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Vinicius Torres Freire: Bolsonaro adia o Brasil para dezembro, enquanto acerta casório com o centrão

Economia está em suspenso e depende de acordos políticos do presidente

A política adiou para dezembro a grande decisão relevante da economia pelos próximos meses ou anos. Isto é, se vai ou não haver mexida ou gambiarra no teto de gastos. Como Jair Bolsonaro deixou o assunto para depois das eleições municipais, seria razoável especular que ele pretende financiar o Renda Brasil com algum arrocho de outra despesa social e de servidores. Mas Bolsonaro também continua a negociar o dote de seu casamento com o centrão. O acordo inclui conversa de desmembramento do ministério da Economia de Paulo Guedes, retoques na política econômica e a disputa do comando da Câmara em 2021. É política, política, política –e tem mais.

Até lá, fica malparada a situação das taxas de juros em alta, uma das duas notícias econômicas mais importantes desde meados do ano. A outra é a despiora da economia, que continua mais rápida do que se esperava, embora não se saiba se dura até dezembro.

Os resultados do comércio em agosto foram, na média, muito bons. Mas apenas daqui um ou dois meses vamos saber se a retomada econômica vai perder ritmo com a diminuição dos auxílios emergenciais e se o nível de emprego vai crescer o bastante para compensar o corte desses benefícios. Parte dessa retomada depende ainda de epidemia e da vacina.

Na política, o resultado da eleição americana e das disputas municipais podem indicar como anda o valor de mercado eleitoral da psicopatia política. No caso de derrota do trumpismo e de suas variantes periféricas, pode haver um desincentivo ao reacionarismo lunático, no entanto com efeitos de médio prazo.

De imediato, mais importante é saber se o casamento de Bolsonaro com o centrão vai lascar ainda mais poder de Guedes e do “programa liberal”. Importa saber o tamanho e o lugar do desprestígio. Vai envolver aumento de despesa? Vai apenas entregar a partidos aliados a negociação de lobbies de empresas, como ocorreria no caso da recriação de ministérios tais como o do Trabalho e do Desenvolvimento?

Ainda se entende mal como essa conversa de ministérios se relaciona a eleição do comando da Câmara em 2021. De qualquer modo, preste-se atenção. A palermice do comando político de Dilma Rousseff na eleição da Câmara em 2015 foi o começo do fim da presidente.

Na economia, não acontece mais grande coisa. Não há um grande ciclo de investimentos a ponto de deslanchar. As mudanças no gás, no petróleo, no saneamento e concessões dependem ainda de um monte de regulações adicionais, da confiança de que não são regras para inglês ver e da expectativa de algum crescimento para que apareça o dinheiro para o investimento. Não vai acontecer nada até 2022, e olhe lá.

Não há outro projeto que mexa decisivamente com a economia. Mesmo boas reformas, ainda que apenas do ponto de vista mercadista, vão demorar e teriam efeito incremental.

Sim, um pacote completo de arrocho fiscal e “reformas” poderia animar os donos do dinheiro, evitar um revertério decisivo nos juros e garantir uma das condições da continuação da despiora. Mas vamos saber da perspectiva dessas decisões apenas em dezembro, com algum resultado legislativo visível já bem entrado 2021 e consequências práticas ainda mais tardias. Isto é, se esse “programa reformista” der certo e se a economia não embicar para baixo com o corte de mais de meio trilhão de gastos do governo de 2020 para 2021.

Assim, afora novas ocorrências policiais na familiocracia, o Brasil de daqui a pouco depende do grande diálogo político de Jair Bolsonaro com o centrão.


Bernardo Mello Franco: O acordão do capitão

Num domingo de abril, o presidente Jair Bolsonaro foi à porta do Quartel-General do Exército, subiu na caçamba de uma caminhonete e estimulou seguidores que bradavam por “intervenção militar” e AI-5. “Nós não queremos negociar nada! Nós queremos ação pelo Brasil!”, vociferou.

Menos de seis meses depois, Bolsonaro toma café com Rodrigo Maia, almoça com o centrão e janta com Gilmar Mendes. No último domingo, ele foi à casa de Dias Toffoli comer pizza e assistir a um jogo do Palmeiras. A imagem dos dois abraçados, como amigos que se reencontram para torcer pelo mesmo time, é um retrato dos novos tempos em Brasília.

O extremista que prometia romper com o establishment passou a dançar conforme a velha música. A indicação de Kassio Marques ao Supremo faz parte da metamorfose. O presidente consultou Gilmar e Toffoli, inimigos jurados da Lava-Jato, antes de oficializar a escolha do futuro ministro.

Eles não são os únicos a festejar o indicado. “Para além das diferenças que nós temos, ele (Bolsonaro) pode deixar um grande legado para o Brasil, que é o desmonte desse estado policialesco que tomou conta do nosso país”, celebrou o senador Renan Calheiros. À CNN Brasil, ele listou outras medidas que agradaram à classe política: o desmantelamento do Coaf, a demissão de Sergio Moro, a nomeação de Augusto Aras.

Os elogios de Renan produziram um curto-circuito no bolsonarismo raiz. Chamado de traidor, o capitão tenta contornar as críticas. “Eu não quero acabar com a Lava Jato. Eu acabei com a Lava Jato, porque não tem mais corrupção no governo”, gracejou ontem, no Planalto.

É ilusão pensar que o exercício do poder moderou Bolsonaro. Estamos diante de um acordão, que o uniu a políticos que demonizava. A turma quer blindagem e sossego, mercadorias que Gilmar sempre soube entregar. A fantasia da conciliação pode ser rasgada a qualquer momento: basta que o capitão se sinta seguro para chutar os aliados de conveniência. Enquanto essa hora não chega, todos celebram a paz com brindes de tubaína.


Bruno Boghossian: Na corrida por uma vaga no STF, Bolsonaro frustra parte de sua base

Reviravolta mostra dificuldade do presidente em equilibrar suas alianças de conveniência

A corrida pela próxima vaga do STF ensina a Jair Bolsonaro o desafio de equilibrar as alianças de conveniência que o sustentam no poder. A reviravolta produzida pelo presidente aprofunda seu namoro com a classe política, mas também coroa seu divórcio com o lavajatismo e aborrece parte da base ideológica mais radical do governo.

A escalada do juiz federal Kássio Nunes ao posto de favorito à primeira indicação de Bolsonaro para a corte se deu contra os sinais públicos que o presidente emitia sobre a decisão. Nos últimos dias, ele buscou apoio do centrão e apresentou seu escolhido para ministros do STF que representam a ala do tribunal mais crítica aos excessos da Lava Jato.

Antes de chegar ao Planalto, Bolsonaro já explorava o poder de indicar novos ministros para surfar na onda anticorrupção. Na campanha, ele falou em aumentar o número de cadeiras do STF e prometeu nomear “dez do nível do Sergio Moro” para a corte. O papo ajudou a colar sua candidatura à imagem da operação.

O presidente não demorou a trair quem acreditou na conversa –a começar pelo próprio Moro. Depois que Bolsonaro escancarou sua intenção de usar a caneta para proteger seu grupo político de investigações, nem mesmo os lavajatistas em negação, que ainda apoiam o governo, podem se dizer surpresos.

A guinada no processo de escolha, se confirmada, frustra segmentos mais apegados à pauta ideológica em que Bolsonaro se apoia. O presidente prometeu um ministro “terrivelmente evangélico” para o tribunal, mas depois modulou o discurso e avisou a pastores que seu escolhido seria apenas um conservador. Kássio Nunes, no entanto, nunca deu peso público a essa agenda.

Bolsonaro pode repetir com a indicação o mesmo estremecimento que sofreu ao nomear Augusto Aras como procurador-geral. Na ocasião, sua base ficou furiosa e tentou vincular o escolhido ao combate à Lava Jato. Em busca de sobrevivência política, o presidente se mostra disposto a seguir esse caminho.


Ricardo Noblat: A história exemplar da escolha de um ministro para o Supremo

Kássio atirou no que viu e acertou no que não viu

Bolsonaro desistiu da escolha de um ministro para o Supremo Tribunal Federal que atendesse seus convites para tomar cerveja. Uma vez que pode ir, de repente, a casa de um ministro para reunir-se com ele e com outro e, juntos, avaliarem a escolha que fez, por que se preocupar com cerveja? Bebe-se uísque.

Dias Toffoli foi advogado do PT e Advogado-Geral da União no governo Lula. Gilmar Mendes, Advogado-Geral da União no governo Fernando Henrique. Ora, por que Kássio Nunes Marques, um piauiense de 48 anos, não pode ser indicado pelo Centrão? Kássio nem é um Centrão puro sangue. É tudo misturado.

Em 2011, para ocupar uma vaga de desembargador no Tribunal Regional Federal (TRF1), em Brasília, Kássio contou com amplo apoio político. Wellington Dias, governador do Piauí eleito pelo PT, o apoiou. O governador anterior, do PSB, também. E mais Renan Calheiros (PMDB), à época presidente do Senado.

E o senador por Roraima Romero Jucá (PMDB). E o ex-presidente José Sarney (PMDB). E, naturalmente, o vice-presidente da República Michel Temer. Além da Ordem dos Advogados do Brasil. Então a presidente Dilma Rousseff o nomeou, e ele tratou de empregar sua mulher como funcionária do Senado.

Kássio estava em campanha para ser ministro do Superior Tribunal de Justiça, e foi nessa condição que no início desta semana conheceu Bolsonaro no Palácio da Alvorada, levado por seu conterrâneo, o senador Ciro Nogueira, presidente do PP, partido do Centrão que aderiu ao governo há poucos meses.

O papo agradou tanto a Bolsonaro que, a certa altura, ele disse:

– Você vai ser ministro do Supremo.

Kássio corrigiu-o, pensando que ele se enganara:

– Do Supremo, não, do STJ, presidente.

– Não, vai ser ministro do Supremo – decretou Bolsonaro.

Em seguida, passou a mão no celular, ligou para Davi Alcolumbre (DEM), presidente do Senado que luta para ser reeleito, embora a Constituição proíba, e orientou-o a providenciar às pressas uma reunião com os ministros Gilmar, Toffoli e Fábio Faria, das Comunicações. E na casa de Gilmar ficou tudo acertado.

A ficha de Kássio custou a cair. Bom de gogó, ele faz o gênero falso humilde, mas é muito esperto e sedutor. Mesmo assim, em alguns momentos da reunião, pareceu nervoso e meio apalermado. Não era para menos. Foi como se ganhasse, sozinho, o maior prêmio da Megasena acumulada há meses.

Diz-se, a seu favor, que a ir para o Supremo Jorge Oliveira, ministro da Secretaria do Governo e capacho de Bolsonaro, melhor que Kássio substitua Celso de Mello, obrigado a se aposentar em breve porque fará 75 anos. Só o ministro Luiz Fux, presidente do Supremo, passou recibo por não ter sido consultado.

Fux soube da nomeação de Kássio pela imprensa, um descuido de Bolsonaro, ou uma maldade. Fux sabe que Kássio se aliará à facção dos ministros do Supremo empenhados em pôr um ponto final na Operação Lava Jato. É o que mais interessa aos políticos em geral, e também a Bolsonaro à cata de votos para se reeleger.

No passado, o Supremo foi o templo dos juristas consagrados por suas obras de referência. Chegava-se ali com a biografia já escrita. A de Kássio, por sua pouca idade e à falta de títulos admiráveis, mal foi escrita. Ele terá os próximos 27 anos para escrevê-la, parte sob o olhar atento de Gilmar, o mais poderoso ministro do Supremo.


Vera Magalhães: A nova política caducou

Renovação política se faz com projetos claros, definição de políticas públicas e compreensão dos problemas do Brasil e dos Estados

A tira que ilustra esta coluna, do talentoso quadrinista brasileiro Pietro Soldi, é a mais perfeita tradução do que a autodenominada “nova política”, que nunca teve nada de novo e em menos de dois anos se encontra em avançado estado de necrose, legou ao País.

Brasileiros de Norte a Sul elegeram para o Executivo e o Legislativo vários espécimes de jumentos vendados, achando que revolucionariam a forma de fazer política. Mas o resultado é que estamos ensopados de café quente e sem muito sinal de que vamos conseguir reerguer a mesa que tombou e colar a louça que foi feita em cacos.

Olhemos a situação do Rio de Janeiro e de Santa Catarina. O primeiro vinha de uma sucessão de larápios que só não roubaram as pedras do calçadão de Copacabana. O segundo tinha alguns dos melhores indicadores econômicos do País e saúde fiscal relativamente boa.

Mas os eleitores dos dois Estados acharam por bem eleger completos desconhecidos, que entraram na política pela porta fácil do discurso anticorrupção, atrelados ao bolsonarismo e surfando na onda lavajatista.

Resultado: menos de dois anos depois, Wilson Witzel, cujo nome 90% dos fluminenses não sabiam nem pronunciar quando nele votaram, e Carlos Moisés, cuja foto até hoje eu não saberia reconhecer, estão a caminho do impeachment.

De Bolsonaro não é preciso falar. Já mencionei seu discurso na ONU, mais uma exibição que não deixou nada a dever à tirinha do Pietro.

E nos Parlamentos e na vida partidária, qual o saldo da tal nova política? Não muito superior. Há, sim, excelentes novos parlamentares, da esquerda à direita.

Os movimentos não partidários, como Agora, Livres, Renova BR e Acredito, aliás, contribuíram de forma mais significativa para isso que os partidos, pois enfrentaram a necessidade de formação desses jovens líderes.

Quanto às siglas, seguem perdidas na geleia geral ideológica e programática, inclusive as novas. Basta ver o episódio Novo versus Filipe Sabará. O candidato passou no tal processo seletivo, mas em seguida seu currículo acadêmico foi desmentido, se descobriu uma diferença de nada menos que R$ 3.985.000 em sua declaração de bens, e o barraco começou. Diante de tantas inconsistências, Sabará recorreu à seguinte explicação: a “ala esquerdista” (!) do Novo, representada por João Amoêdo (!!), o estaria perseguindo. Seria até engraçado, se não fosse patético. Dá-lhe coice com olhos vendados!

A divisão interna do Novo é mais um sinal claro de que não se mudam as práticas políticas apenas com slogans, sapatênis e ideias naive – como a de que não usar Fundo Partidário é sinal de virtude por si só.

Renovação política se faz com projetos claros, definição de políticas públicas e compreensão dos problemas do Brasil e dos Estados e de que legisladores têm mais a fazer que filminhos ridículos no TikTok ou Instagram.

Que 2020 comece a corrigir 2018 e que tiremos a venda do jumento e elejamos bons políticos para fazer política. Olha só que ideia disruptiva!


Hélio Schwartsman: Como se livrar de um presidente

Crise econômica é a melhor chance de eleição produzir resposta sólida contra um dirigente

Agora que Jair Bolsonaro se pôs sob a guarda do centrão, nossa melhor esperança de nos livrarmos desse presidente disfuncional são as urnas. E a melhor chance de as urnas produzirem uma resposta sólida contra um dirigente de turno é serem acionadas sob crise econômica.

Já lancei essa ideia algumas vezes e, sempre que o faço, algum leitor me escreve, comentando que o governante já tem pronto um discurso que o isenta de responsabilidade pela economia. Dilma afirmava que a crise tinha origem externa. Bolsonaro já vai alardeando que o período complicado que teremos pela frente é culpa de governadores e prefeitos que exageraram no lockdown.

É claro que é melhor para o líder ter um discurso do que não ter, especialmente se houver gente crédula o bastante para aceitar desculpas esfarrapadas. Mas as decisões do eleitorado não precisam ocorrer de forma consciente. O que há de mais fascinante em pleitos são justamente os fatores que determinam o comportamento de grandes coortes sem que as pessoas se deem conta deles.

Um exemplo bem documentado desse fenômeno são os ataques de tubarões na costa de Nova Jersey , nos EUA, que quase custaram a reeleição a Woodrow Wilson em 1916. No início do século passado, ninguém colocava entre as atribuições do presidente zelar pela segurança de banhistas. Não obstante, a onda de ataques naquele verão —e os efeitos econômicos decorrentes da fuga dos turistas— produziu uma insatisfação difusa no eleitorado que se converteu em rejeição ao mandatário. Sabemos que os tubarões estão envolvidos porque Wilson perdeu mais votos (em relação ao pleito de 1912) nas localidades que sofreram mais ataques.

Crises econômicas seguem esse mesmo padrão. Elas podem roubar o discurso do governante, mas não é preciso que o façam. Só o fato de a situação estar difícil já gera um mau humor no eleitorado que costuma empurrá-lo para a oposição.


Bruno Boghossian: Guedes se associa ao centrão para ganhar poder de barganha

Ministro cede a parlamentares e abre portas de estatais para indicações políticas

Paulo Guedes não era fã de deputados e senadores quando chegou a Brasília. Apesar de ter chancelado a campanha de um candidato que havia passado três décadas no Congresso, o ministro usava a expressão "criaturas do pântano político" para se referir a grupos que "se associaram contra o povo brasileiro".

Por quase dois anos, ele se queixou desses monstrengos. Sugeriu dar uma "prensa" nos parlamentares, disse que eles não se importavam com as criancinhas e ainda rompeu com o presidente da Câmara.

Agora, algo mudou —e não foram os políticos. O ministro afirmou a aliados que vai abrir portas de estatais e outros órgãos para o centrão. Segundo uma reportagem da Folha, Guedes avisou que vai discutir com o Planalto nomes indicados pelos partidos que apoiam o governo.

Mais que uma jogada pragmática, trata-se de uma capitulação. Além de demolir de vez o discurso de Jair Bolsonaro contra o loteamento de cargos, a decisão fragiliza ainda mais a agenda de privatizações de Guedes. Ocupar empresas com políticos é a maneira mais eficaz de garantir que eles continuem por lá.

O ministro reconheceu que o centrão dá as cartas na política e na economia. Até aqui, o Congresso fez o que quis: impediu reduções de benefícios sugeridas por Guedes, aumentou o auxílio emergencial proposto pelo governo e aprovou o perdão de dívidas das igrejas com a Receita.

Ele percebeu também que não pode contar com o próprio chefe para salvá-lo desses dribles. Guedes protestou e conseguiu que Bolsonaro barrasse a anistia para os líderes religiosos. Na mesma hora, o presidente incentivou uma traição ao ministro com a derrubada do veto.

Fragilizado, Guedes decidiu se associar aos parlamentares do centrão no momento em que sua plataforma se torna alvo de questionamentos até de investidores. A manobra dá ao ministro algum poder de barganha em Brasília, mas o histórico da relação sugere que as "criaturas do pântano político" continuarão no comando dessa agenda.


RPD || Paulo Baía: A instabilidade e a imprevisibilidade como norma política

Enquanto a oposição busca nacionalizar os debates durante as eleições municipais, Bolsonaro busca garantir suas alianças ao distanciar-se o máximo possível do pleito no primeiro turno, para evitar conflitos com os partidos do Centrão

A situação política e econômica do país é de desânimo neste mês de setembro. Estamos mergulhados num mar de dúvidas e incertezas sem imaginar como será o fim da grave crise provocada pela Covid-19. A economia paralisou. E com isso temos hoje situação mais difícil do que há um ano, com milhões de pessoas desempregadas. Segundo o IBGE, no segundo trimestre houve retração de 9,7% do PIB e a economia mantém-se em recessão, que nos acompanha desde o segundo governo Dilma Rousseff. O Brasil não consegue sair da crise e o debate não muda, entre uma política de ajuste fiscal austera e a ideia de investir em infraestrutura, gastando para sair da crise. O confinamento só aumenta o desgaste e o estresse social, com a ideia de ter que viver sob um conceito de "novo normal" que não demarca exatamente a realidade em questão. Como se os brasileiros estivessem presos às suas máscaras e ao álcool gel sem saber ao certo quando tudo irá passar definitivamente, acentuando a angústia e doenças mentais, como depressão e fobias.

As eleições municipais tiveram que ser adiadas para o dia 15 de novembro e, no entanto, nos aproximamos do pleito sob o signo da tristeza, sem esperança de mudanças. A sociedade, impactada pela crise sanitária da Covid-19, divide-se em responsabilizar a própria população e o presidente Jair Bolsonaro pela ampla tragédia social e econômica, na qual já morreram quase 130.000 brasileiros. E sabemos que há uma subnotificação dos casos pela ausência de testes e com um ministro da Saúde improvisado. O Ibope, em pesquisa via internet divulgada no dia 6/9, cartografa essas tendências, com uma margem de erro de 2%: 38% responsabilizando a população e 33%, o presidente da República. Para 71% dos entrevistados, os estragos da pandemia do coronavírus foram muito maiores do que o esperado.

Aliado a estas questões, temos o Governo Federal vivendo gangorra interna, com Paulo Guedes apoiado por Rodrigo Maia, de um lado, e Henrique Marinho, por militares e prefeitos, de outro. Isto é, são dois projetos político-econômicos, para tentar retomar as medidas reformistas e o crescimento econômico atraindo investimentos. As oposições partidárias a Jair Bolsonaro acabam por se aproximar, pragmaticamente, das propostas de Henrique Marinho através do aumento de investimentos. Temos a instabilidade como regra política no cenário federal, no momento, no mesmo diapasão da instabilidade sanitária, ainda não contida no país.

O Brasil vive de dois em dois anos em torno das eleições e este ano teremos as municipais, que possuem grande relevância por mostrarem a situação e o humor dos eleitores em suas respectivas cidades. Dessa forma, o PR pretende manter-se distante das disputas em função das alianças feitas com o Blocão no Congresso desde o inquérito das Fake News, quando houve "contenção" provisória dos arroubos autoritários de Jair Bolsonaro. Por isso, ele precisa garantir suas alianças e a ideia é distanciar-se o máximo possível do pleito no primeiro turno, para evitar conflitos com partidos como o DEM e o MDB, por exemplo. Os candidatos às prefeituras não desejam nacionalizar o debate; ao contrário, preferem manter-se presos às questões de interesse do eleitor em suas cidades, debatendo as mazelas locais. O equilíbrio de Jair Bolsonaro no Congresso também depende de atender às demandas dos deputados em seus colégios eleitorais. Para tanto, a máquina bolsonarista já atua para satisfazer os desejos dos aliados, além da importância dos fundos partidários nesta disputa eleitoral; dessa forma, não há como negar apoios. A oposição busca nacionalizar o debate, mas não é desejo da maioria dos candidatos a prefeito pelo não interesse do eleitor – veja Márcio França em São Paulo.

Tempos de eleição sempre foram momentos de alegria e celebração da democracia com desejo por mudanças trazendo esperanças. Uma ideia de renovação que anda ausente das perspectivas dos eleitores pelo não atendimento de suas demandas, causando frustrações, e pelos inúmeros casos de corrupção. A sensação é de que nadamos, revolvemos o fundo do mar, expondo a fratura do sistema político e até agora nada foi modificado além do atendimento emergencial e imediatista das necessidades do cidadão. Daí o desânimo e a tristeza, além das perdas de diversos brasileiros pela doença. Não há muito que celebrar! Mas a democracia espera que continuemos a festejá-la apesar das dificuldades.

*Paulo Baía é sociólogo e cientista político


RPD || João Cezar de Castro Rocha: A mentalidade bolsonarista

A ascensão da direita, articulada desde meados da década de 1980, primeiramente na caserna e depois no movimento civil, preparou a vitória de Jair Bolsonaro no segundo turno em 2018, avalia João Cezar Rocha em seu artigo

Almejo, neste artigo, caracterizar brevemente a mentalidade bolsonarista por meio da guerra cultural, isto é, a ponta de lança de um projeto autoritário, com base no resgate insensato da Doutrina de Segurança Nacional, no alinhamento cego à matriz narrativa conspiratória do Orvil e na adesão náufraga ao sistema de crenças Olavo de Carvalho.

De fato, a ascensão da direita é anterior à emergência do bolsonarismo, o que favoreceu sua possibilidade de êxito. Em boa parte dos estudos acerca do fenômeno, o efeito é tomado como causa. O bolsonarismo não possibilitou o triunfo eleitoral da direita, mas, pelo contrário, a ascensão paulatina da direita, articulada desde meados da década de 1980, preparou a vitória do Messias Bolsonaro no segundo turno, em 2018.

Hora, portanto, de analisar esse fenômeno sem preconceitos, destacando a força incomum da presença de um escritor, metamorfoseado em ativista político no reino encantado do universo digital. Refiro-me a Olavo de Carvalho, artífice de uma retórica do ódio que ameaça levar o país a um esgarçamento inédito.

Debruçar-se sobre o fenômeno é fundamental. De imediato, menciono quatro fatores, cuja inter-relação esclarece o caráter orgânico da ascensão da direita nas últimas duas décadas. A redução desse movimento à vocação golpista, atribuída ao impeachment de 2016, tem paralisado a esquerda, que, assim, se revela incapaz de entender a importância de uma juventude de direita, força decisiva na política brasileira dos últimos anos. Pelo menos desde 2002 – muito antes, portanto, de 2013.

A simples enumeração dos elementos ilumina a incompreensão ainda hoje predominante:

1) a ação de Olavo de Carvalho na década de 1990, ampliando o repertório bibliográfico e fortalecendo a musculatura da direita por meio de polêmicas estratégicas contra ícones da esquerda;

2) uma fissura geracional que escapou aos cálculos da esquerda, em geral, e do Partido dos Trabalhadores, em particular. As quatro eleições presidenciais, legitimamente vencidas pelo PT, possibilitaram a associação automática entre establishment, sistema político e campo da esquerda; daí, pela primeira vez na história republicana brasileira, foi possível considerar-se de oposição por ser de direita;

3) o conflito geracional foi agravado pela difusão da tecnologia digital e sua apropriação criativa e irreverente por uma inédita juventude de direita, cuja presença nas redes sociais materializou-se nas multitudinárias manifestações a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff;

4) por fim, a partir de 2013, no princípio timidamente, porém de forma ostensiva já em 2015, a direita começou a disputar as ruas com o campo da esquerda, um desdobramento surpreendente para qualquer analista, pois as ruas pareciam propriedade simbólica dos que estavam à margem do poder, ou seja, antes do triunfo eleitoral do PT, a própria esquerda. Os 14 anos de permanência do PT no Governo Federal alteraram de maneira profunda a ecologia da política brasileira, sem que tal abalo fosse imediatamente perceptível.

Iniciadas em março de 2015 e ampliadas em abril, agosto e dezembro do mesmo ano, as manifestações de rua da direita explodiram em março de 2016, revelando ao país uma organização sólida de grupos conservadores, com destaque para movimentos articulados nas redes sociais, que, com grande desenvoltura, tomaram os céus de assalto, não para defender a revolução, porém, todo o oposto, para derrubar o único partido de esquerda que chegou à Presidência do Brasil.

Em relação aos quatro fatores que terminei de elencar, o último é o mais visível e muitas vezes o único considerado na ascensão da direita. Por isso, ela é reduzida ao ânimo golpista. E esses dois elementos se encontram: a juventude de direita, ativíssima nas redes sociais, formou sua visão de mundo primariamente por meio do sistema de crenças Olavo de Carvalho, apreendido por meio das mesmas redes sociais — e, aqui, a redundância é o sal da terra.

Para dizê-lo de forma direta: desde meados dos anos 1980, como uma reação à distensão implementada pelo general Ernesto Geisel, na década anterior (1974-1979), e sobretudo à redemocratização, conduzida aos trancos e barrancos pelo general João Batista Figueiredo (1979-1985), um movimento subterrâneo de direita foi articulado, inicialmente na caserna e, posteriormente, na sociedade civil.

O Orvil é o modelo narrativo adotado pelo bolsonarismo. Trata-se de documento-chave que oferece o relato de uma permanente “ameaça comunista”, fortalecendo o discurso da atual extrema-direita no Brasil, pois se trata do livro de cabeceira da família Bolsonaro. Ele foi um livro preparado pelo Exército entre 1986 e 1989, cujo objetivo era denunciar a “ameaça comunista”. A ascensão da direita, um movimento de duas décadas, explodiu em 2015 e 2016, porém sua intensidade foi preparada lentamente por meio da criação de uma linguagem própria, saturada de clichês anticomunistas com ressonâncias anacrônicas da Guerra Fria, ademais do recurso a uma moldura narrativa com base nas tentativas de tomada do poder por parte da esquerda brasileira, “naturalmente” em acordo com o movimento comunista internacional, numa vasta trama de proporções apocalípticas. O próprio subtítulo de Orvil, tentativas de tomada do poder, revela o sentido das teorias conspiratórias que presidem a mentalidade bolsonarista, autêntica matriz de suas obsessões. Por fim, não se negligencie o milagre às avessas da proliferação de teorias conspiratórias involuntariamente dadaístas.

Nas páginas finais do Orvil, o inimigo comum das próximas décadas é identificado: “Entende-se que o ‘partido de Lula’ é o principal resultado da luta da classe operária”.[1] Decifre-se a esfinge: sem um alvo determinado, como manter grupos diversos reunidos num mesmo projeto? Nesses casos, a diferença é subsumida na miragem de um adversário tentacular, convertido em inimigo útil, nada inocente, que assegura a coesão do movimento.

A mentalidade bolsonarista pode então completar-se: trata-se de reduzir o outro ao mero papel de adversário, inimigo a ser eliminado. Por isso, muito mais importante do que somente derrotar o Messias Bolsonaro é superar o próprio bolsonarismo.

*João Cezar de Castro Rocha é professor Titular de Literatura Comparada da UERJ e ensaísta.


Hélio Schwartsman: Réquiem para a Lava Jato

Não vejo como afastar a suspeita de que apoio de Bolsonaro nunca passou de uma farsa

Em 1972, Richard Nixon, talvez o mais anticomunista de todos os presidentes americanos, fez uma visita à "China vermelha" que marcou a retomada de relações diplomáticas entre Washington e Pequim, após 25 anos de isolamento. A viagem consagrou a expressão "It took Nixon to go to China" (foi preciso Nixon para ir à China), que designa situações em que só políticos muito identificados com alguma tese podem ir contra ela sem pagar um preço exorbitante.

"Mutatis mutandis", a metáfora se aplica a Bolsonaro no esvaziamento da Lava Jato. Só o candidato que tomara carona na operação para eleger-se poderia voltar-se contra ela sem sofrer um enorme desgaste por isso. Ironicamente, foi sob Bolsonaro, e não sob o PT ou o centrão, que se estancou a sangria, se é lícito usar a expressão imortalizada por Romero Jucá.

Não estou, obviamente, afirmando que a Lava Jato ocorreu sem máculas. Como sempre ocorre nesse tipo de movimento, houve abusos que devem ser corrigidos. Penso que há elementos que justificam nulidades parciais em alguns casos, mas receio que estejamos prestes a cair no extremo oposto, pondo a perder os bons serviços prestados pela operação.

Como já disse aqui, pagaremos um mico internacional se tentarmos devolver para os bancos suíços o dinheiro repatriado, a fim de que seja restituído às contas dos ex-condenados. Apesar das coisas erradas, a Lava Jato teve o inegável mérito de desbaratar esquemas bilionários de corrupção e de condenar até então intocáveis empresários e políticos do primeiro escalão.

Há uma diferença importante entre Nixon e Bolsonaro. A aproximação com a China não significou uma traição às ideias anticomunistas do americano. Ele quis explorar as desavenças entre Pequim e Moscou, pois julgava a URSS um inimigo mais poderoso. No caso de Bolsonaro, não vejo como afastar a suspeita de que seu apoio à Lava Jato nunca passou de uma farsa.


Míriam Leitão: Festival de sandices que exaure o Brasil

Este governo é uma fábrica de ideias péssimas. Algumas delas parecem, no primeiro momento, mentira. Taxar desempregado para financiar um programa de emprego e ainda batizá-lo de verde e amarelo. Adiar de 65 para 70 anos a idade na qual o idoso da extrema-pobreza terá direito a receber integralmente o Benefício de Prestação Continuada. Pegar dinheiro do Bolsa Família para financiar propaganda do Planalto. Todas essas ideias já foram derrotadas, felizmente. Mas o que elas têm em comum? Uma insensibilidade social que chega a ser caricata.

A nova péssima ideia, que no primeiro momento pareceu fake news, é a de adiar o Censo para 2022 e usar os recursos para reforçar o orçamento do Ministério da Defesa. O país simplesmente não pode mais atrasar o registro do seu retrato demográfico, de todas as múltiplas informações que só se consegue com o Censo. Ele fica mais urgente porque já foi adiado por um ano, por causa da pandemia, e porque em 2015 não foi feita a contagem da população.

O vice-presidente Hamilton Mourão admitiu que isso está em análise. O IBGE nada tem a dizer oficialmente sobre o assunto. O temor cresce porque, apesar do excelente quadro técnico do IBGE, a atual direção do órgão sofre de excessiva submissão ao Ministério da Economia, como ficou demonstrado no episódio dos cortes no orçamento do Censo. Mourão argumentou que os projetos do Ministério da Defesa estão atrasados. Se a construção de uma fragata for adiada o país não vai naufragar. Mas sem dados para orientar as políticas públicas ficará à deriva.

Algumas ideias mostram um governo sem rumo, que atira a esmo. Aliás, como gosta de atirar. Ele decidiu vetar máscaras em comércio, escolas, igrejas. Felizmente o Congresso derrubou. Tentou tirar a obrigatoriedade de cadeirinha de segurança para criança e aumentar a quantidade aceitável de infrações do trânsito. O Ministério da Economia quis adiar a vigência do Fundeb para 2022, o que criaria um caos no ano que vem. O presidente mandou o Exército produzir milhões de comprimidos de cloroquina e o presidente chegou a correr atrás de uma ema para persuadi-la a ingerir a medicação. O Ministério da Justiça fez um dossiê contra policiais que se declaram antifascistas, ato que serve como autodeclaração da tendência política desta administração. Falou-se em reduzir de 8% para 6% o recolhimento do FGTS, tirando do trabalhador para ajudar o patrão. Cada uma que parece duas.

Há ideias que são fixas. A melhor representante dessa categoria persistente é a CPMF. Não há uma proposta que saia do Ministério da Economia que não seja condicionada à criação do imposto de nome não dito, mas de feição fácil de reconhecer.

Quando as sandices são empilhadas e analisadas percebe-se que não há um centro gerador das más ideias. Há método na coisa. O governo segue as modernas técnicas de gestão descentralizada. De cada ponto pode sair maluquice. Essa de trocar o Censo por armamento, por exemplo, não se sabe de onde surgiu. É tão ruim que seu autor não teve a coragem de defendê-la publicamente. Mourão falou porque foi perguntado e deu uma esperança: dependerá do Congresso.

O ex-presidente do IBGE Roberto Olinto definiu a proposta como “escândalo inaceitável” e explicou algo que não ocorreu aos nossos governantes. “Ter o Censo é também fazer a defesa do país”, porque, como explicou à repórter Adriana Fernandes do “Estadão”, “é muito mais estratégico ter o conhecimento do país”. O Brasil muda muito, é complexo, tem enormes desigualdades e carências, e sairá ainda mais desigual desta pandemia. Que cabeça pode conceber a proposta que, como disse Olinto, “rompe qualquer protocolo de produção de estatística mundial de qualidade”?

Muitas das ideias ruins são derrotadas depois de batalhas no Congresso, na Justiça ou no debate público. Mas elas todas juntas mostram que, se vivo fosse, o genial Sérgio Porto, Stanislaw Ponte Preta, poderia reinaugurar o que ele batizou de “festival de besteiras que assola o país”. Hoje, o termo “sandice” define mais precisamente certas ideias governamentais. E em vez de assola, talvez a palavra “exaure” seja mais exata. O país está esgotado de tanto brigar pelo que é óbvio, pelo que deveria estar claro, pelo que já estava garantido. Agora será necessário lutar para que o IBGE faça o Censo. Que insensatez.


Merval Pereira: Apoio incipiente

O presidente Bolsonaro criou um monstro que pode engoli-lo, o Congresso. Revitalizado no início do governo, quando o presidente ainda tentava governar sem os partidos, imaginando que o poder do Executivo era insuperável, o Congresso, com especial atuação da Câmara presidida por Rodrigo Maia, assumiu a direção dos trabalhos de aprovação das reformas.

Chamou a si a tarefa de reformar a Previdência Social, mesmo atrapalhada pela ambiguidade de Bolsonaro, que até o último minuto incluiu categorias que lhe são caras nas exceções da nova legislação.

Até fazer o acordo com o Centrão, renegando tudo o que dissera na campanha eleitoral e nos meses iniciais de seu governo, Bolsonaro recebeu dos parlamentares demonstrações cabais de que sem eles não governaria.

A recente votação do veto ao aumento de servidores públicos enquanto perdurar a pandemia da Covid-19 demonstra bem como a relação do presidente com uma base parlamentar ainda incipiente pode trazer novos problemas para o governo.

Teve que contar com o presidente da Câmara para organizar sua base para derrotar a decisão do Senado, que derrubara o veto do presidente. Mas criou diversos atritos com os senadores, a começar com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que não quis presidir a reunião do Congresso porque já imaginava que o governo poderia ser derrotado e não queria se indispor com o governo, com cujo apoio conta para poder se reeleger.

Agora, com os ataques do ministro da Economia, Paulo Guedes, aos senadores que votaram pela derrubada do veto, Alcolumbre já não pode se omitir, pois nada importa o apoio de Bolsonaro se os senadores não quiserem reelegê-lo. “Aqui não tem voto de cabresto”, avisou um senador, referindo-se tanto a Bolsonaro quanto a Alcolumbre.

Para manter seu prestígio interno, Alcolumbre terá que colocar seu prestígio externo em jogo. A boca grande do ministro Paulo Guedes mais uma vez o coloca em confrontação com o Congresso, mas desta vez também o presidente Bolsonaro não quer afrontar seus novos aliados.

Quando Paulo Guedes ou outro ministro agredia o Congresso, recebia palmas do presidente Bolsonaro. Foi assim que o ex-ministro Abraham Weintraub começou sua derrocada, flagrado dizendo que mandaria para a cadeia “todos aqueles vagabundos”, a começar pelo Supremo.

Dito em reunião fechada, não haveria problema. Tendo o ministro Celso de Mello mandado divulgar o vídeo da reunião, tornou-se insustentável sua permanência no cargo. Desta vez, Guedes errou no timing político. Chamar os senadores que derrubaram o veto de “criminosos” foi um excesso, mesmo que se leve em conta que estava tomado por uma “santa indignação”, um sentimento justo diante da irresponsabilidade de permitir aumentos nesta crise econômica que tentamos atravessar.

O problema é que quem fala muito corre o risco de dar bom dia a cavalo, já diz o ditado popular. Guedes fala muito, e nem ele nem o governo são coerentes na maior parte das vezes. Os senadores já ressuscitaram na internet pelo menos duas declarações do ministro da Economia defendendo que os servidores que estão na frente de combate à Covid-19 seriam exceções no congelamento dos salários.

O veto do presidente foi contrário ao combinado com os parlamentares, e por isso formou-se um ambiente propício à sua derrubada. Muitos senadores espalharam que Bolsonaro queria o veto, o que parecia plausível diante das suas incoerências. Bolsonaro chama seus novos parceiros do Centrão de sócios. “Sócios no bom sentido”, alertou, assim como avisa, quando diz que ama um homem, que “é um amor hétero”.

Bolsonaro e suas contradições profundas.

Confissão
A decisão do Senador Flavio Bolsonaro de não aceitar a acareação com seu suplente Paulo Marinho sobre a acusação deste de que recebeu informações antecipadas sobre a Operação Furna da Onça e demitiu seu amigo Fabrício Queiroz para tentar apagar os rastros da “rachadinha” que ele comandava, demonstra receio de cair em contradição e ser pego na mentira. Uma confissão de culpa indesmentível.