centrão
Bruno Boghossian: Bolsonaro completa um ano sem partido e coleciona incertezas
Convites para filiação refletem fragilidades, desconfiança e projeto personalista
Um feirão partidário se abriu para Jair Bolsonaro depois de seu papelão no primeiro turno das eleições municipais. Líderes de siglas do centrão enxergaram um presidente enfraquecido pela falta de estrutura política e fizeram convites de filiação ao chefe do Planalto.
Até agora, os acenos partiram de legendas que passaram a compor o núcleo da nova base de Bolsonaro no Congresso: o PP do senador Ciro Nogueira, o PL do ex-deputado Valdemar Costa Neto e o Republicanos, que atualmente hospeda dois dos três filhos políticos do presidente.
O caminho escolhido por Bolsonaro deve fazer pouca diferença por enquanto, assim como não foi determinante sua passagem pelo partido de aluguel que serviu de veículo para a candidatura de 2018. Ainda que seja alvo de assédio de algumas siglas, seu projeto de poder é individual.
O presidente vive num vazio partidário há um ano, quando perdeu uma disputa pelo controle do PSL e decidiu deixar a sigla. Usou o peso de sua popularidade e agitou militantes fiéis, mas fracassou na missão de coletar assinaturas para criar a própria legenda —num país em que até burocratas inexpressivos chegam lá.
Bolsonaro precisará de uma legenda para tentar a reeleição em 2022. As siglas de seus amigos do centrão parecem sedutoras porque contam com uma máquina consolidada e uma fatia razoável do fundo de financiamento de campanhas. A decisão seria óbvia, mas a relação de desconfiança entre os dois lados pode inviabilizar um acordo.
Aliados aconselham o presidente a repetir a busca por um partido pequeno. A justificativa é a dificuldade que Bolsonaro (já driblado pela cúpula do ex-nanico PSL) teria em quedas de braço com caciques experimentados das siglas maiores.
As incertezas sobre o destino do presidente reforçam algumas de suas características mais marcantes: a inabilidade política, a inconsistência ideológica e o personalismo. Mesmo que encontre uma casa nova para os próximos anos, suas alianças permanecerão instáveis.
Míriam Leitão: Um país assim complicado
Tudo é sempre um pouco mais complicado quando se trata de política brasileira. Os partidos nem sempre são o que parecem, o centrão é de direita, o DEM veio do PFL, que veio do PDS, que nasceu na Arena, partido da ditadura, mas isso não quer dizer que seus líderes concordem com a defesa que Bolsonaro faz da mesma ditadura. O PSD é de Gilberto Kassab, político que se adapta a qualquer governo, mas o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, a maior vitória do partido, é crítico do presidente, principalmente da política de combate à pandemia.
A política brasileira é toda matizada, confirmando a lendária afirmação de que o Brasil não é para principiantes. O novelo das tendências políticas é tal que para entender é preciso puxar fio por fio.
O DEM tem maiores ambições, segundo aviso do seu presidente, ACM Neto, dado na entrevista publicada ontem pelo “Valor”. Quer ter um candidato ou estar na chapa da próxima disputa presidencial. Ele se fortaleceu neste primeiro turno. Aumentou o número de prefeituras e foi o que mais fez prefeito de capital logo na primeira rodada, entre elas, Salvador, onde o eleito Bruno Reis teve o maior percentual de votos e sucede a duas administrações de ACM Neto. Por que esse capital eleitoral seria posto a serviço de um presidente sem lealdades e com posições extremistas? Não seria neto de quem é se fizesse essa opção.
Na primeira República, os partidos eram estaduais. Tem horas que parece que esse DNA está ainda presente nas agremiações. O mesmo partido tem alianças diferentes dependendo da unidade da federação. Cada caso tem uma história à parte. Cada estado tem uma história toda particular de alianças, heranças e tendências.
O Acre tem uma história de extremos. Foi o primeiro estado em que o PT foi para um segundo turno, com Jorge Viana, em 1990. Depois de ser prefeito de Rio Branco, ele chegou ao governo do estado com a bandeira ambiental. Ficou dois mandatos. Veio o governo Binho Marques, que não quis concorrer à reeleição, apesar de 64% de aprovação. Em seguida, veio o criticado governo de Tião Viana. O PT teve cinco mandatos no governo estadual e quatro na prefeitura, chegou a eleger três senadores e a maioria da bancada federal. Nesta eleição, não conseguiu eleger um único vereador na capital.
Em 2018, o Acre deu a maior vitória a Bolsonaro, 82,77% dos votos. Elegeu o senador Márcio Bittar (MDB), um radical antiambiental. Junto com Flavio Bolsonaro (Republicanos) propôs o fim de qualquer reserva legal. Nesta eleição, Rio Branco levou para o segundo turno o pecuarista Tião Bocalom (PP), do mesmo partido do governador, que por sua vez apoiou a atual prefeita Socorro Neri (PSB), que está no segundo turno. Apesar da vitória acachapante em 2018 e da guinada conservadora permanecer em alta, a popularidade do presidente caiu no Acre. O único candidato que assumiu a defesa de Bolsonaro foi Ruy Duarte (MDB), que ficou em quarto lugar. O socioambientalismo sobrevive no Vale do Acre, onde nasceu, com destaque para a reeleição do prefeito de Xapuri.
O Espírito Santo teve vários governos de esquerda ou centro-esquerda, deu vitória de 63,19% a Bolsonaro em 2018. Hoje, a taxa de aprovação do presidente é de apenas 28%. O segundo turno em Vitória será disputado entre João Coser (PT), e Delegado Lorenzo Pazolini (Republicanos). Apesar do partido de Pazolini, quem teve o apoio de Bolsonaro lá foi o Capitão Assumção, um dos líderes do motim da Polícia Militar.
Qualquer estado que se olhe tem particularidades e nuances inesperadas. No Rio, o PSOL amargou um 6º lugar na disputa para a prefeitura, mas fez o vereador mais votado, Tarcísio Motta, e uma bancada de sete vereadores, tão grande quanto a do DEM e a do Republicanos que disputam o segundo turno. Em São Paulo, PT e PSDB fizeram a maior bancada, ambos com oito vereadores. Mas o PT ficou em 6º na disputa pela prefeitura. O PSOL, que foi para o 2º turno, fez a segunda maior, empatado com o DEM, que nem candidato majoritário teve.
O mesmo centrão que esteve nos governos de Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer está hoje com Bolsonaro, mas pode não estar. Segundo a definição de um político experiente: “O centrão troca de camisa quando sente o cheiro de mudança. Num dia era ‘presidenta’ Dilma, no outro votava pelo impeachment.” A política é assim complicada no Brasil.
Merval Pereira: Já foi dada a largada
O resultado da eleição municipal, nem bem terminou o primeiro turno, já tem consequência na retórica partidária. O PP, que elegeu mais prefeitos dentro do Centrão, quer levar Bolsonaro a filiar-se a ele, garantindo o protagonismo do processo eleitoral até 2022. O PSD, outro partido do grupo que teve bons resultados municipais, ao contrário, já avisou que pode ter candidato próprio na eleição presidencial.
São dois pontos de vistas distintos dentro de um mesmo grupo político, no momento no governo. Esses movimentos estão preocupando a ala ideológica do bolsonarismo, que teme perder o controle da situação para o Centrão, o que efetivamente já está acontecendo.
A relação entre PP, PSD, MDB e DEM é antiga, elegeu Rodrigo Maia presidente da Câmara. A diferença entre os dois grupos é muito menor do que entre o Centrão e Bolsonaro. Bolsonaro é outra turma, é da extrema direita. O centrão se adapta a qualquer governo. Trabalhou com Lula, Dilma, FH. Não é um partido ideológico, é pragmático e quer estar no poder. À medida em que a coisa for caminhando, acho que tem mais chance de o centrão se alinhar ao DEM e ao MDB do que seguir com Bolsonaro até a eleição.
Inclusive porque Bolsonaro hoje é mais dependente de Centrão do que o Centrão de Bolsonaro. Bolsonaro não tem o que fazer, porque não tem apoio organizado no Congresso, como o PT, que tinha base, e a esquerda ao lado, e mesmo assim perdeu. Bolsonaro não tem ninguém. Enquanto puder ficar do lado governo, tirando vantagens de nomeações e ministérios, o Centrão vai aproveitar, estará no lugar certo no momento certo se Bolsonaro for bem sucedido.
Se o vento mudar, lá estará o Centrão na oposição. Restará a Bolsonaro “romper” com o Centrão, voltando a seu discurso de crítica de “velha política”, mas agora sem credibilidade. É uma situação incômoda para Bolsonaro, muito cômoda para o centrão. O DEM está há muito tempo ajudando Luciano Huck. Maia e ACM Neto têm reuniões frequentes com ele. Tudo se encaminha para o lançamento de uma candidatura própria do Luciano Huck, com o DEM apoiando. Roberto Freire, o presidente do Cidadania, também está muito próximo de Huck, e há a possibilidade de uma aliança com de centro-esquerda, com a direita embarcando. Ou simplesmente uma chapa de centro-direita, com o apoio de diversos partidos.
Teríamos, então, dois candidatos ao centro. O governador João Dória tem um partido forte como o PSDB, teve vitória arrasadora em São Paulo, com a eleição de prefeitos e vereadores pelo interior do Estado, e tem Bruno Covas favorito na cidade de São Paulo. O PSDB perdeu 30 por cento das prefeituras, mas continua sendo o quarto partido que mais elegeu prefeitos.
Rodrigo Maia já disse que Moro é de extrema-direita e não quer conversa com ele. Mas Doria quer, e pode perfeitamente lançar uma chapa forte com Moro. Provavelmente, ficarão pelo menos esses dois grupos de centro-direita, com a dificuldade de alianças no primeiro turno. No outro lado, Bolsonaro e ainda várias esquerdas.
Se Lula abrir mão de ter o PT como protagonista, as outras legendas de esquerda terão mais chances. É interessante, Lula é autoritário, não deixa ninguém crescer do lado dele, não quer fazer acordo com ninguém, mas continua sendo a grande figura da esquerda brasileira. Ao mesmo tempo, se abandonar Lula, o PT é um partido em decadência, e o PSOL é o PT do início.
Lula perdeu três vezes antes de chegar à presidência, porque liderava um PT mais radical. Até chegar ao ponto de o PSOL ter capacidade de negociar, fazer acordos, vai demorar muito. Nascido de uma dissidência do próprio PT contra a corrupção no mensalão, o PSOL está a caminho de predominar na esquerda brasileira, sem a pecha de “clientelismo governamental, negócios por baixo do pano e propinas na casa dos bilhões”, como definiu o ex-presidente americano Barack Obama em seu novo livro, o mesmo que um dia disse que Lula era “o cara”.
Rosângela Bittar: Centrão na cabeça
Das disputas municipais saem fortalecidos o PSD, o MDB e o PP, segundo previsões
O presidente Jair Bolsonaro cometeu um erro essencial de política. Transformou um presságio em uma aposta do tipo cara ou coroa. No fim, quedou-se paralisado, à espera de uma decisão por pênaltis que não virá porque nem sequer consta do regulamento. Por este momento de alucinação, torpor e instabilidade, Bolsonaro terá de operar uma desafiadora metamorfose: transformar-se de radical raivoso em moderado condescendente.
Se vai conseguir é o que veremos nos próximos meses. No momento, comporta-se como reles perdedor em série. Perdeu com a vitória de Joe Biden e Kamala Harris. Perdeu com o revés de Donald Trump, um modelo pessoal e político. Perdeu com o péssimo desempenho de seus candidatos nas eleições municipais. Perdeu diante do impulso de reação dos seus adversários presidenciais, que foram acordar logo agora, na sua maré baixa.
Isolado, o presidente consolidou a condição de maior refém do Centrão, sendo a única saída para sobreviver e ainda pleitear a reeleição. Por esta dependência presidencial, o Centrão se fortaleceu. Sobretudo porque sairá revitalizado das eleições municipais.
Para avaliar o preço que o Centrão cobrará não é preciso ter imaginação. Seus parlamentares sabem onde, quando e como tomar de assalto o governo. No restrito grupo de aliados fanáticos do presidente ainda se ouvem apelos esparsos para ele recrudescer nas atitudes de beligerância, fugindo, como sua matriz, à realidade. Mas o Centrão vai pressionar em contrário. Acredita ser fácil mostrar ao presidente que sua tropa é a última reserva de que ele dispõe.
Bolsonaro não tem saída, certamente refletirá sobre as transformações a que deve se submeter. As mais difíceis não estão relacionadas à troca dos ministros, que ele poderá sacrificar, sem problemas, doando-lhes outras vantagens.
Terá, porém, de redimensionar alguns caminhos. A importância da rede social como instrumento principal de campanha se relativizou. Com a chegada da regulação das empresas de tecnologia, que tiram mentirosos do ar, as redes deixaram de ser espaço livre por onde circulavam, impunemente, a falsidade e o conflito. Bolsonaro terá de reinventar o uso e abuso desses meios. Neste capítulo, o difícil será atender a família, insaciável, permanente e agressiva. Desta não dá para se livrar.
Não colou, até agora, a tática de denúncia antecipada de fraudes na eleição. Trump não conseguiu sensibilizar nem todo seu eleitorado e Bolsonaro vem denunciando, sem sucesso, fraude na eleição que venceu, de 2018. Imagine-se o que fará numa eleição que poderá perder. Desde sempre incentiva aliados a apresentarem projetos para a volta do voto impresso. Renegando a tecnologia, cada vez mais dominadora e irreversível.
E o fantasma do comunismo? Não deu certo lá e não tem apelos mais fortes no Brasil. Embora tenha feito sua carreira política em cima destas fixações, Bolsonaro deve avaliar sobre como se livrar destes anacronismos que são a sua essência.
É impossível ter êxito num recuo tão radical em temas de que está impregnado o seu cotidiano, mas pode tentar. A negação da ciência na pandemia, por exemplo, exige-lhe revisão urgente, e ele insiste em politizar a vacina, a doença e a morte. Como fez ainda ontem. Mudar seria uma guinada e tanto para Bolsonaro.
E dele se exige que preste atenção aos fenômenos que, se não configuram nova onda política, podem lhe servir de alerta. Os progressistas que se opõem ao seu receituário estão ganhando todas na vizinhança. Além dos Estados Unidos, vimos Argentina, Bolívia, o plebiscito do Chile e, bem antes, o México. É para pensar.
Desde que se aproximou do Centrão, Bolsonaro tem alternado radicalismo e moderação. Das disputas municipais saem fortalecidos o PSD, o MDB e o PP, segundo as previsões para a votação no domingo. A colheita eleitoral desses partidos dará a dimensão precisa da transformação que Bolsonaro precisa realizar, se quiser se manter no poder.
Folha de S. Paulo: Centrão diz que é cedo para tratar de chapa Huck-Moro
Líderes parlamentares avaliam como ruim o 'timing' para encontro entre apresentador e ex-ministro
Danielle Brant e Renato Machado, da Folha de S. Paulo
A construção de uma chapa à Presidência que reúna o apresentador Luciano Huck e o ex-ministro Sergio Moro é vista como embrionária por líderes de partidos de centro (entre eles siglas que formam o chamado centrão), para quem a dupla ainda precisaria de apoio no Congresso para se tornar viável.
Uma aliança entre os dois forjada para se contrapor ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em 2022 começou a tomar forma após um almoço entre Huck e o ex-juiz da Lava Jato em Curitiba no final de outubro, como revelado pela Folha.
Logo que o encontro se tornou público, no entanto, a articulação foi bombardeada por importantes nomes de partidos do centro e centro-direita, entre eles o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que exerce forte influência na sigla.
À colunista Mônica Bergamo, da Folha, Maia afirmou na segunda-feira (9) que Moro era de extrema direita e descartou qualquer apoio a uma chapa composta pelo ex-juiz.
No mesmo dia, o deputado e o apresentador almoçaram no Rio de Janeiro. Segundo o colunista Lauro Jardim, Huck teria dito que sua "turma" era a do presidente da Câmara e lembrado que já se reuniu com outros nomes além de Moro, como os governadores do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB).
Por enquanto, Maia é voz praticamente isolada nas críticas públicas a uma chapa formada por Huck e por Moro.
Líderes e presidentes de partidos de centro no Congresso adotam cautela e avaliam que ainda é cedo para fazer qualquer análise sobre uma eventual aliança de ambos para se contrapor à tentativa de reeleição de Bolsonaro.
"Acho muito cedo para dizer se terão ou não nosso apoio", afirma o líder do Solidariedade na Câmara, deputado Zé Silva (MG). "Prestígio e fama não asseguram competência para fazer gestão pública com eficiência e eficácia."
O Solidariedade é um dos partidos que compõem o centrão, junto de PP, PL e Republicanos.
O senador Esperidião Amin (PP-SC), líder do bloco formado por senadores de PP, Republicanos e MDB, afirmou que a chapa Moro-Huck ainda se mostra uma "especulação sem qualquer consequência" e não "um projeto".
"Nós estamos em uma pandemia. Temos um período eleitoral que vai até o dia 29. Então eu nem tenho coragem de discutir a sucessão no Senado quando me perguntam, quanto mais 2022", disse.
"Não estou criticando quem queira discutir. [Mas] O Huck almoçar com o Rodrigo Maia. O Rodrigo Maia deveria estar preocupado em organizar a comissão do Orçamento", afirmou.
Congressistas também afirmaram que o "timing" do encontro entre Huck e Moro demonstra uma falta de conhecimento da política nacional, que avaliam ser um ponto negativo para a aliança.
Um senador, que não quis se identificar, disse que os dois foram ingênuos se consideraram que o encontro não seria descoberto ou então, caso soubessem que seria divulgado pela mídia, escolheram o momento errado para se reunirem, semanas antes do primeiro turno das eleições municipais —com a atenção de políticos e do público voltada para esse tema.
Além disso, nos bastidores, a interpretação é que, se quiserem se tornar uma chapa viável, ambos precisam buscar apoios partidários e evitar incorrer no que é visto como um equívoco de Bolsonaro: vencer a eleição sem uma base consolidada e, agora, depender do apoio de partidos do centrão para aprovar projetos de interesse do governo no Congresso.
Bolsonaro se elegeu pelo PSL, mas rompeu com o partido em novembro de 2019, em uma decisão que rachou a legenda e diluiu a rede de congressistas que respaldam os textos do Executivo.
Diante da ameaça de processos de impeachment, precisou recorrer à política do "toma lá dá cá" e oferecer cargos ao centrão —formado por partidos como PP, PL e Republicanos— em troca de votos.
"Eu sempre acho que, por trás de uma candidatura, tem que ter uma base partidária forte de sustentação, para não acontecer o que aconteceu com o Bolsonaro, que chega ao poder, criticou a vida inteira a política velha, a política do centrão, e hoje é ícone do centrão", disse o senador Otto Alencar (PSD-BA), líder da legenda.
Para não correrem risco de ficar sem base no Congresso, uma aliança entre Moro e Huck precisaria do apoio não só do centrão, mas de partidos com grandes bancadas, como MDB e DEM —que somam 63 deputados.
Os congressistas avaliam que alianças apenas eleitorais pouco contribuiriam para criar uma situação de governabilidade.
Por isso consideram que a época de "dois outsiders" na mesma chapa tenha se encerrado com a eleição de Bolsonaro. Acham mais viável uma chapa com uma figura de alta popularidade fora da política compondo com algum político de partido estabelecido.
A viabilidade da chapa também esbarra em alguns outros entraves.
Um deles é a interpretação de que Huck e Moro não representariam uma candidatura de centro, como argumentou o ex-ministro Ciro Gomes (PDT), presidenciável que terminou em terceiro lugar na eleição de 2018.
"No dia em que [o governador de São Paulo, João] Doria, Huck e Moro forem de centro, eu sou de ultraesquerda, o que eu nunca fui", disse na segunda-feira.
O senador Otto Alencar também tem posição parecida, afirmando que Moro é uma figura política de direita.
"Se o Moro foi ser ministro de Bolsonaro é porque ele concorda com o Bolsonaro. Se a demissão mudou o juízo dele, aí é outra história", provocou o senador.
"Na minha opinião, ele [Moro] não tem nada que ver com centro. Eu, por exemplo, defendo uma posição de centro-social, centro-esquerda, uma posição bem organizada de finanças e trabalho para conter o déficit fiscal e investir tudo o que puder na educação, na saúde e ação social", disse Alencar.
Em setores do Congresso, o discurso anticorrupção de Moro abre portas, enquanto há dúvidas sobre quais pautas seriam prioritárias para Huck —para alguns, o apresentador é pouco liberal e inclinado a uma agenda social.
Mas o ex-ministro também tem rejeição mais forte, principalmente por deputados que criticam a forma como conduziu a Lava Jato.
A aproximação de Huck e Moro seria, na leitura de congressistas, um balão de ensaio para testar a recepção aos dois nomes. Nesse contexto, alguns interpretam a decisão de Huck de almoçar com Maia logo após as críticas do deputado ao ex-ministro como uma tentativa de reorganizar o apoio.
Assim, em vez de compor chapa com o ex-juiz, Huck poderia se filiar ao DEM. Isso abriria também caminho para uma aliança com Doria, o que eliminaria um dos argumentos que poderiam ser usados contra o discurso de que se trata de alternativa ao governo: o de que Moro, afinal, fez parte do governo Bolsonaro até abril deste ano.
Catarina Rochamonte: A Constituinte do centrão
Em uma de suas frases acerbas a respeito da nossa Carta de 1988, Roberto Campos a descreve como "saudavelmente libertária no político, cruelmente liberticida no econômico, comoventemente utópica no social." Essa é, de modo geral, a visão liberal acerca da atual Constituição. Reavaliá-la deve estar no horizonte político, e o Congresso guarda poder para modificá-la através de emendas.
Embora seja possível uma nova Constituinte, ela configura uma ruptura com a ordem em vigor e normalmente resulta de lutas sociais, revoluções ou golpes de Estado. Pode resultar também de um descarado oportunismo político, como é o caso do projeto que o líder do governo, Ricardo Barros, pretende submeter ao Congresso no sentido de viabilizar um plebiscito para uma nova Constituinte. Felizmente a proposta está sendo amplamente repudiada.
Tentando evitar desgastes ao governo, o general Mourão disse que a ideia de Barros foi um "voo solo". Não convence. O líder de Bolsonaro é um dos ases do fisiologismo político e sempre vai por onde sopra o vento coletivo do centrão. Em seguida, veio o próprio Barros dizer que errou "em não consultar o governo antes". Convence menos ainda. Até porque ele continua a tocar o projeto sem nenhum óbice por parte do presidente.
O interesse da Constituinte disparatada é a impunidade. A questão crucial dos políticos fisiológicos que controlam o Congresso é impedir que políticos corruptos sejam investigados e presos: "estancar a sangria", como revelou lá atrás Romero Jucá.
A construção da impunidade dos grandes, coisa que chamam de "governabilidade", é a razão de ser do centrão, tão bem representado pelo líder Ricardo Barros. Tal estratégia é uma questão de sobrevivência, pois o centrão abriga uma variada gama de políticos sob investigação judicial, denunciados, réus; alguns presos.
Mas eles nem precisavam se arriscar em uma proposta tão ousada quando a impunidade já vai indo tão bem na atual conjuntura política.
*Catarina Rochamonte, doutora em filosofia, autora do livro 'Um olhar liberal conservador sobre os dias atuais' e presidente do Instituto Liberal do Nordeste (ILIN)
Carlos Pereira: O centro deixará de ser órfão?
É no mercado eleitoral nutrido de frustrações e decepções tanto com Bolsonaro como com o petismo que terá o potencial de emergir um candidato de centro em 2022
A polarização entre o PT e Bolsonaro deixou os eleitores ideologicamente de centro órfãos de alternativas nas eleições de 2018. Esses dois extremos se retroalimentaram, não deixando espaço para o fortalecimento de candidaturas competitivas como alternativa a esses dois polos extremados.
Mesmo ainda muito distante das eleições, já é possível identificar alguns sinais de que a polarização PT vs. Bolsonaro tende a se enfraquecer.
Por um lado, já existem claras evidências de que uma parcela não trivial de eleitores que votaram em Bolsonaro em 2018, especialmente para evitar a vitória do PT, não estaria mais disposta a reeleger o Presidente. Esses eleitores de perfil pragmático, especialmente residentes no Sudeste, com alta escolaridade e renda se frustraram fortemente com o governo Bolsonaro diante da má gerência da pandemia da COVID-19.
Resta a Bolsonaro o apoio fiel do seu núcleo ideológico mais conservador que se nutre de vínculos indentitários com a sua liderança carismática. Além do mais, um novo mercado de eleitores se abriu para o presidente a partir do auxílio emergencial da pandemia. Mas esse auxílio já tem data para acabar.
Para que essa nova conexão eleitoral se fidelize, será necessário que o governo consiga novas fontes de recurso, seja por via de remanejamento orçamentário de outras políticas sociais ou aumento da carga tributária. Qualquer uma dessas alternativas encontrará fortes resistências na sociedade e no legislativo.
Pelo lado da esquerda, também existe muita frustração. O PT ainda patina na agenda falida do “Lula livre” e não consegue ser alternativa de oposição crível ao governo. O partido talvez seja, mais uma vez, o grande derrotado das eleições municipais deste ano. Corre o risco de perder o protagonismo de ser o núcleo do qual os outros partidos de esquerda gravitavam.
É justamente neste mercado eleitoral, nutrido de frustrações e decepções tanto com o governo Bolsonaro como com o petismo, que terá o potencial de emergir um candidato competitivo de centro como alternativa à polarização em 2022.
*Cientista político e professor titular da FGV- Ebape
Merval Pereira: Olho grande
A crise desencadeada pelo agressivo tuíte do ministro do Meio-Ambiente Ricardo Salles contra seu colega de ministério, Luiz Eduardo Ramos, não se encerrou com a tentativa de Bolsonaro de passar pano sobre o caso. O apelido de “Maria Fofoca” jogado nas redes sociais por Salles, além de desrespeitoso, serviu para excitar a ala ideológica do governo, que gosta dessas baixarias como instrumento de luta política. Incentivada pelos próprios filhos do presidente, que foram ao Twitter apoiá-lo.
A situação difícil em que foi colocado, como ele mesmo define, fez com que o ministro chefe da Secretaria de Governo da Presidência Luiz Eduardo Ramos se tornasse o centro de uma disputa política que não foi de sua escolha.
Desde que foi Comandante Militar do Sudeste, com sede em São Paulo, o General Ramos acostumou-se a lidar com políticos, fazendo questão de manter uma relação suprapartidária que incluía até mesmo o PT, quando isso era uma ousadia. Não foi por acaso, portanto, que foi escolhido para ser o interlocutor do governo com o Legislativo, tarefa que vinha exercendo com eficiência e correção até que grupos do Centrão esticaram o olho para seu cargo.
O interessante nesse caso é que coube a Ramos fazer a aproximação do presidente Bolsonaro com os políticos do Centrão, quando ficou claro que era necessário montar uma base parlamentar e entrar no jogo político tradicional para evitar crises, que poderiam levar ao impeachment.
A ambição do Centrão está tendo resistência de um bloco de parlamentares que não comungam com a agressividade das redes sociais, enquanto o ministro Salles atua em sintonia com a ala ideológica do governo, que tem nas redes sociais sua maior arma política.
Embora acostumado às negociações políticas, o General Ramos não se acostumou a traições e jogo baixo nas redes sociais. Tendo ido recentemente para a reserva, deve estar agradecendo por ter tomado tal atitude, pois agora a crise que enfrenta não envolve tão diretamente o Exército como se ainda estivesse na ativa, o que Bolsonaro queria.
O General Ramos foi o primeiro militar a entender que sua permanência na atuação política do governo estaria prejudicada se continuasse na ativa, o que não ocorreu ao General Eduardo Pazzuelo, general de três estrelas que foi humilhado publicamente nos últimos dias pelo presidente Jair Bolsonaro.
A relação entre os militares que estão no governo e os civis que começaram a povoar os cargos a partir da aliança com o Centrão é conturbada pelos diversos sinais desencontrados que emanam dela. Na fase inicial do governo Bolsonaro, os militares ganharam poder e dominaram o espaço do Palácio do Planalto.
Tudo indicava que seriam eles os organizadores das ações políticas e administrativas do governo, e isso deu ao presidente Bolsonaro uma sensação de poder que ele propositalmente usou para ameaçar os que se opunham a ele. Durante muito tempo Bolsonaro escudou-se nos militares para anunciar uma blindagem que não tinha, mas aparentava ter.
Os militares até hoje aceitam a liderança de Bolsonaro sem contestações, embora nos bastidores episódios como os do General Pazzuelo tenham repercutido mal, ainda mais por ser um militar da ativa. Até o momento, os ministros militares ainda ocupam os principais cargos dentro da estrutura do governo no Palácio do Planalto, e têm os instrumentos administrativos para manter o poder.
A guerra de verbas no ministério do Meio-Ambiente se refere mais às ações políticas do que propriamente ao dinheiro do orçamento. Prova disso é que nas duas ocasiões em que órgãos do ministério anunciaram paralização por falta de verba, ela apareceu imediatamente.
O entendimento dos ministros ligados ao tema, inclusive o vice-presidente Hamilton Mourão, é de que Salles usa a dificuldade de orçamento para criar fatos consumados e jogar para os ministros que controlam o orçamento, como Paulo Guedes da Economia, a batata quente. O ministro Ramos está conseguindo apoios importantes nessa briga com Salles, o mais importante deles o do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que não apenas o apoiou, como atacou Salles, acusando-o de, além de destruir o meio-ambiente, tentar destruir o próprio governo.
Outros políticos do Centrão, como o presidente do PSD, Gilberto Kassab, e o senador Ciro Nogueira, apoiaram Ramos, numa briga intestina que só deve terminar quando o presidente Bolsonaro definir para que lado quer ir. A política internacional, se uma vitória de Joe Biden for confirmada, pode ter peso decisivo nessa definição.
O Estado de S.Paulo: Guinada ao Centrão reduz protagonismo das Forças Armadas no governo
Militares silenciam e perdem status de ‘garantidores’ com aliança entre Bolsonaro e grupo que ele sempre criticou
Tânia Monteiro, O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA – Protagonistas do governo, os militares têm assistido sem contestação a uma guinada do presidente Jair Bolsonaro. Com 6.157 cargos em todos os escalões da administração federal, a ala militar optou por se manter em silêncio diante da decisão do chefe do Executivo de se aliar ao velho Centrão, de se juntar a quem sempre criticou e também de suas frequentes “cotoveladas” nos generais da Esplanada dos Ministérios.
Com Bolsonaro desde a campanha, os militares eram vistos por parte do eleitorado como uma garantia de que o presidente, um político oriundo do baixo clero e com forte viés ideológico, seria tutelado. Eleito, Bolsonaro virou o jogo, ofereceu privilégios e hoje recebe dessa ala consentimento até mesmo quando dá um “cala a boca” público num general da ativa.
Poucas horas depois de ter sido desautorizado publicamente com um “Quem manda sou eu, não vou abrir mão da minha autoridade” – e obrigado a cancelar o acordo para a compra de 46 milhões de doses da vacina contra covid-19 –, o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, recebeu a visita de Bolsonaro – que saiu de lá, na quinta-feira, com o que foi buscar. “É simples assim: um manda e outro obedece”, disse o general, com um leve sorriso no rosto. O vídeo, gravado no hotel onde Pazuello se recupera do tratamento de coronavírus, revela, ainda, que ele seguiu mais uma instrução do chefe: não usava máscara. Bolsonaro também estava sem a proteção no rosto.
Nesse e em outros episódios que os atingiram, os militares preferiram não reagir. Os generais da reserva Hamilton Mourão, vice-presidente; Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, além dos demais oficiais influentes, deixaram de lado os discursos contundentes que marcaram a geração militar pós-ditadura.
Escândalo da cueca
Nas últimas semanas, eles também adotaram o silêncio quando Bolsonaro escolheu o desembargador Kassio Marques, ligado ao Centrão, para o Supremo Tribunal Federal, e após o escândalo protagonizado pelo senador Chico Rodrigues (DEM-RR), então vice-líder do governo, flagrado pela Polícia Federal com dinheiro na cueca. Ficaram calados, ainda, quando Bolsonaro atacou o ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro da Justiça Sérgio Moro.
As postagens de Villas Bôas no Twitter, em um passado não muito distante, sempre eram aguardadas a cada escândalo político e movimento de opositores. Em abril de 2018, por exemplo, às vésperas do julgamento pelo Supremo do habeas corpus em favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Villas Bôas repudiou a “impunidade”. Procurado pelo Estadão, o general não quis se pronunciar. A amigos, ele tem dito que, neste momento, a “maior contribuição é o silêncio”.
A omissão sobre os últimos movimentos do governo virou motivo de meme nas redes sociais. “Não se esqueça de parabenizar as conquistas de nossos militares que se sacrificaram pela Nação: conseguiram se safar da reforma da Previdência; ganharam aumento durante a pandemia; vão se safar da reforma administrativa e vão ganhar mais dinheiro do que o Ministério da Educação”, diz um deles.
O general da reserva Luiz Cesário da Silveira Filho, ex-comandante Militar do Leste, no Rio de Janeiro, e crítico da ex-presidente Dilma Rousseff por causa da criação da Comissão da Verdade, considerou “um engano” achar que as Forças Armadas poderão ser prejudicadas pela existência de militares no governo. “O povo sabe separar isso daí”, disse ele. “Não tinha outra saída (a não ser se aliar ao Centrão) para garantir governabilidade e aprovar medidas.”
Professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), o pesquisador Carlos Melo rejeita a tese quase hegemônica na caserna de que a aliança com o Centrão era inevitável para garantir a governabilidade. “Alguns militares podem achar isso porque foram convencidos ou se deixaram convencer. Só que Bolsonaro se cercou do Centrão também por suas conveniências, que envolvem questões pessoais, de Justiça, os filhos, a família”, observou.
Melo avalia que Bolsonaro não precisava do Centrão para garantir a aprovação de projetos na Câmara e no Senado porque, mesmo sem base parlamentar, ele contou com “boa vontade extraordinária” do Congresso, aprovando, inclusive, a reforma da Previdência. “A aproximação com o bloco foi questão de proteção. Bolsonaro se aliou ao Centrão não para ter governabilidade, mas para ter blindagem por conta dos seus problemas políticos e até familiares”, argumentou o pesquisador do Insper.
General defende ‘governo de coalizão’
Antecessor de Heleno no GSI, o general da reserva Sérgio Etchegoyen defende o modelo de “governo de coalizão” do Planalto. Ex-ministro do governo Michel Temer, Etchegoyen disse à reportagem do Estado que “imaginar que seja possível governar um país complexo sem fazer composição nem alianças é um sonho impossível”. Em sua avaliação, “a composição, quando é sadia, tem um grande benefício”.
O ex-ministro da Defesa Raul Jungmann advertiu, por sua vez, que os militares e as Forças Armadas têm muito a perder ao se identificar com um governo, e não com a “totalidade” da Nação. “Esse é um risco que deve ser evitado a todo custo”, destacou Jungmann. Um ex-integrante do Alto Comando das Forças Armadas, que preferiu não dar declarações públicas sobre o tema, admitiu existir na sociedade “uma percepção muito grande” de que as Forças Armadas estão extremamente associadas ao presidente.
Alon Feuerwerker: Um adversário de cada vez
O centro erra ao combater ao mesmo tempo a esquerda e a direita
O movimento do presidente Jair Bolsonaro no sentido de uma composição com o chamado Centrão parlamentar tem algo, sim, de moderação. Mas já foi bem diagnosticado como uma guinada para a preservação do poder. Ele soube detectar de onde vêm as maiores ameaças: daqueles que o ajudaram na eleição, mas a contragosto.
A flexão tática bolsonarista ao dito centro trouxe um efeito colateral interessante, um fenômeno ainda por medir e observar. Um “novo centro” que, paradoxalmente, radicaliza pela direita. Uma reação de parte do bolsonarismo puro e deixado para trás, agora já um quase ex-bolsonarismo, e que tem tudo para se agrupar em torno do ex-ministro Sergio Moro.
Aliás, como era previsível, e foi previsto, ele desponta firme para se viabilizar no arco-íris do autodeclarado centrismo.
Aconteceu algo semelhante com Luiz Inácio Lula da Silva quando precisou se dobrar à realidade da política. Mas com uma diferença. O que espirrou para fora do barco (o PSOL) não tinha então musculatura nem lideranças capazes de fazer o PT sofrer de verdade a curto prazo.
Se juntar Luciano Huck, Sergio Moro e João Doria, algum jogo pode dar. Há a natural dificuldade de fazer dois dos três abrir mão. Até porque o prêmio parece apetitoso: assumir a Presidência da República com o apoio maciço do establishment e do que Roberto Campos chamava de “a opinião publicada”. Algum membro do trio aceitará ser vice? Vai saber…
“Se juntar Huck, Moro e Doria, algum jogo pode dar, mas será difícil fazer dois deles abrir mão”
Um desafio? O Brasil não chegará a 2022 em situação econômica brilhante. Haverá provavelmente, e inclusive em decorrência da Covid-19, mais pobres e quase tantos desempregados quanto havia quando Dilma Rousseff foi removida do Planalto. Se não mais.
Por que a referência é o ocaso de Dilma? Porque ao fim de 2022 já terão se passado longos mais de seis anos desde que foi apeada. E de lá para cá as políticas econômicas vêm seguindo uma linha de continuidade. E sempre com o apoio do antibolsonarismo dito de centro. É razoável, portanto, que o debate em 2022 volte a girar em torno da economia. O resultado das escolhas feitas. Isso se a oposição for esperta.
Um debate político centrado na economia não será muito confortável para o chamado centro, em seus diversos matizes, pois terá de explicar por que depois de mais de seis anos as coisas continuam, na essência, do jeito que estavam antes. E como encarnar o anseio de mudança propondo mais do mesmo? Não será trivial.
E tem ainda aquele outro problema, já detectado em 2018. A insistência em querer combater simultaneamente a esquerda e a direita que se assume como tal. É a história do gato que persegue dois ratos ao mesmo tempo. O mais provável, quase certo, é não capturar nenhum. Aliás, a experiência de 2018 já deveria ter servido para alguma coisa.
Poderiam aprender também com Joe Biden. Não dá para antever que o democrata vai ganhar, mas, por enquanto, ele mostrou ter absorvido uma lição fundamental na política. Procure sempre acertar na definição do adversário principal, que a cada momento é apenas um. O custo de errar nisso costuma ser muito alto.
*Publicado em VEJA de 21 de outubro de 2020, edição nº 2709
Conrado Hübner Mendes: O centrão se bolsonarizou, não o contrário
Bolsonaro, calado, não vira poeta; moderação está nos olhos de quem não vê
Bolsonaro não foi ao centro. O centrão foi a Bolsonaro. Centrão só é centro para o idiota da literalidade, que dá as mãos ao idiota da objetividade e olha o país desde sua câmara hiperbárica de análise política.
Na biologia do Planalto, centrão é um animal invertebrado que parasita o interesse público e o desfigura. Não é centro pois não tem substância nem de centro, nem de qualquer coisa. Esse corpo sem alma abraça Deus e o Diabo se Deus e o Diabo o deixarem se locupletar.
Produziu-se nesses anos vasta literatura sobre riscos à democracia. Relatórios e livros explicaram que o golpe saiu de época e foi substituído por técnicas menos espetaculares de fechamento. No lugar do tanque, a demolição gradual, parede por parede. A desconstrução, não a implosão, mostrou-se mais eficaz nessa onda de autocratização pelo mundo.
Para surpresa geral, Bolsonaro parecia jogar à moda antiga e insinuava intervenção militar no STF. O golpe fraquejou e se encerrou na notinha de Heleno advertindo sobre "consequências imprevisíveis". Muitos dos que alertavam que o golpe não era o verdadeiro risco agora respiram aliviados e anunciam "risco superado".
Afinal, o golpe falhou. E, se não há golpe, há triunfo democrático. O raciocínio não tem lógica mas agrada o coração. Foram só 20 meses de governo e a análise política voltou a adotar a certeza categórica como estilo retórico. A pílula tranquilizadora saiu até em capa de revista. A ciência política, escaldada, não recomenda tamanha confiança.
Se foi manobra de genialidade política ou sorte, não importa. Funcionou bem. Bastou gesto tático do presidente, receoso com os casos criminais que o implicam, e proclamaram vitória da "democracia risco zero". A profecia se autorrealizou com o toque do centrão.
A democracia com déficit de atenção se acalmou, mas os fatos narram história diversa: à medida que a morte se espalha e o negacionismo pandêmico se reforça, o autocrata amplia popularidade e chance de reeleição (momento-chave no script da autocratização).
Continua a incitar o crime na Amazônia e a assegurar leniência fiscalizadora; está vencendo na política de armamento e na inviabilização do direito à segurança pública; multiplicam-se candidaturas eleitorais de policiais e militares e não se cogita regulação a respeito; a militarização e damarização do Estado se aprofundam.
Na política pública não se vê moderação. Florestas continuam queimando e Salles sorrindo, Damares continua a colocar recurso público nas suas ONGs sem licitação, o país continua a se alinhar à Arábia Saudita contra direitos das mulheres na ordem internacional; instituições de Estado têm sido avaliadas por sua lealdade à nova era; já se pode falar em juízes bolsonaristas e promotores bolsonaristas, não só em policiais bolsonaristas.
Moderou-se nas palavras? Justo as palavras, com as quais poucos se importaram enquanto Bolsonaro celebrava golpe de 1964, defendia tortura, torturador e ditadura? Ou agredia negro, homossexual, jornalista, cientista, professor e estudante? Ou ameaçava enviar militante para a ponta da praia, local de desova de corpos assassinados na ditadura?
Faltam só algumas bombas que Bolsonaro precisa desarmar: a CPMI das fake news, sob o poder de agenda de Alcolumbre; o inquérito das fake news no STF, sob comando de Alexandre de Moraes; e as pendências criminais de Flávio Bolsonaro, Queiroz e Wassef no STF, reunidas no gabinete de Gilmar Mendes, o maestro do centrão magistocrático.
Gilmar Mendes demorou a se reacomodar no tabuleiro desde 2018. Teve até que chamar Bolsonaro de genocida e amansar generais antes de voltar a ser o eixo gravitacional do xadrez de Brasília. Pela sua sala de jantar passam hoje a reeleição de Alcolumbre e Maia na presidência das Casas do Congresso e a nomeação de novos ministros do STF. Bolsonaro foi lá pedir a bênção ao ministro que julga seus interesses.
O bolsonarismo, com ou sem Bolsonaro, é a mais agressiva ameaça à democracia brasileira. Bolsonaro, calado, não vira poeta. Se o estilo de governo mudou, suas ações e inações seguem esvaziando políticas públicas, intoxicando o espaço cívico e combatendo os canais de produção da verdade. Pode chegar a hora em que Bolsonaro se torne dispensável.
Moderação está nos olhos de quem não vê.
*Conrado Hübner Mendes, professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e embaixador científico da Fundação Alexander von Humboldt.
Merval Pereira: O fantasma de Bolsonaro
Não vale a pena ficar revoltado com o cinismo do presidente Bolsonaro quando diz que acabou com a corrupção no Brasil. Quando todo poderoso ministro-chefe do Gabinete Civil, José Dirceu tinha um mantra. Repetia, para convencer os incautos: “Este é um governo que não rouba nem deixa roubar”.
Por baixo do pano, corria solto o mensalão, com os mesmos partidos que hoje formam a base parlamentar do governo Bolsonaro. Imaginar que esses mesmos políticos possam hoje estar imunes às práticas nada republicanas que levaram muitos deles a serem investigados, denunciados ou condenados na Operação Lava-Jato, é ser ingênuo, o que Bolsonaro e os seus não são.
Como sempre, o que Bolsonaro mira é sua reeleição, e acabar com a Operação Lava-Jato significa para ele um trunfo eleitoral, pois teoricamente apagaria a memória do ex-juiz Sérgio Moro, que Bolsonaro considera um concorrente perigoso em 2022.
Por isso também o presidente está interessado em desmoralizá-lo através da sua condenação na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) como juiz parcial no julgamento do ex-presidente Lula no caso do triplex. Pode, no entanto, estar dando um tiro no pé ao empenhar seu escolhido para a vaga no Supremo em uma ação pessoal contra Moro.
A fixação de Bolsonaro em seu antigo auxiliar é tamanha que, ao ser questionado sobre a escolha do desembargador Kassio Marques para o STF, respondeu irritado: “Você queria que colocasse lá o Moro?”. Acabar com a Lava-Jato seria acabar com as investigações sobre corrupção, uma maneira simples de acabar com a corrupção, que continuaria escondida como sempre aconteceu no Brasil antes do mensalão e, sobretudo, do petrolão levantado pela Operação Lava-Jato.
Une Bolsonaro e alguns ministros do Supremo a idéia de que aniquilar a imagem de Moro como justiceiro fará com que a Justiça brasileira volte a seu curso normal, com o Supremo sendo o último bastião de defesa do devido processo legal. Boa parte do Supremo, porém, considera que o “garantismo” que critica a Lava-Jato quer, na verdade, ter o controle dos processos de políticos, blindando-os da Justiça de Curitiba.
Esses juízes chamados “consequencialistas”, ou “punitivistas” consideram, como o ministro Luis Roberto Barroso já disse, que o sistema de Justiça criminal no Brasil foi feito para não funcionar, protegendo os privilegiados. O que os ministros “garantistas” consideram excessos da Lava-Jato, os que a defendem acham que são medidas necessárias para evitar que fiquem impunes os privilegiados.
A partir do mensalão, em 2005, até recentemente, a punição aos culpados por crimes do colarinho branco tem sido uma constante no Supremo Tribunal Federal (STF), e Bolsonaro chamou para seu governo o então juiz Sérgio Moro para aparentar que o combate à corrupção seria sua prioridade.
Questões pessoais, envolvendo seus filhos, e ele próprio sendo investigado por ações na Presidência da República para controlar a Polícia Federal e outros órgãos de investigação como o Coaf, fizeram com que caísse a máscara de Bolsonaro.
A união ao Centrão, grupo de partidos ligados ao fisiologismo, com diversos integrantes investigados pela Lava-Jato, marcou de vez a mutação, de combatente da corrupção a conivente com “criaturas do pântano”, no dizer de Sérgio Moro. Fazer graça com a idéia de “acabar com a Lava-Jato” é um ato falho de quem disputa com o fantasma de Moro, que o persegue nas redes sociais que um dia foram suas.
A reação à fala de Bolsonaro mostrou que não será fácil acabar com a Lava-Jato, que se incorporou ao imaginário popular como um avanço civilizatório.