Segundo fontes, a postura de Lira durante a votação da proposta de emenda constitucional (PEC) que aumenta o aporte do governo federal no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e torna a política permanente foi determinante para que MDB e DEM decidissem formalizar a saída do bloco.
Atuando como líder informal do governo, Lira ensaiou obstruir a análise do texto para que propostas da equipe econômica fossem consideradas no projeto. O movimento desagradou partidos aliados, que queriam que o texto avançasse. A iniciativa não surtiu efeito e o líder do PP se viu obrigado a desistir da ofensiva e apoiar a votação da proposta.
Lira minimizou o desembarque do MDB e do DEM do bloco e afirmou ver o desmembramento com naturalidade, já que a composição ocorreu para garantir espaços na CMO. “O bloco de partidos que é chamado de Centrão tem como objetivo manter o diálogo e a votação das pautas importantes para o país. O chamado bloco do Centrão foi criado para formar a comissão de Orçamento.
Não existe o bloco do Arthur Lira. O bloco foi formado para votar o Orçamento e é natural que se desfaça. Ele deveria ter sido desfeito em março, o que não aconteceu por conta da pandemia”, escreveu nas redes sociais.
O governo considera a votação do projeto de lei que estabelece o combate às fake news o próximo teste de fogo da base comandada por Lira. Como o Planalto é contra, o líder do PP terá que articular com ex-aliados para evitar um revés para Bolsonaro no plenário.
Luiz Carlos Azedo: A desagregação do Centrão
“Os líderes do MDB, Baleia Rossi (SP), e do DEM, Efraim Filho (PB), também são potenciais candidatos ao comando da Câmara, mas é muito cedo para se lançarem à disputa“
O MDB e o DEM anunciaram, ontem, que deixarão o Centrão, bloco de 221 parlamentares formado pelos seguintes partidos: PTB, PP, Solidariedade, PRB, PSD, MDB, PR, Podemos, Pros e Avante. Com a saída das duas legendas, a bancada comandada pelo líder do Progressistas, Arthur Lira (AL), nome de preferência do presidente Jair Bolsonaro para substituir Rodrigo Maia (DEM-RJ) na Presidência da Câmara, passará a contar com 158 deputados. Ocorre que o PSD, com 35 deputados, e o PTB, com 11, também estão se preparando para desembarcar do Centrão. A candidatura de Lira ao comando da Casa virou suco.
Um dos artífices da aproximação do bloco com o Palácio do Planalto, Lira se lançou à sucessão de Maia antes da hora e acabou no sereno. Seu principal concorrente era o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP- PB), líder da maioria e relator da reforma tributária, que agora está cotado para ser o líder do governo na Câmara, no lugar do Major Vitor Hugo (PSL-GO). A operação é comandada pelo ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Ramos, como uma forma de acomodar a situação dentro do Progressista, mas a necessidade da troca de líder ainda não convenceu Bolsonaro.
A candidatura de Lira, porém, se tornou tóxica, por causa da Operação Lava-Jato, na qual é acusado de ter recebido R$ 1,6 milhão em propina da empreiteira Queiroz Galvão. De acordo com a denúncia, teria recebido o dinheiro em troca do apoio do PP à manutenção de Paulo Roberto Costa na diretoria da Petrobras. Costa foi preso em março de 2014, quando a Lava-Jato foi deflagrada. Segundo a defesa do parlamentar, o delator fez a denúncia porque Lira teria afastado Costa da legenda. Mas acontece que a ex-mulher de Lira, Jullyete Lins, no fim do ano passado, ao cobrar na Justiça R$ 600 mil de pensões em atraso, acusou o parlamentar de ocultar patrimônio no valor de R$ 40 milhões, construído por meio de propina. Lira nega.
O desembarque do PSD, de Gilberto Kassab, e do PTB, de Roberto Jefferson, do Centrão sinaliza um realinhamento de forças na Câmara. Esses partidos, que agora ocupam espaços na Esplanada dos Ministérios, se movimentam por conta própria. Aparentemente, Kassab e Jefferson não têm interesse que o novo presidente da Câmara seja um “pau mandado” do presidente Jair Bolsonaro. Isso reduziria o poder de barganha que ambos têm hoje, tanto na estrutura da Câmara como nas negociações com o Palácio do Planalto. Kassab e Jefferson, cada qual com o seu estilo, são raposas velhas da política. Operam nos bastidores defendendo seus próprios interesses na Câmara, para depois negociar com o governo numa posição de força.
Trocando em miúdos, o Palácio do Planalto deve esquecer o jogo de damas, precisa jogar xadrez na Câmara. Isso ficou claro na votação do Fundeb, na semana passada, que Artur Lira tentou adiar, a pedido do governo, mas acabou atropelado por Maia. Os líderes do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), e do DEM, deputado Efraim Filho (PB), também são potenciais candidatos ao comando da Câmara, mas ainda é muito cedo para se lançarem à disputa. O grande beneficiado pela desconstrução do Centrão, por enquanto, é o presidente da Câmara. Maia estava sendo tratado como “pato manco” por Bolsonaro, o que é um erro crasso.
Aviões de carreira
Há mais coisas entre o céu e o cerrado do que os aviões de carreira, diria o Barão de Itararé, a propósito da saída de integrantes da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes. Depois do secretário do Tesouro, Mansueto de Almeida, deixaram a equipe, nos últimos dias, o presidente do Banco do Brasil, Rubens Novaes, e o secretário especial de Fazenda, Caio Mengale, que anunciou sua decisão ontem. Todos alegaram motivos pessoais, mas o ex-presidente do BB deixou no ar uma interrogação, ao revelar incômodo com o “compadrio”. Pode ser uma referência às pressões para manter a publicidade do banco nos sites e blocos que estão sendo investigados pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), por causa das fake news.
No mercado financeiro, comenta-se que estaria havendo divergências na equipe econômica em relação ao programa Mais Brasil, que o governo prepara para substituir o programa Bolsa Família. O governo caminha para aumentar impostos e fazer mais transferências de recursos para a população de baixa renda, contrariando tudo o que Guedes pretendia inicialmente. Ou seja, a pandemia e a recessão puseram em xeque o projeto ultraliberal de Guedes e sua equipe.
Fernando Exman: Defesa armada, mas falta plano de ataque
Relação com o Centrão deve ter momentos de crise
Foi bem-sucedida a operação do governo Jair Bolsonaro de construir um cordão sanitário na Câmara dos Deputados. A defesa política foi estruturada, mas ainda falta a amarração, entre o Executivo e o Legislativo, de um plano concreto que concilie a aprovação de medidas para atacar os problemas do país no pós-pandemia a garantias de sustentabilidade fiscal de longo prazo.
É com essa preocupação que hoje trabalham a equipe econômica e os articuladores políticos do Palácio do Planalto, quando tratam da pauta legislativa com representantes da nova base governista. As reuniões têm sido frequentes. No governo, espera-se que a desconfiança, uma sensação de que a parceria com o Centrão não será perene e pode acabar a qualquer momento, vá se dissipando com a aprovação de projetos considerados estratégicos.
Essa aproximação recolocou o Centrão no lugar que ele sempre ocupou no Congresso, o posto de fiador da governabilidade. Desde que decidiu abrir de vez o processo seletivo para indicações políticas, o governo conseguiu arregimentar mais de 200 votos entre os 513 deputados federais. Um excelente ponto de partida para quem andava acompanhado de pouquíssimos parlamentares.
Por outro lado, a base não garante a aprovação de propostas de emendas constitucionais. Tampouco dá a segurança desejada por todo governante de que projetos de alto impacto fiscal não prosperarão com facilidade no Congresso. O histórico do Centrão permite que as autoridades do Executivo se perguntem até quando irá durar o discurso de compromisso com a responsabilidade no manejo do Orçamento apresentado por lideranças do grupo.
Além disso, o Centrão não é um bloco monolítico. Esses partidos sempre atuaram em conjunto para garantir apoio a todos os governos dentro do Congresso. No entanto, disputam espaços na máquina pública federal e muitas vezes são adversários nos Estados. Têm também projetos políticos conflitantes para a sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara dos Deputados.
Esses planos, inclusive, já começam a ganhar corpo e a gerar desentendimentos durante as votações no plenário da Câmara.
A condução dos trabalhos legislativos tende a ficar mais tensionada, à medida que se aproxima a eleição para a Mesa Diretora da Casa. A disputa está marcada para fevereiro, mas os pré-candidatos já se movimentam. Muitos querem imprimir suas digitais em pautas de interesse do setor privado, de corporações ou em propostas com amplo apoio popular. Justamente o tipo de matéria que outros governos passaram a chamar de “pautas-bomba”.
Caberá ao presidente e a seus articuladores a mediação das diferentes aspirações políticas de cada um desses grupos, enquanto fazem as contas sobre os impactos das propostas apresentadas por parlamentares dessas siglas. Desentendimentos também poderão surgir em relação ao processo de desestatização que o governo pretende destravar neste segundo semestre. O ministro da Economia fala em realizar até quatro grandes privatizações, mas este não é um assunto muito popular entre os novos amigos do Planalto.
Há outros temas em discussão. Governo e base terão que chegar a um acordo em relação à reforma tributária e ao fim de benefícios fiscais, num momento em que governadores, prefeitos e setores da economia não estão dispostos a ceder. Líderes do Centrão sempre tiveram boa interlocução com o setor produtivo e o mercado financeiro.
Ainda gera dúvidas, também, como se dará a atuação da nova base nas discussões sobre o destino do auxílio emergencial e da instituição do novo programa social do governo. O certo é que os parlamentares também irão querer usar essas votações para terem uma nova bandeira política para erguer e se contrapor à esquerda. Não está claro, para o Executivo, quanto isso pode custar.
Há outros riscos e outras oportunidades em jogo para ambas as partes. Os parlamentares do Centrão mantiveram um relacionamento proveitoso com os governos do PT, e desde o início do ano passado ouvem de auxiliares do presidente que apenas o sucesso da gestão Jair Bolsonaro pode impedir o retorno da esquerda ao poder em 2022.
Muitos deles não concordam com a tese nem a encaram com preocupação, mas sabem que tendo o apoio do governo podem ganhar mais tanto nas disputas internas da Câmara quanto em suas bases eleitorais.
Eles esperam, por exemplo, receber crédito pelas realizações da administração Bolsonaro em seus Estados. O Ministério das Comunicações deve desempenhar papel fundamental no esforço de impedir que os adversários do governo tentem se apropriar de inaugurações de obras que estiveram paralisadas e forem concluídas. Isso valerá para parlamentares, mas também governadores e prefeitos. Um dado importante para os deputados e senadores que precisam de argumentos para fortalecer suas bases políticas antes das próximas eleições.
Passada a pandemia, os parceiros do Planalto também esperam poder acompanhar o presidente em visitas a seus Estados - uma demanda tradicional no meio político mas que até agora era um privilégio de poucos. Isso já havia mudado nas recentes viagens do presidente ao Nordeste e a Santa Catarina, antes de ele ser diagnosticado com covid-19.
Tudo isso terá que ser feito sem que Bolsonaro crie conflitos com a base que o elegeu. O desafio do governo é construir um novo caminho e, ao mesmo tempo, convencer os bolsonaristas mais fiéis de que o destino final da jornada será aquele prometido na campanha presidencial. Um desafio e tanto depois da substituição dos vice-líderes mais identificados com o bolsonarismo raiz.
Um outro teste de fogo para a coesão da nova bancada se dará quando o presidente voltar a trabalhar com afinco na criação de seu próprio partido. Dificilmente essa tarefa será realizada sem atingir os interesses locais dos seus aliados.
Vera Magalhães: Quem sabe sabe
Pragmáticos superam Guedes, militares e ideológicos e fazem a cabeça de Bolsonaro
Quando a coisa fica feia, quem você chama para resolver? Se o problema é de natureza política, o risco é um impeachment e ao seu redor só há neófitos no assunto, alguns claramente perturbados por delírios ideológicos, é melhor você chamar os profissionais do ramo.
Foi o que Jair Bolsonaro fez, quando a insensatez com que vinha conduzindo o País desde janeiro ameaçava de fato desaguar numa interdição de seu mandato, por alguma das muitas frentes abertas para conter seu ímpeto autoritário e genocida.
Foi buscar logo os mais experientes. Convencionou-se falar em “Centrão”, mas é bom dar nomes aos bois. Hoje, quem faz a cabeça do presidente em primeiro lugar não são os militares, alquebrados pela forma como as Forças Armadas foram desgastadas pelo delírio golpista do presidente, nem Paulo Guedes, cuja agenda liberal foi solapada pela crise da pandemia e pelo populismo que o chefe vai adotando sem cerimônia, nem os malucos ideológicos, dos quais o “capitão” parece que vai se cansando.
O conselheiro-geral da República se chama Gilberto Kassab, preside o PSD, avalizou dois ministros em um mês, ajudou a calar a matraca presidencial e – milagre dos milagres – ainda escapa incólume da artilharia dos filhos e dos fanáticos da internet.
Surpreendente, mas não para o personagem em questão. Kassab foi vice de José Serra na chapa para a Prefeitura de São Paulo em 2004 e virou prefeito quando o tucano foi disputar o governo, dois anos depois. Contra todas as apostas, foi reeleito em 2008, derrotando a ex-prefeita Marta Suplicy e o ex-governador Geraldo Alckmin, cuja teimosia em disputar o cargo rachou a aliança PSDB-DEM.
Dessa fissura começou a ser gestado o plano de Kassab de ter o próprio partido, ao qual dedicou seu segundo mandato. Se em 2010 ainda manteve a aliança com Serra, passou os quatro anos do primeiro mandato de Dilma Rousseff num processo de aproximação com o PT que lhe rendeu o Ministério das Cidades no segundo mandato da petista.
Dali saiu em 15 de abril de 2016, exatos dois dias antes de o impeachment ser aberto na Câmara. Um mês depois, assumia o Ministério de Ciência e Tecnologia de Michel Temer, a mais rápida metamorfose política até para a exótica política brasileira.
Em 2018, se aliou ao antes arqui-inimigo Alckmin e se aproximou de João Doria, de quem recebeu logo na transição a Casa Civil, pela lealdade. Virou alvo de inquérito na Lava Jato e a nomeação foi “congelada”, em outra peripécia desse personagem sui generis na política nacional: está há 550 dias licenciado sem vencimentos de uma pasta que nunca ocupou! Isso no governo do maior adversário atual do novo “brother”, o presidente Bolsonaro.
Graças a Kassab, Bolsonaro nomeou Fábio Faria para as Comunicações, neutralizando as bobagens que o voluntarioso Fábio Wajngarten vinha fazendo. Faria já começou um trabalho silencioso de aproximação com os veículos de mídia que o presidente se esmerou em ter como inimigos. Também foi do novo ministro o conselho para que o presidente diminuísse suas declarações, que quase sempre produziam uma nova crise para si mesmo em meio à maior pandemia do século.
Percebendo o efeito concreto da aproximação com o Centrão em geral e com Kassab em particular, Bolsonaro acelera no caminho que, a seu ver, pode evitar sua única preocupação como presidente: a de perder o mandato.
A escolha de Renato Feder vai nessa linha, e os olavistas fazem piti para tentar derrubá-lo antes de assumir. Se Bolsonaro ceder ao lobby da ala histérica e começar a rifar o Centrão pragmático, voltará a correr riscos. Esse pessoal, Kassab à frente, não esquenta lugar em governo condenado a cair e sente o gosto de sangue na água.
Bernardo Mello Franco: Namoro na TV
Bolsonaro recriou o Ministério da Comunicações para abrigar o genro de Silvio Santos. Além de alegrar o homem do baú, a nomeação de Fábio Faria agrada Kassab e ao centrão
Jair Bolsonaro prometeu enxugar a máquina e governar com apenas 15 ministros. Inflou a conta para 22 e agora nomeou o 23º. O presidente acaba de recriar a pasta das Comunicações. Entregou seu comando a Fábio Faria, deputado do centrão.
O novo ministro é especialista em TV. Não exatamente pelo aspecto profissional. Com pinta de galã, ele colecionou namoros com celebridades. A lista inclui a modelo Sabrina Sato, a atriz Priscila Fantin e a apresentadora Adriane Galisteu.
O romance com a ex de Ayrton Senna deslizou das revistas de fofoca para o noticiário político. Em 2009, Galisteu estrelou o escândalo da farra das passagens. O deputado usou a cota parlamentar para levar a namorada e a mãe dela para Miami. Depois do flagra, teve que devolver o dinheiro aos cofres da Câmara.
Hoje Faria é casado com a apresentadora Patrícia Abravanel, filha do dono do SBT. Bolsonaro citou o enlace ao justificar sua promoção a ministro. “Ele não é profissional do setor, mas tem conhecimento, até pela vida que ele tem junto à família do Silvio Santos”, resumiu.
Em entrevista recente, Patrícia explicou a relação do pai com o poder. “Ele é muito pró-governo. Independentemente do governante, a gente acredita que tem que estar apoiando”, disse. Ela estava no programa do animador Raul Gil, onde tirou o chapéu para Bolsonaro.
O genro de Silvio também tem vocação para o governismo. Apoiou Lula, Dilma e Temer antes de bater continência para o capitão. Ontem ele tirou o feriado para apagar elogios aos petistas nas redes sociais. Como ensinou o poeta, o amor é eterno enquanto dura.
O homem do baú não é o único contemplado com a nomeação do deputado do PSD. Ao convidá-lo, Bolsonaro abre a porteira da Esplanada para o centrão. O grupo já havia abocanhado cargos bilionários no segundo escalão. Agora terá um ministério para chamar de seu.
A recriação da pasta também marca o retorno de Gilberto Kassab aos centro do poder. Presidente do partido de Faria, o ex-ministro já serviu a petistas e tucanos. Nesta terça, ele avisou que defenderá Bolsonaro de um eventual processo de impeachment. “No que pudermos ajudar, conte comigo”, prometeu.